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O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL E A EXPANSÃO DAS

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

THE FEDERAL PENITENTIARY SYSTEM AND THE EXPANSION OF


CRIMINAL ORGANIZATIONS

Laís Reis Teixeira1

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a relação existente entre a movimentação
dos presos dos presídios estaduais para as penitenciárias federais, vinculadas ao Sistema
Penitenciário Federal, avaliando se tal procedimento contribui, de alguma forma, como
fomento à expansão das facções criminosas pelo Brasil e, ainda, avaliar de que forma isso
impacta sobre o monopólio da violência e do controle estatal nas prisões.

Palavras-Chaves: Sistema Penitenciário Federal. Organizações Criminosas.


Transferências. Expansão.

ABSTRACT

This article aims to analyze the relationship between the movement of prisoners from
state prisons to federal penitentiaries, linked to the Federal Penitentiary System,
evaluating whether this procedure contributes, in some way, to the expansion of criminal
factions in Brazil and, also, to evaluate how this impacts on the monopoly of violence and
state control in prisons.

Key-Words: Federal Penitentiary System. Criminal Organizations. Transfers.


Expansion.

1
Advogada. Mestranda em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Pós
graduada em Direito Eleitoral. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.
1. INTRODUÇÃO

Os presídios brasileiros, invadidos por uma crescente massa carcerária, sem a


estrutura física e funcional adequadas, tornaram-se verdadeiros campos minados, prontos
para explodir, gerando, ao invés da promessa de garantia de segurança, integridade e
recuperação da pessoa presa, grave risco de contaminação criminógena, transformando o
neófito no crime em perigoso criminoso, constituindo-se em verdadeira universidade do
crime, além de escritório da criminalidade, de onde membros de facções comandam o
crime organizado.

Ressalta-se que, em face das precariedades das prisões brasileiras, na maioria


delas, infelizmente, não se observa sequer a separação de presos, misturando-se primários
com outros de extrema periculosidade, provisórios com condenados, jovens com idosos.
Esse ambiente promíscuo, sem trabalho, educação, lazer, segurança etc, evolui o
comportamento marginal do recluso, que, ao final, sai da cadeia mais violento e
pervertido do que quando entrou, cometendo, após a sua passagem pelo cárcere, crimes
mais graves, às vezes impelido por outros presos com quem teve convivência ou por
facções criminosas com as quais teve que se associar, até mesmo como forma de
sobrevivência.

De acordo com TEIXEIRA (2008), ausente o Estado, vale lembrar, abrem-se as


portas para toda espécie de poder paralelo, o que acaba por gerar a criação de facções
criminosas no interior dos presídios, como foi o caso do Primeiro Comando da Capital
(PCC) em São Paulo, do Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro e, mais
recentemente, da facção Família do Norte (FDN) em Manaus.

Apesar de não existirem dados oficiais sobre o assunto, especialistas em


segurança pública e violência urbana no Brasil estimam a existência de aproximadamente
80 facções criminosas no país2, com ramificações em diversas unidades da federação.

2
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. Enquanto isso, a DW Brasil, a partir
de citações em relatório de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e em mapeamento, com base em
cruzamento de dados dos serviços de inteligência da Polícia Federal e secretarias de segurança pública
estaduais, indicou que há pelo menos, 83 organizações de presos no Brasil, a maioria com atuação estadual
ou local. Disponível em: www.dw.com/pt-br/brasil-tem-pelo-menos-83-facções-empresídios/a-37151946 .
Acesso em 05/04/2022.
Nesse cenário, foi criado em 2006 o Sistema Penitenciário Nacional - SPN como
uma válvula de escape para os estados brasileiros que buscam resolver os problemas
causados pelas facções criminosas nos seus sistemas prisionais, combatendo o crime
organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade, por meio de rigoroso
e eficaz regime de execução penal. Assim, em tese, recolhem-se nesse Sistema os presos
mais perigosos, violentos, chefes ou líderes de gangues de presos. Porém, indaga-se aqui,
se a implantação do referido sistema e seu mecanismo de atuação têm contribuído para a
expansão e/ou fortalecimento de organizações criminosas prisionais no Brasil, além de
proporcionar oportunidade para acordos entre elas?!

Nesse contexto é que se pretende estudar o sistema prisional brasileiro,


especialmente os presídios federais e sua interrelação com os sistemas estaduais de
execução da pena, a partir da análise da influência estabelecida pela movimentação dos
presos entre os dois sistemas, que, por ventura, pode propiciar o encontro de lideranças
criminosas no Sistema Penitenciário Federal e a criação de novas gangues de presos no
sistema estadual, formando o que se chamou de “Comitê Central do Crime” (DIAS,
2017).

Para tanto, este artigo será dividido em 3 seções, construídos a partir da análise
bibliográfica, pesquisa documental, além de coleta de informações oficiais, materiais
jornalísticos, revistas, artigos científicos, entre outros, utilizando-se o método indutivo,
do qual infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas, que
conduzem a conclusões prováveis.

A primeira seção tratará sobre a origem e a evolução das organizações criminosas,


destacando-se as duas maiores facções brasileiras, o Comando Vermelho (CV) e o
Primeiro Comando da Capital (PCC) .

A segunda seção abordará a criação do Sistema Penitenciário Federal (SPF) e seu


funcionamento no combate ao crime organizado.

Por fim, na terceira, analisar-se-á, se houve contribuição do SPF para a expansão


das gangues prisionais, a partir da movimentação de presos entre esse sistema e o sistema
penitenciário estadual.

2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS:


De acordo com Lima (2014) “não é tarefa fácil precisar a origem das organizações
criminosas”, até mesmo porque, não há um consenso sobre o assunto, mas é possível
perceber que pessoas sempre se reuniram com o objetivo de comungar esforços para a
consecução de fins comuns e, quando esses interesses ou metas se mostraram ilícitos,
tornou-se evidente a ideia do crime organizado.

Conforme Araújo apud Natália Lacerda (2018) decerto que os fenômenos


predecessores do crime organizado não denotavam todas as características exigidas pela
doutrina para configuração da infração, todavia, encontram-se aspectos semelhantes em
movimento de proteção contra arbitrariedades praticadas pelos poderosos e pelo Estado,
tais como estabilidade, hierarquia, emprego de violência e o fim lucro.

Para Rafael Pacheco (2011, p.22):

“Os relatos demonstram que algumas das organizações criminosas


tradicionais conhecidas na atualidade, estas tratadas adiante, não eram
inicialmente dedicadas a atividades criminosas.A maioria teve como
nascedouro movimentos populares, o que facilitou sobremaneira sua
aceitação na comunidade local, assim como o recrutamento de voluntários
para o exercício de suas posteriores atividades ilícitas. As descrições mais
remotas dessas associações podem ser identificadas no início do século
XVI e tinham como fundo motivador e organizacional os movimentos de
proteção contra as arbitrariedades praticadas pelos poderosos do Estado,
em relação a pessoas que geralmente residiam em localidades rurais, menos
desenvolvidas e desamparadas de assistência dos serviços públicos.”

