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Apontamentos de

Teoria Geral do Negócio


Jurídico

Docente: Prof. Doutora Ana Filipa


Morais Antunes

Discente: Mariana Silva Bento

Ano Letivo: 2021/2022

Mariana Silva Bento | FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA


PORTUGUESA
Os Princípios Gerais da Teoria Geral do Negócio Jurídico
Existem quatro princípios gerais da TGNJ que são:
1) A autonomia privada;
2) A boa-fé;
3) O equilíbrio negocial;
4) A liberdade de forma.

® Princípio da Autonomia Privada


Este princípio reconhece a cada pessoa a liberdade para autodeterminação e regulação dos seus
interesses. Reconhece também que, nas relações privadas, os particulares estão permitidos a fazer
tudo aquilo que não é proibido. Pode por isso dizer-se que a autonomia privada confere uma
permissão genérica de atuação.
Vale ainda dizer que a autonomia privada se manifesta em dois campos, no primeiro temos o
reconhecimento de um direito a um titular que o pode exercer e dispor; ao passo que no
segundo temos a faceta da liberdade contratual.
Þ Reconhecimento de um direito a um titular que o pode exercer e dispor: isto significa que
dentro dos limites da lei, o titular é livre de o exercer ou não e também proceder à sua
disposição;
Þ Liberdade contratual: tem um sentido positivo e negativo. No âmbito negativo temos a
faculdade de não praticar um ato. Por outro lado, temos o sentido positivo que,
contrariamente ao negativo, confere a possibilidade de praticar um ato. No sentido
positivo, falamos ainda da liberdade de celebração e da liberdade de estipulação.
® Liberdade de celebração: realizar ou não um ato;
® Liberdade de estipulação: poder de estabelecer ou selecionar os efeitos do ato e
escolher a contraparte.
A autonomia privada está sujeita quer a limites legais, quer a limites voluntários. Exemplos:
Þ A liberdade de celebração está limitada pela imposição da obrigação legal de contratar e,
em outros casos, dá-se a propósito da renovação do contrato,
Þ A liberdade de estipulação tem limitações específicas, nomeadamente seis:
1) Impossibilidade física, ou seja, quando o objeto do negócio é inexistente ou
inalcançável;

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2) Impossibilidade jurídica, quando a ordem jurídica não prevê tipos negociais ou
meios para realização do objeto ou quando não o admite sequer em relações
jurídicas privadas;
3) Contrariedade à lei imperativa, ocorre quando o objeto do negócio viola
diretamente uma disposição legal ou quando o objeto tenta contornar uma
disposição legal chegando a outros meios a um resultado proibido;
4) Indeterminabilidade do objeto;
5) Violação da ordem pública ou dos bons costumes.

® A Boa Fé
A evolução histórica da boa-fé permite-nos identificar duas das suas manifestações: a boa fé
objetiva e a boa fé subjetiva.
A boa fé subjetiva pode ter dois sentidos, o sentido psicológico e o sentido ético. O sentido
psicológico relaciona-se com a pura ignorância por parte do sujeito de determinado facto ou
estado de coisas; sendo irrelevante a falta de cuidado na obtenção de informação ou o eventual
conhecimento desses elementos por qualquer pessoa média. Contrariamente, o sentido ético
exige o carácter não censurável desse desconhecimento, ou seja, só a ignorância não culposa de
uma coisa relevante no caso concreto pode ser considerada de boa fé. Por outro lado, o
desconhecimento tido por culposo por se relacionar com algo que o sujeito podia e devia conhecer
é tido como má fé.
A boa fé objetiva surge como a imperatividade de um comportamento leal, honesto e íntegro
por parte do agente. São várias as normas que usam esta figura para impor certos comportamentos
e proibir determinadas condutas. A boa fé objetiva também pode assumir duas configurações, a
de critério normativo e a de exigência normativa. A primeira configuração é vista como fonte de
regras de comportamento que definem parâmetros de atuação e tanto podem ter carácter
prescritivo como proibitivo. A segunda configuração trata-se de um imperativo de justiça,
estabelecendo limites ao exercício das posições jurídicas ou determinando a relevância jurídica
de certas práticas.

® Equilíbrio Negocial
O Equilíbrio Contratual é visto como um princípio fundamental dos contratos onerosos,
sinalagmáticos e de execução continuada, vigorando nos mesmos regras de respeito e igualdade,
que determinam um certo equilíbrio das prestações recíprocas, mais concretamente que cada uma

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das partes deve obter pela sua própria prestação, uma contraprestação de valor equilibrado. Por
outras palavras, o Equilíbrio Contratual tem por objeto o contrato e toma como fim que o mesmo
se celebre em condições de igualdade e justiça para as partes.
O princípio Pacta Sunt Servanta também impera nos contratos com força vinculativa,
reiterando que uma vez celebrado o contrato, o mesmo vale como lei entre as partes, e terá de ser
cumprido nos termos em que foi acordado. Acrescenta-se que o contrato pode sofrer alterações
em comum acordo, mediante os termos do artigo 406º, n.º1 do CC.
Existem diferentes modalidades de equilíbrio contratual, consoante for o momento a que se
reportam no contrato. Para estes efeitos, consideramos três momentos: a fase pré-contratual, a
fase de execução do contrato e fase pós contratual.
A Fase Pré-Contratual é caracterizada pela proposta e pela contraproposta dos candidatos ao
vínculo negocial. Neste momento contratual falamos em Equilíbrio Negocial ou Originário.
Neste momento, o principal enfoque estabelecido pelo Direito é oferecer uma situação de
proteção à parte entendida como mais fraca/ em situação mais débil. Historicamente, tanto no
Direito romano como nos antigos Direitos lusófonos surgiram normas destinadas a acautelar a
posição dos adquirentes, a proteger o contraente perante a parte contratual tendo em conta os
ideais de justiça. Para tal, há duas análises possíveis:
Þ Institucionalização de mecanismos de proteção social do Direito: Isto significa
restabelecer um equilíbrio jurídico entre as posições que os mais fracos da sociedade
detêm dentro das relações que estabelecem com os outros membros da sociedade,
conferindo-lhes uma espécie de proteção jurídica;
Þ Promoção da liberdade positiva dos cidadãos: Consiste em atribuir a cada um a
faculdade de assumir o controlo efetivo da sua vida e realizar os seus propósitos
fundamentais; não se bastando pela mera ausência de obstáculos ou a não interferência
de terceiros, entendida como liberdade negativa.
A Fase de Execução Contratual é caracterizada pelo momento em que as partes exercitam os
créditos e débitos a que estão vinculadas pela força de lei que é o contrato. Nesta fase, falamos
em Equilíbrio Funcional ou Superveniente, que tem como função a manutenção do sinalagma
funcional. Este pretende tratar da forma como o tempo, a ocorrência de circunstâncias
imprevistas/ excecionais/ extraordinárias influenciam a exigência ao devedor do cumprimento da
obrigação nos termos convencionados. Como tal, define-se que a resolução ou modificação do
contrato por alteração das circunstâncias depende da verificação destes requisitos:
Þ Haver alteração relevante das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de
contratar;

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Þ A exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa fé
contratual.
Para concluir, considera-se que em contratos de execução continuada existe uma dinâmica
temporal entre o momento da celebração do contrato e o da execução que pode ser surpreendido
por acontecimentos que tornam injusto o cumprimento da obrigação tal como foi pactuada. Nesta
situação, considera-se haver um limite objetivo do sacrífico do devedor, que uma vez
ultrapassado desvirtua a razão socioeconómica do contrato e ilegítima a tutela do direito.
A Fase Pós Contratual é caracterizada por ser o momento posterior à realização da prestação
devida nos termos em que foi acordada. Nesta fase falamos em Equilíbrio Pós Negocial. Ora,
como é comum, o cumprimento da obrigação está relacionado com o momento contratual, ou
seja, com a fase da sua execução. Não sendo, em regra, admissível a subsistência ou projeção de
deveres pós-contratuais. Por conseguinte, «não é efetivamente normal que a cessão do contrato,
ao mesmo tempo que se extingue os correspondentes direitos e deveres das partes, faça surgir
uma obrigação de compensação baseada nas vantagens e prejuízos remanescentes e que resultam
deste mesmo contrato». Todavia, a referida regra comporta exceções: existem situações que
apesar de os contraentes terem cumprido pontualmente o contrato, por imperativo de equiparação
ou proporcionalidade entre as prestações e a contraprestação, o legislador optou por criar
mecanismos que permitam reequilibrar as vantagens económicas almejadas, quer no equilíbrio
originário quer no superveniente, mesmo após o fim do vínculo contratual, assim assegurando a
justiça comutativa. Dito de outro modo, o equilíbrio contratual, em análise, vai para além do
vínculo contratual.

® A Liberdade de Forma
O Princípio da Liberdade de Forma vem consagrado no artigo 219º do CC e consagra que “A
validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a
lei a exigir.”. Desta forma, o princípio da liberdade das formas pode ser conceituado como a
possibilidade da livre escolha do meio pelo qual a declaração de vontade integrante do ato
jurídico praticado será exteriorizada, a fim de surtir efeitos no mundo jurídico.

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O Conceito e as Classificações do Negócio Jurídico
® O Conceito
Introduzindo o conceito de Negócio Jurídico é importante esclarecer o que são factos jurídicos
e de que maneira se relacionam com o tema em estudo.
Os factos jurídicos são aqueles considerados relevantes pelo Direito e são importantes na
tomada de decisões. As decisões tomam-se em função da solução de um caso concreto, com base
em elementos normativos de decisão e os factos subjacentes nele envolvidos.
Definem-se Factos Jurídicos os eventos ao qual o Direito associa determinados efeitos,
apresentando-se como realidades aptas a desencadear a sua estatuição.
Os factos jurídicos são suscetíveis a múltiplas classificações. Falamos em facto jurídico lato
sensu ou facto jurídico stricto sensu. O primeiro refere-se a todos os acontecimentos, naturais ou
humanos, que geram efeitos jurídicos enquanto o segundo se refere a acontecimentos naturais
que gera consequências jurídicas, independentemente da vontade humana.
Quanto ao Negócio Jurídico, é importante em primeiro lugar perceber que o mesmo é um tipo
de Ato Jurídico. Os atos jurídicos em sentido amplo integram os atos jurídicos strictu sensu e os
negócios jurídicos; os primeiros distinguem-se dos segundos porque postulam a mera liberdade
de celebração, enquanto os segundos acrescentam a liberdade de estipulação.

stricto sensu

Ato Jurídico
Negócio
Facto juridíco Jurídico

Naturais ou
stricto sensu Humanos e
involuntários

Conceito de Negócio Jurídico: é um ato jurídico lato sensu intencional, cuja vontade se
orienta para a prossecução de um resultado jurídico. No negócio jurídico há três tipos de
vontade: de ação, de declaração e funcional.

® Modalidades de Negócios Jurídicos


Falamos em dez tipos de negócios jurídicos:
1) Singular e plural
Designam-se singulares quando implica apenas uma pessoa e plural quando implique
várias pessoas.

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2) Unilateral, bilateral e plurilateral
Aplica-se o critério do número de partes no negócio, que não é a mesma coisa que pessoas.
Toma-se por parte um centro de imputação de efeitos jurídicos, que pode ser um sujeito ou
um conjunto de sujeitos. Desta forma, pode haver apenas duas partes num negócio e mais,
por exemplo, quatro sujeitos.
3) Sinalagmático e não sinalagmático
Os negócios sinalagmáticos e não sinalagmáticos podem também ser chamados bilaterais
ou unilaterais, respetivamente, aceção conferida pelo nosso CC. Os negócios sinalagmáticos
são aqueles que definem obrigações ou vinculações a ambas as partes, ficando estes
simultaneamente devedores e credores. As obrigações das partes podem dizer-se
interdependentes, uma só existe porque e quando existe a outra. Por exemplo, o negócio de
compra e venda é sinalagmático dado que ao passo que uma das partes fica sujeita a “pagar”,
a outra fica sujeita a fornecer a coisa. Não faria sentido neste tipo de negócio uma das partes
ter que entregar a coisa sem que houvesse pagamento e vice-versa.
Nos negócios não sinalagmáticos só uma parte está vinculada ao cumprimento de uma
prestação. Um exemplo é a doação e o mutuo.
4) Monovinculante e bivinculante = contrato unilateral e bilateral
Conforme haja vinculação de apenas uma ou de ambas as partes envolvidas no negócio. Não
se confunde com a dicotomia anterior, pois mesmo num contracto sinalagmático – em que
existam obrigações recíprocas e interdependentes – apenas uma das partes pode estar
vinculada à sua efetivação. Exemplo de contracto sinalagmático monovinculante: contrato-
promessa unilateral (411o CC) – em que o sinalagma é a necessária declaração de ambos
para a concretização do contracto definitivo, mas só uma das partes promitentes fica obrigada
a contractar, o promitente-vendedor, não o promitente-comprador.
5) Típico e atípico
Um negócio típico é aquele que tem uma disciplina específica na lei (atenção, que tipicidade
difere de imperatividade). Se, porventura, não optar por nenhuma forma fixada pelo
ordenamento, for criado de raiz e agir por consenso, numa máxima expressão das liberdades
de celebração e de estipulação, é intitulado de negócio atípico. Podem ainda ser mistos,
quando engendram elementos de ambos os quadrantes. Há quem ainda fale, como MC e CF,
de “tipos sociais”, negócios que, ainda que não tipificados legalmente, recebem um figurino
comum pela prática quotidiana e jurídica.

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6) Nominado e inominado
A nominação de um negócio está simplesmente relacionada com a existência ou inexistência
de um nomen iuris. Exemplo: Negócio de compra e venda de bens imóveis é típico e
nominado (um negócio típico é sempre nominado, mas um NJ nominado nem sempre é
típico, como, por exemplo, o contracto de swap).
7) Solene/formais e não solene/consensual
Os negócios formais são aqueles para cuja conclusão a lei exija determinado ritual na
exteriorização da vontade.
Os negócios consensuais são a regra do Direito Português, não necessitando de observar
qualquer forma específica de manifestação da vontade, bastando o simples consenso inter
partes.
8) Real e não real/consensual – quanto à constituição
São reais quoad constitutionem os negócios cuja celebração dependa da entrega da coisa.
Exemplos: penhor, comodato, mútuo, depósito.
Os negócios não reais não precisam da entrega da coisa para serem celebrados e são a regra
no Direito português.
9) Obrigacional, real, familiar e sucessório – quanto aos efeitos
Consoante o tipo de eficácia que deem lugar seja real, obrigacional, familiar ou sucessório
ou dele resulte a constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídico ou direito
tal, tal, tal ou tal. No domínio obrigacional o mais relevante é o contrato de compra e venda
que produz a obrigação de entregar a coisa vendida e de pagar o preço para se dar a
transmissão do direito de propriedade, no real o usufruto da coisa, no familiar o casamento
ou a convenção antenupcial e no sucessório o testamento, a aceitação, o repúdio ou o pacto
sucessório.
10) Inter vivos e mortis causa
O negócio mortis causa está concebido pelo Direito para reger situações jurídicas
desencadeadas pela morte de uma pessoa, não se bastando em manifestar-se depois da
morte do seu autor como tradicionalmente se pensa. Exemplo: testamento e pacto
sucessório.
O negócio inter vivos é o mais comum e destina-se a produzir efeitos durante a vida dos
seus celebrantes.
11) Patrimonial e não patrimonial
Suscetíveis ou não a avaliação pecuniária.

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12) Oneroso e Gratuito

Um negócio é oneroso quando implique esforços económicos de ambas as partes, com


vantagens e desvantagens patrimoniais correlativas. Exemplo: na compra e venda, no plano
das atribuições, o vendedor vê nascer na sua esfera jurídica um direito de crédito sobre o
preço enquanto o comprador adquire o direito de propriedade sobre o bem; no que às perdas
concerne, o vendedor vê-se privado do direito de propriedade sobre o bem, com as suas
inerentes faculdades de uso, fruição e disposição e adstrito à obrigação de entrega da coisa
e, finalmente, o comprador encontra-se na obrigação de pagar o preço acordado o que o
privará da faculdade de disposição do mesmo; pelo contrário é gratuito quando cada uma
das partes retire dele somente benefícios ou sacrifícios. Exemplo: doação, em que só uma
parte, o donatário, retira benefício patrimonial do negócio, a aquisição derivada translativa
do bem, enquanto o doador sofre somente o prejuízo patrimonial de perda do direito de
propriedade do bem. De salientar ainda que o critério de averiguação da correlatividade é o
princípio da equivalência subjetiva. Se englobar elementos de ambos os edifícios jurídicos,
diz-se misto.

13) Entre presentes e entre ausentes


Consoante haja, ou não, simultaneidade das declarações negociais.
14) Recipiendo e não recipiendo
15) Comutativo e aleatório
Comutativo é o negócio oneroso que todas as atribuições das partes são, desde a celebração
do negócio, determinadas ou determináveis, em termos de nenhuma delas ficar dependente
de qualquer facto futuro e/ou incerto. Exemplo: quando A vende certo prédio a B por um
determinado preço. Quando, ao invés, um NJ envolve um grau de risco (álea) para uma ou
ambas as partes, ficando sempre na dependência de facto futuro, em termos de só uma ou
nenhuma alguma vez se realizar, designa-se por aleatório. Exemplo: apostas desportivas ou
contrato de seguro.
16) Causal e abstracto
Por princípio, as obrigações são sempre causais, pois apresentam uma identificabilidade
da pretensão e da sua fonte, ou seja, da justificação contratual da obrigação - segundo uma
parte da doutrina. Outra parte da doutrina, como CF, identifica os NJ causais como os que
dependem, na sua identidade, qualificação e regime atribuído, de uma causa-função que lhe
é própria (ver Nota abaixo). Quando tal não é necessário, como nas zonas onde impera a
tutela da confiança, temos negócios abstratos, ou seja, cujo tratamento jurídico se abstrai da

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causa que lhe subjaz. Temos o exemplo dos NJ cartulares, em que a eficácia deriva de títulos
de crédito que subsistem independentemente da fonte (por exemplo, letras de câmbio). Para
lá desta bipartição, destacam-se ainda os presuntivos de causa, explanados no art.o 458.o n.o
1 do CC. De salientar que não está em causa a existência, ou não, de causa do negócio, mas
da necessidade ou dispensa do seu conhecimento para a viabilidade do mesmo. Estes NJ
implicam uma inversão do ónus da prova, nos termos do 344.o, em prova diabólica.
Nota: Quando falamos de Causa, podemos adotar a sua conceção objetiva ou subjetiva. A
primeira é dominada pela ideia da função económico-social realizada por cada negócio ser
a sua causa (quem quiser permutar algo por dinheiro, deverá efetuar um contracto de compra
e venda, quem quiser trocar coisa por coisa fará uma troca ou escambo – causa-função) e, a
segunda, pela correlação entre causa e motivos típicos (comprar para obter a propriedade de
alguma coisa, doar para atribuir a outrem um benefício patrimonial, por exemplo). É a
conceção objetivista a mais consagrada no sistema português.

