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ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a relação existente entre a movimentação
dos presos dos presídios estaduais para as penitenciárias federais, vinculadas ao Sistema
Penitenciário Federal, avaliando se tal procedimento contribui, de alguma forma, como
fomento à expansão das facções criminosas pelo Brasil e, ainda, avaliar de que forma isso
impacta sobre o monopólio da violência e do controle estatal nas prisões.
ABSTRACT
This article aims to analyze the relationship between the movement of prisoners from
state prisons to federal penitentiaries, linked to the Federal Penitentiary System,
evaluating whether this procedure contributes, in some way, to the expansion of criminal
factions in Brazil and, also, to evaluate how this impacts on the monopoly of violence and
state control in prisons.
1
Advogada. Mestranda em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Pós
graduada em Direito Eleitoral. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Rondônia.
1. INTRODUÇÃO
2
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019. Enquanto isso, a DW Brasil, a partir
de citações em relatório de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e em mapeamento, com base em
cruzamento de dados dos serviços de inteligência da Polícia Federal e secretarias de segurança pública
estaduais, indicou que há pelo menos, 83 organizações de presos no Brasil, a maioria com atuação estadual
ou local. Disponível em: www.dw.com/pt-br/brasil-tem-pelo-menos-83-facções-empresídios/a-37151946 .
Acesso em 05/04/2022.
Nesse cenário, foi criado em 2006 o Sistema Penitenciário Nacional - SPN como
uma válvula de escape para os estados brasileiros que buscam resolver os problemas
causados pelas facções criminosas nos seus sistemas prisionais, combatendo o crime
organizado, isolando suas lideranças e presos de alta periculosidade, por meio de rigoroso
e eficaz regime de execução penal. Assim, em tese, recolhem-se nesse Sistema os presos
mais perigosos, violentos, chefes ou líderes de gangues de presos. Porém, indaga-se aqui,
se a implantação do referido sistema e seu mecanismo de atuação têm contribuído para a
expansão e/ou fortalecimento de organizações criminosas prisionais no Brasil, além de
proporcionar oportunidade para acordos entre elas?!
Para tanto, este artigo será dividido em 3 seções, construídos a partir da análise
bibliográfica, pesquisa documental, além de coleta de informações oficiais, materiais
jornalísticos, revistas, artigos científicos, entre outros, utilizando-se o método indutivo,
do qual infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas, que
conduzem a conclusões prováveis.
3
As Tríades Chinesas surgiram no ano de 1644, como movimento popular para expulsar os invasores do
Império Ming. Em 1842 com a colonização inglesa de Hong Kong seus membros para lá se dirigiram e
depois para Taiwan, onde incentivaram camponeses a plantarem a papoula e a explorar o ópio, que até
então era uma atividade lícita. Um século depois, foi proibido o comércio do ópio em todas as suas formas,
ocasião em que as Tríades passaram a explorar hegemonicamente o “negócio” da heroína (SILVA, 2003,
p. 20).
4
sua origem remonta aos tempos do Japão feudal do século XVIII, desenvolveu-se na execução de
atividades de dupla valência: ilícitas – cassinos, prostíbulos, turismo pornográfico, tráfico de mulheres,
drogas e armas, lavagem de dinheiro e usura; e lícitas – casas noturnas, agências de teatro, cinema,
publicidade e eventos esportivos. No século XX, com o desenvolvimento industrial do Japão, incorporaram
as suas atividades a prática das chamadas “chantagens corporativas” que consistem em adquirir ações de
uma empresa e a partir de então exigir lucros exorbitantes, sob pena de revelarem os segredos industriais
aos concorrentes (SILVA, 2003, p. 20).
aponte que a piratia representa a forma mais antiga de organização criminosa, destacando
época em que o povo grego tomava à força mercadorias dos fenícios e assírios. A pirataria
também teve destaque com as colonizações e expansão da Europa nos outros continentes,
período em que piratas, especialmente ingleses (corsários), levaram terror aos mares,
identificando-se traços característicos do fenômeno, como a organização hierárquica,
perpetuação, violência, seleção dos membros, busca de lucros a partir de atividades
ilegais, corrupção, entre outros.
