Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
009
Domínios armados
e seus governos criminais –
uma abordagem nã o
fantasmagó rica do “crime
organizado”
JACQUELINE DE OLIVEIRA MUNIZ I
CAMILA NUNES DIAS II
N
dossiê Crime Organizado, realizado pela revista Estudos
O pRIMEIRO
Avançados 61, Muniz e Proença Jr. (2007) já chamavam a atençã o para
o fato de que essa categoria ilude mais do que esclarece sobre os
fenô menos
que circunscreve. Corresponde a uma palavra-performance que cria um efeito de
realidade no ato mesmo de sua enunciaçã o. Serve como uma categoria-exílio,
uma espécie de depó sito de fragmentos empíricos, de conjecturas, prescriçõ es
político-jurídicas e raciocínios hipotéticos que conjugam achados de pesquisa
com os achismos do senso comum.
Crime organizado aparece no debate pú blico como uma categoria em
dis- puta por uma unidade classificató ria no universo acadêmico e por uma
hege- monia tipoló gica no mundo das políticas pú blicas de segurança. A
ausência de consensos científico e normativo possibilita acordos técnicos e
procedimentais, mais ou menos tá citos, de seu conteú do arrolado. Revela-se
que o tal crime organizado é um arquivo cumulativo e provisó rio de
presunçõ es, prescriçõ es e prospecçõ es aberto ao devir das experiências sociais,
políticas e institucionais em um dado contexto histó rico.
Há que problematizar essa nomenclatura e seu rendimento explicativo,
diante do á lbum de evidê ncias empíricas disponíveis e do acervo crítico da
pro- duçã o acadê mica recente (Salla; Teixeira, 2020). Ela possui um forte apelo
mi- diá tico e político-jurídico que produz efeitos sobre as representaçõ es e
prá ticas sociais sobre o crime, a violência e a insegurança, independentemente
do que seja capaz de esclarecer sobre grupos que atuam nos mercados ilícitos
e que sã o definidos e/ou auto identificados como criminosos.
A classificaçã o de crime organizado tem sua origem na tradiçã o da crimi-
ESTUDOS AVANÇADOS 36 (105), 2022 1
nologia norte-americana e constitui-se num fenô meno empírico-terminoló gico
do século XX. Nesse sentido, seria inú til buscar raízes histó ricas anteriores
por-
reSUMo – Busca-se contribuir para a compreensã o das dinâ micas sociais, econô micas e
políticas onde se estabelecem domínios armados com suas ambiçõ es de hegemonia
so- bre territó rio e populaçã o e de monopó lio de mercados ilegais. Parte-se das
prá ticas de governança criminal do PCC em Sã o Paulo e das milícias no Rio de Janeiro
como ilus- traçõ es de exercício de governos criminais, explorando suas similaridades e
diferenças. Propõ e-se uma grade conceitual-analítica a partir de alguns elementos
centrais como as mú ltiplas relaçõ es com diversos atores estatais, a complexa inserção
comunitá ria e a