Os pressupostos do Negócio Jurídico


Menezes Cordeiro faz referência à existência de três tipos de elementos dos negócios
jurídicos, com base na posição adotada por Manuel de Andrade.
1. Elementos essenciais: são elementos que estão necessariamente presentes nos NJ,
podendo abranger outros gerais e específicos. Os elementos gerais são aqueles que
surgem em todos os negócios, sendo imprescindíveis. Os elementos específicos são
apenas imprescindíveis para caracterizar um determinado tipo de negócios,
distinguindo-os dos demais. Os elementos gerais são: a capacidade das partes, a
declaração ou declarações de vontade das partes, e o objetivo possível. Os elementos
específicos variam consoante o tipo negocial.
2. Elementos naturais; correspondem a normas supletivas, ou seja, cuja aplicação fica
na disponibilidade das pessoas. Predominam no Direito das Obrigações.
3. Elementos acidentais: são estipulações que não são necessárias para a consistência
de um negócio e que o Direito não preconiza, ainda que a título supletivo, para o tipo
negocial considerado.
Esta é a posição de Manuel de Andrade, no entanto o mesmo reconhece que isto não e
comummente aceite.
Paulo Cunha refere que o conceito de elementos negociais pode tomar duas aceções:

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® Em sentido amplo, referindo-se aos elementos que traduzem um conjunto de
realidades necessárias para que exista outra;
® Em sentido estrito, referindo-se aos elementos que exprimem os fatores que, num
momento estaticamente considerado, compunham um quid.
Os Pressupostos do Negócio Jurídico implicam regras relativamente a regras às pessoas,
aos bens, ou às relações que se estabeleçam entre ambos. Os Elementos, pelo contrário, têm
a ver com normas e princípios ligados à temática negocial.
Desenvolvimento da dinâmica do negócio:
1. Formação do negócio;
2. Conteúdo do negócio;
3. Vícios da vontade e da declaração;
4. Ineficácia do negócio.

----------Seguimento pelo Tratado de Direito Civil,vol II, do Prof. Menezes Cordeiro--------

A Formação do Negócio Jurídico


Parte 1: A Declaração Negocial
® Declaração de Vontade
O NJ enquanto manifestação da eficácia jurídica da natureza humana, assenta em
declarações de vontade. Só a vontade declarada, exteriorizada de modo a poder ser
reconhecida.
O NJ não se confunde com a declaração, uma vez que esta é um pressuposto que depende
de uma opção humana comunicada para o exterior enquanto aquele é a eficácia que resulta
da declaração desde que reconhecida como apta para modificar o universo jurídico.
O BGB alemão e o Código de Seabra revelam ambiguidade na separação entre declaração
e negócio, usando preferencialmente declaração negocial. NJ distingue-se claramente de
declaração quando requer para a sua completude mais que uma declaração de vontade. No
entanto, negócio e declaração surgem muitas vezes mutuamente implicados.

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Vontade Vontade de
Declaração
Humana Declaração

A vontade pode ser decomposta em 3 planos:


1. Vontade do comportamento: permite constatar a presença efetiva de uma atuação
humana, porque está em jogo uma conduta que se associa à vontade de manifestação,
por razões sociológicas ou por circunstâncias normativas.
2. Vontade da declaração: implica a consciência das razões axiológicas ou normativas
referidas anteriormente e que o sujeito aja voluntariamente e com conhecimento da
dimensão jurídica da sua atuação.
3. Vontade do negócio: é o desejo de desencadear os efeitos ou o conteúdo do negócio
em causa.
A articulação destes três aspetos levanta várias questões doutrinárias, considerando-se
classicamente que a natureza da declaração era animada por duas teorias: a teoria da vontade
e a teoria da declaração.
Natureza da declaração
Teoria da como decorrência da
Vontade opção do declarante Ambas evoluíram
para versões mais
moderadas: a teoria
da comunicação e a
Teoria da Natureza da declaração teoria da confiança
Declaração como exteriorização da
vontade

Uma declaração surge, antes demais, como uma ação humana que pressupõe uma atuação
ou
omissão controladas ou controláveis pela vontade.
A declaração é um ato de vontade, de comunicação e de validade. É um ato de
comunicação pois revela uma opção que o declarante exterioriza e é um ato de validade pois,
ao fazê-la, o declarante manifesta uma adstrição à própria vontade.
Apesar da importância da declaração no campo negocial, há outros fatores que devem ser
considerados, uma vez que não basta dar expressão à vontade do declarante, há que tutelar a
confiança das pessoas em certas exteriorizações, mesmo quando estas se mostrem negociais.
Assim:

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® O NJ é uma manifestação da autonomia privada e, como tal, deve corresponder à
vontade autónoma das pessoas;
® O “NJ” que não tenha vontade real não é um verdadeiro NJ; é antes uma
manifestação da confiança tutelada;
® O verdadeiro NJ e o “N” estão sujeitos a regras diferentes porque são diferentes.

® Tipos de Declarações
Foram abordados três tipos de declarações nas aulas: as declarações expressas e tácitas, o
silêncio e as declarações recipiendas e não recipiendas.
A. Declarações Expressas e Tácitas
Este tipo de declarações está regulado no artigo 217º do CC. Define-se que a declaração é
expressa quando feita por palavras, por escrito ou por qualquer outro meio direto de
manifestação da vontade. Define-se que a declaração é tácita quando se deduza a factos, que
com toda a probabilidade revelem manifestação de vontade. Para clarificar o conceito de
DT, o STJ veio dizer que os comportamentos requeridos pela respetiva terão que ser
significantes, positivos e inequívocos.
O cerne do problema da DT é a diferença entre a mesma e o silêncio. Por esta razão, a
doutrina tende a afastar as DT e até o CC exige declarações expressas em alguns artigos
como o 587º/2.
Retomando a distinção entre DE e DT, há que referir ainda que existem duas teorias que a
explicam:
1. Teoria Subjetiva: a declaração é expressa quando resulta de uma conduta destinada
a manifestar uma vontade e tácita caso derive de uma atuação que tenha outros
objetivos, mas da qual possa interferir uma vontade negocial;
2. Teoria Objetiva: a declaração é expressa é atuada com meios cujo sentido
declaratório está fixado pelos usos, pela lei ou por convenção; será tácita quando os
meios em jogo só no contexto permitam apreender tal sentido.
Considerando que a doutrina prefere afastar o conceito de DT dada a sua ambiguidade,
introduz-se a locução declarações concludentes. O que a caracteriza é que a vontade
manifesta-se através de determinados comportamentos, que podem ser típicos ou condutas
diversas. Os comportamentos típicos são aqueles que, sendo de tal modo estandardizados,
são imediatamente reconhecidos como manifestação da vontade negocial.

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B. O Silêncio
O Silêncio vem regulado nos termos do artigo 218º, no sentido de silêncio como meio
declarativo. Aqui o que se pretende analisar é se o Silêncio enquanto inexistência de qualquer
ação ou forma de comunicação pode valer declarativamente. Essencialmente, coloca-se em
questão se o silêncio pode servir como aceitação de uma proposta de contrato.
Para o problema acima referido a lei vem estabelecer no artigo 218º que “o silêncio vale
como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.
Importa referir alguns exemplos em que a lei valida o silêncio positivamente, como os artigos
923º/2 e o 1163º.
Por outro lado, e no âmbito da autonomia privada, fixa-se que as partes podem, por
convenção, atribuir ao silêncio o significado que quiserem, no qual se inclui o sentido
negocial. Com efeito, o declarante pode, voluntariamente, inserir-se em ambiências que
permitam inferir vontade negocial do seu silêncio.
No entanto, é de ressalvar que as pessoas têm o direito ao silêncio, até como forma de
proteção, e desse silêncio nada pode ser inferido.
C. Declarações Recipiendas e Não Recipiendas
As declarações negocias são recipiendas ou não recipiendas consoante tenham ou não um
destinatário. Na generalidade, as declarações que visem integrar um negócio contratual são
recipiendas e as que visam negócios unilaterais são não recipiendas. Exceção: a oferta ao
público, não tem qualquer destinatário, mas via integrar um conteúdo contratual.
As declarações recipiendas têm a sua eficácia condicionada pela ligação particular que
visam estabelecer com o seu destinatário. Este relacionamento tentou ser explicado por
várias doutrinas, das quais destacamos cinco.
1. Teoria da Exteriorização: o NJ fica concluído quando a vontade tivesse obtido a sua
forma exterior, ou seja, quando se manifesta-se. O problema aqui é que a vontade
pode exteriorizar-se sem atingir o seu destinatário.
2. Teoria da Expedição: o NJ fica concluído quando a declaração seja remetida ao
destinatário. O problema aqui é que a declaração pode ser remetida sem nunca chegar
ao destinatário.
3. Teoria da Receção: a eficácia de uma declaração recipienda depende de o
destinatário a receber com efetividade. O problema aqui é que o destinatário pode
receber a declaração e não tomar conhecimento ou aperceber-se disso.

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4. Teoria do Acolhimento: os efeitos surgem logo que a declaração chegue ao poder do
destinatário. O problema aqui é que esse poder não assegura que o destinatário tenha
consciência dele.
5. Teoria do Conhecimento: confere eficácia à declaração que chegue ao efetivo
conhecimento do destinatário.
A doutrina atual explica que a “receção” implica a chegada da declaração ao âmbito do
poder ou da atuação do destinatário, de modo que ele possa conhecê-la.

Parte 2: O Surgimento do Negócio


A formação do NJ implica atividades de complexidade variável. Ele pode ocorrer de
imediato, através do assentimento ou implicar atividades preparatórias.
Em Direito há processo quando diversos atos jurídicos se encadeiam, de modo a
proporcionar um objeto final. Esta natureza processual faculta duas conclusões:
1. O resultado final depende da verificação da ordem própria dos diversos atos
processuais;
2. Cada um dos atos processuais só fazem sentido quando orientados para o resultado
final para que tendam.

® Negócios Comuns:
São os negócios que não implicam processo, ou seja, diversos atos jurídicos.
Þ Negócios Unilaterais: são os mais simples e ficam completos apenas com a
declaração da vontade do seu autor, exteriorizada pela forma legal. Não se verifica
necessidade de procurar um consenso, necessidade essa que dita o essencial da
complexidade processual negocial.
Þ Negócios por Minuta: são negócios que se concluem por adesão ou subscrição, por
ambas as partes, de um documento que comporta o teor negocial. A minuta costuma
ser preparada por um terceiro especialista, seguindo-se as indicações das partes.
Os negócios comuns formam-se entre presentes, pela adesão a fórmulas apresentadas a
todos os interessados. Existem vários tipos sociais de negociação:
Þ Aquisição por apreensão ou por indicação seguidas de pagamento: o adquirente
apreende os bens que lhe interessam e o negócio conclui-se com o pagamento dos
mesmos;

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PORTUGUESA
Þ Contratação por escolha em lista, seguida pela utilização ou pelo consenso, com
subsequente pagamento: o interessado manifesta o seu desejo perante uma lista,
adquirindo o bem ou serviço.
Þ Contratação por adesão a clausulas contratuais gerais: é a fórmula comum de
fechar negócios nos setores da banca. Aqui o aderente, ainda que cumpridos os
deveres de informação e comunicação, adere a preposições definidas pela
contraparte.

® Técnica de Contratação:
A formação de um contrato minimamente complexo apresenta a seguinte sequência:
1. Obtenção de informações;
2. Borrão de projeto de contrato;
3. Aplicação hipotética do contrato;
4. Concretização de critérios de decisão;
5. Escolha das melhores opções técnicas;
6. Superação dos conflitos de objetivos;
7. Negociações contratuais;
8. Instrução e aconselhamento;
9. Elaboração do documento contratual.

® Máximas que o negociador interessado deve ter em conta:


1. Opção pelo caminho mais seguro: enquanto o juiz ou o estudioso podem optar
por vias alternativas e caminhos inovadores em determinadas circunstâncias, o
operador contratual não deve correr riscos;
2. Postulado da previsão de conflitos: o contrato a negociar deve oferecer saídas
eficazes para cada potencial conflito;
3. Métodos da resolução de conflitos: nos contratos de algum porte devem inserir-
se cláusulas de arbitragem;
4. Remoção de inseguranças: o jurista deve antecipar pontos de futura dificuldade
e corrigi-las.

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Parte 3: A Forma da Declaração
Forma de Declaração ou do negócio consiste no modo utilizado para exteriorizar a vontade,
que tem que ser minimamente solene, ou seja, acompanhada de sinais exteriores sensíveis
pelas pessoas que presenciem a declaração ou que, posteriormente, dela tenham
conhecimento.
Aos negócios formais/ solenes contrapõe-se os Consensuais; estes últimos produzem
efeitos por manifestação de vontade ou mero consenso das partes, independentemente do
modo em que surja.
Recentemente a forma tornou-se um requisito adicional para a validade do negócio,
anteriormente era a própria forma que criava o efeito jurídico. Atualmente tem-se evoluído
para a desformalização da declaração, tornando os processos menos burocráticos. Tem-se
caminhado para um facilitismo do tráfego jurídico.
® Forma ad substantiam e ad probationem
A forma ad substantiam é exigida pelo Direito para a sua própria consubstanciação do
negócio em si, na sua falta há nulidade.
A forma ad probationem requer-se apenas para demonstrar a existência do negócio, na sua
falta o negócio não pode ser comprovado.
Esta distinção pode parecer redundante, já que um negócio pode ser válido e, não havendo
prova da sua existência, seria assumido como nulo. A lei corrige esta falha no artigo 364º/2.
® Forma VS Formalidade
A Forma corresponde à exteriorização da vontade enquanto a Formalidade corresponde a
algo que o legislador exige para que seja válida a celebração do negócio.
® A Justificação da Forma
Existem três fundamentos para a justificação da forma: solenidade, reflexão e prova.
1. Solenidade: publicidade de determinadas ações = ato ou efeito de as dar a conhecer
ao público. A critica aqui é que a forma não confere, por si, qualquer publicidade.
2. Reflexão: consiste em admitir que existem alguns negócios que não podem ser
pensados de animo leve por parte do contraente, precisando este de refletir sobre o
mesmo. A critica aqui é que a reflexão, embora possa ser propiciada pela forma de
alguns negócios, não é necessária nem suficiente.
3. Prova: consiste na demonstração de ocorrência dos factos que pouco ajuda pois, por
exemplo, os negócios vitimados por vicio de forma são de prova imediata.

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® A Desformalização e a Reformalização
As formas suscetíveis de dar expressão às declarações de vontade vêm sistematizadas no
CC. Entende-se ainda que o Documento, no Direito Civil, é qualquer objeto elaborado pelo
homem com o fim de apresentar uma coisa, pessoa ou facto.
® Classificação de Documentos

Escritos Fotográfico
Suporte
Repro. Mecânica Cinematográfico

Fonográfico
Oficiais
Entidade de
Origem
Particulares Autor

Nacional Réu
País de
Origem
Estrangeiro

Autêntico

Critérios
Jurídicos Particular

Autenticado

Existe uma hierarquia entre documentos: autêntico, autenticado e particular. O artigo


364º/2 estabelece que um documento apenas pode ser substituído por outro, de grau superior.
Se apenas estiver em causa a prova de declaração, pode ser substituído por confissão.

Parte 4: O Funcionamento das Regras Formais e o Sistema


O progresso jurídico proporcionou uma luta conta o formalismo. São vários os esquemas
legais que podemos detetar no Direito vigente que servem para amenizar as regras formais,
em nome de injustiças que estas possam causar. Exemplos destes esquemas são: a
possibilidade de estabelecer clausulas contratuais gerais (mediante os termos do artigo
221º/1), a possibilidade de retirar elementos de um negócio formal que, embora não

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expressas da forma devida, se consigam compreender (isto mediante os termos do artigo
238º/1) e ainda a possibilidade de converter um negócio nulo por falta de forma, noutro
formalmente menos rigoroso (nos termos do artigo 293º).
® A Forma Legal
É aquela que é exigida por lei para determinada declaração negocial. Opera apenas perante
o cerne negocial, porque as estipulações acessórias só se lhe sujeitam quando a “razão
determinante da forma” lhes seja aplicável (221º/1). As regras sobre a forma devem ser
estendidas a negócios que se prendam com o núcleo negocial formalizado. Isto ocorre, por
exemplo, com a procuração e com a ratificação. Nos negócios coligados entende-se que se
não houver acessoriedade, cada um segue a forma legal que lhe compita. Já nos contratos
mistos entende-se que prevalece a forma mais exigente.
® A Forma Voluntária
Surge quando, embora não seja exigida por lei ou por convenção, é adotada livremente
pelo declarante. Representa uma problemática nas relações com a autonomia privada. O
artigo 221º/1 prevê a hipótese de sujeitar as estipulações acessórias a forma escrita, que terá
de ser seguida sob pena de nulidade. São válidas as estipulações acessórias que, embora não
definidas inicialmente, se mostrem como vontade do declarante e sejam conciliáveis com a
declaração inicial.
Exceções:
1. se se demonstrar que as partes não tinham aquela vontade na data de celebração do
negócio, na medida em que há a dúvida de o facto das cláusulas não constarem do
contrato pura e simplesmente porque as partes já não queriam;
2. se existe alguma forma legal para aquelas cláusulas;
® A Forma Convencional
A forma convencional corresponde à forma que as partes tenham pactuado adotar. Trata-
se de uma possibilidade lícita e eficaz ao abrigo da autonomia privada, havendo, no entanto,
que ter em consideração que existem limites quanto às clausulas contratuais gerais,
nomeadamente no âmbito da defesa do consumidor.
A convenção de forma é constitutiva e não declarativa.
Âmbito da forma convencional:
1. Convenção de forma anterior à celebração do negócio: se as partes depois
celebrarem um negócio que não corresponde à forma previamente acordada em
convenção, esse negócio não produzirá efeitos (ineficácia). É necessário analisar o

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negócio oral e tentar entender se para além de declarações expressas de compra e
venda, não estará também em causa uma declaração tácita de revogação da
convenção:
a. Se sim, então houve uma revogação tácita da convenção e o contrato c/v é
válido.
b. Se não, a consequência é a ineficácia jurídica do negócio.
2. Convenção de forma posterior ou concomitante à celebração do negócio: a lei
presume (é ilidível, pode ser afastada esta presunção) que a convenção de forma tem
como função formalizar, reforçar e conferir solenidade ao ato praticado, à partida não
existe problemas de forma ou de ineficácia.