Todavia, o conceito mais amplo e aceito pelos juristas brasileiros tem como
fundamento a complexidade do modus operandi, a influência do capitalismo e o
fenômeno da globalização, sendo certo que não adianta ficar analisando os meandros
históricos da idade antiga ou idade média para se identificar a origem das organizações
criminosas. Nesse sentido:
5
LEWIS, Norman. A Máfia por dentro. São Paulo, Civilização Brasileira, 1967.
6
Na lição de Fernandes & Fernandes, a etimologia da palavra “máfia” é duvidosa, podendo significar, de
acordo com o dialeto siciliano, esperteza ou bravata; Há também quem afirme sua origem da palavra moura
“mahyas”, que significa defender alguém de alguma coisa; Por fim, sustenta-se ainda que seja derivação da
palavra francesa “meffler”, de “maufe”, o deus do mal.
como escopo criar laços de família baseados no legado siciliano de fidelidade, honra e
vingança.
Desse modo, a máfia chega aos Estados Unidos, onde ficou conhecida como
“Sindicato do Crime” e marca, efetivamente, a atuação do crime organizado na sociedade
de consumo.
Quanto ao Brasil, também não se pode precisar qual foi a primeira organização
criminosa, mas a doutrina aponta que a manifestação mais remota no país é o cangaço,
tendo seu início apontado entre os séculos XIX e XX, representando uma revolução em
relação ao poder local em contraposição ao Estado Nacional da época.
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de
privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com
pena superior;
Como sua inserção se deu por meio de simples decreto, a norma ficou fragilizada,
tendo o Supremo Tribunal Federal, inclusive, decidido que a utilização da Convenção de
7
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como
Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional.
Ela foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, data em que foi colocada à
disposição dos Estados-membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003. A
Convenção é complementada por três protocolos que abordam áreas específicas do crime organizado: o
Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e
Crianças; o Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea;
e o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças e componentes e munições.
A Convenção representa um passo importante na luta contra o crime organizado transnacional e significa o
reconhecimento por parte dos Estados-Membros da gravidade do problema, bem como a necessidade de
promover e de reforçar a estreita cooperação internacional a fim de enfrentar o crime organizado
transnacional. Os Estados-membros que ratificaram este instrumento se comprometem a adotar uma série
de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a tipificação criminal na legislação nacional
de atos como a participação em grupos criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução
da justiça. A convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar processos de
extradição, assistência legal mútua e cooperação policial. Adicionalmente, devem ser promovidas
atividades de capacitação e aprimoramento de policiais e servidores públicos no sentido de reforçar a
capacidade das autoridades nacionais de oferecer uma resposta eficaz ao crime organizado. Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={AE4B
2344-BC60-4F31-BE82-44DE97715C2D}&ServiceInstUID={D4906592-A493-4930-B247-
738AF43D4931}
Palermo violaria o princípio da legalidade, ante a omissão e a inexistência de lei em
sentido formal e material definindo o que deveria ser entendido como organização
criminosa.8
Barbosa (2015) menciona outros atributos que fazem parte do conceito estudado:
8
STF - HC: 96007 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/06/2012, Primeira
Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-
2013)
exercer atividades voltadas à prática de infrações penais que possuem penas
máximas superiores a quatro anos, ou ainda que tais infrações sejam de
matriz transnacional. No contexto delituoso da associação criminosa, os
agentes devem exercer papéis no empreendimento criminoso para a
consecução das infrações penais. Ou seja, os membros da organização
atuam contribuindo para o desiderato criminoso da organização através de
tarefas como planejamento, financiamento, lavagem de capitais,
recrutamento de novos membros, infiltração nos órgãos públicos,
cooptação de agentes públicos, execução de ações violentas e de grave
ameaça como extorsões, lesões corporais, homicídios e ameaças.
