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COLABORAÇÃO PREMIADA
O presente trabalho teve como objetivo principal analisar o procedimento para elaboração do
acordo de colaboração premiada segundo as regras previstas na Lei n° 12.850/2013,
detalhando o modo que deve se dar seu processamento, bem como as questões inerentes à
matéria. A metodologia utilizada no presente artigo foi de natureza aplicada, caracterizada
pela natureza exploratória, na qual se adotou o procedimento da pesquisa bibliográfica da
doutrina nacional. Constata-se a legitimidade da integração do instituto ao sistema jurídico
brasileiro com o reconhecimento de sua legitimidade pela jurisprudência das Cortes
Superiores.
ABSTRACT
The main objective of this work was to analyze the procedure for the elaboration of the
collaboration agreement awarded in accordance with the rules established by Law No.
12.850 / 2013, detailing the way in which it should be processed, as well as the issues inherent
in the matter. The methodology used in this article was of an applied nature, characterized by
the exploratory nature, in which the procedure of the bibliographical research of the national
doctrine was adopted. The legitimacy of the Institute's integration into the Brazilian legal
system is recognized, with the recognition of its legitimacy by the jurisprudence of the
Superior Courts.
1
MESTRE pelo Mestrado Profissional Interdisciplinar em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos
pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense, Brasil (2017); GRADUADO em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (1991); Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do
Tocantins, Brasil; Aluno da Pós-Graduação Lato Sensu em Estado de Direito e Combate à Corrupção.
2
GRADUADO em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (2010); Assessor de
Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins; Aluno da Pós-Graduação Lato Sensu
em Estado de Direito e Combate à Corrupção.
INTRODUÇÃO
1 HISTÓRICO
2
Todavia, aqui já cabe tecer uma diferenciação entre delação premiada e colaboração
premiada. A colaboração premiada, conforme previsão expressa do artigo 4º da Lei nº
12.850/2013, depende da obtenção de algum dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização
criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da
organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
A delação premiada, por sua vez, materializa-se especificamente quando uma pessoa
indiciada ou acusada do cometimento de alguma infração, além de assumi-la, atribui a terceiro
ou terceiros a participação ou coautoria. Em tese e desde que harmônica com demais
elementos probatórios, a delação premiada possui natureza jurídica de fonte de prova. Nesse
sentido, afirma Márcio André Lopes Cavalcante:
A delação premiada ocorre quando o investigado ou acusado colabora com
as autoridades delatando os comparsas, ou seja, apontando as outras pessoas
que também praticaram as infrações penais. Desse modo, como já dito, a
delação é uma forma de exercer a colaboração premiada. (2015, online)
5
Em que pese haver relativa dificuldade de saber se a origem do instituto no Brasil
tomou por base o sistema norte americano do plea bargaining ou o italiano, é preciso
reconhecer que o instituto é mais uma forma de combate ao crime organizado, dotados de
características e regras próprias, fundado na ideia de retribuição. Nos dizeres de Rodrigues
Júnior:
A institucionalização desse estímulo, em norma ou negócio jurídico,
estabelece uma nova proposição jurídica além das existentes. A prestação
tem seu “prêmio” em liberar o devedor. A não prestação importa a “pena” de
exigir de seu patrimônio, ou, excepcionalmente, de sua liberdade
ambulatória, o ressarcimento. A conduta sobrenormal necessita de um
suporte jurídico a sancioná-la, prestigiando-a sob a forma de uma vantagem.
(2006, p. 287).