A Conclusão dos Contratos


Parte 1: O Processo de Formação dos Contratos
® O Contrato entre Ausentes
O modelo básico da formação do NJ assenta num processo de formação do contrato. Este
processo postula uma situação na qual, entre as declarações dos intervenientes, decorre um
período de tempo juridicamente relevante.
Nos contratos entre ausentes as partes não estão necessariamente fisicamente separadas,
apenas se verifica que a proposta não é seguida de aceitação imediata. O CC regula isto nos
termos dos artigos 224º, 228º e 235º.
O esquema de formação de contratos entre ausentes apresenta dois desvios perante a
realidade:
1. Limita-se ao contrato com duas partes ou bilateral,
2. Ignora os contratos entre presentes, que englobam os negócios do dia-a-dia.
® A Proposta
A Proposta é uma declaração feita por uma das partes e que, uma vez aceite pela outra ou
outras, dá lugar ao aparecimento de um contrato.
A Proposta Contratual deve reunir três requisitos essenciais:
1. Deve ser completa, no sentido de abranger todos os pontos a integrar no futuro
contrato. Ficam incluídos aspetos que devam ser necessariamente precisados pelos
contratantes e outros que podendo ser supridos por lei através de normas
supletivas, as partes tendam incluir segundo o princípio de autonomia privada.

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2. Deve revelar uma intenção inequívoca de contratar. A proposta deve ser firme
de forma que a sua simples aceitação dê lugar ao contrato
3. Deve revestir a forma inequívoca para o negócio em jogo.
® Eficácia e Duração
Emitida uma proposta e tornando-se ela eficaz (termos do artigo 224º), pergunta-se quais
os termos dessa eficácia e por quanto tempo ela deverá manter-se.
A Eficácia da PC consiste em promover na esfera do destinatário o direito potestativo de,
pela aceitação, fazer nascer o contrato proposto. Esta situação é distinta de outras nas quais
uma das partes tenha o direito potestativo de forçar a outra à conclusão do contrato, por meio
de esquemas legais ou negociais. Estas últimas situações chamam-se direitos de opção e
surgem na sequência de contratos promessa e pactos de preferência.
A duração da proposta contratual surge regulada nos termos do artigo 228º.
1. Prazo fixado pelo proponente ou acordado entre partes: aqui vigora o
princípio da autonomia privada, o prazo é fixado pelo acordo entre as partes;
2. Ausência de fixação do prazo pelo proponente ou acordo entre partes:
A) Proposta Urgente: neste âmbito englobam-se as propostas realizadas por
email, sms (imediatos) por correio azul ou por correi normal e consideram-
se três dias até chegar ao destinatário mais três dias de reflexão.
B) Proposta não urgente: a proposta vai vigorar até que, em condições
normais, ela (a proposta) e a aceitação cheguem ao destino + 5 dias de
reflexão.
Quais os modos de extinção da proposta negocial:
1. Decurso do prazo: a proposta extingue-se por caducidade nos termos do artigo
228º. Nos casos em que o proponente, sem se ter reservado a faculdade de revogar,
vir declarar que a sua proposta se mantém indefinidamente, considera-se que o
mesmo pode solicitar ao tribunal a fixação de um prazo para que o destinatário
aceite ou rejeite. Passado este prazo, segue-se a letra do 228º.
2. Revogação: é um ato unilateral praticado pelo proponente, que tem por conteúdo
a extinção da proposta previamente emitida. É viável em duas hipóteses:
- Quando o proponente se tenha reservado a faculdade de revogar;
- Pelo destinatário, antes de recebida a proposta ou no momento em que a recebe.
3. Aceitação: faz desaparecer a proposta, tal como a rejeição.

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® Oferta ao Público
É uma modalidade de proposta contratual que se dirige a uma generalidade de pessoas.
Surge como figura que pretende proporcionar muitos contratos com um mínimo de custos e
esforço por parte do celebrante. A OP pode ser formulada através de qualquer meio
suscetível a demonstrar uma intenção de contratar completa e efetiva. Distingue-se de outras
figuras como:
1. Convite a contratar: as entidades interessadas incitam pessoas indeterminadas a
contratar, através da publicidade. O convite a contratar implica negociações
posteriores, das quais pode resultar uma verdadeira proposta;
2. Proposta feita a uma pessoa desconhecida ou de paradeiro ignorado: é uma
proposta comum com um destinatário específico, do qual se desconhece a
identidade ou paradeiro, havendo necessidade de recorrer a um anúncio público
nos termos do 225º;
3. Cláusulas contratuais gerais: não surgem necessariamente como proposta e
implicam uma rigidez que não enforma uma oferta ao público.
® Invitatio ad offerendum, Leilão
O proponente declara-se pronto a receber propostas que depois pondera aceitar.
® Aceitação, Rejeição e Contraproposta
A aceitação é uma declaração recipienda, formulada pelo destinatário da proposta negocial
ou por qualquer interessado, quando haja uma oferta ao público, cujo conteúdo exprima uma
total concordância com o teor da declaração do proponente. A aceitação deve reunir duas
características fundamentais:
1. Traduzir uma concordância total e inequívoca;
2. Revestir a forma exigida para o contrato.
Da aceitação resulta o contrato, não podendo haver verdadeira aceitação quando a
componente declarativa surja de forma dúbia.
A aceitação pode ser expressa ou tácita, nos termos do 217º. Esta aceitação não pode incidir
apenas sobre os aspetos essenciais da proposta: deve abranger-se a todos os problemas que
qualquer umas das partes queiram suscitar.
Quando a declaração for recipienda, a aceitação produz efeitos nos termos do 224º. Pode
acontecer que a aceitação comece a produzir efeitos apenas quando a proposta já não tenha
eficácia – receção tardia 229º. Quando isto acontece não há de imediato qualquer contrato.
O 229º estipula que o contrato não se conclui caso o proponente receba a aceitação

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PORTUGUESA
tardiamente, sem qualquer razão para ter sido expedida fora de tempo. Oferece ainda
oportunidade para que o proponente considere eficaz a resposta tardia no caso de ter sido
expedida em tempo oportuno. Note-se que aqui o critério para a eficácia é a expedição em
tempo oportuno da resposta, sendo que no não cumprimento deste, o contrato depende de
nova proposta e nova aceitação.
Uma vez emitida a aceitação, pode ser revogada nos termos do 235º/2.
O contrato tem se por celebrado no momento em que a aceitação se torne eficaz, ou seja,
logo quando chega ao poder do destinatário ou dele seja conhecida.
A conclusão dá se no lugar da receção da aceitação e logo que celebrado o contrato,
desencadeiam-se os efeitos nele previstos. Assim, o próprio contrato pode fixar o momento
de início dos seus efeitos.
Perante uma proposta contratual, o destinatário dispõe da alternativa de a rejeitar. A
Rejeição é um ato unilateral recipiendo pelo qual o destinatário recusa a proposta contratual,
renunciando ao direito a que dera lugar. A rejeição pode ser expressa ou tácita e assim que
ela se torne eficaz, extingue-se a proposta contratual. A rejeição pode ser revogada, dando
origem à aceitação, nos termos do artigo 235º.
A aceitação da proposta com “adiamentos, limitações ou outras modificações” implica a
sua rejeição nos termos do 233º. Isto porque a aceitação da proposta contratual implica total
concordância entre as partes sobre todos os elementos da proposta. Ora, a modificação acima
referida implica que esta concordância não se revele.
O 233º estabelece que se as modificações forem suficientemente precisas, equivalem a
uma nova proposta negocial. Isto é entendido como uma contraproposta, que é basicamente
uma proposta que implica a rejeição de outra primeiramente. O artigo 233º é incompleto a
definir modificações “suficientemente precisas”, como tal este requisito deve ser
complementado: a contraproposta deve ser completa, deve traduzir a intenção inequívoca de
contratar e deve assumir a forma requerida para o contrato de cuja celebração se trate.
A aceitação parcial não dá aso a contrato nem a contraproposta porque o contrato só se
considera celebrado quando as partes cheguem a acordo sobre todas as clausulas ou matérias
que alguma delas tenha suscitado.
® Dispensa da Declaração de Aceitação
A dispensa da declaração de aceitação é regulada nos termos do 234º. Isto acontece muito
em negócios correntes em que a proposta e seguida imediatamente pela execução a cargo da
outra parte.

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PORTUGUESA
Complementariamente ao estabelecido no 234º, a formulação de um contrato “sem
declaração de aceitação” pode traduzir-se materialmente:
1. Em atos de apropriação, tais como o uso, a modificação, o consumo ou a disposição
das coisas em objeto de oferta;
2. Em atos de cumprimento, como a reserva de um hotel;
3. Em atos concludentes.
O 234ª especifica três hipóteses:
1. A proposta: o proponente pode dispensar a declaração de aceitação, mas não a própria
aceitação;
2. As circunstâncias do negócio;
3. Os usos.
Teoria do exercício da vontade: o preceito não precisa de qualquer manifestação de
vontade para a conclusão do negócio.
Teoria da dispensa da comunicação ou do destinatário: existe sempre uma declaração de
vontade, exteriorizada de alguma forma, mas sem necessidade de envio ao proponente.
Não se confunde declaração tácita com dispensa de declaração de aceitação, nem tão pouco
se pode dizer que a última é uma declaração tácita não-recipienda, porque a não ter
destinatário não é comunicação. Corresponde antes a uma autodeterminação sem declaração
ao proponente.

Parte 2: Contratação Automática e Eletrónica


® O Autómato
Numa abordagem inicial, o autómato pratica meras operações materiais, fazendo aquilo
para que está programado sem ter vontade própria nem representando ninguém. No entanto,
num simples ato de receber alguma coisa a troco de outra está presente um negócio jurídico.
® A Negociação Automática
Cola-se em questão: como é que é possível compor um modelo contratual sem a presença
de um dos parceiros?
A dar resposta a isto, a doutrina oferece-nos duas teorias:
1. Teoria da Oferta Automática: a presença de um autómato a funcionar, mediante a
solicitação feita por um utente, deve ser vista como uma oferta ao público. Quando
o autómato é acionado, o utente aceita uma proposta genérica formulada pela
entidade a quem fosse cometida a programação. O autómato era um simples
prolongamento da vontade do proponente.

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PORTUGUESA
2. Teoria da Aceitação Automática: o simples acionar do autómato não provoca
necessariamente a conclusão do contrato, isto só se dá se ele se encontrar em
condições de fornecer o bem solicitado. O autómato só se concluiria através do
funcionamento do autómato, cabendo ao utente a formulação da proposta.
Perante os princípios clássicos da automação, a presença de um autómato constituiria uma
autêntica oferta ao público. A pessoa responsável pelo autómato desfrutaria de liberdade de
estipulação ao programá-lo, podendo propor o que entender. Por outro lado, o utente apenas
pode aceitar ou recusar a proposta automática. O autómato não tem liberdade de decisão para
aceitar ou recusar uma proposta: as ações competentes foram feitas pelo programador e só
por este podem ser alteradas.
® A contratação por meios eletrónicos e por Internet
A contratação por meios eletrónicos e por Internet não se confunde com a efetuada através
de autómato ou de computador, embora, por vezes, lhe esteja associada.
A disponibilidade de contratação eletrónica através da Internet representa uma imensa
vantagem para os particulares e para as empresas. Praticamente tudo pode ser adquirido ou
contratado. Este tipo de fenómeno de contratação só não foi mais longe porque há
determinados bens e serviços cujos utentes preferem ter contacto antes de adquirir, como é
o caso de alimentos e serviços médicos.
® A tutela do contraente aderente
Negócios celebrados fora do estabelecimento comercial ou à distância- Decreto-lei nº
24/2014, de 14.2 (alterações: Lei 47/2014, de 18.7 e Decreto-lei nº 78/2018, de 15.10).
1. Negócios celebrados fora do estabelecimento comercial: negócios entre
presentes, mas celebrados fora do estabelecimento comercial. É o exemplo típico
da venda de aspiradores ou Bimbys em casa das pessoas.
Dever pré-contratual de informação a cargo do fornecedor de bens (art. 4º): nos termos do
artigo 227º do CC, qualquer das partes está sujeita a um dever de informação, porém no
artigo 4º do DL há especificações necessárias a prestar ao consumidor que não constam do
princípio da boa-fé estabelecido no CC, tais como: o Identidade do fornecedor: no contrato
tem de haver a devida identificação deste o Características essenciais do bem o Preço total
o Modo do cálculo do preço o Custos de transporte o Modalidades de pagamento e de entrega
o Informação de que o consumidor suporta os custos de devolução o Condições de
assistência pós-venda

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Suporte: papel ou outro suporte duradouro (esta última modalidade se o utilizador
consentir, p.e. via email).
A lei estabelece, para além de indemnização por violação destes deveres (como vemos no
artigo 227º), algumas sanções especificas: o Aquando da ausência de informação ou a má
informação, se o que está em causa são os custos a suportar pelo consumidor, então os custos
passam a correr (a ser suportados) por conta do fornecedor.
Forma legal: escrito particular
Direito ao arrependimento: há quem fale de um direito de resolução porque é unilateral na
medida em que é o consumidor que pode extinguir a relação contratual e há quem fale de
um direito de revogação porque ele é livre de o fazer. No fundo o direito ao arrependimento
espelha a possibilidade de o contrato ser celebrado e, após a celebração do negócio, sem
qualquer tipo de justificação, o consumidor pode desfazer o negócio - tutela do consumidor.
Prazo para o exercício: 14 dias. Prazo começa-se a contar após a entrega (receção) do bem,
quando o consumidor recebe a entrega (física) da coisa.
Receção tardia: em condições de normalidade, uma vez enviada a declaração de
arrependimento dentro do prazo, chega depois dos 14 dias, isto é passível. Ora o prazo de 14
dias é o prazo para o envio da declaração e não o prazo para a receção da declaração.
Liberdade de forma: a comunicação do arrependimento pode ser feita como o consumidor
quiser o Irrenunciável e ilimitável: atribui-se um direito ao consumidor (seja ele qual for)
cujo consumidor não pode dizer que não quer ser titular- irrenunciável- e é ilimitável na
medida a lei estabelece os direitos mínimos (menos não é permitido) mas há autonomia
privada para aumentar a garantia concedida ao consumidor.
Exceções ao direito ao arrependimento: art. 17º.
2. Negócios celebrados à distância: negócios celebrados entre ausentes pelo que
significa sempre que há a utilização de um meio que tem por fim a comunicação à
distância. É o exemplo típico das compras online ou das operadoras de redes
móveis que vendem pacotes por chamadas telefónicas
Dever pré-contratual de informação a cargo do fornecedor de bens (art. 4º): nos termos do
artigo 227º do CC, qualquer das partes está sujeita a um dever de informação, porém no
artigo 4º do DL há especificações necessárias a prestar ao consumidor que não constam do
princípio da boa-fé estabelecido no CC, tais como: o Identidade do fornecedor o
Características essenciais do bem o Preço total o Modo do cálculo do preço o Custos de
transporte o Modalidades de pagamento e de entrega o Informação de que o consumidor
suporta os custos de devolução o Condições de assistência pós-venda

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Suporte: papel ou outro suporte duradouro (se o consumidor aceitar este último)
A lei estabelece, para além de indemnização por violação destes deveres (como vemos no
artigo 227º), algumas sanções especificas:
1. Aquando da ausência de informação ou a má informação, se o que está em causa são
os custos a suportar pelo consumidor, então os custos passam a correr (a ser
suportados) por conta do fornecedor.
Forma: escrita o Online: é escrito, consente-se ao fazer check nas boxes
® Por telefone: as negociações são orais, mas só há negócio quando o consumidor
assina um documento a consentir efetivamente o negócio
Dever de confirmação do negócio: pensado especialmente para as compras feitas via
internet. Normalmente, após uma compra online, recebemos um email a confirmar o
contrato. O fornecedor tem 5 dias para confirmar a celebração do negócio de modo que o
consumidor saiba que está efetivamente vinculado.
Direito ao arrependimento o Prazo para o exercício: 14 dias. Prazo começa-se a contar
após a entrega (receção) do bem, quando o consumidor recebe a entrega (física) da coisa.
Receção tardia: em condições de normalidade, uma vez enviada a declaração de
arrependimento dentro do prazo, se chega depois dos 14 dias, isto é passível. Ora o prazo de
14 dias é o prazo para o envio da declaração e não o prazo para a receção da declaração.
Liberdade de forma: a comunicação do arrependimento pode ser feita como o consumidor
quiser o Irrenunciável e ilimitável: atribui-se um direito ao consumidor (seja ele qual for)
cujo consumidor não pode dizer que não quer ser titular- irrenunciável- e é ilimitável na
medida a lei estabelece os direitos mínimos (menos não é permitido) mas há autonomia
privada para aumentar a garantia concedida ao consumidor.
Exceções ao direito ao arrependimento: art. 17º.