Como já dito, estabelecer um marco temporal da prática criminosa organizada é


difícil. Alguns apontam que a gêneses das organizações criminosas são encontradas no
período feudal na China (Tríades Chinesas3) e no Japão (Yakuza4). Também há quem

3
As Tríades Chinesas surgiram no ano de 1644, como movimento popular para expulsar os invasores do
Império Ming. Em 1842 com a colonização inglesa de Hong Kong seus membros para lá se dirigiram e
depois para Taiwan, onde incentivaram camponeses a plantarem a papoula e a explorar o ópio, que até
então era uma atividade lícita. Um século depois, foi proibido o comércio do ópio em todas as suas formas,
ocasião em que as Tríades passaram a explorar hegemonicamente o “negócio” da heroína (SILVA, 2003,
p. 20).
4
sua origem remonta aos tempos do Japão feudal do século XVIII, desenvolveu-se na execução de
atividades de dupla valência: ilícitas – cassinos, prostíbulos, turismo pornográfico, tráfico de mulheres,
drogas e armas, lavagem de dinheiro e usura; e lícitas – casas noturnas, agências de teatro, cinema,
publicidade e eventos esportivos. No século XX, com o desenvolvimento industrial do Japão, incorporaram
as suas atividades a prática das chamadas “chantagens corporativas” que consistem em adquirir ações de
uma empresa e a partir de então exigir lucros exorbitantes, sob pena de revelarem os segredos industriais
aos concorrentes (SILVA, 2003, p. 20).
aponte que a piratia representa a forma mais antiga de organização criminosa, destacando
época em que o povo grego tomava à força mercadorias dos fenícios e assírios. A pirataria
também teve destaque com as colonizações e expansão da Europa nos outros continentes,
período em que piratas, especialmente ingleses (corsários), levaram terror aos mares,
identificando-se traços característicos do fenômeno, como a organização hierárquica,
perpetuação, violência, seleção dos membros, busca de lucros a partir de atividades
ilegais, corrupção, entre outros.

Todavia, o conceito mais amplo e aceito pelos juristas brasileiros tem como
fundamento a complexidade do modus operandi, a influência do capitalismo e o
fenômeno da globalização, sendo certo que não adianta ficar analisando os meandros
históricos da idade antiga ou idade média para se identificar a origem das organizações
criminosas. Nesse sentido:

[...] o “organized crime” como tentativa de categorização é um fenômeno


de nosso século e de pouco vale que os autores se percam em descobrir seus
pretensos precedentes históricos, mesmo remotos, porque entram em
contradição com as próprias premissas classificatórias. É absolutamente
inútil buscar o crime organizado na Antigüidade, na Idade Média, na Ásia
ou na China, na pirataria etc., porque isso não faz mais que indicar que se
há olvidado uma ou mais das características em que se pretende fundar essa
categoria, como são a estrutura empresarial e, particularmente, o mercado
ilícito (Zaffaroni apud Beck, 2004, p.59).

Diante de tudo isso, as organizações criminosas mais próximas do modelo atual


de crime organizado, pode-se dizer, são as máfias italianas. Várias são as versões sobre
seu nascimento, sendo a mais antiga, a do historiador americano Normas Lewis5, que
afirma que ela surgiu no século IX, quando os normandos dominaram os sarracenos,
muçulmanos que viviam na Sicília. Como estes foram expulsos de suas casas e ficaram
sem terras, alguns refugiaram-se nas montanhas e outros tornaram-se servos, todavia, a
ideia de resistir a dominação permanecia viva entre eles. De acordo com Teixeira (2018),
assim teria nascido a máfia6, nome derivado do árabe e que significaria refúgio, tendo

5
LEWIS, Norman. A Máfia por dentro. São Paulo, Civilização Brasileira, 1967.
6
Na lição de Fernandes & Fernandes, a etimologia da palavra “máfia” é duvidosa, podendo significar, de
acordo com o dialeto siciliano, esperteza ou bravata; Há também quem afirme sua origem da palavra moura
“mahyas”, que significa defender alguém de alguma coisa; Por fim, sustenta-se ainda que seja derivação da
palavra francesa “meffler”, de “maufe”, o deus do mal.
como escopo criar laços de família baseados no legado siciliano de fidelidade, honra e
vingança.

Conforme explica Fernandes & Fernandes (2002), as organizações criminosas


surgiram na Itália, sob a modalidade mafiosa também conhecida como “La cosa nostra”
na região da Sicília, por volta de 1860, onde a burguesia local passou a ser enfrentada por
rurais e por grupos de jovens que buscavam terras para si, formavam grupos de três ou
quatro pessoas e se denominavam “homens de honra”. Rodeados por servidores fiéis,
garantiam a justiça onde a lei não alcançava. À época, aconteciam ataques ao patrimônio
dos grandes latifundiários e, para que não tivessem suas propriedades destruídas ou
saqueadas, faziam um “acordo” com a máfia, formada por diversos grupos denominados
famílias.

Podemos destacar, ainda, outras associações mafiosas na Itália, como a Camorra,


oriunda das prisões napolitanas e a N’drangheta, da região de Calábria, que praticavam
atividades de extorsão e contrabando, à princípio, e depois, começaram a traficar e lavar
dinheiro, porém, com a crise econômica no final do século XIX, as famílias italianas
imigraram para outros países, o que favoreceu a transnacionalidade da máfia italiana.

Desse modo, a máfia chega aos Estados Unidos, onde ficou conhecida como
“Sindicato do Crime” e marca, efetivamente, a atuação do crime organizado na sociedade
de consumo.

Quanto ao Brasil, também não se pode precisar qual foi a primeira organização
criminosa, mas a doutrina aponta que a manifestação mais remota no país é o cangaço,
tendo seu início apontado entre os séculos XIX e XX, representando uma revolução em
relação ao poder local em contraposição ao Estado Nacional da época.

O cangaço era dotado de organização hierárquica, com divisão de funções e tinha


objetivo de auferir riquezas por meio de ameaças, extorsões, sequestros, saques, contando
com a colaboração de chefes políticos, fazendeiros e policiais, que facilitavam o acesso a
armas e munições.