A colaboração premiada, mesmo que não configurada nos moldes de hoje, já havia
sido mencionada nas Ordenações Filipinas, segundo a qual seria concedido o perdão àquele
que, delatando outros culpados da prática de crimes, conseguia por meio de provas conduzi-
los à prisão:
- Como se perdoará aos malfeitores que derem outros à prisão
6
Qualquer pessoa, que der à prisão cada hum dos culpados, e participantes em
fazer moeda falsa, ou em cercear, ou per qualquer artifício mingoar, ou
corromper a verdadeira (...); tanto que assi der à prisão os ditos malfeitores,
ou cada hum delles, e lhes provar, ou forem provados cada hum dos ditos
delictos, se esse, que o assi deu à prisão, participante em cada hum dos ditos
meleficios, em que he culpado aquelle, que he preso, havemos por bem que,
sendo igual na culpa, seja perdoado livremente, postoque não tenha perdão
da parte. 1. E além do sobredito perdão, qie assi outorgamos, nos praz, que
sendo o malfeitor, que assi foi dado à prisão, salteador de caminhos, que
aquelle, que o descobrir, e der á prisão, e lho provar, haja de Nos trinta
cruzados de mercê”. (original com itálico) (1595, Livro V, Título CXVI).
8
Nesse sentido, a Lei n° 9.807, de 13 de julho de 1999 estabeleceu, dentre outras
coisas, a determinação de proteção ao colaborador voluntário que tenha efetivamente
contribuído para a investigação policial e persecução penal, assim dispondo em seu artigo 15:
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela,
medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física,
considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
9
programa de leniência especialmente direcionado às pessoas jurídicas autoras de infrações à
ordem econômica, desde que a colaboração tenha efetivamente auxiliado nas investigações e
no processo administrativo e que tenha resultado na identificação de outros envolvidos e
comprovação da infração investigada, premiando-as com a redução da pena imposta. O artigo
86 da referida lei assim estabeleceu o acordo de leniência:
Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar
acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração
pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável,
nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de
infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e
II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração
noticiada ou sob investigação.
[...]
§ 3o O acordo de leniência firmado com o Cade, por intermédio da
Superintendência-Geral, estipulará as condições necessárias para assegurar a
efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
§ 4o Compete ao Tribunal, por ocasião do julgamento do processo
administrativo, verificado o cumprimento do acordo:
I - decretar a extinção da ação punitiva da administração pública em favor do
infrator, nas hipóteses em que a proposta de acordo tiver sido apresentada à
Superintendência-Geral sem que essa tivesse conhecimento prévio da
infração noticiada; ou
II - nas demais hipóteses, reduzir de 1 (um) a 2/3 (dois terços) as penas
aplicáveis, observado o disposto no art. 45 desta Lei, devendo ainda
considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a
boa-fé do infrator no cumprimento do acordo de leniência.
[...]
§ 12. Em caso de descumprimento do acordo de leniência, o beneficiário
ficará impedido de celebrar novo acordo de leniência pelo prazo de 3 (três)
anos, contado da data de seu julgamento.
O artigo 3º, inciso I da lei prevê que “Em qualquer fase da persecução penal, serão
permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da
prova: I - colaboração premiada.” De se ver, portanto, a colaboração premiada pode ser
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instaurada em qualquer momento do processo ou até mesmo antes dele, como instrumento
para se colecionar material probatório. Isso porque a persecução penal, que se inicia até
mesmo antes do inquérito policial, instrução processual, fase recursal até o advento do trânsito
em julgado e execução da pena.
Tem-se que não há dúvidas da aplicação da colaboração na fase de execução de
sentença já transitada em julgado. Essa é a interpretação que se pode extrair do § 5º do artigo
4° do citado diploma legal, o qual estabelece que “Se a colaboração for posterior à sentença, a
pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que
ausentes os requisitos objetivos”. Nesses termos, afirma o Ministro Gilson Dipp:
A questão é saber se a execução da pena pode ser compreendida na noção de
persecução penal. Aparentemente, a resposta é positiva dado que mesmo
nessa fase são inúmeras as possibilidades de reexame da condenação, seja
por revisão criminal (art. 621 CPP) em sentido estrito; seja por unificação de
penas; seja por incidentes de execução para apreciação de regime, de favores
ou reprimendas decorrentes da própria condenação (art. 66, I, II e III Lei nº
7210/84); ou pela possibilidade sempre presente de análise de toda matéria
de fato e de direito por meio de habeas-corpus que a jurisprudência admite
nas mais variadas circunstâncias, inclusive depois do trânsito em julgado da
sentença condenatória. (...) De acordo com a lei, a delação premiada, assim,
mantém com a pena uma relação lógica necessária, sobrevivendo aquela
apenas enquanto esta tiver oportunidade real. Acaso extinta ou cumpria a
pena, a delação não tem mais sentido lógico ou técnico. (DIPP, 2016)
14
proposta mencionada no inciso II é o momento inicial do acordo, sendo o relato a
consolidação este.