As Clausulas Contratuais Gerais


As clausulas contratuais gerais são proposições impessoais e pré-elaboradas, que os
contratantes podem adotar, para efeitos de conclusão de um negócio.
As CCG distinguem-se de outras figuras afins como a proposta, a aceitação e a envitatio
ad offerendum por não terem um destinatário.
As CCG visam permitir uma contratação eficaz e com um número elevado de pessoas.
Têm uma função unitária, que se manifesta diversamente consoante o setor onde se
apliquem. Têm cinco funções:

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1. Rapidez;
2. Racionalização;
3. Colmatação de lacunas;
4. Ordenação do risco;
5. Confiança dos interessados.
No plano internacional desenvolveram-se CCG destinadas a contratos conectados com
mais que um ordenamento, que podem ser usadas também no plano interno. Essas clausulas
são de dois tipos:
1. Clausulas simplificadoras: são clausulas típicas de elaboração privada e cuja
inclusão em contratos de rápida celebração e execução permitem fixar regimes claros
e experimentados;
2. Clausulas reguladoras: ocorrem no domínio do Direito Financeiro.
As CCG dependem de quatro requisitos: a juridicidade, a pré-formulação, a multiplicidade
e a rigidez. As CCG são proposições negocialmente significativas, pré-formuladas, que
podem ser utilizadas numa multiplicidade de contratos e não admitem uma modificação que
possa alterar o seu conteúdo.
1. Juridicidade: específico de qualquer cláusula contratual, não apenas das gerais.
Ideia de autovinculação, ideia de que aquela cláusula visa proteger efeitos
jurídicos, o seu conteúdo irá ser traduzido no universo do Direito- vinculação e
eficácia jurídica.
2. Pré-formulação: estas cláusulas são elaboradas antes da celebração de qualquer
negócio e independentemente do negócio em si (antes da existência ou previsão
do negócio).
3. Generalidade: são cláusulas que visam ser utilizadas pela generalidade das pessoas
destinatárias, é um clausulado feito para ser utilizado em qualquer negócio por
qualquer pessoa.
4. Rigidez: são clausulas pré feitas e em que a contraparte (o clausulado) só pode dizer
que aceita ou recusa, não pode haver contraproposta.
Existem ainda outras características das CCG que, embora não sejam obrigatórias,
aparecem com frequência:
1. Desigualdade entre as partes: o utilizador das CCG goza geralmente de
superioridade económica e científica em relação ao aderente;
2. Complexidade: as CCG cobrem com minucia todos os aspetos contratuais;

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3. Natureza formularia: as clausulas constam, com frequência, de documentos
escritos extensos, onde o aderente se limita a especificar escassos elementos de
identificação.
® O Status Contratual Geral
A natureza das CCG já suscitou algum debate e historicamente pretendeu-se tratar de usos,
normas jurídicas e meros contratos. No entanto, a questão mantém-se em aberto porque nem
todas as CCG são expressão de usos, algumas são manifestações de voluntarismo por parte
dos utilizadores e porque a fonte de juridicidade das CCG não reside nos usos que são dela
desprovidos, só admite os usos para quando eles remetam para alguma lei.
Atualmente defende-se a Teoria Negocial ou do Contrato que postula que as CCG ganham
eficácia jurídica através da sua inclusão nos contratos singulares. No entanto, as CCG,
independentemente de inclusão nos contratos, já são juridicamente relevantes, mediante o
disposto na LCCG.
Há que distinguir as CCG destinadas a integrar contratos de execução instantânea e as que
se dirigem à constituição de relações negocias duradoras.
1. CCG destinadas a integrar contratos de execução instantânea: aqui operam
como simples proposições negocias, uma vez integradas no contrato singular
definido;
2. CCG que se dirigem à constituição de relações negociais duradoras: aqui
instituem um autêntico status, no qual ficam imersas. Há que contar com a
ocorrência de diversas obrigações de base geral, originadas pela boa-fé. A
ocorrência de uma relação geral de confiança, fonte de deveres de informação e
de lealdade, é uma constante habitual em situações deste tipo.

Parte 1: O Regime Geral


® Aspetos gerais da LCCG
A LCCG visa todos os utilizadores das CCG, não se limitando a proteger os consumidores.
Ela prevê para estes últimos uma extensa lista de proibições, onde se impõe a boa-fé.
A LCCG associou a nulidade de clausulas contrárias à lei a um sistema geral de sanções
inibitórias destinadas a proibir clausulas que, independentemente de incluídas em contratos
concretos, sejam contrárias à lei.
® Âmbito e exclusões

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PORTUGUESA
A lei das CCG visou um princípio de aplicação a todas clausulas independentemente: da
forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou venham a apresentar
nos contratos a que se destinem, da matéria que venham a regular e de terem sido elaboradas
pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.
No entanto, há matérias que ficaram excluídas deste âmbito, seja por razões formais, seja
em função da matéria, como vem regulado nos termos do artigo 3º da LCCG.
® Comunicação e Informações
O recurso a CCG questionam a liberdade de estipulação e inscrevem-se no NJ através de
mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados às luz
de regras sobre a perfeição das declarações negociais, havendo que lidar com figuras como
o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental. Como tal, não basta
que se aceitem as CCG, é também necessário preencher os requisitos regulados nos artigos
5º e ss da LCCG.
A inclusão depende de três fatores:
1. De uma efetiva comunicação;
2. De uma efetiva informação;
3. Da inexistência de clausulas prevalentes.
O principal problema que levou à regulação das CCG residiu na condenação de situações
em que o aderente não era devidamente informado sobre as clausulas a que aderia. Para
responder a este problema surge o artigo 5º que estabelece a exigência de comunicação a
todos os interessados diretos (comunicação na íntegra) e que a comunicação deve ser ainda
feita atempadamente e de forma adequada tendo em conta as circunstâncias. A exigência
legal satisfaz-se com a assinatura de um clausulado “bem impresso, perfeita e
completamente legível, sendo as letras de tamanho razoável, também, o respetivo
espaçamento”.
Quanto ao Ónus da Prova:
Þ O utilizador que alegue contratos celebrados na base de CCG deve provar a adesão
e o cumprimento do encargo de comunicar;
Þ A inobservância, mesmo sem culpa, do encargo de comunicar envolve
consequências legalmente previstas.
Þ Artigo 342º CC.
Para a conclusão do contrato é necessária, além da comunicação das clausulas, o seu
respetivo entendimento. Neste âmbito fala-se de um dever de informação: o utilizador das

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CCG deve conceder a informação necessária ao aderido, prestando lhe todos os
conhecimentos necessários desde que razoáveis.
Esclarecimento dos artigos 5º e 6º LCCG:
Þ Cabe ao particular aderente explicitar as clausulas de que não tomou conhecimento;
Þ O aderente deve provar que contratou por adesão, o que não acontece quando existem
negociações;
Þ Deve explicitar as clausulas de que não tomou conhecimento porque não lhe foram
comunicadas devidamente;
Þ O dever de comunicação dá azo a uma “obrigação de meios”.
Cabe ao utilizador provar que houve comunicação:
Þ O teor da informação não deve ultrapassar o exigido pela boa-fé, não pode ser
exacerbado e não implica uma explicação de cada clausula;
Þ A comunicação deve ser feita de forma integral, de modo adequado e com
antecedência suficiente;
Þ Não é suficiente que o aderente assine um formulário a dizer que tomou
conhecimento das clausulas.
® Clausulas Prevalentes
As clausulas que subscrevam CCG podem acordar simultaneamente outras clausulas
especificas.
O artigo 7º estipula uma prevalência das clausulas especificas sobre as gerais: a lei
reconhece que a estipulação de clausulas especificas significa que as partes se inclinaram
com toda a probabilidade para elas.
A existência de clausulas especificamente acordadas deve ser invocada e provada por
quem delas se queira prevalecer. Isto decorre das regras gerais do ónus da prova, artigo 342º.
Clausulas que sejam negociadas não entram no âmbito das CCG: a negociação prévia
impede a adesão a CCG.
As condições especiais ficam fora da LCCG.
As clausulas especificamente acordadas prevalecem sobre as CCG.
® Clausulas Excluídas
A presença de disposições que não tenham sido devidamente comunicadas em contratos
celebrados com recurso a CCG não corresponde ao consenso real das partes: ninguém pode
dar o seu assentimento ao que não conheça ou não entenda. No entanto, nestas situações de
falha de vontade há um assentimento em termos materiais. Artigo 8º, a) e b) LCCG.

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A LCCG também penaliza as “clausulas surpresa” e as que constem em formulários,
depois da assinatura dos contratantes. Estas primeiras são aferidas em três vetores: o
contexto, a epígrafe e a apresentação gráfica.
A hipótese de clausulas inseridas depois da assinatura do aderente deixa a suspeita de que
não foram lidas ou de que não houve acordo quanto a elas. A jurisprudência considera que
incorre em venire contra factum proprium o aderente que tenha tomado conhecimento das
CCG e que depois, havendo desentendimento entre as partes, venha a invocar a sua presença
no verso para as invalidar.
A lei fala da exclusão de cláusulas em três situações:
1. Resultantes da inobservância do ónus de comunicação e do ónus de informação ▪
Cláusulas surpresa: aquela que aparece a desproposito do conteúdo que está a ser
tratado nas cláusulas vizinhas, aparece desenquadrada do ponto de vista
sistemático. Caso também das cláusulas em letras miudinhas, que não são
integradas no negócio.
2. Cláusulas após assinatura: estão em causa os casos em que, depois da assinatura
do aderente, aparecem mais cláusulas. Uma vez que não há garantia que o
utilizador as queria e as conhecia no momento da assinatura, estas são excluídas.
® Se o utilizador conseguir demonstrar que as cláusulas estavam lá e que o aderente as
conhecia quando assinou, então as cláusulas não são excluídas sob pena de vinire
contra factum proprium
® No caso de remissão para anexos (vulgar nos seguros) que vêm depois da assinatura
e em documentos à parte, aqui discute-se:
§ Em Portugal defende-se que isto é uma cláusula depois da assinatura.
§ O Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) vem dizer que desde que haja referência aos
anexos no texto do negócio, estes devem ter sido com considerados incluídos no
negócio.
Consequências da exclusão de cláusulas (art.9º): o negócio mantém-se ainda que sem as
cláusulas excluídas, a área excluída preenche-se com uma de duas maneiras (manutenção do
contrato):
1. Normas supletivas (gerais)
2. Integração do negócio

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® Interpretação e Integração
O artigo 10º da LCCG dispõe sobre a interpretação e a integração das CCG, remetendo
para os artigos 236º e ss.
Na letra do artigo 10º, LCCG:
1. As CCG não podem engendrar outras regras de interpretação;
2. A interpretação tem em conta apenas o contrato singular, isto levanta em questão
se há verdadeiras CCG.
O segundo ponto acima referido confronta duas doutrinas: a tendência generalizadora e a
individualizadora.
1. Tendência Generalizadora: as CCG são interpretadas em si mesmas de modo a
obter soluções idênticas;
2. Tendência Individualizadora: interpretação singular de cada contrato, que resulta
em as mesmas CCG poderem originar soluções diferentes consoante o caso.
Artigo 10º LCCG: os utilizadores das CCG devem torná-las o mais especificas possíveis
para que não sejam sujeitas a interpretações e, assim, conservarem o seu sentido inicial.
Dentro das CCG há que distinguir três situações básicas:
A 1. Clausulas de negócios correntes, de execução instantânea;
interpretaçã
o tende a 2. Clausulas de negócios duradouros, inseridos em áreas dominadas pela
ser objetiva
normalização e onde não seja possível reconstruir a vontade real das partes e os
termos concretos da negociação. Ex: banca e seguros; Aqui o artigo
10º atinge a sua
3. Clausulas de negócios duradouros altamente personalizados. plenitude

Artigo 11º LCCG: contra stipulatorum ou in dúbio contra proferentem, este artigo dedica-
se a clausulas ambíguas e responsabiliza o utilizador dos riscos particulares de uma
ambiguidade insanável.
Os contratos singulares e as próprias clausulas devem ser interpretados à luz da LCCG.

Parte 2: O Controlo Interno


Ao aderir a CCG o interessado faz uso da sua autonomia e isso traz-lhe vantagens imediatas
como baixos custos de transação e rapidez na utilização de bens e serviços.
O controlo das CCG tem presente duas vertentes: a individualizadora e a generalizadora.
Este controlo tem por objetivo a eficácia e a validade da CCG, não está em causa um controlo
de equidade, nem um controlo deontológico, nem interpretativo, integrativo ou do exercício.
® A Nulidade sui generis

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O diploma de 1985 foi reformulado em 1995 e começou por equacionar a situação das
clausulas contratuais com CCG proibidas. Este preceito indica que não se está perante as
nulidades comuns previstas no 286º e que se tem que adaptar à realidade em jogo.
A proibição pode ser um dos dois tipos:
1. Derivada da aplicação dos artigos 15º a 23º da LCCG, preceitos que definem as
clausulas vedadas no contrato singular concreto em que o problema se ponha;
2. Ocasionada pela proibição judicial prévia independentemente de situações
concretas, por via de uma ação inibitória, artigo 25.
A nulidade pode ser invocada de CCG pode ser invocada por qualquer interessado, nos
termos do 286º ou ser declarada oficiosamente pelo tribunal?
® A presença de ccg num contrato singular pode ser indiferente para o aderente, basta
que se trate de clausulas previstas para eventualidades que ele saiba não virem a
ocorrer;
® No entanto, a invocação de invalidades obriga à recomposição do contrato, que
acarreta custos e incertezas;
® Além disto, pode haver situações em que haja uma relação de confiança que o
particular tenha interesse em manter e que pode vir a ser afetada caso ocorram
intervenções judiciais.
A ccg perde a sua qualidade enquanto tal quando o aderente a reconfirma no âmbito de
uma negociação livremente consentida. Passa de nula a válida por mera decisão de um
particular?
® Artigo 12º LCCG: as clausulas proibidas são nulas, independentemente de qualquer
inclusão num contrato singular;
® Com a integração, já não falamos em ccg mas sim em clausulas contratuais comuns,
que ficam na disponibilidade do aderente. Se o aderente podia aceitar validamente e
previamente a mesma clausula sem recorrer à adesão, também a pode consolidar à
posteriori;
® As clausulas contratuais singulares provenientes da subscrição são invalidas sui
generis.
Características da invalidade sui generis:
1. É mera anulabilidade, não é nulidade. Cabe ao aderente decidir se quer ou não
impugnar a clausula;
2. Artigo 13º LCCG: o aderente pode optar pela manutenção de contratos singulares;

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3. Artigo 13º/2 LCCG: deve ser interpretado restritivamente para não provocar a
conversão obrigatória como única alternativa à nulidade total do negócio.
4. Não é qualquer interessado que pode invocar a validade, assim como não pode o
tribunal. Salvo jurisprudência em contrário, o tribunal pode declará-la
oficiosamente.
Regime especial do artigo 13º/2: o aderente pode optar pela manutenção do contrato se
substituir as ccg inválidas pelas normas supletivas aplicáveis e, se necessário, recorrer às
regras de integração. Aqui há duas opções possíveis:
1. O contrato integra um tipo legal cujas regras supletivas são afastadas pelas ccg e aí
as regras retomam a aplicação;
2. O contrato equivale a um mero tipo social que é reconhecido pela prática, mas
ausente na lei. Aqui há falta de regras legais pelo que se recorre à integração da
lacuna negocial (239º), também dita interpretação complementadora.
® A Redução Convalidante
A parte aderente, confrontada com ccg inválidas, pode não optar nem por deixar a matéria
intocada, nem pela nulidade total do contrato, nem pela sua manutenção com recurso às
regras de integração dos negócios.
O artigo 14º LCCG visa complementar o quadro das consequências derivadas da nulidade
das ccg.
A parte aderente, perante a invalidade das ccg, pode optar pela redução. Este é um
mecanismo que permite a vigência do contrato sem as clausulas viciadas e aplica-se quando
a substituição das mesmas por regras legais supletivas ou pelo produto da integração
negocial conduzam a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa-fé.
O regime da redução dos NJ vem estipulado no 292º, que define também que este regime
não pode ser utilizado quando se mostre que o NJ não teria sido concluído sem a parte
viciada. Interpretação consequente do 14º LCCG: o aderente quando invoque a invalidade
pode optar por não apelar à aplicação de regras supletivas ou à integração negocial.
Quando o aderente invoca a “nulidade” proveniente das ccg e não é possível colmatar a
lacuna daí derivada, nem pelas regras supletivas nem pelas regras de interpretação, nem pela
redução, resultando da invocação da nulidade uma indeterminação insuprível dos aspetos
essenciais do negócio, o mesmo cai in totum.
Outra hipótese é a Redução Convalidante. Esta é uma solução para ccg que sejam proibidas
porque demasiado excessivas e, nesse caso, pode-se evitar a nulidade reconduzindo-a a

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limites aceitáveis. Perante a LCCG, a solução deve ser procurada nos termos dos artigos 13º
e 14º. A clausula excessiva é nula e pode ser recuperada pelas regras supletivas ou pela
integração negocial.
® O Sistema das Proibições
Decreto-Lei nº220/95, de 31 de agosto: fixa o princípio geral da proibição de ccg contrárias
à boa-fé, indica vias de concretização da boa-fé e adota um esquema de proibições concretas.
Ação inibitória (arts. 25º a 34º): possibilidade de pedir ao tribunal que declare que uma
cláusula é proibida. Isto pode fazer-se independentemente de a cláusula estar inserida no
contrato ou não, olhando para a cláusula de modo abstrato como se de uma norma se tratasse-
ajuíza-se da invalidade ou validade daquela cláusula em abstrato. O resultado pode ser um
de dois:
1. OU a cláusula não é proibida e pode continuar a ser utilizada;
2. OU a cláusula é proibida (declarada pelo tribunal) ela não pode vir a ser usada em
nenhum negócio jurídico. O tribunal pode inclusive estabelecer uma sanção
pecuniária compulsória (sanções que se aplicam depois do incumprimento com
vista a um cumprimento tardio, por cada dia de incumprimento a pagar a cláusula,
tem de pagar X- isto compele as pessoas a cumprir o mais rapidamente possível).
Há publicidade (registo) da proibição.
NOTA: limitação da legitimidade ativa, o particular não se pode dirigir diretamente ao
tribunal. Isto quer dizer que a legitimidade para se dirigir ao tribunal sobre determinada
cláusula compete ou ao ministério público ou então a associações que defendam interesses
gerais, nomeadamente associações do consumidor. Nenhum cidadão pode individualmente
propor esta ação, mas podemos dirigir-nos ao MP e pedir para propor p.e.

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O Conteúdo do Negócio Jurídico
Parte 1: O Conteúdo como Categoria
O conteúdo do negócio corresponde ao conjunto de regras que tenham aplicação no
espaço delimitado pelas partes e que existe porque o negócio foi celebrado. Deve distinguir-
se do objeto porque o último não tem a ver com a regulação em si, mas com o quid sobre
que irá recair a relação negocial propriamente dita.
Esquema – Síntese:

Conteúdo Negocial

√ Elementos Elementos
Normativos Voluntários

Regras que o Direito associa à celebração São as regras fixadas pelas próprias
de negócios mesmo sem haver uma partes
vontade negocial expressa.

Necessários: fatores que, embora


Elementos Injuntivos: quando não estejam na disponibilidade das
fiquem na disponibilidade das partes partes, tenham por elas se ser
nem possam ser por elas afastados fixados sob pena de incompletude
do negócio.
Elementos Supletivos: quando a sua
aplicação se destine a suprir o
silêncio ou a insuficiência do Eventuais: elementos que as partes
clausulado negocial podem incluir no negócio se o
entenderem

® Tipo Negocial e Clausulas Tipicas


O tipo negocial em sentido estrito equivale ao conjunto dos seus elementos normativos e
voluntários necessários. Não correspondem aos tipos negociais os elementos que afastem os
fatores normativos e os elementos voluntários eventuais.
Não se deve confundir o tipo negocial com as clausulas típicas.