Concluída a análise sobre a origem das organizações criminosas, questiona-se,


então, qual é a sua definição legal?!
Inicialmente, esclarece-se que, até o ano de 2012, não havia uma definição legal
de “organização criminosa” no ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual, utilizou-
se a definição dada pela Convenção de Palermo7, ratificada no Brasil mediante o Decreto
Legislativo nº 231/2003 e inserida no arcabouço jurídico por meio do Decreto nº
5.015/2004, que trazia os seguintes conceitos:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais


pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na
presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de
privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com
pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a


prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham
funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua
composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;

Como sua inserção se deu por meio de simples decreto, a norma ficou fragilizada,
tendo o Supremo Tribunal Federal, inclusive, decidido que a utilização da Convenção de

7
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como
Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional.
Ela foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, data em que foi colocada à
disposição dos Estados-membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003. A
Convenção é complementada por três protocolos que abordam áreas específicas do crime organizado: o
Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e
Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea;
e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.
A Convenção representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional e significa o
reconhecimento por parte dos Estados-Membros da gravidade do problema, bem como a necessidade de
promover e de reforçar a estreita cooperação internacional a fim de enfrentar o crime organizado
transnacional. Os Estados-membros que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série
de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional
de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução
da justiça. A convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de
extradição, assistência legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem ser promovidas
atividades de capacitação e aprimoramento de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar a
capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma resposta eficaz ao crime organizado. Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={AE4B
2344-BC60-4F31-BE82-44DE97715C2D}&ServiceInstUID={D4906592-A493-4930-B247-
738AF43D4931}
Palermo violaria o princípio da legalidade, ante a omissão e a inexistência de lei em
sentido formal e material definindo o que deveria ser entendido como organização
criminosa.8

Somente em 2012, com o advento da Lei nº 12.694, definiu-se, no ordenamento


pátrio, o que seria organização criminosa, que assim dispôs em seu art. 2º :

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a


associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4
(quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Todavia, referida lei apenas trouxe o conceito de organizações criminosas e a


formação do juízo colegiado, deixando de fora todo o processo de investigação e
produção de provas, o que só ocorreu com a criação da Lei n. 12.850/13, a qual definiu
organização criminosa em seu art. 1º, §1º como sendo:

Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a


investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais
correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou


mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos,
ou que sejam de caráter transnacional.

Barbosa (2015) menciona outros atributos que fazem parte do conceito estudado:

A lei exige que esta associação criminosa há de ser estruturalmente


ordenada e caracterizada por divisão de tarefas. Assim, não basta para a
caracterização da organização criminosa que haja o mero concurso de
pessoas. Para se ter uma societas sceleris, nos termos da lei, há de haver
animus associativo entre seus membros e é preciso que ela possua uma
estrutura organizacional estável montada com o escopo deliberado de

8
STF - HC: 96007 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/06/2012, Primeira
Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-
2013)
exercer atividades voltadas à prática de infrações penais que possuem penas
máximas superiores a quatro anos, ou ainda que tais infrações sejam de
matriz transnacional. No contexto delituoso da associação criminosa, os
agentes devem exercer papéis no empreendimento criminoso para a
consecução das infrações penais. Ou seja, os membros da organização
atuam contribuindo para o desiderato criminoso da organização através de
tarefas como planejamento, financiamento, lavagem de capitais,
recrutamento de novos membros, infiltração nos órgãos públicos,
cooptação de agentes públicos, execução de ações violentas e de grave
ameaça como extorsões, lesões corporais, homicídios e ameaças.

Ou seja, para a caracterização de uma organização criminosa é preciso que exista


um vínculo de no mínimo 04 (quatro) pessoas, que seja estruturada, tenha divisão de
tarefas e que tenham penas máximas superiores a 04 anos ou tenham caráter
transnacional.

A partir dessa concepção atual do que se considera uma organização criminosa,


as mais antigas são as máfias ítalo-americanas. No entanto, modernamente, as atividades
de organizações criminosas dos tipos empresariais e prisionais, conhecidas como gangues
de presos (também chamadas de facções) ganharam muito espaço e encontram-se em
crescimento no Brasil, principalmente nas prisões brasileiras, conforme nota-se da
imagem abaixo, destacando-se: Comando Vermelho (C.V.), Primeiro Comando da
Capital (PCC), Amigos dos Amigos (ADA), Inimigos dos inimigos (IDI), Terceiro
Comando da Capital (TCC), Família do Norte (FDN), entre outras.
Para melhor compreensão e estudo dos mecanismos de controle e poder das
organizações criminosas, analisaremos, de forma sucinta, as duas maiores facções
brasileiras: o Comando Vermelho (C.V.) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

De acordo com Amorim (2011), o Comando Vermelho surgiu no ano de 1979, no


interior do Instituto Penal Cândido Mendes, mais conhecido como “caldeirão do diabo”,
situado em Ilha Grande, município de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, tendo o
seu início marcado pelo agrupamento de presos recolhidos naquele estabelecimento
prisional.

Para compreender a criação do CV é necessário entender o panorama histórico no


qual o mesmo estava inserido. Sua origem se deu no período militar, através da junção na
prisão de presos comuns com presos políticos9, estes militantes de grupos armados

9
Durante a ditadura militar, surgiram as guerrilhas urbanas, grupos considerados de esquerda que lutavam
contra o governo ditador utilizando-se de práticas tidas como subversivas, principalmente em ataques contra
instituições financeiras. O governo buscou repelir de forma violenta tais manifestantes; não tardou muito,
e os guerrilheiros, como eram chamados, começaram a ser presos e amontoados nas celas sob condições
durante a ditadura militar, conhecido como Falange Vermelha. E esse convívio permitiu
que os presos comuns recebessem lições de organização, estrutura hierárquica, ações de
proteção e enfrentamento do sistema estatal, formando uma espécie de coletivo
organizado de criminosos, garantindo-lhes segurança e controle.

Porto (2008) cita como principais fundadores do Comando Vermelho, "os


detentos José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha; Francisco Viriato de Oliveira, o
Japonês; José Carlos Gregório, o Gordo e William de Silva Lima, o Professor”. Amorim
(2011), por sua vez, aduz que o líder mais carismático da organização foi Rogério
Lengruber, também conhecido pelas alcunhas de “bagulhão”, “marechal” e “presidente
do CV”, razão pela qual muitas vezes é corriqueiro encontrar nas paredes dos presídios e
muros dos morros cariocas a sigla CVRL, sendo as duas últimas letras uma referência a
Rogério Lengruber, como forma de homenagem da facção a este integrante já falecido.

Nesse sentido, Shimizu (2011) aponta o viés político que norteou a formação do
CV:

Assim, em sua origem, o Comando Vermelho era composto por presos


politizados, custodiados pelo Estado por terem sido acusados de assalto a
instituições financeiras. A facção impôs uma disciplina à população
carcerária que se legitimou entre os presos, dando-lhes relativa proteção
contra violências e arbitrariedades por parte de outros internos e
disseminando um discurso político de resistência às autoridades e às
condições do sistema penitenciário. Vê-se, portanto, que, no princípio, o
CV tinha feições bastante diferentes do grupo que, hoje em dia, é veiculado
pela mídia como responsável pelo domínio da maioria dos pontos de tráfico
de drogas no Rio de Janeiro.

Segundo Porto (2008), com o passar do tempo, o Comando Vermelho foi se


tornando cada vez mais forte, tendo como principais atividades o tráfico de drogas em
grandes proporções, tanto nacionalmente como fora do país, o tráfico de armas e os
temidos sequestros, porém, a facção também passou a desenvolver outras práticas como
maneira de arrecadar dinheiro com destinação à compra de drogas ilícitas.

subumanas, assim como os outros criminosos não guerrilheiros. Já em 1964 chegaram os primeiros
guerrilheiros ao presídio de Ilha Grande (Instituto Penal Cândido Mendes), no Rio de Janeiro. No presídio,
a divisão era feita por denominação, ou seja, os guerrilheiros e ativistas presos eram os chamados presos
políticos; e o restante, os presos comuns
Uma das primeiras ações do CV foi a criação do chamado “caixa comum” da
organização, representando uma arrecadação em dinheiro proveniente das ações
delituosas dos membros da organização que estavam em liberdade, para ser utilizado no
financiamento de fugas, promoção de melhorias nas condições carcerárias e ajuda aos
familiares dos presos. Isso contribuiu para que o CV assumisse uma posição de comando
nas penitenciárias.