9
Durante a ditadura militar, surgiram as guerrilhas urbanas, grupos considerados de esquerda que lutavam
contra o governo ditador utilizando-se de práticas tidas como subversivas, principalmente em ataques contra
instituições financeiras. O governo buscou repelir de forma violenta tais manifestantes; não tardou muito,
e os guerrilheiros, como eram chamados, começaram a ser presos e amontoados nas celas sob condições
durante a ditadura militar, conhecido como Falange Vermelha. E esse convívio permitiu
que os presos comuns recebessem lições de organização, estrutura hierárquica, ações de
proteção e enfrentamento do sistema estatal, formando uma espécie de coletivo
organizado de criminosos, garantindo-lhes segurança e controle.
Nesse sentido, Shimizu (2011) aponta o viés político que norteou a formação do
CV:
subumanas, assim como os outros criminosos não guerrilheiros. Já em 1964 chegaram os primeiros
guerrilheiros ao presídio de Ilha Grande (Instituto Penal Cândido Mendes), no Rio de Janeiro. No presídio,
a divisão era feita por denominação, ou seja, os guerrilheiros e ativistas presos eram os chamados presos
políticos; e o restante, os presos comuns
Uma das primeiras ações do CV foi a criação do chamado “caixa comum” da
organização, representando uma arrecadação em dinheiro proveniente das ações
delituosas dos membros da organização que estavam em liberdade, para ser utilizado no
financiamento de fugas, promoção de melhorias nas condições carcerárias e ajuda aos
familiares dos presos. Isso contribuiu para que o CV assumisse uma posição de comando
nas penitenciárias.
Shimizu (2011) narra que a ascensão da facção pelos morros cariocas também foi
motivada, principalmente, pelo distanciamento do poder público nessas regiões mais
pobres, razão pela qual o Comando Vermelho aproveitou a oportunidade de operar como
um Estado paralelo.
Pode-se dizer que o Primeiro Comando da Capital (PCC) teve início semelhante
ao CV, ou seja, um grupo que se originou dentro do sistema carcerário brasileiro, mas,
dessa vez, em São Paulo, em 1993, também chamado de “Sindicato do Crime” ou pelos
números 15.3.3, onde 15 é a letra P do alfabeto e 3 a letra C.
Referida facção surgiu pouco depois do massacre do Carandiru. Por conta desse
episódio, lideranças do Carandiru foram removidas para presídios do interior e, parte
delas foi então, encaminhada para o Anexo da Cadeia de Taubaté, também conhecido por
“Piranhão”. O Anexo da Casa de Custódia de Taubaté era, à época, tido como a unidade
prisional mais segura do estado, porém, suas condições de custódia não eram as melhores,
o que a levou a ser chamada pelos presos de “Caverna” ou “Campo de Concentração”
(Dias, 2013).
Os oito10 presos que vieram do Carandiru, conhecidos como “os da capital”,
formaram um time de futebol, o qual resolveram batizar de “Comando da Capital” e
participaram de um torneio na cadeia, tornando-se campeões. Então, aproveitaram a união
do time e planejaram matar dois desafetos durante a partida de futebol
Por um bom tempo o PCC viveu no anonimato, vindo a ser objeto de reportagem
em 1977, com as autoridades locais não acreditando em sua existência, o que permitiu
que se fortalecesse cada vez mais. Porém, em 2001, o PCC coordenou, por telefones
celulares, rebeliões simultâneas em 29 presídios paulistas, tornando-se manchete
mundial, o que obrigou o governo de São Paulo a admitir publicamente a existência da
referida facção, quando, na tentativa de isolar os líderes da facção, 11 enviou-os para o
Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, favorecendo, assim, o estreitamento
das relações entre PCC e CV.
10
Eram eles: José Márcio Felício (Geleião), Ademar dos Santos (Dafé), António Carlos dos Santos (Bicho
Feio), António Carlos Roberto da Paixão (Paixão), César Augusto Roriz da Silva (Cesinha), Isaías Moreira
do Nascimento (Esquisito), Mizael Aparecido da Silva (Miza) e Wander Eduardo Ferreira (Cara Gorda).
11
Os líderes eram César Augusto Roriz, o Cesinha, e José Márcio Felício dos Santos, o Geleião.