Os resultados a que se refere o inciso I, do artigo 6º, encontram-se enumerados nos
incisos do artigo 4º. Cita-se: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações
penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou
parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
A colaboração deverá possibilitar a identificação de coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações praticadas (art. 4º, I). Tem-se que o dispositivo legal
não exige, para sua validade, a identificação de todos os demais envolvidos, ficando a cargo
das autoridades, Ministério Público, Polícia e juiz avaliarem a prestabilidade da colaboração
quanto a este particular.
Como mencionado, a colaboração premiada é firmada nos moldes de um contrato e,
em sendo assim, no transcorrer das negociações as autoridades envolvidas certamente deverão
ter sensibilidade suficiente para conduzir o termo de modo a dar-lhe maior eficiência.
Ressalta-se que o relato entre as condutas do colaborador e demais envolvidos, assim
como as adequações típicas em nosso ordenamento jurídico, são essenciais, uma vez que
poderão influenciar no foro legal, com eventual concurso de jurisdição entre os crimes
perpetrados, especialmente considerando a natureza dos crimes e dos autores dos crimes
mencionados pela Lei n° 12.850/2013.
A revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa
mencionadas no inciso II, do artigo 4º, são fundamentais para atendimento da finalidade da
lei, já que a inexistência de organização criminosa retira por completo a razão lógica e causa
legal justificadora da colaboração premiada e suas consequências, a serem negociadas em
favor do colaborador.
A prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa, prevista no inciso III, do artigo 4º, diferente dos demais resultados previstos no
referido dispositivo, não se reveste tanto de preceito condicionante para a validade do acordo
e sua homologação, considerando que esta prevenção independe da vontade do colaborador,
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mas do simples relato das técnicas e métodos utilizados o que, com a denúncia, poderá gerar
efeitos preventivos genéricos ou especiais.
Já a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa, como estipulado no inciso IV, do artigo 4º, apresenta-
se como sendo um dos mais importantes objetivos do acordo. Mesmo que em algumas
situações o colaborador não consiga possibilitar esta recuperação, seus relatos, ao menos,
devem desencadear medidas que a viabilizem.
Por fim, a lei autoriza a concessão das benesses no caso da localização de eventual
vítima com a sua integridade física preservada (art. 4º, inciso V), cujas ocorrências se dão, por
exemplo, no crime tipificado no artigo 148 (sequestro e cárcere privado) do Código Penal
Brasileiro, assim como outros enumerados como crimes contra a liberdade individual além
dos delitos contra a pessoa.
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Segundo estabelece o artigo 6º da lei em comento o acordo deverá conter
determinados elementos essenciais. São eles:
1. O relato da colaboração e seus possíveis resultados. Voltado a verificar a
relevância das informações prestadas pelo colaborador, o relato as sintetisa
sendo que sua eficácia objetiva serão analisadas e confirmadas pelo juiz
quando da prolação da sentença.
2. As condições da proposta do Ministério Publico ou do delegado de
polícia. Já que vários são os prêmios legais disponíveis ao colaborador, o
benefício ou benefícios pretendidos por ele deverão constar do acordo para
verificar se as informações prestadas levaram à algum resultado do artigo 4º.