Fora das prisões, os membros da facção passaram a colocar em prática as lições


que haviam aprendido, com ênfase nos assaltos às instituições bancárias, empresas e
joalherias, além de sequestros. Tais ações eram muito bem planejadas e, na maioria das
vezes, realizadas com sucesso.

Outro fator preponderante no crescimento do Comando Vermelho foi o comércio


de drogas. A partir de 1984, o tráfico, que antes era modesto e praticado de forma menos
abrangente, virou alvo do grupo, que pretendia controlar a venda das drogas em toda a
região do Rio de Janeiro, inclusive nas favelas. Os lucros obtidos com a traficância
proporcionaram a compra de armamentos e munições potentes, muitos deles usados por
forças militares.

Shimizu (2011) narra que a ascensão da facção pelos morros cariocas também foi
motivada, principalmente, pelo distanciamento do poder público nessas regiões mais
pobres, razão pela qual o Comando Vermelho aproveitou a oportunidade de operar como
um Estado paralelo.

Pode-se dizer que o Primeiro Comando da Capital (PCC) teve início semelhante
ao CV, ou seja, um grupo que se originou dentro do sistema carcerário brasileiro, mas,
dessa vez, em São Paulo, em 1993, também chamado de “Sindicato do Crime” ou pelos
números 15.3.3, onde 15 é a letra P do alfabeto e 3 a letra C.

Referida facção surgiu pouco depois do massacre do Carandiru. Por conta desse
episódio, lideranças do Carandiru foram removidas para presídios do interior e, parte
delas foi então, encaminhada para o Anexo da Cadeia de Taubaté, também conhecido por
“Piranhão”. O Anexo da Casa de Custódia de Taubaté era, à época, tido como a unidade
prisional mais segura do estado, porém, suas condições de custódia não eram as melhores,
o que a levou a ser chamada pelos presos de “Caverna” ou “Campo de Concentração”
(Dias, 2013).
Os oito10 presos que vieram do Carandiru, conhecidos como “os da capital”,
formaram um time de futebol, o qual resolveram batizar de “Comando da Capital” e
participaram de um torneio na cadeia, tornando-se campeões. Então, aproveitaram a união
do time e planejaram matar dois desafetos durante a partida de futebol

Diante de tal formação, resolveram promover um jogo contra o time “Comando


Caipira”, o grupo rival, que possuía, até aquele momento, o controle da unidade prisional.
Então, em 31/08/1993, durante a partida de futebol, o Comando da Capital matou o líder
rival e o grupo jogou bola com a cabeça dele. Assim, nasceu o Primeiro Comando da
Capital, inicialmente com o objetivo de combater a opressão dentro do sistema prisional
paulista, bem como, de vingar a morte dos 111 presos chacinados no Carandiru,
transformando-se, na sequência, em uma espécie de partido político do crime, voltada
para enfrentar o sistema e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Por um bom tempo o PCC viveu no anonimato, vindo a ser objeto de reportagem
em 1977, com as autoridades locais não acreditando em sua existência, o que permitiu
que se fortalecesse cada vez mais. Porém, em 2001, o PCC coordenou, por telefones
celulares, rebeliões simultâneas em 29 presídios paulistas, tornando-se manchete
mundial, o que obrigou o governo de São Paulo a admitir publicamente a existência da
referida facção, quando, na tentativa de isolar os líderes da facção, 11 enviou-os para o
Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, favorecendo, assim, o estreitamento
das relações entre PCC e CV.

A demonstração do poder do PCC mostrou a fragilidade do sistema penitenciário


e popularizou a facção, que teve um crescimento massivo de criminosos. Na mesma
época, a organização criou um estatuto com regras de conduta e com diretrizes idênticas
às do Comando Vermelho, tendo como liderança José Márcio Felício, vulgo “Geleia”. A
associação com o Comando Vermelho deu maior força e poder a ambas organizações,
gerando uma situação sem precedentes no sistema carcerário brasileiro, permitindo que
presos comandassem diversas atividades ilegais de dentro dos presídios, tornando seu
combate um desafio e uma necessidade. (DIAS, 2013).

10
Eram eles: José Márcio Felício (Geleião), Ademar dos Santos (Dafé), António Carlos dos Santos (Bicho
Feio), António Carlos Roberto da Paixão (Paixão), César Augusto Roriz da Silva (Cesinha), Isaías Moreira
do Nascimento (Esquisito), Mizael Aparecido da Silva (Miza) e Wander Eduardo Ferreira (Cara Gorda).
11
Os líderes eram César Augusto Roriz, o Cesinha, e José Márcio Felício dos Santos, o Geleião.
Quanto às formas de atuação do PCC, pontua-se que ele forma seu caixa por meio
de mensalidades pagas por seus membros, rifas, empréstimos aos associados, pontos de
drogas, dentre outras ações como assassinatos, sequestros, roubos a bancos, etc. O
dinheiro é empregado para comprar armas, drogas e financiar ações de resgates de presos
ligados ao grupo.

Para se tornar membro, o criminoso precisa ser “batizado”, ou seja, apresentado


por um “padrinho” que é um outro preso que já faz parte da organização criminosa e que
se responsabilizará por suas ações junto ao grupo. Depois o “afilhado” promete fidelidade
ao PCC, recebendo uma cópia do Estatuto, o qual tem que obedecer.12

A estrutura da facção era, à princípio, piramidal, mas, atualmente, é dividida em


células, com integrantes com funções bem definidas, como, por exemplo, os chamados
Pilotos, Torres e Sintonias, permitindo que as atividades criminosas continuem mesmo
sem a presença dos seus líderes, que se encontram privados de liberdade. Nesse sentido,
Porto (2008) explica:

Com a expansão da organização, a ordem hierárquica desenvolveu uma


ordenação escalonada mais complexa e culminou com a criação dos
chamados “Pilotos” e “torres”, presidiários que detêm poder de mando
dentro de determinado presídio ou pavilhão como representante dos
“Fundadores” ou em situação semelhante a estes. As “torres” têm
autonomia de decisão dentro de sua área de atuação, e elas funcionam como
“última instância antes da liderança geral”. O pavilhão ou presídio sob
influência de cada “Piloto” é conhecido como “raio”, dentro do qual nova
escala hierárquica se estabelece, igualmente de natureza piramidal. Assim,
define-se a escala orgânica do chamado Primeiro Comando da Capital.
(PORTO, 2008, p. 74- 75)