Parte 2: Os Requisitos do Negócio


O objeto do NJ deve ser possível, lícito e determinado ou determinável. É nulo o NJ que
contrarie a ordem pública ou os bons costumes.
Pode-se extrair cinco requisitos:
1. Possibilidade;

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2. Conformidade com a lei;
3. Determinabilidade;
4. Conformidade com a ordem pública;
5. Conformidade com os bons costumes.
® Possibilidade
O NJ deve postular ações humanas possíveis no plano do conteúdo e do objeto. O que não
pode ser prestado, não pode ser devido. No entanto, a impossibilidade pode surgir de diversas
formas:
1. Pode atingir o negócio logo no momento da sua formação ou ser superveniente;
2. Pode ser geral ou apenas parcial;
3. Pode ser material ou jurídica;
4. Pode ocorrer espontaneamente ou por via de uma das partes.
Foram várias as formas como a doutrina encarou a impossibilidade. Atualmente, o nosso
CC estipula um conjunto de regras relativas à possibilidade nos seus artigos 280º, 399º, 880º,
401º e 1628º. A lei associa à inexequibilidade de certos atos, consequências diversas.
Parte-se do princípio que a possibilidade é física ou jurídica, consoante o conteúdo ou o
objeto contundam com a natureza das coisas ou com a exigência do Direito.
No caso da possibilidade física esta pode ser vedada pela falta de substrato ou pode perder
o seu conteúdo por supressão do seu objetivo. No caso da impossibilidade física, esta é pouco
dada a litígios pelo que a jurisprudência documenta casos de impossibilidade jurídica
superveniente ou inicial.

Possibilidade Impossibilidade

Temporária ou Efetiva ou Inicial ou


Absoluta ou
Definitiva Económica Superveniente
Relativa

Conforme atinja o Em função da extensão No primeiro caso, o A primeira opera


objeto. Apenas a temporal e em termos objeto do NJ é logo no momento
impossibilidade de previsibilidade. No ontologicamente da celebração e a
objetiva é primeiro caso é inviável. No segunda só se
verdadeira previsível que ele cesse, segundo, ele é manifesta mais
impossibilidade ao contrário do pensável, mas tarde.
porque se prende segundo. Enquanto surge
com o requisito negativo economicamente
impedimento do revela a injusto.
sujeito atuar em impossibilidade
certo NJ. definitiva.
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® A impossibilidade inicial conduz à aplicação do 280º/1 e implica a nulidade do
negócio.
® A impossibilidade superveniente também atinge os requisitos do NJ porém a
consequência é a extinção da obrigação quando ocorra por causa não imputável ao
devedor (nos termos do 790º/1) ou na sua extinção com aplicação das regras de
incumprimento, quando o próprio devedor ocasione a responsabilidade (nos termos
do 801º/1).
Paulo Cunha introduz o conceito de impossibilidade moral, quando esta se prende com a
inviabilidade do objeto por contrariação de um conjunto de normas ou princípios jurídicos.
Aqui pretende-se equacionar um NJ cujo objeto exija a violação de regras para o seu
cumprimento. Podemos admitir a impossibilidade moral como modelo de impossibilidade
jurídica quando estejam em causa valores fundamentais do sistema jurídico, expressos pela
ideia de boa-fé.
Os NJ são muito complexos e envolvem, além das prestações inicias, prestações
secundárias e deveres acessórios. Como tal, a impossibilidade pode não inviabilizar o NJ
atingido quando apenas recaia sobre um dos seus elementos e o negócio possa sobreviver
com os restantes.
A impossibilidade inicial ou superveniente da prestação principal não conduz à supressão
da obrigação; ela mantém-se sem o dever de prestar inicial, mas com os deveres acessórios
que podem, eventualmente, serem enriquecidos com deveres de indemnização.
A adstrição à prestação impossível pode ter triplo sentido:
1. Afirmar deveres acessórios que devem ser observados reforçadamente;
2. Sujeitar o devedor às consequências do incumprimento, dependentemente da
função da ausência da prestação vedada;
3. Obrigar o devedor a substituir a prestação em jogo garantindo a satisfação do
interesse do credor.
A possibilidade deve ser aferida analiticamente ponderando-se cada elemento do negócio.
O Direito não é favorável a contratos que para o consumidor médio sejam absurdos. A
maioria destes contratos cai na clausula dos bons costumes, sendo invalidada.
® Determinabilidade
O NJ traduz um conteúdo comunicativo: as partes e terceiros tomam conhecimento do que
ele significa para se poderem comportar em consonância com o que dele resulte. Quando o

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negócio não for claro quanto ao seu conteúdo ou quanto ao seu objeto, classifica-se como
indeterminável.
É importante distinguir NJ indeterminado de indeterminável:
® NJ indeterminado: quando não permita, no momento, apreender o seu objeto ou
conteúdo, mas que possa vir a ser determinado quando quer a lei, quer as partes,
facultem essa determinação. Artigos 400º e 883º;
® NJ indeterminável: o NJ é indeterminado e não permite determinação.
A consequência da indeterminabilidade: nulidade. Se o contrato se mantiver para sempre
indeterminável, ninguém o pode cumprir. No entanto, se supervenientemente ocorrer uma
determinabilidade ou uma determinação aplica-se a regra do 280º, que visa proteger as
partes.
Letra do artigo 280º:
® Veda negócios cujo conteúdo ou cujo objeto não possam ser determinados no
momento da sua conclusão;
® Podem existir negócios que, embora indeterminados, comportem regras que
permitem a sua determinação futura. Os artigos 400º e 883º do CC preveem formas
equilibradas de determinação.
No entanto, considera-se que a indeterminabilidade na conclusão do contrato, ainda que
possa ser colmatada, é um risco inaceitável para as partes, especialmente para a parte mais
fraca.
Há que conjugar os artigos 280º/1 e o 400º/2:
® O 440º/2 só se aplica nas situações em que a determinação da prestação é confiada
a uma das partes ou a um terceiro e não ocorrer no tempo devido.
® Pressupõe-se um contrato sinalagmático, sob pena de não haver base para qualquer
equidade;
® O artigo 400ª só intervém se o negócio não for, logo ao início, nulo por via do 280º/1.
® Licitude e Conformidade Legal
A licitude é o requisito dos NJ que consiste na não ultrapassagem dos limites injuntivos do
ordenamento.
A licitude requerida para os NJ não se confunde com o inverso da ilicitude, presente na
responsabilidade civil. Esta última centra-se na violação de direitos subjetivos e de normas
de proteção, enquanto nos negócios há ilicitude sempre que sejam ultrapassados os limites

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injuntivos postos à autonomia privada. Pode haver negócios contrários à lei que não
envolvam qualquer responsabilidade civil.
A licitude do negócio pode ser usada numa aceção ampla e numa aceção restrita:
® Em sentido amplo: o negócio é lícito quando integre todos os requisitos postos pela
lei para a sua plena eficácia;
® Em sentido estrito: o negócio é lícito quando dele não resultam condutas contrárias
a normas jurídicas imperativas.
O CC consagra o princípio geral da licitude como corolário da existência de limites à
autonomia privada.
O 280º/1 fixa a delimitação negativa do conteúdo do negócio enquanto o 294º explicita o
tipo de invalidade que cabe, perante o negócio contrário à lei imperativa.
A licitude de um negócio comporta elementos subjetivos porque uma mesma ação pode
ser licita ou ilícita em função dos fins ou das intervenções de quem a desencadeie.
No tocante ao fim do negócio podemos distinguir:
1. Fim expresso ou clausulado: o próprio negócio fixa um objetivo para o acordado;
2. Fim exterior implícito: as partes concluem o negócio com um objetivo;
3. Fim interior explícito: a parte fecha um negócio com um objetivo em si
indecifrável, mas comunica-o à outra;
4. Fim intimo: cada parte terá intenções mais ou menos assumidas quando celebre um
negócio, porém nada transparece.
Conformidade Legal: corresponde a um requisito residual destinado a facultar a
sistematização dos fatores que a lei exija para a validade de negócios específicos. Artigo
294º.
® Parte 3: A Fraude à Lei
A fraude à lei corresponde a um instituto com dimensões culturais e científicas próprias.
O ato em fraude à lei é comparado ao ato contrário à lei e é, por isso, nulo. A fraude à lei
conheceu dois tipos de consagrações:
1. Específica: sempre que as próprias normas, prevendo determinadas hipóteses de
contornar as leis, as viesses a proibir;
2. Genéricas: quando resultassem do sentir geral da ordem jurídica.
Na doutrina, o problema da fraude à lei foi abordado por Beleza Santos que aderiu à
construção germânica da não autonomia do instituto: tudo residiria numa questão de
interpretação dos factos legais em causa. Ele diz que tudo fica à dependência da interpretação

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e que, como nada fica como âmbito autónomo para doutrina da fraude à lei, mão se pode
contrapor os atos de fraude à lei aos atos contra a lei. Os primeiros ofendem a letra do texto
legal, enquanto os segundos ofendem o espírito da lei, mas quer um quer outros violam a lei
porque esta não é indissociável do seu espírito e da sua letra.
Hoje entende-se que a fraude à lei é uma forma de ilicitude que envolve a nulidade do
negócio, com a particularidade de as partes tentarem conferir ao mesmo uma feição inócua.
® Bons Costumes
O artigo 280º/2 estipula que o negócio jurídico que seja contrário à ordem pública ou aos
bons costumes é nulo. São várias as formulações deste tipo que surgem na lei civil,
nomeadamente nos artigos: 271º, 281º, 334º, 340º, 465º, 967º, 1422º, 2186º, 2230º e 2245º.
Embora a concretização da clausula dos bons costumes se situe no 280º/2, ocorre também
em torno do 56º do Código das Sociedades Comerciais.
Nas decisões relativas aos bons costumes, podemos indicar três vertentes:
1. Os bons costumes referidos em conjunto com a boa – fé, a propósito da boa-fé e
seguindo a letra do 334º;
2. Os bons costumes como tópico argumentativo, destinado a reforçar decisões
apoiadas noutros lugares normativos;
3. Os bons costumes propriamente ditos, na sua vertente sexual e familiar e também nas
suas regras deontológicas.
Os bons costumes não têm necessariamente a ver com o abuso de direito, correspondendo
a regras de conduta externa e não a limites intrínsecos de direitos, impostos pelo sistema.
® A Ordem Pública
A ordem pública, contrariamente aos bons costumes, constitui um fator sistemático de
restrição da autonomia privada. A autonomia privada é limitada por normas jurídicas
imperativas.
São contrárias à ordem pública:
1. Contratos que exijam esforços desmesurados ao devedor ou restrinjam demasiado a
sua liberdade;
2. Negócios que atinjam valores constitucionais demasiado importantes ou dados
estruturantes do sistema;
3. Negócios contrários a regras imperativas, como os salários mínimos;
4. A assunção das garantias sem limite de tempo e em dimensão indeterminável.

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A Estipulação de Clausulas Acessórias
Parte 1: A Condição
A condição apresenta-se como uma clausula negocial típica, regulada nos termos do 270º.
Existem várias modalidades de condições, das quais se destacam: as positivas e negativas,
as potestativas ou casuais, facti ou iuris, a ilícita ou contrária aos bons costumes e a pendente,
eficaz ou retroativa. A contraposição mais significativa é entre a suspensiva e a resolutiva,
regulada nos termos do 270º:
® Condição suspensiva: quando o negócio só produza efeitos após a eventual
verificação da ocorrência;
® Condição resolutiva: quando o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual
verificação da ocorrência em causa.
O artigo 276º regula a retroatividade da condição e o 277º estabelece vários desvios para
a mesma.
A condição pode ser tomada como uma clausula contratual típica, que vem a subordinar a
eficácia de uma declaração de vontade a um evento futuro incerto. A importância deste tipo
de CCT reside no facto de ser um auxílio para tipos negociais em que as partes desconhecem
a evolução futura dos factos em que assentem. É usada como garantia em situações
duradouras, condicionando o contrato a uma decisão futura tomada com base em factos que
ocorram, entretanto. Podem também surgir atos jurídicos típicos que impliquem por si só
condições.
Modalidades de condições:
1. Casuais vs. Potestativas: conforme o evento incerto de que dependam se traduza
num facto alheio aos participantes ou emerja da vontade de um deles. No ultimo
caso, o participante em causa recebe o direito potestativo de deter ou desencadear a
eficácia do NJ, consoante seja resolutiva ou suspensiva.
2. De momento certo vs. Incerto: consoante ocorram numa ocasião prefixada, ainda
que incerta.
3. Automáticas vs. Exercitáveis: de acordo com a desnecessidade de, para a sua
eficácia, qualquer manifestação de vontade. A regra geral é as condições serem
automáticas.
Condições Impróprias e semelhantes:

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1. Presentes ou Passadas: a eficácia fica dependente de algo que, existindo já ou não
aquando do momento da celebração, não deixa margem de dependência para o
negócio;
2. Impossíveis: aquelas que por razões físicas nunca poderão ocorrer;
3. Necessárias: aquelas que por razões físicas ou legais vão sempre ocorrer;
4. Legais ou iuris: no sentido de abranger os factos eventuais ou futuros a que a
própria lei subordine eficácia.
A condição gera uma situação de pendencia, caracterizada pela incerteza pelo que é
necessário criar formas de evitar situações que dêm prejuízo às partes. Para tal, recorremos
à autonomia privada, à boa – fé e à distribuição dos riscos. A situação de pendencia cessa
com a verificação ou não verificação da condição. Quando verificada a condição, os seus
efeitos são retroativos até à data de conclusão do negócio.
É necessária a observância de dois grandes princípios:
1. A tutela da confiança: implica que, na pendencia da condição, as partes não possam
agir contra aquilo que pelas suas opções contratuais ou pela ordem natural das coisas,
irá em princípio suceder.
2. Primazia da materialidade subjacente: obriga a que a condição não possa tornar-
se num jogo formal de proposições, ela deve exprimir a vontade condicional das
partes, ou seja, a sua subordinação ao facto futuro e incerto que escapa à vontade de
qualquer delas.
É contrário à boa – fé a atuação das partes de tal forma que:
1. Se interfira na ocorrência ou não em termos que contrariem a confiança da outra
parte;
2. Se transforme um simples exercício potestativo da parte inventora.
Neste âmbito surge também o conceito de expectativa, que se traduz no enquadramento do
beneficiário de uma condição suspensiva que não pode ocorrer. Corresponde a uma situação
em que se espera a constituição de um direito ou se adere à decorrência de uma situação
desfavorável.

Parte 2: O Termo
O Termo é a clausula pela qual as partes subordinam a eficácia de um negócio à verificação
de um facto futuro efetivo e difere da condição porque a última remete para um facto
eventual e a primeira para um facto efetivo.

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Modalidades do Termo:
1. Suspensivo ou Inicial: momento a partir do qual o negócio produz efeitos;
2. Resolutivo ou Final: o que marca o fim da eficácia;
Quanto ao modo de exprimir o termo, este pode ser expresso ou tácito. Expresso quando
resulte da vontade assumida das partes e tácito quando derive de circunstâncias que se
verifiquem com toda a probabilidade e vontade das partes.
A aposição do termo quando a lei o proíba envolve a nulidade de todo o negócio jurídico.
Na pendência do termo, momento que vai desde o momento da estipulação até á
verificação do termo, há um conflito de direitos entre o atual detentor e aquele que
futuramente o será.
Aplicação dos artigos:
® 274º e 277º/2 e 3: quando a parte que abre mão do direito pratica atos de disposição
ou de administração;
® 275º/1: quando um termo se impossibilite por modificação superveniente, apesar de
certo por definição;
® 272º72: quando alguém impeça, contra a boa – fé, a verificação de um termo;
® 276º e 277º/1: quando a retroatividade do termo opere ou não contra a vontade das
partes.

Parte 3: O Modo
O modo é uma cláusula negocial típica que estabelece uma obrigação a cargo do
beneficiário da liberalidade”. Falou-se aquando dos negócios gratuitos e onerosos- esta
classificação é relativa enquanto o negócio para uma das partes pode ser gratuito, para a
outra pode ser oneroso.
Aponível apenas nos negócios gratuitos (arts. 963º- 967º, 2244º-2248º), não se pode apor
nos negócios onerosos e tem apenas um objeto que é impor ao beneficiário da liberalidade,
ou seja, àquele que à partida só retiraria benefícios, uma obrigação.
Apesar de estar apenas previsto para a doação ou testamento que podemos convencionar e
apor modos ou encargos é também possível fazê-lo noutro tipo de negócios gratuitos ao
abrigo da autonomia privada- comodato p.e.
Modo ou encargo ≠ Condição Suspensiva ≠ Condição Resolutiva: é um problema de
interpretação.
® Condição Suspensiva: interpretação + perguntar “quando o doador doa, aquela
obrigação era algo acessório (bónus)- modo-ou era algo obrigatório para retirar o

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benefício de ter o terreno- condição suspensiva-?” + o negócio produziu efeitos-
modo ou não- condição suspensiva-?
Ex.: dou-te o meu pomar se fores limpar toda a terra e podar as árvores. É um
encargo ou uma condição suspensiva? Distinção importante porque:
® Se for uma condição suspensiva: enquanto não limpar a terra e não podar as
árvores a condição não produz efeitos ▪ Se for uma doação: a doação produz logo
efeitos;
® Condição Resolutiva: interpretação + perguntar “quando o doador doa, aquela
obrigação era algo acessório (bónus)- modo-ou era algo obrigatório para retirar o
benefício de ter o terreno- condição suspensiva-?” + o que acontece se o negócio
não for cumprido?
Incumprimento do modo/encargo
® Doação: negócio não pode ser resolvido, a doação mantém-se (pode pedir-se uma
ação de cumprimento ao tribunal ou pedir uma indeminização por
responsabilidade contratual) exceto se o contrato conferir esse direito de resolver
o negócio ao doador ou herdeiros (art. 966º)
® Testamento: direito de resolução da disposição do testamento só se o testador o
tiver previsto no testamento ou se, das regras de interpretação do testamento,
resultar ter sido essa a vontade do testador (art. 2248º). Caso contrário o negócio
não pode ser resolvido, o testamento mantém-se (pode pedir-se uma ação de
cumprimento ao tribunal ou pedir uma indeminização por responsabilidade
contratual).
® Outras clausulas acessórias:
Sinal: clausula típica própria de contratos onerosos e que consiste na entrega, no momento
da celebração de um contrato, de uma coisa ou quantia. Se o contrato for cumprido, a coisa
ou quantia entregue é imputada no cumprimento, se não for é restituída. O sinal tem uma
dimensão confirmatório – penal, na medida em que dá consistência ao contrato e funciona
como indemnização. O sinal também tem uma dimensão penitencial, quando funcione como
“preço por arrependimento”, mediante o pagamento que resulte do próprio sinal.
Clausula Penal: nela as partes fixam, num momento prévio, as consequências do eventual
incumprimento jurídico.