Quanto às formas de atuação do PCC, pontua-se que ele forma seu caixa por meio
de mensalidades pagas por seus membros, rifas, empréstimos aos associados, pontos de
drogas, dentre outras ações como assassinatos, sequestros, roubos a bancos, etc. O
dinheiro é empregado para comprar armas, drogas e financiar ações de resgates de presos
ligados ao grupo.
Desse modo, o PCC dominou quase que a totalidade dos presídios paulistas e
possui ramificações em todos os estados brasileiros, estendendo-se até mesmo em outros
países como Uruguai, México, Colômbia, Paraguai, Bolívia, Peru, Argentina, Chile,
12
Estatuto redigido pelos fundadores reunidos no Piranhão, em 1993, e que foi atualizado em 2017, em
razão da comemoração dos 24 anos de existência do PCC, contando com 18 itens. Disponível em:
https://faccaopcc1533primeirocomandodacapital.org/regimentos/estatuto_do_primeiro_comando_da_capi
tal_faccao_pcc_1533/. Acesso em 19/04/2022.
Venezuela e Guiana Francesa, com mais de 30 mil integrantes e faturamento anual médio
de R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).13
13
REVISTA ISTO É. Os donos do crime. Edição 2456 de 06 jul. 2017.
14
Depen é órgão atualmente ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, cuja função é acompanhar
e controlar a aplicação da Lei de Execução Penal e as diretrizes da Política Penitenciária Nacional. Ainda,
é o responsável pelo Sistema Penitenciário Federal.
Atualmente são cinco os presídios federais que compõem o Sistema Penitenciário
Federal, distribuídos nas cinco regiões do Brasil, sendo subordinados ao DEPEN-MJ,
apresentando, em todas elas, as mesmas características de unidade prisional de segurança
máxima. São elas: Catanduvas/PR; Campo Grande/MS; Porto Velho/RO; Mossoró/RN e
Brasília/DF, como ilustrado na imagem abaixo:
15
Número abaixo do máximo previsto pelas Diretrizes Básicas de Arquitetura Penal, que, para
penitenciárias de segurança máxima, estabelece o número máximo de trezentos custodiados.
fixadas ao chão, de forma que nada do interior das celas possa ser usado como arma. Os
colchões são à prova de fogo.
Destaca-se que os presos são incluídos no SPF por um prazo de 03 (três) anos,
podendo sua permanência ser prorrogada quantas vezes forem necessárias com base em
indícios de manutenção dos motivos que fizeram que ele fosse transferido para o referido
sistema, a partir de decisão judicial. Somado a isso, sob a justificativa de necessidade de
“desarticulação do crime”, a Portaria n. 718 do Ministério da Justiça, datada de agosto de
2017, proibiu as visitas íntimas às pessoas privadas de liberdade, salvo aos réus
colaboradores ou aos delatores. Por outro lado, conforme a Portaria n. 157/2019, são
permitidas as visitas sociais com vistas à manutenção dos “laços sociais e familiares” dos
indivíduos presos. Esses encontros estão restritos aos pátios de visitação, aos parlatórios
e às videoconferências.
Duarte (2022) explica que em reforço a essas medidas, o Depen indicava em seu
site16 que o nível de monitoramento dos estabelecimentos federais “é o mais alto
possível”. “Desde o primeiro dia, o preso começa a ser disciplinado”, segundo as regras
estabelecidas pelas direções dessas unidades penais, como: I) as movimentações da
pessoa são rigorosamente monitoradas; II) em “todos os passos” dados durante o trânsito
pela unidade, o preso fica algemado; III) toda vez que o indivíduo sai de sua cela, tal
espaço sofre revista; IV) o preso não tem acesso a tomadas elétricas, de modo que a
energia e o chuveiro ligam apenas em horas determinadas; V) “o ambiente é sempre
limpo”; VI) prevê-se somente duas horas de banho de sol por dia.