Desse modo, o PCC dominou quase que a totalidade dos presídios paulistas e
possui ramificações em todos os estados brasileiros, estendendo-se até mesmo em outros
países como Uruguai, México, Colômbia, Paraguai, Bolívia, Peru, Argentina, Chile,

12
Estatuto redigido pelos fundadores reunidos no Piranhão, em 1993, e que foi atualizado em 2017, em
razão da comemoração dos 24 anos de existência do PCC, contando com 18 itens. Disponível em:
https://faccaopcc1533primeirocomandodacapital.org/regimentos/estatuto_do_primeiro_comando_da_capi
tal_faccao_pcc_1533/. Acesso em 19/04/2022.
Venezuela e Guiana Francesa, com mais de 30 mil integrantes e faturamento anual médio
de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).13

Inobstante as gangues de presos mais antigas e poderosas tenham surgido no Rio


de Janeiro e em São Paulo, espalharam-se por todo o Brasil, o que pode ser explicado
pelo contato que essas lideranças criminosas do Rio e São Paulo, quando transferidos para
outros estados, tiveram com outros presos, contribuindo, assim, para o incentivo e ajuda
na constituição de novos coletivos organizados de presos.

3. O SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

Destaca-se que as prisões brasileiras, em razão de sua falta de estrutura,


superlotação, dentre outras violações aos direitos dos presos, representam um ambiente
propício ao crescimento de facções criminosas que ganham espaço por lutarem pelas
garantias legais dos presos e garantirem a segurança de seus membros, arregimentando,
assim, vários deles para suas organizações.

Esses grupos de criminosos aproveitam-se das fragilidades do sistema carcerário,


uma vez que não há o devido controle por parte do Estado, e aí se fortalecem, ficam mais
estruturados e avançam como organizações criminosas que, com ações simbólicas e
violentas, vêm extrapolando os muros das unidades prisionais, intimidando e assustando
toda a sociedade. Ou seja, enquanto o sistema penitenciário estadual enfraqueceu, o crime
organizado dentro das prisões se fortaleceu.

Nesse cenário, instituiu-se o Sistema Penitenciário Federal (SPF), com


fundamento legal no art. 86 §1º da Lei n. 7.210/84 - Lei de Execução Penal - LEP e
regulamentado a partir da publicação do Decreto nº 6.049/2007, com a missão de
combater o crime organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade,
por meio de um rigoroso e eficaz regime de execução penal, salvaguardando a legalidade
e contribuindo para a ordem e a segurança da sociedade, conforme previsto no Portaria
nº 103/2019 do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN.14

13
REVISTA ISTO É. Os donos do crime. Edição 2456 de 06 jul. 2017.
14
Depen é órgão atualmente ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, cuja função é acompanhar
e controlar a aplicação da Lei de Execução Penal e as diretrizes da Política Penitenciária Nacional. Ainda,
é o responsável pelo Sistema Penitenciário Federal.
Atualmente são cinco os presídios federais que compõem o Sistema Penitenciário
Federal, distribuídos nas cinco regiões do Brasil, sendo subordinados ao DEPEN-MJ,
apresentando, em todas elas, as mesmas características de unidade prisional de segurança
máxima. São elas: Catanduvas/PR; Campo Grande/MS; Porto Velho/RO; Mossoró/RN e
Brasília/DF, como ilustrado na imagem abaixo:

Referidas penitenciárias possuem 20815 (duzentas e oito) vagas, divididas em 04


(quatro) alas, cada uma delas com 52 (cinquenta e duas) vagas, subdivididas em 04
(quatro) vivências, sendo que o número máximo de presos por vivência é 13 (treze). Além
disso, possuem ainda 14 (quatorze) celas de isolamento, próprias ao Regime Disciplinar
Diferenciado.

Os estabelecimentos federais estão equipados com câmeras de infravermelho,


equipamentos de raios-x e espectrômetros que detectam alguns tipos de explosivos,
drogas e produtos tóxicos nas entradas. As paredes e os pisos foram feitos para suportar
impactos de até trezentos quilogramas. As celas são individuais (cf. artigo 6º, inciso V,
Decreto nº 6.049, de 2007) e construídas com cama, banco e prateleiras de concreto,

15
Número abaixo do máximo previsto pelas Diretrizes Básicas de Arquitetura Penal, que, para
penitenciárias de segurança máxima, estabelece o número máximo de trezentos custodiados.
fixadas ao chão, de forma que nada do interior das celas possa ser usado como arma. Os
colchões são à prova de fogo.

Destaca-se que os presos são incluídos no SPF por um prazo de 03 (três) anos,
podendo sua permanência ser prorrogada quantas vezes forem necessárias com base em
indícios de manutenção dos motivos que fizeram que ele fosse transferido para o referido
sistema, a partir de decisão judicial. Somado a isso, sob a justificativa de necessidade de
“desarticulação do crime”, a Portaria n. 718 do Ministério da Justiça, datada de agosto de
2017, proibiu as visitas íntimas às pessoas privadas de liberdade, salvo aos réus
colaboradores ou aos delatores. Por outro lado, conforme a Portaria n. 157/2019, são
permitidas as visitas sociais com vistas à manutenção dos “laços sociais e familiares” dos
indivíduos presos. Esses encontros estão restritos aos pátios de visitação, aos parlatórios
e às videoconferências.

Duarte (2022) explica que em reforço a essas medidas, o Depen indicava em seu
site16 que o nível de monitoramento dos estabelecimentos federais “é o mais alto
possível”. “Desde o primeiro dia, o preso começa a ser disciplinado”, segundo as regras
estabelecidas pelas direções dessas unidades penais, como: I) as movimentações da
pessoa são rigorosamente monitoradas; II) em “todos os passos” dados durante o trânsito
pela unidade, o preso fica algemado; III) toda vez que o indivíduo sai de sua cela, tal
espaço sofre revista; IV) o preso não tem acesso a tomadas elétricas, de modo que a
energia e o chuveiro ligam apenas em horas determinadas; V) “o ambiente é sempre
limpo”; VI) prevê-se somente duas horas de banho de sol por dia.

A demanda por vagas no sistema federal é alta, contudo, o número reduzido de


vagas oferecidas justifica-se, segundo o próprio sistema federal, pelo maior controle que
a lotação reduzida viabiliza. Ainda nesse sentido, dispõe a Lei nº 11.671 em seu artigo
11, caput, que “A lotação máxima do estabelecimento penal federal de segurança máxima
não será ultrapassada” e “§ 1º, aponta que o número de presos, sempre que possível, será
mantido aquém do limite de vagas, para que delas, o juízo federal competente, possa
dispor em casos emergenciais”. Percebe-se a preocupação do Governo Federal com a

16
Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1.Acesso em:
20/04/2021..
manutenção de rígidas ferramentas de controle nas penitenciárias, aptas a abrigar, desse
modo, os presos considerados mais perigosos à segurança pública.