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Vícios da Declaração Negocial
® Falta de Consciência da Declaração
No domínio das ocorrências negociais onde falte a vontade de algum dos declarantes, o
CC refere a reserva mental (244º), as declarações não sérias (245º) e a falta de consciência
da declaração e a coação física (246º). Nos dois primeiros casos ainda há ações voluntárias,
ainda que falte a vontade do negócio.
Artigo 246º:
® Trata simultaneamente da declaração e da coação física, considerando que em ambos
os casos não haveria quaisquer efeitos;
® MC entende que a junção feita neste artigo não é feliz por se tratar de realidades
completamente diferentes a nível histórico, cultural e dogmático;
® MC não vê porque não indemnizar o declaratário quando a coação física se deva a
culpa do próprio declarante,
® Este artigo entra em colisão com as regras de interpretação quando fala em falta de
consciência da declaração e também com o artigo 236º;
® Entra também em colisão com o 247º porque a vontade declarada sobrepõe-se à
vontade real mesmo havendo erro, desde que o declaratário conhecesse ou não
devesse ignorar a essencialidade do elemento em que incidiu o erro, para o
declarante;
® A “consciência de fazer uma declaração negocial” referida no artigo não pode ter em
vista uma consciência íntima no sentido de uma ausência da vontade real que só o
próprio declarante pudesse perceber introspetivamente.
Consideramos que a falta de consciência da declaração relevante é aquela que seja
percetível na própria ambiência negocial onde o tema se ponha. É aquela que possa ser
percebida pelo declaratário normal na posição de declaratário real.
Interpretação restritiva do 246º:
® O declarante que emita uma proposta ou outra declaração, em boa e devida forma,
sem ter consciência do que faça incorre em eficácia jurídica. A declaração é lhe
imputada com o sentido que lhe daria o declaratário normal;
® Só não se verifica o acima estipulado quando a falta de consciência seja de tal modo
aparente que, perante o declaratário normal, ela não lhe possa ser imputada, aí o ato
será nulo;

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® Se a falta de consciência puder ser censurada ao declarante, ou seja, se ele fez uma
declaração que viole deveres de lealdade ou de informação, ele fica obrigado a
indemnizar o declaratário.
® Declarações Não Sérias
Uma declaração é não – séria quando o declarante, apesar de lhe dar uma conformação
jurídica, não a faça com o objetivo de concluir um negócio, mas sim “sarcástico”. Isto
encontra-se regulado nos termos do 245º.
A doutrina pretende:
1. Proteger o declarante das consequências normais do que diga sem seriedade;
2. Estão abrangidas todas as declarações não – sérias, independentemente das suas
razões;
3. Quanto à cognoscibilidade da falta de seriedade, a lei não exige que ela seja objetiva,
pode ser ponderada em cada caso, perante o concreto declaratário.
Na ideia de declaração não séria estão envolvidas todas as situações nas quais o declarante
não tenha intenção de emprestar, à declaração feita, uma dimensão jurídica – negocial,
esperando que o declaratário se aperceba disso.
Para que se aplique a letra do 245º temos que estar perante uma declaração
linguisticamente capaz de exprimir uma declaração negocial eficaz (a afirmação descabida
ou disparatada só pelo contexto não tem valor neste aspeto), que esteja acompanhada de falta
de vontade, cujas circunstâncias permitam perceber uma falta de seriedade e na expectativa
que essa falta de seriedade não seja desconhecida perante o destinatário.
Aplicação de outros artigos:
® 244º/1: quando a falta de seriedade não seja percetível e tenha o intuito de enganar o
declaratário, aplica-se a sansão do 244º/2 que é a validade da declaração;
® 245º/1: declaração patentemente não séria;
® 245º/2: declaração patentemente não séria, mas que enganou o declaratário;
® Na declaração secretamente não séria aplica-se o regime da reserva mental, sendo o
negócio válido e eficaz.
® Reserva Mental
Dizemos que há reserva mental quando o declarante emita uma declaração contrária à sua
vontade com o intuito de enganar o declaratário; o declarante quer uma coisa e diz outra para
fazer crer ao declaratário que a sua vontade é diversa.

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A reserva mental é regulada nos termos do artigo 244º. Entende-se que o declaratário fica
vinculado ao que diz e não ao que pensa. Deste modo, caminha-se para a eficácia jurídica
nestas situações.
Podemos distinguir reserva absoluta da relativa, consoante o declarante não pretenda
nenhum NJ ou antes queira um diferente do declarado. Pode-se também distinguir reserva
inocente da fraudulenta, consoante não vise prejudicar ninguém ou não.
® Coação Física
Coação física (art. 246º) Pressupostos:
1. Falta de vontade de ação: derivada de uma força exterior ao sujeito (normalmente é
um coator).
2. Derivada de uma força exterior ao sujeito (normalmente é o coator) o Discute-se se
este será o caso das hipóteses em que alguém aponta a arma à cabeça de outrem para
celebrar um negócio- ameaça de morte.
Numa situação destas de ameaça à vida própria ou de terceiros, se o coagido disser que
celebra o negócio, em rigor não estamos perante uma coação física na medida → não há falta
de vontade de ação na medida em que o coagido opta por celebrar o negócio para
salvaguardar a sua vida ou a de um terceiro.
Menezes Cordeiro: apesar de não negar que, ao optar, há um ato voluntário levado a cabo
pelo coagido, mas sendo uma ameaça tao forte contra o valor fundamental “vida” que a
margem de decisão é muito reduzida ou inexistente. Ora, posto isto, acha que também neste
caso deveria ser aplicado o regime da coação física.
Exemplos de coação física:
1. A hipnotiza B e, durante o estado de hipnose, A celebra um negócio com o B.
Quando uma pessoa está hipnotizada não tem controlo, não tem vontade de ação,
os movimentos que realiza são mecânicos- há uma força exterior (a hipnose levada
a cabo por A) que provoca a falta de vontade de B.
Coação física ≠ bater ou agredir outrem
Efeito: discute-se se o preceito do número 246º, quando diz “não produz qualquer efeito”,
se é sinónimo:
® OU Inexistência jurídica?: (aqui aceita-se a figura da inexistência no ordenamento
jurídico) o professor Carvalho Fernandes entende que a coação física determina a
inexistência jurídica do ato. Ao faltar vontade de ação, não podemos dizer que em
rigor há uma declaração e, não havendo negócio, há inexistência.

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® OU Nulidade?: (aqui nega-se a figura da inexistência no ordenamento jurídico,
art. 291º) o professor Menezes Cordeiro entende que a coação física determina a
nulidade do ato. Aqui vem-se dizer que a existência de declaração negocial neste
caso não é um produto da vontade (que efetivamente não existe), mas é algo que
é ficcionado pelo Direito com base no princípio da tutela da confiança da
contraparte (enquanto figura diferente do coator, é um terceiro que desconhecia a
falta de vontade)- esta limita a ambição da autonomia privada no sentido de
considerar que os dois princípios têm de ser balanceados de modo a aferir qual o
princípio mais importante no caso concreto. O regime dos vícios tenta fazer um
equilíbrio entre estes dois princípios, na coação física, a defesa da existência de
uma declaração, pese embora a ausência de vontade de ação, só pode encontrar
suporte no princípio da tutela da confiança

NOTA: não poderia nunca ser ineficácia na medida em que a falta de vontade é uma causa
intrínseca e não extrínseca.
® Erro na Declaração
O erro na declaração surge regulado nos termos do artigo 247º. Este ocorre quando a
vontade se formou corretamente, porém houve uma falha de tal modo que a declaração não
retrata a vontade do declarante.
Para a relevância do erro na declaração o CC exige: essencialidade, para o declarante, do
elemento sobre o qual recaia o erro e o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário,
ou deve ser conhecimento.
® Essencialidade relativa: dirigida a um determinado elemento, quando sem ele o
declarante não tivesse emitido a declaração de vontade com o sentido que veio a
ser exteriorizado;
A essencialidade permite excluir o erro indiferente e o erro incidente: no primeiro caso, o
declarante concluiria o negócio tal como resultou no final; no segundo conclui-lo-ia
igualmente, ainda que com algumas modificações.
O erro na declaração exige uma declaração efetiva, não basta que seja uma ambiência de
ordem geral.
A anulação do contrato, por erro na declaração, pode provocar danos ao declaratário.
Existe um dever elementar, imposto pela boa – fé e pela tutela da confiança, de fazer

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corresponder as declarações de vontade realizadas ao que efetivamente se pretenda. O
declarante poderá responder por responsabilidade pré – contratual, verificando-se os
requisitos, e indemnizar o declaratário de todos os danos.
Outra modalidade que ocorre também é o dissenso e verifica-se quando as partes formulam
declarações que não coincidem, convencidas de que concluíam um contrato. Qualquer parte
que se aperceba da situação tem o dever de prevenir a outra de que nada se concluiu porque
não foi formulada nenhuma proposta que tenha obtido aceitação. Temos duas declarações
de vontade distintas que poderão estar viciadas por erro na declaração ou na formação da
vontade. Preenchendo-se os requisitos, elas podem ser anuladas caso haja interesse das
partes. O dissenso não envolve rejeição, pelo que a proposta permanece válida e eficaz até
que caduque, seja rejeitada ou aceite.
® Erro na transmissão da declaração
Está regulado nos termos do 250º:
® Alinea 1: autonomiza o erro na transmissão da declaração, determinando a
aplicação do regime do erro na própria declaração. Sucede-se nos casos em que o
intermediário não transmita fielmente a vontade do mandante. També se pode
aplicar em casos de mandato com representação, quando o representante se desvie
das instruções recebidas.
® Alinea 2: ocupa-se do caso particular do dolo do intermediário, ou seja, dos casos
em que se altere propositadamente a declaração. Aqui, no conflito entre a
autonomia privada e a tutela da confiança, a lei escolheu dar primazia à primeira,
logo a declaração é sempre anulável.
® Validação do Negócio
Segundo o artigo 248º, a anulabilidade fundada em erro na declaração não procede se o
declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria. Esta validação pressupõe que haja
uma declaração. Verificada a aceitação, prevalece a vontade real do declarante, numa figura
que é entendida como uma manifestação prática do princípio da redução dos negócios
prevista no 292º.
O preceito acima referido coloca problemas de redução dogmática. Ele atribui um direito
específico, de natureza potestativa, ao declaratário.
Interpretação de artigos:
® 236º/2: o declaratário conhece a vontade real do declarante e concorda com ela, o
contrato forma-se imediatamente, modelando essa vontade;

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® 292º e 293º: consumada a anulação do erro, o negócio pode reduzir-se ou converter-
se, se a vontade hipotética das partes o facultar – reaproveitamento do negócio que
é ulterior e não segue nenhuma vontade em particular.
® 248º: tem um limite objetivo de funcionamento que é a necessidade de respeitar as
regras formais. Não se pode validar um negócio sem as formas de declaração
efetivamente feitas com os requisitos de forma necessários.
® Erro de cálculo ou de escrita
Está regulado nos termos do artigo 249º. Coloca-se a hipótese de haver erros como o lapso
de pena e o lapso de escrita, erros esses tão ostensivos que resultam do próprio contexto do
documento ou das circunstâncias da declaração. Quando não se verifica a imediata aparência
do erro, haverá que aplicar o regime geral do 247º.
Aplica-mos o 249º quando estamos perante atos de processo não dotados de normas
especiais.

Vícios da Formação da Vontade


Casos em que há vontade (ação, declaração, funcional), mas em que a formação da vontade
está viciada. Tem-se como vontade sã a vontade livre e esclarecida, ou seja, no processo de
formação da vontade é necessário liberdade e informação.

Parte 1: O Erro
Falta de informação- Erro (vício): a vontade nasce, mas nasce sem se ter toda a informação
necessária, posto isto é provável que a pessoa tenha uma vontade que não teria se conhecesse
efetivamente a realidade.
Pressupostos:
1. Ignorância ou falsa representação da realidade: ignorância tanto existe quando não se
conhece nada ou quando se conhece mal.
2. Vontade real ≠ vontade hipotética (/conjetural). Vontade hipotética: se a pessoa não
estivesse em erro, não teria querido X. É a vontade que a pessoa em causa teria querido
se não estivesse em erro.
Modalidades de erro:
1. Erro simples (sobre os motivos- o “porquê da celebração do negócio”): a causa do erro
é outra que não o dolo. A lei individualizou certos motivos nesta modalidade de erro:

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® Erro sobre o motivo relativo ao objeto: a razão de querer celebrar o negócio é o objeto
o Erro sobre o motivo relativo à pessoa do declaratário: a razão de querer celebrar o
negócio é a pessoa do declaratário,
® Erro sobre o motivo relativo à base do negócio: a razão de querer celebrar o negócio é
a base do negócio (circunstâncias que estão na origem do negócio);
® Erro sobre o motivo relativo aos motivos: a razão de querer celebrar o negócio são os
motivos. É uma cláusula residual, na medida em que sempre que o erro incida sobre um
motivo que não seja o objeto, a pessoa do declaratário, nem a base do negócio, então
temos de recorrer a esta cláusula residual;
® Erro qualificado por dolo: a causa do erro é o próprio dolo (artimanha)
® Erro Simples
Pressupostos:
1. Vício;
2. Ignorância ou falsa representação da realidade; pode haver um erro que é relevante
em termos de pressupostos, mas por falta de requisitos não há direito de anulação
E pode haver um que nem ao nível dos pressupostos é relevante
Requisitos: aquilo que é preciso existir para que se confira relevância ao vício,
concretamente para conceder ao errante o poder de anular o negócio.
Requisito de relevância:
1. Causalidade ou essencialidade (absoluta, relativa, parcial): o erro é a causa da
declaração. “Só quis celebrar aquele negócio porque estava em erro”. Requisito
importante em todas as modalidades de erro simples. Pode ser: absoluta sempre
que o declarante, se não estivesse em erro, não teria celebrado o negócio.
Relativa: se não existisse erro, a vontade conjetural da pessoa seria a celebrar um
negócio diferente (seja de modalidade, seja de conteúdo diversos). O erro não é
demole a afastar a vontade negocial, mas é demole a fazer com que a pessoa
tivesse celebrado um negócio diferente daquele que celebrar.
NOTA: se, mesmo perante erro, tivesse celebrado o negócio de maneira igual, a figura do
erro é irrelevante.
Estes no fundo não são requisitos significativas para a relevância do erro, ainda que
defendidos pela doutrina:

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® Desculpabilidade: será que um erro só não é relevante quando é desculpável? Ou
seja, quando o homem médio também o praticasse?. Ou será que faz sentido aplicar
o regime do erro quando é indesculpável? Fará sentido permitir ao declarante anular
o negócio quando o erro é culposo, quando a falta de informação se ficou a dever a
falta de diligência? o Contra-argumento: aqui vem-se dizer que a lei não distingue as
situações. Em momento algum os arts. 251º e 252º referem que o erro tem de ser
desculpável tanto o erro pode ser relevante sendo ou não desculpável.
® Propriedade: será o erro impróprio relevante? Diz-se que há um erro impróprio
quando está em causa um erro quanto à validade do ato: celebrei um negócio porque
pensava que era válido, se soubesse que era inválido, não o teria celebrado. o Contra-
argumento: não faz sentido aplicar o regime do erro quando está em causa um
negócio que é inválido. Nulidade + Anulabilidade: A e B celebram a c/v de um
imóvel por escrito particular. É um negócio nulo por vício de forma. A acreditava
piamente que o negócio era válido. Fará sentido que o A venha anular esta c/v porque
estava em erro? Não, porque neste caso o vicio é de forma que por si só gera nulidade.
Assim, não faz sentido recorrer da anulabilidade porque o ato em si mesmo, por ser
nulo, nunca produziu efeitos.
Anulabilidade + Anulabilidade: A e B celebram um negócio, sendo B menor de idade isto
gera anulabilidade. Porém, A acreditava que o B era maior e que, consequentemente, tinha
capacidade de exercício podendo celebrar um negócio válido. B pode anular o negócio com
base na incapacidade de exercício derivada da menoridade. Poderá o A pedir a anulabilidade
do negócio por erro da validade do negócio? Aqui abrem-se portas ao regime do erro quanto
à validade do negócio, quanto à idade do declaratário pois não há justificação jurídica para
impedir o A de pedir a anulação do negócio com base em erro impróprio.
® Individualidade: será que faz sentido aplicar o regime do erro relevante que
fundamente a anulação do negócio quando está em causa um erro que o homem
médio cometeria? Em momento algum os arts. 251º e 252º referem o caráter
comum ou individual do erro- tanto o erro pode ser relevante sendo ou não
individual, sendo ou não comum. A individualidade releva sim para efeitos de
responsabilidade pré contratual e não para aferição da relevância do erro. o Ex.:
um quadro que a generalidade das pessoas sempre atribuiu a um determinado pintor
famoso. A compra esse quadro por um preço elevado. Vem-se a demonstrar,
posteriormente, que esse quadro não era desse pintor mas de outro. Ora, sendo

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assim, o quadro valia muito menos e o declarante não o teria comprado por não ser
de determinado artista.
® Tipicidade: só certos tipos de erro são relevantes? Concretamente, olhando aos
artigos 251º e 252º, só são relevantes os erros sobre a pessoa do declaratário, sobre
o objeto do negócio, sobre a base e sobre os motivos. A aparência é de facto esta,
mas esta aparência engana porque está em causa nos artigos uma classificação e
não uma tipologia. Tipos são modelos fechados em que se descrevem as
características. Os regimes em causa não estabelecem modelos fechados porque o
erro sobre os motivos é, em si, uma cláusula residual que vem dizer que qualquer
erro sobre os motivos pode ser relevante, não há restrição, é uma cláusula aberta.
® Erros sobre a pessoa do Declaratário
Pressupostos:
1. Ignorância ou falsa representação da identidade ou qualidades objetivas do
declaratário;
2. Identidade: celebro um negócio a pensar que aquela pessoa é o A quando na
realidade é o B;
3. Falsa representação de qualidades objetivas: está em causa um elemento controlável
não duvidoso o Ex. penso que A tem uma licenciatura em medicina, mas não tem.
Requisitos de relevância do erro: havendo um erro, a autonomia privada vem exigir a
relevância do erro (se a pessoa não queria, não devia ficar vinculada); já a tutela da confiança
vem exigir a tutela do declarante (havendo uma declaração credível, é normal que o
declaratário acredite). O legislador entendeu por bem estabelecer os requisitos de relevância,
na medida em que se estiverem preenchidos então o erro é relevante (a autonomia privada
impõe a relevância do erro e a tutela da confiança não impede). Caso contrário, se os
requisitos não tiverem preenchidos, a tutela da confiança não permite dar relevância ao erro.
Os requisitos são cumulativos:
® Essencialidade do motivo sobre que recai o erro: a identidade do declaratário, ou
uma qualidade objetiva do declaratário, tinha de ser essencial para o declarante.
Isto é, o declarante só quis celebrar o negócio com aquela pessoa porque achou
que a entidade da pessoa era aquela, ou porque achou que a pessoa tinha uma
determinada qualidade objetiva. Caso contrário, o declarante não teria celebrado
o/aquele negócio.