16
Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/conheca-o-sistema-penitenciario-federal-1.Acesso em:
20/04/2021..
manutenção de rígidas ferramentas de controle nas penitenciárias, aptas a abrigar, desse
modo, os presos considerados mais perigosos à segurança pública.
Desse modo, é evidente que o Sistema Penitenciário Federal tem como pretensão
manter sob custódia federal os criminosos mais perigosos, os líderes de facções,
afastando-os dos demais detentos para evitar a contaminação deletéria, com a intenção de
desarticulação das organizações que comandam ou participam.
Nesse ponto, há que se ressaltar que o SPF possui excelente estrutura física em
termos de segurança, com rigorosos protocolos, bem como, nesses 13 anos de
funcionamento, não há registro de fugas, rebeliões e nem entrada de materiais ilícitos.17
Porém, apesar da sua aparente eficiência, questiona-se, neste artigo, se a pretensão de
desarticular as facções criminosas, de fato, vem ocorrendo ou se a reunião de lideranças
criminosas, no mesmo espaço, tem fomentado a formação de novas articulações, com
consequente expansão do crime organizado pelas diversas regiões do país. É o que
discutiremos no próximo capítulo.
17
No entanto, diferentemente do indicativo no site do Depen que consta que as unidades penitenciárias
federais nunca teriam sofrido motins, uma reportagem da Folha de S.Paulo, indicou, em 2014, que uma ala
inteira do presídio federal de Porto Velho/RO teve o interior de suas celas destruídas pelos detentos, no que
foi considerado o primeiro motim em uma unidade federal desde sua inauguração. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1552289-faccao-criminosa-se-articula-em-presidios-
federais-no-pais.shtml. Acesso em: 22/04/2022.
Como visto no capítulo anterior, o Sistema Penitenciário Federal foi idealizado
como forma de combate à criminalidade mais perigosa, contra a ascensão das facções
criminosas. Todavia, há ambiguidade em torno da sua finalidade. Há entendimentos (
DIAS e MANSO, 2018; TEIXEIRA, 2018; DUARTE, 2022) que, embora reconheçam a
rigidez do regime imposto, apontam o cometimento de ações ilegais nesses espaços, pois
o sistema não impediu as facções de se reorganizarem e aproveitarem a oportunidade das
transferências de presos para crescer além do seu território original, fazendo das prisões
federais um ponto central de articulação e desarticulação do crime no Brasil.
Ao chegar em uma das quatro unidades, o preso amplia seu leque de conhecidos.
De um momento para o outro, seu campo de atuação passa de estadual para
nacional. […] O critério de escolha de uma unidade específica é o da facção
criminosa da qual supostamente o preso faz parte: se um preso é do PCC em São
Paulo, ficará na mesma unidade onde estão presos do mesmo PCC, mas de Santa
Catarina. Isso lamentavelmente nacionaliza o crime organizado. Em verdade, nunca
na história do país presos dos mais distantes quadrantes foram unidos pelo próprio
Estado. […] Quando uma liderança do Maranhão se encontraria com outra do Rio
Grande do Sul? Quando uma liderança de São Paulo se encontraria com outra de
Mato Grosso? Há presos de todos os cantos do país, todos eles ostentando excessiva
periculosidade e nefasta liderança em suas bases. O SPF permite que se encontrem
e interajam, a despeito das 22 horas passadas em celas individuais e apenas 2 horas
de banho de sol.
18
Que foi Diretor-Geral do Departamento Penitenciário entre 2011 e 2014.
Carnaúba, o “Mano G”, líderes de gangues locais, transferidos para presídio federal, onde
passaram a ter contato com membros de outras facções, em especial do PCC e CV.
O grupo Família do Norte surgiu a partir de uma ideia ousada por parte de
dois presos amazonenses transferidos para presídios federais, em criar uma
organização criminosa nos moldes do Primeiro Comando da Capital – PCC
e do Comando Vermelho – CV, sobretudo em razão da proximidade com
os países produtores de cocaína... A lógica dos fundadores da FDN foi a de
que juntos seriam mais fortes e não ficariam subordinados a nenhum grupo
de fora do estado. Fazer frente à atuação de outros grupos na fronteira com
países produtores era o primeiro passo para a independência na prática
ilícita.