3. A declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor. Esta
condição lógica advém não somente do texto legal, mas do imperativo
constitucional. A aquiescência livre e voluntária do colaborador, assistido
por profissional capacitado, certamente confere ao acordo legitimidade.
4. As assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de
polícia, do colaborador e de seu defensor. Aqui se trata mais de uma
formalidade essencial ao ato cuja inobservância conduz à inexistência
jurídica do acordo.
5. A especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família,
quando necessário. Como já mencionado, além dos prêmios disponibilizados
ao colaborador, este ainda conta com algumas garantias de natureza pessoal.
Uma delas são as medidas de proteção conferidas pela Lei 9.807/99.
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Em que pese a literalidade do dispositivo normativo citado, algumas vozes da
doutrina divergem quanto à possibilidade da autoridade policial firmar termos de colaboração
premiada. A título de exemplo, afirma Edson Araújo da Silva:
A lei é inconstitucional ao conferir tal poder ao delegado de polícia, via
acordo com o colaborador, ainda que preveja a necessidade de parecer do
Ministério Público e de homologação judicial, pois não pode dispor de
atividade que não lhe pertence, ou seja, a atividade judicial de busca da
imposição penal em processo-crime, vinculando o entendimento do órgão
responsável pela acusação. (2016, online)
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Na prática, o que se tem observado é um trabalho conjunto entre a polícia judiciária e
o Ministério Público quando da elaboração dos acordos de colaboração premiada, justamente
para viabilizar a persecução penal em face dos coautores e partícipes indicados, bem como a
recuperação de recursos, prevenção de crimes entre outros.
Seguindo nosso sistema acusatório, a Lei n° 12.850/2013 excluiu o juiz das
negociações do acordo de colaboração (art. 4º, § 6º): “O juiz não participará das negociações
realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o
delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público,
ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.
Sobre esse ponto, pode-se entender haver conflito com o dispositivo do §8º, também
do artigo 4º tendo em vista que este preceitua que “O juiz poderá recusar homologação à
proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.”. Esta
adequação pelo magistrado poderia levar a crer que a este fosse permitido alterar as cláusulas
do acordado em expressa afronta ao próprio dispositivo citado no parágrafo anterior e ao
sistema acusatório.
Porém, nota-se que o magistrado não poderá imiscuir-se nas tratativas do acordo
celebrado, limitando-se à verificação de sua constitucionalidade e respaldo legal, sem, no
entanto, alterar os termos da proposta, garantindo a imparcialidade do Juízo e do sistema
acusatório, rejeitando ou não a respectiva homologação por discordar com os prêmios legais
fixados, possibilitando às partes, acusação e defesa, adequarem o acordado, caso possível.
O Ministro Gilson Dipp delimita bem a atuação do juiz:
[...] o juízo de adequação passa necessariamente pela apreciação dos termos
da delação premiada e mesmo sendo o magistrado criterioso ao máximo terá
de acomodá-lo aos contornos da delação por meio de razões não
estritamente formais, exceto se a essa clausula legal se emprestar a noção
limitativa da estrita legalidade, isto é, da adequação do acordo apenas aos
estritos limites da forma legal sem qualquer cogitação de interpretação ou
avaliação, o que, a despeito de possível, na prática dificilmente acontece.