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® Conhecimento ou cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do declaratário:
o erro só será relevante se o declaratário conhecesse ou devesse conhecer que,
para o declarante, aquela característica/ aquela identidade/ aquela qualidade
objetiva da pessoa do declaratário era essencial.
Se os requisitos estiverem preenchidos há erro sobre a pessoa do declaratário (art. 251º):
O efeito é a anulabilidade do negócio- os efeitos podem ser destruídos retroativamente
através do exercício do direito de anulação. O direito de anulação cabe em favor de quem a
lei estabeleceu a anulabilidade, ou seja, o errante, o declarante cuja vontade está viciada por
erro. Se o negócio não estiver cumprido: pode anular em qualquer momento. Por outro lado,
se o negócio já estiver cumprido: tem um ano a contar da cessação do vício (ignorância). O
vício cessa quando a pessoa se apercebe/conhece que a realidade não era aquela que
representou.
® Erro sobre o objeto mediato ou imediato
Erro sobre o objeto mediato (realidade a que aquele conteúdo diz respeito) ou imediato
(conteúdo) (art. 251º e 247º).
Pressupostos:
1. Ignorância ou falsa representação da identidade ou qualidades objetivas do objeto
(valor?) o A compra um imóvel porque pensa que lá pode construir um prédio, que
tem a qualidade objetiva de ser edificável. Mas não o é.
2. Valor?: Quid iuris se A compra um jarrão pelo qual paga 1000€ e depois vem a saber
que, em rigor, o jarrão valia apenas 200€. Há aqui erro? o Tem-se entendido que o
valor em si mesmo não é uma qualidade objetiva, na medida em que o valor é uma
avaliação que uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma sociedade, faz- é mutável, é
subjetivo. o A verdade é que se tem simultaneamente admitido que em certos casos
o valor resulta de certas qualidades objetivas, entrando no âmbito do regime do artigo
251º.Ex.: um quadro pintado por mim, ou um quadro pintado por um pintor de
renome claramente que não terá o mesmo valor devido à qualidade objetiva de ter a
assinatura de um pintor conhecido.
Requisitos de relevância:
1. Essencialidade do motivo sobre que recai o erro: a identidade do objeto, ou uma
qualidade objetiva do objeto, tinha de ser essencial para o declarante. Isto é, o
declarante só quis celebrar o negócio por causa dessa qualidade, ou porque achou

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que o objeto tinha uma determinada qualidade objetiva. Caso contrário, o declarante
não teria celebrado o/aquele negócio;
2. Conhecimento ou cognoscibilidade dessa essencialidade por parte do declaratário:
o erro só será relevante se o declaratário conhecesse ou devesse conhecer que, para
o declarante, aquela qualidade/ aquela identidade do objeto era essencial, a razão pela
qual o declarante celebrou o negócio.
Se os requisitos estiverem preenchidos há erro sobre o objeto mediato ou imediato (art.
251º). Efeito: anulabilidade do negócio os efeitos podem ser destruídos retroativamente
através do exercício do direito de anulação. O direito de anulação cabe em favor de quem a
lei estabeleceu a anulabilidade, ou seja, o errante, o declarante cuja vontade está viciada por
erro.Se o negócio não estiver cumprido: pode anular em qualquer momento. Se o negócio já
estiver cumprido: tem um ano a contar da cessação do vício (ignorância). O vício cessa
quando a pessoa se apercebe/conhece que a realidade não era aquela que representou.
® Erro sobre a Base do Negócio
Erro sobre a base do negócio (art. 252º/2)
Pressupostos: ignorância ou falsa representação da base negocial
® Base negocial: circunstâncias de facto ou de direito tomadas em consideração
pelas partes na celebração do negócio e que determinaram o conteúdo desse
negócio. Esta base negocial pode ter a ver, por exemplo, com algo que diga
respeito ao objeto ou que tenha a ver com a pessoa do declaratário. Ora nestes
casos, esta realidade subsume quer no erro sobre o objeto/ da pessoa do
declaratário, quer no erro sobre a base do negócio.Notar que, à partida, é mais
benéfico aplicar o regime do erro sobre o objeto ou sobre a pessoa do declaratário
do que o regime do erro sobre a base do negócio.
Dúvida: o erro tem de ser bilateral ou unilateral?
® Visão tradicional: pelo Professor Carvalho Fernandes. Defende que o erro tem de
ser bilateral, ou seja, que quer o declarante, quer o declaratário estejam em erro
sobre a base do negócio, representam mal essas circunstâncias.
® Requisitos de relevância enquadrados nesta visão: Essencialidade da base, para
ambas as partes OU apenas para um, mas aceitando o outro esta essencialidade
Da remissão para o art. 437º, resulta também que o erro só será relevante se a manutenção
do contrato com o erro violar a boa fé. Isto é indiscutível para qualquer visão o Crítica – esta
visão foi posta em causa, porque nada no art. 252º/2 vem dizer que o erro tem de ser bilateral.

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Visão contemporânea: pela doutrina e jurisprudência. Defendem que o erro sobre a base do
negócio é unilateral, ou seja, que poderá haver um erro sobre a base do negócio relevante se
apenas o declarante está em erro e o declaratário não.
Requisitos de relevância enquadrados nesta visão, vão beber ao regime geral do art. 251º:
Essencialidade do elemento sobre que recai o erro; conhecimento ou cognoscibilidade da
essencialidade do elemento por parte do declaratário. A manutenção do contrato violaria o
princípio da boa fé.
Efeitos: remissão para o art. 437º onde as consequências são a resolução do contracto ou
modificação do negócio.
® Anulabilidade ou resolubilidade?: este artigo está pensado apenas para contratos
que foram celebrados, estavam a ser executados, há uma alteração das
circunstâncias e é preciso resolver. Resolver é extinguir um contrato, um contrato
que foi validamente celebrado e que estava a produzir efeitos. A generalidade da
doutrina diz que isto tem de ser adaptado aos vícios genéticos e, a consequência
dos vícios genéticos, é a invalidade (anulabilidade) e não a resolução.
® Modificabilidade: por causa da remissão para o art. 437º, admite-se que em vez
de se anular o negócio, se proceda a uma modificação do negócio nos termos da
boa fé. A modificação tanto pode ser pedida pelo declarante (o errante cuja
vontade está viciada por erro) como pode ser contraposta pelo declaratário. o
Modificá-lo no sentido da vontade que as partes teriam, se não fosse o erro sobre
a base dentro dos ramos da boa-fé (equilíbrio das prestações do negócio, algo que
equilibre os interesses das duas partes).
® Erros sobre os Motivos
Erro sobre os motivos (art. 252º/1): qualquer erro que exista sobre um motivo que não seja
sobre a pessoa do declaratário, sobre o objeto, nem sobre a base cai neste regime residual.
Tipo residual:
® Erro sobre circunstâncias objetivas da pessoa do declarante;
® Erro sobre circunstâncias objetivas de um terceiro;
® Erro sobre elementos subjetivos da pessoa do declaratário e/ou do objeto o Ex.: quer
comprar a casa porque acha que foi lá que nasceu o seu avô.
Pressupostos: Erro sobre circunstâncias ou objetivas ou subjetivas, de facto ou de direito,
que constituíram o motivo

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Requisitos de relevância: regime mais apertado de todos, onde é mais difícil encaixar o
erro como juridicamente relevante:
1. Essencialidade do motivo: uma das razões que levou à celebração do negócio foi
acreditar que a realidade era uma, quando no fundo a realidade é outra. Caso
contrário, o declarante não teria celebrado o/aquele negócio;
2. Acordo quanto à essencialidade do motivo: tem de haver um acordo. Este acordo não
é um negócio jurídico, nem é obrigatoriamente uma cláusula do contrato- pode estar
no contrato mas como também pode estar fora, é algo que extravasa e que portanto
não está sujeito a nenhuma forma especial. Podemos ter, no acordo, uma declaração
de ciência por parte do declarante + uma declaração de vontade por parte do
declaratário: até agora sempre lidámos com uma declaração de vontade + declaração
de vontade. O declarante pode, nestas situações referidas em primeira instância,
apenas informar o declaratário de que o motivo é essencial. De alguma maneira o
declarante fez saber que ia negociar por aquele motivo que era fundamental para ele.
É preciso que a contraparte concorde com a essencialidade do motivo, do lado do
declaratário é preciso a emissão de uma declaração (expressa ou tácita e oral ou
escrita) em que ele aceite a essencialidade do elemento, qua aceita subordinar a
validade do negócio a essa essencialidade;
3. Muito raro e difícil de provar.
Se os requisitos estiverem preenchidos há erro sobre os motivos (art. 252/1º). Efeito:
anulabilidade do negócio os efeitos podem ser destruídos retroativamente através do
exercício do direito de anulação. O direito de anulação cabe em favor de quem a lei
estabeleceu a anulabilidade, ou seja, o errante, o declarante cuja vontade está viciada por
erro. Se o negócio não estiver cumprido: pode anular em qualquer momento o Se o negócio
já estiver cumprido: tem um ano a contar da cessação do vício (ignorância). O vício cessa
quando a pessoa se apercebe/conhece que a realidade não era aquela que representou.
® Erro qualificado ou causado por dolo
Erro qualificado por dolo (art. 253º e 254º CC): consiste em enganar o próximo consciente
ou voluntariamente por artimanhas, e a artimanha em si cria o erro- dolo artimanha.
Pressuposto para se verificar um erro qualificado por dolo: Dolus malus: art. 253º/1 o N1:
dolus malus → existe em três tipos de situação:
1. Quando alguém voluntariamente (intencionalmente) cria; mantem; ou encobre o erro
de outrem;

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2. Quando não há intenção, mas há consciência, ou seja, a pessoa age sabendo que está
a criar, a manter, ou a encobrir um erro- não é esse o fim específico da atuação, mas
sabe-se que isso está a acontecer e no fundo aceita-se;
3. No caso de omissões, ou seja, nem sempre na base do erro ou do dolo está uma ação,
pode estar uma omissão- violação de deveres de informação (art. 227º, lei das
cláusulas contratuais gerais, legislação do consumo, …). A lei vai estabelecer deveres
de informação e, sempre que alguém omite o cumprimento desse dever, pode estar a
criar, a manter, ou a encobrir um erro- dolus malus por omissão.
Dolus bonus → não constituem artimanhas (dolus malus) as sugestões ou artifícios usuais
considerados legítimos segundo as conceções dominantes do comércio jurídico, nem a
dissimulação do erro quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de
estipulação negocial ou daquelas conceções. Hoje em dia, a carga dos deveres de informação
é tão elevada que há pouca abertura para a existência desta figura.
Conceitos fundamentais:
® Decetor: pessoa que dá azo ao erro, ou à manutenção do erro. É o autor do dolo,
quem utiliza as artimanhas, para criar, manter, ou encobrir o erro.
® Deceto: é o enganado, o errante. É aquele a quem foi criado o erro, ou a quem foi
mantido o erro.
Requisito geral de relevância: o facto de haver um erro qualificado por dolo não significa
que este seja automaticamente juridicamente relevante, pode ser como pode não o ser. Para
ser relevante, em toda e qualquer situação, tem de se verificar dupla causalidade para haver
erro qualificado por dolo. Dupla causalidade: é preciso demonstrar que:
1. O dolo foi causa do erro: o dolo criou o erro (origem, manutenção e preservação do
erro por parte do decetor) ▪ Ex.: A, por dizer que o jarrão era de porcelana chinesa,
convenceu B.
2. O erro foi causa da declaração negocial (do negócio): o erro motivou a celebração do
negócio. Porque esta em erro, o deceto vai celebrar um negócio que não celebraria se
soubesse que estava em erro. Ex.A artimanha criou o erro e, ao acreditar que a
realidade era essa, surgiu a vontade de celebrar o negócio. Se conhecesse a realidade,
a vontade teria sido de não celebrar o negócio.
Hipóteses exemplificativas de erro qualificado por dolo:
® O decetor é, simultaneamente, o declaratário;
® O eclaratário criou, ou manteve o erro;

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® declarante, por causa desse erro, emite uma determinada declaração
Para que o erro qualificado por dolo seja relevante basta a verificação do requisito geral
da dupla causalidade. O declarante tem de demonstrar a dupla causalidade:
1. Foi o declaratário que, sendo simultaneamente o decetor, criou ou manteve o erro;
2. O erro era essencial: se não estivesse em erro, no teria celebrado o negócio jurídico.
É irrelevante ver qual é o erro do objeto;
3. O decetor é um terceiro: o decetor cria ou mantem o erro, age dolosamente. C vai
criar/ manter o erro, é ele que age/vai agir dolosamente perante o A. O deceto, porque
está em erro, vai emitir uma determinada declaração de vontade viciada por erro
qualificado por dolo. A -o deceto-, porque está em erro, vai emitir uma determinada
declaração de vontade viciada por erro qualificado por dolo
Tutela da confiança: o declaratário do deceto não foi o autor do dolo, não é o decetor. No
entanto, o declaratário tanto pode ser uma vítima como pode não ser assim tão inocente-
pode desconhecer de todo do dolo do deceto ou não.
Requisito geral- Dupla causalidade:
® O deceto (A) tem de demonstrar que foi o decetor (C) que, criou ou manteve o erro.
® O erro era essencial: se o deceto (A) não estivesse em erro, no teria celebrado o
negócio jurídico ▪ Requisito suplementar- Conhecimento ou dever de conhecer o
dolo por parte do declaratário: afere-se se o declaratário estaria de boa fé (ou não).
Estamos perante o conceito de boa-fé ética. A Boa fé ética- quando verificada, o
requisito não está preenchido. o O declaratário desconhecia o dolo. O declaratário
desconhecia sem culpa esse dolo.
Se o declaratário conhecia o dolo, ou não conhecia mas deveria conhecer (porque um
homem médio colocado na posição do declaratário teria percebido a existência de dolo),
então o erro qualificado por dolo é relevante, e vai gerar anulabilidade de todo o negócio. o
Notar que muitas vezes, quando o declaratário conhece o dolo e, ao não esclarecer o erro
provocado pelo dolo, o declaratário vai ele próprio incorrer em dolo (há dolo do deceto e
dolo do declaratário).
Quando o decetor cria ou mantem o erro, age dolosamente: C vai criar/ manter o erro, é
ele que age/vai agir dolosamente perante o A. O deceto, porque está em erro, vai emitir uma
determinada declaração de vontade viciada por erro qualificado por dolo. A -o deceto-,
porque está em erro, vai emitir uma determinada declaração de vontade viciada por erro
qualificado por dolo. B, que é o declaratário do A, não foi o autor do dolo. B, nesta hipótese,
está de boa-fé, logo não conhecia o dolo, e não devia conhecer o dolo- nada naquela situação

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imporia esse conhecimento, um homem médio naquelas circunstâncias também não
conheceria.
O princípio da tutela da confiança vai estabelecer limitações, na medida em que este erro,
para ser relevante, vai bastar a existência do requisito geral- da dupla causalidade.
Requisito geral- Dupla causalidade:
® O deceto (A) tem de demonstrar que foi o decetor (C) que, criou ou manteve o erro.
® O erro era essencial: se o deceto (A) não estivesse em erro, no teria celebrado o
negócio jurídico. Como o declaratário está de boa fé, verificando-se o requisito geral,
vai existir relevância, mas já não de uma anulabilidade total e absoluta, será sim uma
anulabilidade parcial e relativa.
O negócio entre A e B apenas será anulável relativamente ao Cse C retirasse algum
benefício desse negócio (celebrado entre A e B), então, por causa do erro qualificado por
dolo, ele deixaria de retirar esse benefício. O decetor não é o beneficiado
Nesta hipótese vamos ter 4 personagens: vamos ter um dolo de terceiro na mesma: o
decetor é o C que vai criar/ manter o erro, é ele que age/vai agir dolosamente perante A. A -
o deceto-, porque está em erro, vai emitir uma determinada declaração de vontade viciada
por erro qualificado por dolo. Por estar em erro A celebrou um negócio com B. B está de
boa-fé. O beneficiário não é o decetor, mas sim o D, que não é nem declaratário, nem decetor-
é um terceiro. Para que o negócio seja anulável, é precisa a verificação cumulativa de dois
requisitos:
® O deceto (A) tem de demonstrar que foi o decetor (C) que, criou ou manteve o erro;
® O erro era essencial: se o deceto (A) não estivesse em erro, no teria celebrado o
negócio jurídico;
® Requisito suplementar- o beneficiário do negócio conhecia ou devia conhecer o dolo
O beneficiário estará de boa-fé quando não conhece, nem devia conhecer o dolo. O
beneficiário estará de má-fé quando conhece, ou devia conhecer o dolo (critério do homem
médio). Se os dois requisitos se verificarem: temos uma anulabilidade que vai ser parcial e
relativa, e não total e absoluta- não vai afetar todo o negócio, e não vai afetar todas as
pessoas, vai apenas afetar uma parte do negócio e vai ter efeitos apenas relativamente ao
beneficiário de má-fé (D).
Efeitos:
® Anulabilidade total e absoluta;
® Anulabilidade parcial e relativa;

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® Num caso de erro qualificado por dolo, o direito de anulação começa-se a contar do
momento da cessação do vício. A cessação do vicio neste caso, dá-se com o
conhecimento do dolo, e não com o conhecimento do erro (que antecede o dolo). Se
o negócio ainda não tiver sido cumprido, o prazo para o exercício do direito de
anulação é a qualquer momento.
Dolo irrelevante: Situação em que falta o preenchimento de algum requisito de relevância
(seja o geral, seja o suplementar). Dolus bonus: é irrelevante para a aplicação do regime do
dolo qualificado.
® O que acontece nas situações em que o dolo é irrelevante, mas não deixa de haver
um erro? o Olha-se às hipóteses como erro vício – até que ponto estará preenchida
(ou não) a norma que permite anular o negócio por erro vício? - relevância (ou
não) do erro simples com aplicação do art. 251º o NOTA: quando há um erro
qualificado por dolo, há sempre um erro simples. Não é impossível (ainda que
provavelmente na maior parte dos casos não seja sensato) que o declarante possa
vir pedir a anulação da sua declaração sem evocar o dolo, evocando apenas o erro.
É ainda possível que o momento temporal em que a pessoa se apercebe do erro,
não coincida necessariamente com a data em que a pessoa se apercebe do dolo
(pode primeiro aperceber-se que está enganada, e só mais tarde vir a perceber que
foi enganada).