Para ser incluído no Sistema Penitenciário Federal o preso deverá possuir um


perfil específico, compatível com, pelo menos, uma das características relacionadas
abaixo (art. 3º, do Decreto nº 6.877 de 2009): I - Ter desempenhado função de liderança
ou participado de forma relevante em organização criminosa; II - Ter praticado crime que
coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional de origem; III - estar
submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado - RDD; IV - Ser membro de quadrilha ou
bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça; V - Ser
réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua
integridade física no ambiente prisional de origem; ou VI - Estar envolvido em incidentes
de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

Desse modo, é evidente que o Sistema Penitenciário Federal tem como pretensão
manter sob custódia federal os criminosos mais perigosos, os líderes de facções,
afastando-os dos demais detentos para evitar a contaminação deletéria, com a intenção de
desarticulação das organizações que comandam ou participam.

Nesse ponto, há que se ressaltar que o SPF possui excelente estrutura física em
termos de segurança, com rigorosos protocolos, bem como, nesses 13 anos de
funcionamento, não há registro de fugas, rebeliões e nem entrada de materiais ilícitos.17
Porém, apesar da sua aparente eficiência, questiona-se, neste artigo, se a pretensão de
desarticular as facções criminosas, de fato, vem ocorrendo ou se a reunião de lideranças
criminosas, no mesmo espaço, tem fomentado a formação de novas articulações, com
consequente expansão do crime organizado pelas diversas regiões do país. É o que
discutiremos no próximo capítulo.

4. A CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL NA


EXPANSÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

17
No entanto, diferentemente do indicativo no site do Depen que consta que as unidades penitenciárias
federais nunca teriam sofrido motins, uma reportagem da Folha de S.Paulo, indicou, em 2014, que uma ala
inteira do presídio federal de Porto Velho/RO teve o interior de suas celas destruídas pelos detentos, no que
foi considerado o primeiro motim em uma unidade federal desde sua inauguração. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1552289-faccao-criminosa-se-articula-em-presidios-
federais-no-pais.shtml. Acesso em: 22/04/2022.
Como visto no capítulo anterior, o Sistema Penitenciário Federal foi idealizado
como forma de combate à criminalidade mais perigosa, contra a ascensão das facções
criminosas. Todavia, há ambiguidade em torno da sua finalidade. Há entendimentos (
DIAS e MANSO, 2018; TEIXEIRA, 2018; DUARTE, 2022) que, embora reconheçam a
rigidez do regime imposto, apontam o cometimento de ações ilegais nesses espaços, pois
o sistema não impediu as facções de se reorganizarem e aproveitarem a oportunidade das
transferências de presos para crescer além do seu território original, fazendo das prisões
federais um ponto central de articulação e desarticulação do crime no Brasil.

Nesse sentido, o promotor Augusto Rossini18 concluiu em um artigo incluído no


livro Execução penal: diferentes perspectivas:

Ao chegar em uma das quatro unidades, o preso amplia seu leque de conhecidos.
De um momento para o outro, seu campo de atuação passa de estadual para
nacional. […] O critério de escolha de uma unidade específica é o da facção
criminosa da qual supostamente o preso faz parte: se um preso é do PCC em São
Paulo, ficará na mesma unidade onde estão presos do mesmo PCC, mas de Santa
Catarina. Isso lamentavelmente nacionaliza o crime organizado. Em verdade, nunca
na história do país presos dos mais distantes quadrantes foram unidos pelo próprio
Estado. […] Quando uma liderança do Maranhão se encontraria com outra do Rio
Grande do Sul? Quando uma liderança de São Paulo se encontraria com outra de
Mato Grosso? Há presos de todos os cantos do país, todos eles ostentando excessiva
periculosidade e nefasta liderança em suas bases. O SPF permite que se encontrem
e interajam, a despeito das 22 horas passadas em celas individuais e apenas 2 horas
de banho de sol.

Os pesquisadores Manso e Dias, no livro A Guerra: a Ascensão do PCC e o Mundo


do Crime no Brasil, mostram como o Sistema Penitenciário Federal “funcionou como um
elo integrando indivíduos, grupos e organizações criminosas de todos os tamanhos e
lugares do Brasil”. Nas palavras de um membro da Sintonia dos Estados e Países do PCC,
que havia permanecido um ano em penitenciárias federais, o SPF era o “comitê central
do crime no Brasil”, uma vez que as unidades federais ofereciam oportunidade singular
de estabelecer contatos, alianças e rupturas entre as mais variadas facções.

Como exemplo, cita-se a criação da facção Família do Norte - FDN, apontada


como a terceira maior força criminosa do Brasil, que foi resultado da aliança entre dois
presos amazonenses, José Roberto Fernandes Barbosa, o “Compensa” e Gelson

18
Que foi Diretor-Geral do Departamento Penitenciário entre 2011 e 2014.
Carnaúba, o “Mano G”, líderes de gangues locais, transferidos para presídio federal, onde
passaram a ter contato com membros de outras facções, em especial do PCC e CV.

Em sua dissertação de mestrado, Santos (2016) elucida que:

O grupo Família do Norte surgiu a partir de uma ideia ousada por parte de
dois presos amazonenses transferidos para presídios federais, em criar uma
organização criminosa nos moldes do Primeiro Comando da Capital – PCC
e do Comando Vermelho – CV, sobretudo em razão da proximidade com
os países produtores de cocaína... A lógica dos fundadores da FDN foi a de
que juntos seriam mais fortes e não ficariam subordinados a nenhum grupo
de fora do estado. Fazer frente à atuação de outros grupos na fronteira com
países produtores era o primeiro passo para a independência na prática
ilícita.

Ainda de acordo com a autora:

Os fundadores eram dissidentes de grandes organizações criminosas como


Primeiro Comando da Capital – PCC e Comando Vermelho – CV e haviam
retornado de presídios federais, onde o fluxo de informações e contato com
presos de outros estados era constante.

Informações coletadas por Santos (2016) nos autos do Inquérito Policial nº


1088/DF, proveniente da Polícia Federal, relatam a aliança entre presos amazonenses,
após a estada deles em presídios federais, assentando:

É que, de acordo com as investigações da Polícia Federal, foi após uma


temporada em presídios federais de segurança máxima XXX, que
controlava o tráfico no bairro da Zona Oeste e XXX, que dominava a parte
da Zona Sul de Manaus-, decidiram trocar a concorrência por aliança .

Como bem demonstra Santos (2016, p. 55)

Essa alternativa trouxe benefícios e prejuízos. Enquanto o sistema prisional


estava aparentemente controlado, pois os principais líderes estavam fora do
“cenário” local, os presos amazonenses que estavam em presídios federais
começaram a observar os demais presos pertencentes a facções criminosas
que já atuavam no Rio de Janeiro e São Paulo, foi quando surgiram os
primeiros convites para integrar as facções.
Teixeira (2018) nos dá outro exemplo de aliança entre presos formada dentro dos
presídios federais. Segundo ele, a facção mais antiga a se instalar em solo rondoniense
foi o Comando Vermelho, que, de acordo com relatores do setor de inteligência
penitenciária da Secretaria de Justiça de Rondônia (SEJUS/RO), criou-se por conta da
transferência de presos de Porto Velho, rebelados do presídio estadual Urso Branco e
encaminhados para o Presídio Federal de Catanduvas/PR, em 2006. Ao retornarem a
Porto Velho, em 2008, de imediato deram início à criação de representação local da
organização criminosa fluminense, orientados pela direção nacional.