Referido autor ainda destaca que em razão da natureza das penitenciárias federais,
onde vários presos faccionados são reunidos em um mesmo sistema, pode haver uma
contribuição para o fortalecimento ou mesmo para a expansão das gangues de presos,
caso não se observe, com devida cautela, a escolha daqueles que devem ser mandados
para o SPF, selecionando-se, equivocadamente, aqueles que não preenchem o perfil
indicado para estar em uma unidade prisional de segurança máxima.
Pontua o citado autor que tais presos, conhecidos por “pés-de-chinelo”, por
questão de sobrevivência no SPF, sentem-se na obrigação de se vincularem a um grupo
criminoso. Conforme apuração de Teixeira (2018) junto a um preso que foi encaminhado
para o Presídio Federal de Catanduvas/PR, em outubro de 2006, já no primeiro banho de
sol, único momento em que os reclusos se encontram, imediatamente são abordados por
representantes da liderança de uma gangue, que tentam atraí-los e seduzi-los com
promessas de ajuda financeira, garantindo a sua subsistência, com apoio jurídico e
segurança de integridade física, bem como de sua família, com doação de cestas básicas,
passagens aéreas e terrestres para visitação e eventualidades necessárias.
Outro ponto que merece destaque, conforme Teixeira (2018), é que, via de regra,
não há uma política para recebimento dos presos que retornam do SPF. Como exemplo,
cita o caso de 6 (seis) presos que estavam no Sistema Penitenciário Federal que, em seu
retorno para o presídio em Porto Velho, segundo informações de um dos diretores do
presídio, entraram como presos normais, contudo, já no primeiro banho de sol destinado
à ala, reuniram-se com a massa carcerária, falando para os presos em nome do comando
central de uma determinada facção, afirmando que viriam mais armas, dinheiro e que a
facção seria fortalecida, tornando, assim, as novas lideranças dentro do presídio.
Além dos meios acima expostos, o meio de comunicação mais utilizado, ao menos
no caso de presos nacionalmente conhecidos, como Fernandinho Beira-Mar, tem sido o
emprego de bilhetes, invariavelmente escritos em tamanhos reduzidos, contendo suas
ordens, em linguagem cifrada. Com isso, o principal modus operandi para receber
informações e repassar ordens, tem sido o recebimento e a entrega de bilhetes por
intermédio de familiares, advogados ou visitantes. Alguns chegam a ser contratados para
esse serviço. Enquanto isso, do lado de fora, há um grupo de pessoas especializadas em
decodificá-los.
Ferreira (2016) narra que em março de 2009, a advogada Elker Cristina Jorge foi
acusada de ter levado uma carta do PCC aos chefes do Comando Vermelho, reclusos na
Penitenciária Federal em Catanduvas/PR, porém, ela foi interceptada e, segundo a Justiça,
era uma espécie de reconciliação entre as organizações, com relatos de ordens para crimes
e retaliações, o que motivou a prisão em flagrante da causídica.
19
Advogados são presos por suspeita de ajudar facção em SP. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/policia-prende-advogados-por-suposta-ligacao-com-faccao-em-sp.ghtml
conseguem desfiar um lençol ou roupa e produzir cordas ou linhas que são arremessadas
para o lado de fora, auxiliados por um peso, colocado na ponta. As cordas lançadas são
entrelaçadas e, então, trocam-se bilhetes e repassam-se as informações.
Duarte (2022) em consonância com o introduzido por Teixeira (2018), aduz que
em diversas narrativas coletadas em sua pesquisa, as prisões federais foram analisadas
como elemento importante à expansão do PCC em distintos territórios brasileiros. Ou
seja, para além das medidas adotadas pelo governo paulista na década de 1990, cujo efeito
foi iniciar a disseminação do grupo pelo Brasil, as prisões federais ajudaram a promover
esse quadro de difusão. Para ilustrar tal situação, a autora traz a entrevista com um gestor
federal, identificado como “gestor federal B”:
Logo, como bem observam Manso e Dias (2018), Teixeira (2018), Santos (2016)
e Duarte (2022) a criação do Sistema Penitenciário Federal propiciou o encontro de
lideranças criminosas de todo o país em um único espaço, e a partir dessa malfadada
reunião, chamada por Camila Nunes Dias de “Comitê Central do Crime”, as facções se
fortalecem e se expandem, alcançando nível nacional.