(2016, online)
20
É o entendimento do Procurador da República Américo Bedê Freire Júnior, segundo
o qual a colaboração, neste caso em particular, poderá ser provocada na fase executória por
simples petição do interessado:
Inicialmente, é de se frisar pelo cabimento dos benefícios da delação
premiada inclusive durante o processo de execução. Tal afirmação decorre
da interpretação teleológica das normas instituidoras da delação premiada,
afinal o objetivo precípuo do benefício para o Estado subsiste após a
condenação do delator. Ademais, não tendo o legislador expressamente
proibido a delação premiada na fase de execução, não caberia ao interprete
reduzir o alcance e eficácia do instituto. [...] Ante o exposto, entendo que é
cabível delação premiada após o trânsito em julgado e de que o meio
processual adequado para requerer o benefício é simples petição para o juiz
da vara de execuções penais. (2005, online)
21
A análise dos dispositivos referentes à "delação premiada" indica, em uma
primeira análise, que o benefício somente poderia ser aplicado até a fase da
sentença. Não se pode excluir, todavia, a possibilidade de concessão do
prêmio após o trânsito em julgado, mediante revisão criminal. Uma das
hipóteses de rescisão de coisa julgada no crime é a descoberta de nova prova
de "inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize
diminuição especial de pena" (art. 621, III, do CPP). Parece-nos sustentável,
portanto, que uma colaboração posterior ao trânsito em julgado seja
beneficiada com os prêmios relativos à "delação premiada". (2005, online)
Neste caminhar, a revisão criminal seria a forma adequada para a proposta de acordo
de colaboração premiada a qual, da mesma forma, deverá observar todos os requisitos e
formalidades legais ressalvando qualquer incompatibilidade deste instrumento com as
garantias constitucionais como, por exemplo, que eventuais coautores ou partícipes indicados
pelo colaborador já não tenham sido definitivamente absolvidos, pois retiraria a eficácia da
colaboração frente à impossibilidade da revisão criminal pro societate.
Sobre o tema acrescenta JESUS:
Será preciso, ademais, que esses concorrentes não tenham sido absolvidos
definitivamente no processo originário, uma vez que, nessa hipótese,
formada a coisa julgada material, a colaboração, ainda que sincera, jamais
seria eficaz, diante da impossibilidade de revisão criminal pro societate.
(2005, online)
3.6 Prêmios
4 QUESTÕES CONTROVERSAS
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elementos probatórios, já era há muito usada como forma de solução de crimes e identificação
de criminosos.
Não é nenhum demérito para o Poder Público em se utilizar da delação premiada
para desvendar autorias e crimes e evitar o cometimento de outros, mesmo porque a quase
totalidade das colaborações exigem, que sejam harmonizadas com outros elementos
probatórios que garantam a aplicação dos benefícios legais do instituto, assim como a
persecução dos coautores e partícipes apontados, a produção de provas periciais,
testemunhais, interceptações entre outras.
O que se argumenta é que, considerando que a Constituição Federal de 1988
estabelece que é função do Estado proteger os bens jurídicos elencados especialmente em seu
artigo 5º, não poderia violentá-los através de um sistema daninho que estimula a deslealdade,
caracterizando a colaboração premiada como conduta antiética e imoral.
Sobre o assunto, Freire Júnior assim se manifestou:
(...) a condenação criminal de alguém, no Brasil, está condicionada à
demonstração, por meio de provas colhidas em contraditório, de que o
condenado é penalmente responsável pela infração. Assim dispõe o artigo 5º,
inciso LV, da Constituição e agir de outro modo significa negar vigência ao
texto constitucional. No entanto, a norma penal ordinária atribui eficácia de
extinção da punibilidade à conduta processual do indiciado ou acusado que
servir não só como fonte de provas, mas com o verdadeiro meio de provas.
(2016, p. 41 apud Geraldo Prado).
27
A razão da irresignação da doutrina é que por meio da delação premiada o Ministério
Público vem firmando acordos nos quais se estabelecem reduções, isenções de pena ou
mesmo obrigação de cumprimento da sanção, antes do Judiciário manifestar-se, o que
representaria em indevida intervenção no poder-dever atribuído constitucionalmente a este
órgão, criando-se um sistema paralelo à ordem jurídica, com regras alheias ao processo penal.