Referido autor ainda destaca que em razão da natureza das penitenciárias federais,
onde vários presos faccionados são reunidos em um mesmo sistema, pode haver uma
contribuição para o fortalecimento ou mesmo para a expansão das gangues de presos,
caso não se observe, com devida cautela, a escolha daqueles que devem ser mandados
para o SPF, selecionando-se, equivocadamente, aqueles que não preenchem o perfil
indicado para estar em uma unidade prisional de segurança máxima.

Pontua o citado autor que tais presos, conhecidos por “pés-de-chinelo”, por
questão de sobrevivência no SPF, sentem-se na obrigação de se vincularem a um grupo
criminoso. Conforme apuração de Teixeira (2018) junto a um preso que foi encaminhado
para o Presídio Federal de Catanduvas/PR, em outubro de 2006, já no primeiro banho de
sol, único momento em que os reclusos se encontram, imediatamente são abordados por
representantes da liderança de uma gangue, que tentam atraí-los e seduzi-los com
promessas de ajuda financeira, garantindo a sua subsistência, com apoio jurídico e
segurança de integridade física, bem como de sua família, com doação de cestas básicas,
passagens aéreas e terrestres para visitação e eventualidades necessárias.

Desse modo, o preso pé-de-chinelo, após se vincular formalmente a uma


organização criminosa, volta pior ainda, com uma verdadeira dívida, que deverá ser paga
de alguma forma, assumindo, assim, a obrigação de agir sempre que chamado, fazendo o
que solicitado, agindo com fidelidade a organização com a qual se vinculou.

Com bem aponta Teixeira (2018):

os presos do estado passam a ter contato com “a mais fina flor da


criminalidade”, ou seja, com o que há de mais perverso no mundo do crime,
com as maiores lideranças das maiores gangues nacionais, recebendo delas
toda espécie de informação que lhes permita avançar para um outro patamar
no campo da criminalidade, às vezes dispostos a praticar qualquer tipo de
crime que lhes garanta ascensão dentro do grupo criminoso. Enfim, quando
voltam, dizem ter sido instruídos pelos líderes das organizações criminosas
nacionais e se tornam os seus representantes legais nos estados brasileiros
para onde são encaminhados.

Outro ponto que merece destaque, conforme Teixeira (2018), é que, via de regra,
não há uma política para recebimento dos presos que retornam do SPF. Como exemplo,
cita o caso de 6 (seis) presos que estavam no Sistema Penitenciário Federal que, em seu
retorno para o presídio em Porto Velho, segundo informações de um dos diretores do
presídio, entraram como presos normais, contudo, já no primeiro banho de sol destinado
à ala, reuniram-se com a massa carcerária, falando para os presos em nome do comando
central de uma determinada facção, afirmando que viriam mais armas, dinheiro e que a
facção seria fortalecida, tornando, assim, as novas lideranças dentro do presídio.

Com essas transferências de presos entre as unidades prisionais, movimenta-se


também seu staff criminoso, aumentando o poderio local da organização criminosa. Desse
modo, criam-se as chamadas Casas de Apoio, estruturadas para dar suporte a organização
criminosa e sustentadas às suas expensas, servindo como base de operação e sustentação
da facção.

Teixeira (2018) ainda informa que, de acordo informações coletadas em


entrevista a Juiz Federal da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Rondônia,
um preso do SPF pode se comunicar com sua organização criminosa de diversas formas,
por exemplo:

1. Por intermédio de familiares do próprio preso;


2. Por intermédio de familiares de outros presos custodiados na mesma vivência;
3. Por intermédio de Advogados
4. Verbalmente durante as visitas sociais e íntimas, de familiares ou de
advogados.

Além dos meios acima expostos, o meio de comunicação mais utilizado, ao menos
no caso de presos nacionalmente conhecidos, como Fernandinho Beira-Mar, tem sido o
emprego de bilhetes, invariavelmente escritos em tamanhos reduzidos, contendo suas
ordens, em linguagem cifrada. Com isso, o principal modus operandi para receber
informações e repassar ordens, tem sido o recebimento e a entrega de bilhetes por
intermédio de familiares, advogados ou visitantes. Alguns chegam a ser contratados para
esse serviço. Enquanto isso, do lado de fora, há um grupo de pessoas especializadas em
decodificá-los.

A utilização de visitas de terceiros para trocas de bilhetes foi confirmada em


denúncia ofertada ao juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Rondônia e que
originou o Processo nº 0004178-50.2017.4.01.41001:

[...] as ordens são enviadas em pedaços de papel, as respostas chegam às


suas mãos também redigidas, para que o mesmo pudesse ter tempo
suficiente, quando recolhido em sua cela, para analisar as informações
recebidas e, em seguida, respondê-las para serem extraídas do presídio
durante a próxima visita a seu companheiro CLEVERSON, por intermédio
da esposa deste.

Pontua-se que apesar da função honrosa que os advogados exercem, há algumas


exceções que passam a atuar como arautos do crime, agindo como mensageiro da
criminalidade organizada. São verdadeiros integrantes da facção criminosa. Como
exemplo da forma como advogados são utilizados por esses grupos criminosos, podemos
citar a operação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo, batizada de Ethos19
que prendeu diversas pessoas ligadas ao PCC, suspeitas de movimentar dinheiro do crime
organizado em suas contas bancárias e ainda de ajudar a criar uma espécie de banco de
dados com os nomes e endereços de agentes penitenciários e seus parentes, que poderiam
ser mortos quando a facção julgasse necessário.

Ferreira (2016) narra que em março de 2009, a advogada Elker Cristina Jorge foi
acusada de ter levado uma carta do PCC aos chefes do Comando Vermelho, reclusos na
Penitenciária Federal em Catanduvas/PR, porém, ela foi interceptada e, segundo a Justiça,
era uma espécie de reconciliação entre as organizações, com relatos de ordens para crimes
e retaliações, o que motivou a prisão em flagrante da causídica.

Outro mecanismo comumente utilizado é a troca de informações entre presos de


celas e vivências próximas, por meio de toques específicos, de gritos e também por troca
de bilhetes, lançados por “terezas”, que são cordas feitas com perícia pelos presos, que

19
Advogados são presos por suspeita de ajudar facção em SP. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/policia-prende-advogados-por-suposta-ligacao-com-faccao-em-sp.ghtml
conseguem desfiar um lençol ou roupa e produzir cordas ou linhas que são arremessadas
para o lado de fora, auxiliados por um peso, colocado na ponta. As cordas lançadas são
entrelaçadas e, então, trocam-se bilhetes e repassam-se as informações.