Portanto, definitivamente, pode-se concluir que, na forma como vem sendo desenvolvido,
o SPF contribui para a expansão das organizações criminosas no Brasil.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que se viu, não há como negar a existência de uma criminalidade
organizada. No Brasil, é possível identificar o cangaço como precursor do crime
organizado, devido às suas características como estrutura organizada e hierárquica,
divisão de tarefas e finalidade de obtenção de vantagens de qualquer natureza.
Contudo, foi no interior dos presídios, com o surgimento das facções criminosas,
que o crime organizado se aperfeiçoou e se expandiu pelo território brasileiro, gerando
ainda mais medo e insegurança a toda sociedade. Como exemplo, podemos citar o
Comando Vermelho e o PCC, facções que surgiram dentro dos presídios, como forma de
resistência à opressão do sistema prisional que os submetia a condições subumanas.
Nesse cenário de combate ao crime organizado, este artigo deu especial atenção
ao Sistema Penitenciário Federal, avaliando o seu funcionamento e as consequências da
política atual de transferência de presos dos estados para as penitenciárias federais,
analisando, se isso contribuiu, de alguma maneira, para o surgimento ou expansão das
facções criminosas.
A partir da análise de dados coletados das pesquisas feitas por Santos (2016),
Manso e Dias (2018), Teixeira (2018) e Duarte (2022) é possível concluir que, apesar de
toda a estrutura de segurança e controle que o SPF possui, o modelo penitenciário atual,
envolvendo a transferência de presos do sistema estadual para o federal, com o retorno
deles para os estados, sem o controle necessário, tem contribuído, ou ao menos,
favorecido, para o que Teixeira (2018) chamou de “federalização” ou “expansão nacional
das gangues prisionais”.
Outro fator que contribui para o crescimento das facções é a falta de observância
do perfil indicado do preso para estar em uma unidade de segurança máxima. O Sistema
Penitenciário deve abrigar somente aqueles de perfil mais violento, líderes de facção ou
organização criminosa ou que coloquem em risco o equilíbrio das unidades penais
estaduais. Todavia, tem se notado a transferência dos presos conhecidos como “pés-de-
chinelo”. A presença desse tipo de preso no SPF o transforma radicalmente, pois, ele vira
alvo fácil para cooptação pelas grandes facções, que oferecem-lhe favores em troca de
sua fidelidade e vinculação à organização criminosa.
Quanto à comunicabilidade dos presos, foi possível notar que, a despeito de todo
o controle de segurança interna do SPF, os presos se falam e se articulam, continuando a
comandar ações criminosas fora da cadeia, expandindo suas organizações para todos os
estados da federação, seja por meio de bilhetes, conversas no banho de sol ou por
intermédio de visitas, familiares e advogados, passando e repassando ordens, comandos
e salves.
6. REFERÊNCIAS
AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 11. ed. Rio de Janeiro: Record,
2011.
DIAS, Camila Caldeira Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência.
São Paulo, Saraiva, 2013.
PORTO, Paulo. Crime organizado e sistema prisional. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
SANTOS, Ana Paula Medeiros dos. Família do Norte: Estudo de caso acerca de uma
organização criminosa tipicamente amazônica. 31/10/2016. Dissertação de Mestrado.
Manaus: UEA/AM, 2016
TEIXEIRA, Sérgio William Domingues. Estudo sobre a evolução da pena, dos sistemas
prisionais e da realidade brasileira em execução penal – propostas para a melhoria do
desempenho de uma vara de execução penal. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:
FGV-Direito Rio, 2008.
______. Muros altos e rios de sangue o sistema penitenciário federal e a expansão das
facções criminosas. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2018.