Nesse sentido, J. J. Gomes Canotilho:
O problema – um problema central da colaboração premiada – é que a
investigação e a instrução do processo penal colaborativamente conformado
acabam por se transformar num sistema autopoiético que se reproduz a ele
próprio tendencialmente à margem dos princípios estruturantes da ordem
jurídico-constitucional: separação de poderes, distribuição de competências,
observância da legalidade, do princípio da isonomia, criação de privilégios e
imunidades desrazoáveis, do princípio da conexão ou conectividade da prova
e do crime, obtenção de meios de prova e valoração dos meios de prova. No
caminho, perde-se o rasto à “reserva de juiz”, à “reserva do ministério
público”, à “reserva judicial de execução da sentença” e à distinção entre
prisão preventiva da natureza cautelar e prisão preventiva – pena. (2017,
online)
Tal problema enseja outra questão: O juiz se vincula aos termos do acordo de
colaboração premiada?
A doutrina entende que não. Segundo Valber Melo e Felipe Maia, "a toda evidencia,
salta aos olhos a impossibilidade de o magistrado 'desomologar' o acordo outrora por ele
mesmo homologado, isto porque a lei não lhe conferiu tal faculdade" (2016, online).
Guilherme Nucci resume que ao magistrado, "Há dois caminhos: a) homologar o
acordo, que produzirá todos os seus jurídicos efeitos, previstos na Lei 12.850/2013; b)
indeferir a homologação, porque não atende aos requisitos legais" (2015, p. 68).
Tal entendimento é assente na jurisprudência. A maioria dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, ao julgar a Petição de nº 7.074, em 22 de junho de 2017, votou a favor da
preservação, no momento da homologação pelo juiz responsável, dos benefícios negociados
com os colaboradores pelo Ministério Público.
Em que pese o acórdão do julgamento ainda não ter sido publicado, a notoriedade do
processo fez com que a mídia nacional registrasse as posições dos ministros. No caso, havia o
acerto de que o Ministério Público não processaria criminalmente os colaboradores que
reconheceram sua participação em diversos crimes, com base no art. 4º, § 4º, da Lei de
Organização Criminosa.
28
O ministro Edson Fachin, por exemplo, defendeu a impossibilidade de revisão dos
termos negociados pelo órgão acusador e homologados pelo relator. A seu ver, "O acordo
homologado, verificado quanto à legalidade, regularidade e espontaneidade, gera vinculação
condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos na colaboração" (2017, online).
O ministro destacou, ainda, que a revisão do acordo iria de encontro ao princípio da
segurança jurídica. Segundo, os colaboradores não seriam motivados a colaborar, pois, com a
possibilidade revisão, “A mensagem que se passa é o Ministério Público ao acordar, pode,
mas não muito. O MP pode acordar, mas não cumprir”, (2017, online).
Em consonância com Facchin, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que mesmo
que o juiz não concorde, o Poder Judiciário não poderia substituir o “acordo de vontades”
firmado entre o Ministério Público e o delator, desde que a escolha dos benefícios seja lícita
com escolhas legalmente e moralmente previstas. (2017, online).
No mesmo sentido, Luís Roberto Barroso:
A partir do momento em que o Estado homologa a colaboração premiada,
atestando a sua validade, ela só poderá ser infirmada, ser descumprida, se o
colaborador não honrar aquilo que se obrigou a fazer. Do contrário, daríamos
chancela para que o Estado pudesse se comportar de forma desleal,
beneficiando-se das informações e não cumprindo a sua parte no ajustado.
(2017, online).
CONCLUSÃO
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Convém destacar ainda que apesar de parte da doutrina jurídica tecer críticas a
respeito do instituto, a jurisprudência das Cortes Superiores vem ratificando seu uso,
estabelecendo aos poucos os limites legais de sua aplicação. Constata-se que a finalidade
primordial que justifica seu uso é a busca pela solução de crimes, o que, em ultima análise, é o
verdadeiro interesse social da edição das leis criminais.
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Distribuição sigilosa (art. 7º, caput) Retratação pelas partes (art. 4º, §
10º - somente antes da
homologação)