O setor de inteligência do SPF, bem como a Polícia Federal, apuraram em 2017,


por meio de conversas interceptadas, que após transferência de Fernandinho Beira Mar
da Penitenciária Federal de Porto Velho/RO para a Penitenciária Federal de Mossoró/RN,
após se envolver em diversas faltas disciplinares, ele se encontrou com Abel Pacheco de
Andrade, integrante da cúpula do Primeiro Comando da Capital e, apesar de serem de
facções diferentes, juntos, confabularam para destruir o SPF. Beira Mar, que foi preso na
Colômbia, alertou que precisavam agir de forma mais dura e incisiva, obrigando o estado
a atender as reivindicações dos presos, transferindo-os para unidades com níveis de
segurança mais brandos. Desse modo, referido preso citou como exemplo a ação dos
membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC, que explodiam
torres de transmissão localizadas em áreas industriais; sequestravam pessoas importantes
no governo, exigindo em troca a transferência de presos de presídios de segurança
máxima para outra de segurança mínima; ou até mesmo a concessão de liberdade para
alguns, em troca de não se executar os sequestrados.

Nota-se que o próprio sistema propiciou o encontro desses líderes do crime


organizado, uma vez que ambos estavam na mesma ala de celas do Regime Disciplinar
Diferenciado da Penitenciária Federal de Mossoró, em junho de 2017.

Duarte (2022) em consonância com o introduzido por Teixeira (2018), aduz que
em diversas narrativas coletadas em sua pesquisa, as prisões federais foram analisadas
como elemento importante à expansão do PCC em distintos territórios brasileiros. Ou
seja, para além das medidas adotadas pelo governo paulista na década de 1990, cujo efeito
foi iniciar a disseminação do grupo pelo Brasil, as prisões federais ajudaram a promover
esse quadro de difusão. Para ilustrar tal situação, a autora traz a entrevista com um gestor
federal, identificado como “gestor federal B”:

Com esses 11 anos na penitenciária federal, se obteve um efeito bastante


inverso do desejado, que era trazer pessoas de vários lugares do Brasil e
colocar na mesma unidade, numa visão simplista, você pensa: Não, eles
não entram em contato,cada um fica em ala específica [...]. Mas, esses
pequenos contatos e aí os contatos que são feitos através de familiares e
advogados em torno do Sistema Penitenciário Federal, começou a criar
conexões que eles nunca fariam sozinho,senão fosse a contribuição dos
estados.

Logo, como bem observam Manso e Dias (2018), Teixeira (2018), Santos (2016)
e Duarte (2022) a criação do Sistema Penitenciário Federal propiciou o encontro de
lideranças criminosas de todo o país em um único espaço, e a partir dessa malfadada
reunião, chamada por Camila Nunes Dias de “Comitê Central do Crime”, as facções se
fortalecem e se expandem, alcançando nível nacional.

Portanto, definitivamente, pode-se concluir que, na forma como vem sendo desenvolvido,
o SPF contribui para a expansão das organizações criminosas no Brasil.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que se viu, não há como negar a existência de uma criminalidade
organizada. No Brasil, é possível identificar o cangaço como precursor do crime
organizado, devido às suas características como estrutura organizada e hierárquica,
divisão de tarefas e finalidade de obtenção de vantagens de qualquer natureza.

Contudo, foi no interior dos presídios, com o surgimento das facções criminosas,
que o crime organizado se aperfeiçoou e se expandiu pelo território brasileiro, gerando
ainda mais medo e insegurança a toda sociedade. Como exemplo, podemos citar o
Comando Vermelho e o PCC, facções que surgiram dentro dos presídios, como forma de
resistência à opressão do sistema prisional que os submetia a condições subumanas.

Logo, percebe-se que as unidades prisionais acabam funcionando como uma


fábrica de facções, pois a superpopulação carcerária, aliada à violação dos direitos
fundamentais dos presos nas prisões, favorecem o aumento dessas organizações, que
agem como um Estado paralelo.

Importante destacar também que além de demorar para reconhecer a existência de


facções, como o Comando Vermelho e o PCC, o Estado também foi retardatário na esfera
legislativa, pois somente em 2012 editou uma lei que apresentasse a definição de
organização criminosa, porém, sem dispor, sobre a investigação criminal e meios de
obtenção de provas, o que só foi alcançado por meio da Lei nº 12.850/2013, que revogou
a antiga lei e alterou a definição legal de uma ORCRIM.
Entretanto, apesar de tardias, referidas medidas legislativas são consideradas um
grande avanço no combate ao crime organizado no Brasil.

Nesse cenário de combate ao crime organizado, este artigo deu especial atenção
ao Sistema Penitenciário Federal, avaliando o seu funcionamento e as consequências da
política atual de transferência de presos dos estados para as penitenciárias federais,
analisando, se isso contribuiu, de alguma maneira, para o surgimento ou expansão das
facções criminosas.

A partir da análise de dados coletados das pesquisas feitas por Santos (2016),
Manso e Dias (2018), Teixeira (2018) e Duarte (2022) é possível concluir que, apesar de
toda a estrutura de segurança e controle que o SPF possui, o modelo penitenciário atual,
envolvendo a transferência de presos do sistema estadual para o federal, com o retorno
deles para os estados, sem o controle necessário, tem contribuído, ou ao menos,
favorecido, para o que Teixeira (2018) chamou de “federalização” ou “expansão nacional
das gangues prisionais”.

Pontua-se, também que, em relação a interferência do SPF sobre o sistema


estadual, a ausência de política para o recebimento dos presos que retornam do SPF é um
grave problema, pois, referidos presos transformam-se em líderes criminosos locais, um
xamã do crime, o que tem facilitado a articulação para criação de facções criminosas ou
a representação de facções nacionais, fortalecendo, assim, as organizações criminosas.

Outro fator que contribui para o crescimento das facções é a falta de observância
do perfil indicado do preso para estar em uma unidade de segurança máxima. O Sistema
Penitenciário deve abrigar somente aqueles de perfil mais violento, líderes de facção ou
organização criminosa ou que coloquem em risco o equilíbrio das unidades penais
estaduais. Todavia, tem se notado a transferência dos presos conhecidos como “pés-de-
chinelo”. A presença desse tipo de preso no SPF o transforma radicalmente, pois, ele vira
alvo fácil para cooptação pelas grandes facções, que oferecem-lhe favores em troca de
sua fidelidade e vinculação à organização criminosa.

Quanto à comunicabilidade dos presos, foi possível notar que, a despeito de todo
o controle de segurança interna do SPF, os presos se falam e se articulam, continuando a
comandar ações criminosas fora da cadeia, expandindo suas organizações para todos os
estados da federação, seja por meio de bilhetes, conversas no banho de sol ou por
intermédio de visitas, familiares e advogados, passando e repassando ordens, comandos
e salves.

Nota-se que a simples reunião de grandes lideranças de facções diversas em uma


mesma ala de uma penitenciária já possibilita a formação de um “comitê central do
crime”, situação que dificilmente ocorreria fora dos muros da prisão.

Desse modo, resta evidenciado que a movimentação e transferência de presos


entre os sistemas penitenciários estaduais e federais têm contribuído para o crescimento
e fortalecimento das facções criminosas brasileiras.

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flexibilização das garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004

DIAS, Camila Caldeira Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência.
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