Parte 2: Falta de Liberdade (Medo)


Falta de Liberdade: a vontade quer-se livre, e para isso não se quer a existência de medo
quando, racionalmente, a pessoa em causa percebe/aceita que um mal pode acontecer, e não
o quer. O medo é assim, a antecipação da possibilidade de vir a sofrer um mal. Esta
antecipação faz com que percamos liberdade de decisão- quando pensamos que o mal é uma
consequência possível, tendemos a agir de maneira a evitar esse mal, é um instinto de defesa
que nos vem retirar liberdade. Portanto, uma vontade viciada por medo, por norma, não é
uma vontade livre mas sim uma vontade condicionada como forma de responder a esse
medo, de maneira afastar o medo. Esta patologia pode dar-se de 3 maneiras possíveis: coação
moral, estado de necessidade e usura.
® Coação moral: aqui, ao contrário da coação física, há vontade (de ação, de
declaração e funcional) ainda que malformada por causa do medo. Pressupostos:
Ameaça de um mal:

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A. A ameaça tanto existe perante a criação como perante a manutenção desse mesmo
mal;
B. Esta ameaça do mal, tanto pode ser uma ameaça do coator relativamente ao
coagido (magoo-te) ou relativamente a um terceiro (magoo o teu filho).
C. O mal tanto pode ser algo que afeta o património da pessoa, bem como algo que
afeta a sua integridade física ou moral.
Ilicitude da ameaça: tem de haver ilicitude na ameaça, ou seja, há uma norma
proibitiva ou da ação, ou do resultado pretendido (ilicitude formal). A ilicitude pode
ser ainda proveniente da violação dos bons costumes ou da ordem pública. No entanto,
também há ilicitude material derivada da figura do abuso de direito [alguém que seja
titular de um poder de denúncia e ameaça exercer esse poder para um fim contrário
àquele pela qual ele foi concedido]. Intencionalidade da ameaça: intencionalidade de
obtenção de uma declaração negocial com vista à celebração de um determinado
negócio jurídico. Isto é fundamental porque se o coator vier a obter do coagido uma
declaração negocial mas que não era aquela que ele intencionava, nesse caso não se
pode aplicar a figura da coação moral.
Situações:
® Coator é simultaneamente declaratário. O coator (A) é, simultaneamente, o
declaratário que coage. O coagido (B) é, simultaneamente, o declarante que é
coagido. Requisitos de relevância: a coação moral será relevante sempre que se
verifique o requisito da dupla causalidade. Só quando se preencher este requisito
é suficiente para gerar a anulabilidade do negócio. Dupla causalidade
A. O coagido e declarante (B) tem de demonstrar que foi o coator (A) que, criou ou
manteve o medo;
B. O medo era essencial: se o coagido e declarante (B) não tivesse medo, não teria
celebrado o negócio jurídico.
® Quando coator é um terceiro: O coator é um terceiro (A) O declaratário é um
terceiro (C) Tutela da confiança: quando o coator é um terceiro, o legislador é
obrigado a por um lado tutelar: A situação do coagido e declarante (B)- tutela da
falta de liberdade com consequente errada de manifestação de vontade. A situação
do declaratário (C) que confiou na declaração do declarante (B). Requisitos de
relevância: o coagido e declarante só vai conseguir anular o negócio com o
declaratário se demonstrar:

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A. Requisito geral-Dupla causalidade: O coagido e declarante (B) tem de demonstrar
que foi o coator (A) que, criou ou manteve o medo.
B. O medo era essencial: se o coagido e declarante (B) não tivesse medo, não teria
celebrado o negócio jurídico com C.
C. Requisitos especiais:
Mal grave: por termos de ponderar os interesses do declaratário, o legislador só vai
permitir a anulação do negócio se o mal for grave, caso contrário não há justificação.
Receio justificado de consumação desse mal: tem de haver algo objetivo que, na
realidade, permita acreditar- um homem médio, naquela situação, acreditaria que tal era
possível de acontecer/ ser consumado (ou não).
Efeito:
® Anulabilidade: sempre que os requisitos de relevância estão preenchidos, o efeito
será sempre a anulabilidade do negócio. O titular do direito de anulação será o
coagido. Prazo para exercer o direito de anulação: se o negócio não tiver sido
cumprido: a qualquer tempo; se o negócio já estiver sido cumprido: um ano a
contar da cessação do vício.
® O vício cessa quando deixa de haver medo/receio;
® Coação moral: há uma ameaça ilícita do mal com intencionalidade de obter uma
determinada declaração.
Temor reverencial: relação em que há um respeito (reverência) de uma parte relativamente
a outra. Isto seja porque há uma relação de hierarquia (chefe perante o subalterno), por razões
familiares (pais perante os filhos), por uma dependência económica, … Neste tipo de
situações, naturalmente que o dependente não quer desagradar a pessoa de quem depende
como medo de deixar de ter determinado apoio. Este medo é fruto de uma relação de
dependência que faz que o dependente de certa forma limite a sua liberdade, a sua vontade
de decisão- isto não é coação moral, ainda que possa ser relevante juridicamente (só não
enquadrado na figura da coação moral).
Þ Estado de Necessidade
A lei fala do estado de necessidade enquanto causa de necessidade de justificação
(autotutela do direito) no artigo 339º CC, não trata do estado de necessidade como possível
causa de medo.
Pressupostos: Perigo atual que ameaça interesses juridicamente protegidos do declarante
ou terceiro: ou estamos perante um fenómeno da natureza ou perante um comportamento
humano que não é dirigido àquele fim- há um perigo mas não há uma agressão. Quando

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alguém se vê em perigo, ou vê alguém em perigo, a reação normal humana é o sentimento
de medo, pelo que é perfeitamente normal que perante uma situação de estado de
necessidade, que o medo sentido pelo declarante vá afetar a sua liberdade de decisão.
Relevância:
Usura (art. 282º): o estado de necessidade não tem regime específico enquanto vício ou
causa de um vício de vontade, mas pode vir a merecer a tutela da figura da usura.
Bons costumes: caso mais específicos em que o devedor faz depender o cumprimento de
uma obrigação de um negócio jurídico- (CF e Prof. Carlos Mota Pinto): questiona-se se o
regime da usura será suficiente ou adequado para todas as situações. o Ex: há um fogo
(perigo atual) e a casa de alguém está em perigo de arder. Chamam-se os bombeiros, eles
aparecem, mas dizem que não apagam o fogo a menos que lhes paguem X- fazem depender
a sua atuação do recebimento de uma certa quantia em dinheiro. o Num caso como o
seguinte, diz-se que a figura da usura é insuficiente (notar que um dos efeitos da usura é a
anulabilidade do negócio). Diz-se que um caso como este é muito grave para apenas se
conferir a mera figura da anulabilidade. É visto como ofensivo dos bons costumes (o
bombeiro tem o dever de ofício- dever de garante- de apagar o fogo para evitar o dano), na
medida em que, estas situações mais graves, devem ser contempladas pelo regime da
nulidade e não de simples anulabilidade (artigo 280º para justificar a nulidade do negócio) e
eventualmente até como contrariedade à lei.
® Usura
Usura (art. 282º- 284º): não é evidente que este seja o sítio adequado para tratar de usura,
há autores que não a encaixam neste enquadramento da formação da vontade, mas sim a
propósito do conteúdo do negócio. É um vicio complexo que afeta dois níveis do negócio-
afeta a formação da vontade e afeta depois o próprio conteúdo do negócio.
Þ Pressupostos ou elementos:
Pressupostos Subjetivos: inerentes ao sujeito o [usurário- pessoa que se vai aproveitar de
alguma forma da vítima da usura] o Relativamente à vítima de usura: a lei exige uma situação
de inferioridade (artigo 282º, nº1, CC). Numa situação de usura o perigo pode ser real, como
putativo- em que o declarante acredita que está numa situação efetiva de perigo real, continua
a padecer de medo. Elenco exemplificativo que consta do art em causa cujo denominador
comum é uma situação de inferioridade, na base da usura há um declarante colocado numa
situação de inferioridade:

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1. Situação de necessidade: declarante colocado numa situação de perigo atual que
viabiliza a lesão de interesses jurídicos próprios ou de terceiros.
2. Inexperiência: o declarante nada percebe sobre o negócio relativamente à outra parte
Ligeireza: precipitação da pessoa na decisão
3. Dependência: temor reverencial mencionado anteriormente- o dependente não quer
desagradar à pessoa de que está dependente
4. Estado mental ou fraqueza de caráter de outrem: debilidade mental, patologia
permanente ou temporário do foro mental ou psiquiátrico que faz com que
determinada pessoa tenha menos capacidades para avaliar e gerir a sua vida.
Relativamente ao usurário: exploração da situação de inferioridade, aferir se no fundo
estamos perante um oportunista. Discute-se como aferir a exploração da situação de
inferioridade, se de um ponto de vista:
® OU subjetivo (Carvalho Fernandes): olhar de um ponto de vista subjetivo significa
ir aferir se o usurário tinha consciência da situação da inferioridade quando celebrou
o negócio com a vítima da usura- no fundo aferir se tinha noção que estava perante
uma pessoa com inferioridade.
® OU objetivo (Menezes Cordeiro): olhar de um ponto de vista objetivo significa aferir
se a situação da inferioridade existe independentemente do grau de consciência do
usurário. O que interessa é se se tirou proveito/ vantagem retirada independentemente
do estado de consciência ou não.
Pressuposto Objetivo: inerente ao conteúdo. Até que ponto é possível haver exploração
sem consciência? o Lesão excessiva: celebração de um mau negócio de forma clara, porque
há um forte desequilíbrio contratual. É um desequilíbrio que desfavorece a vítima da usura
e que pode favorecer um usurário ou um terceiro. Apura-se olhando aos termos do negócio
e vendo até que ponto existe um desequilíbrio manifesto das prestações que prejudica a
vítima da usura.
Efeitos: uma vez verificados os pressupostos e não havendo requisitos de relevância, a vítima
da usura tem dois direitos de exercício alternativo, pode optar por:
® Anulabilidade: porque estamos perante um vício. É possível que, a vítima optando
pela anulabilidade, a contraparte proponha a modificabilidade desde que seja
exequível segundo juízos de equidade.
® Modificabilidade: que conseguimos entender olhando ao vício conteúdo do negócio
(redução do negócio a maior parte das vezes).Prazo para o exercício do exercício do
direito de anulação ou modificação

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PORTUGUESA
® Usura não criminosa: casos em que há um negócio usurário mas em que não há
responsabilidade criminal. Aplica-se o regime geral do art. 287º CC. o Se o negócio
não estiver cumprido: o direito de anulação ou o direito de modificação pode ser
exercido a qualquer tempo o Se o negócio estiver cumprido: o direito de anulação ou
o direito de modificação pode ser exercido 1 ano a contar da cessação do vício. ▪
Cessação do vício da usura: discute-se quando ocorre, não havendo uma posição
unânime.
O Vício termina quando termina a situação de inferioridade. Vício termina quando a pessoa
sabe que foi explorada
Nota: Usura criminosa: artigo 226º do Código Penal. Casos em que há um negócio usurário
e em que não há responsabilidade criminal. O critério de solução é aplicação daquele critério
que for mais favorável, o prazo mais longo que mais beneficia a vítima da usura.
O prazo para o exercício do direito de anulação ou do direito de modificação nos negócios
usurários que consubstanciem uma usura criminosa é o prazo de prescrição previsto no CP
da responsabilidade criminal (5 anos a contar da celebração do negócio- negócio é o facto
criminoso).
1 ano a contar da extinção da responsabilidade criminal: há outras causas de extinção da
responsabilidade criminal para além da prescrição. Se uma dessas causas se verificar, então
a partir da data em que se dá a extinção da responsabilidade criminal, começa-se a contar o
prazo de 1 ano. O prazo já não se conta a partir da cessação do vicio mas sim da data da
extinção da responsabilidade criminal- só será assim se for mais favorável. Se, por acaso, a
aplicação do art. 287º for mais favorável, se naquela data ainda não tiver cessado o vício,
então aplica-se o regime geral de 1 ano a contar da cessação do vício

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Ineficácia

É própria do negócio jurídico, mas aplica-se ao ato jurídico com as necessárias adaptações
(art. 295º CC). Estão em causa os desvalores associados aos negócios jurídicos.
® Invalidades e Ineficácia
Ineficácia em sentido amplo (o seu conteúdo é duvidoso…?): estamos prante um ato que,
por alguma razão, não produz efeitos/todos os efeitos que era suposto produzir. Tipos de
ineficácia em sentido amplo:
1. Inexistência Jurídica;
2. Invalidade, que se divide em nulidade, anulabilidade e invalidades mistas;
3. Ineficácia em sentido estrito;
4. Irregularidade.
® Inexistência
É muito contestado se esta figura existe no ordenamento: a existir será a mais grave de
todas.
Arts. 1627º e 1628º: quando nestes artigos se menciona “inexistência” o que realmente
significa?
® o ex.: o casamento católico quando existem vícios é nulo; o casamento civil quando
existem vícios é inexistente - duas visões sobre isto:
Segundo o professor Carvalho Fernandes:
® Inexistência significa que para o direito não há nada, é o desvalor mais grave o Não
há uma base que permita afirmar que existiu o ato, por muito inválido que fosse - o
ato não existe;
® Refere o art. 246º CC - falta de consciência da declaração e coação física,
considerando que neste artigo se lê inexistência;
® A prova está no facto de estar prevista para o casamento civil nos artigos 1627º e
1628º.
Para o professor Menezes Cordeiro:
® Não há inexistência;
® Vem dizer que, apesar de quem aceita a ineficácia considerar que não existe
juridicamente nada para o direito, não pode aceitar que não existe materialmente

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nada. Por exemplo, na falta de consciência de declaração há vontade, ainda que
malformada, ou seja, materialmente existe um fundamento;
® Esta visão entende que o legislador, quando menciona “inexistência” nos artigos
1627º e 1629º, o faz como mera forma de distinguir o tipo de casamento, através
de nomenclatura diversa, mas com o mesmo fim (inexistência para o casamento
civil e nulidade para o católico);
® O conteúdo é o mesmo, é uma questão de semântica;
® Dizem que não faz sentido considerar a inexistência;
® Para o bem da tutela de terceiros, mais vale ter só a nulidade

Relevância prática destas duas visões concorrentes → Nulidade ≠ Inexistência:


® Legitimidade para invocar a patologia/ o desvalor do ato:
A. Quem aceita a figura da inexistência confere legitimidade a todas as pessoas
para invocar a nulidade;
B. Quem não aceita a figura da inexistência confere às pessoas menos
legitimidade para invocar a nulidade, só os interessados em questão é que o
podem fazer.
® Produção de efeitos jurídicos e tutela de terceiros de boa-fé:
A. Para quem aceita a existência da inexistência: impossibilidade total do negócio
inexistente produzir efeitos; mesmo que conjugado com a boa fé, e havendo
interesses de terceiros, não produz qualquer efeito;
B. Para quem defende a inexistência da inexistência: aplica-se o regime da
nulidade. É possível o negócio nulo produzir alguns efeitos jurídicos. No
negócio nulo conjugado com o princípio da boa fé, pode dar aso a efeitos
jurídicos, nomeadamente tutelando a pessoa que está de boa-fé
® Invalidade
Invalidade (pacificamente aceite): há uma doença ao nascimento, um vício genético que
pode ter três modalidades:
® Nulidade
Nulidade: art. 286º e 294º CC. Constitui o desvalor regra no Direito Civil: negócio nulo
sozinho não produz efeitos. Tem legitimidade para invocar a nulidade qualquer interessado,
a todo o tempo (não há prazo), sendo que se intende interessado como o titular de situações
jurídicas cuja sua consideração jurídico-prática pode ser afetada pela manutenção ou

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invalidade do negócio. Alguém com interesse jurídico, aquele que sofre de qualquer tipo de
consequência em razão da declaração, ou não, de nulidade. Tem de haver repercussão na sua
esfera jurídica.
A nulidade é de conhecimento oficioso: o tribunal tem um dever de conhecer e declarar
um ato nulo. A declaração de nulidade (ao contrário da anulação) tem um efeito
declarativo→ o tribunal limita-se a enunciar algo que já decorria. O interessado pode invocar
a nulidade do negócio a todo tempo e o vício é insanável.
Quanto aos efeitos, a eficácia tem eficácia retroativa: os efeitos práticos (não jurídicos
porque um negócio nulo não produz efeitos jurídicos) produzidos entre a celebração do
negócio e a nulidade do mesmo, apagam-se.

® Anulabilidade
Surge regulada nos termos do art. 287º CC. Os casos de anulabilidade estão tipificados na
lei, carecem de previsão legal especifica. O negócio anulável produz todos os seus efeitos
como se fosse válido até que/ se a anulabilidade seja invocada.
® Legitimidade: confere-se/disponibiliza-se legitimidade para anular o negócio à
pessoa cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade, um direito potestativo de
anular o negócio ao início;
® As circunstâncias que deram origem ao ato de nascimento fazem com que o
legislador desconfie se os interesses duma determinada parte foram devidamente
acautelados. Há circunstâncias inerentes à prática dum ato que justificam um juízo
de desconfiança o ex.: negócios celebrados por menores, coação moral, estado de
erro, vítima de dolo, vítima de usura, etc.
O titular do direito de anulação pode escolher entre:
1. Exercer o seu direito de anular o negócio:
A. Se o negócio ainda está a ser cumprido/não estiver cumprido, pode ser anulado
a qualquer momento, art. 287º/2 CC;
B. Depois do negócio estar cumprido, tem o prazo de 1 ano a contar da cessação
do vício, sob pena de extinção do direito de arguição da anulabilidade e
convalidação do negócio (a sanação do vicio depende da sua natureza);
2. Não exercer o seu direito: dá-se a sanação do vício e convalidação do negócio-
sanação do negócio;

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3. Declaração de confirmação do negócio:
A. O titular do direito de anulação expressa a sua vontade de manter o negócio,
posteriormente à cessação do vício (ex.: fazer 18 anos);
B. Dá-se a confirmação do conteúdo do negócio viciado e convalidação do
negócio
Tem de ser invocado e não pode ser o tribunal, tem de ser o titular do direito a invocar.
Tem eficácia retroativa: os efeitos produzidos entre a celebração do negócio e a anulação do
mesmo, apagam-se.
Problemas comuns à nulidade e anulabilidade: Como se procede à declaração de nulidade
ou à anulação do negócio?
® Discute-se se estes aspetos são de exercício judicial obrigatório ou se pelo contrário,
são possíveis de exercer sem recorrer à via judicial usando apenas um meio unilateral
e extrajudicial? A maior parte doutrina diz que são de exercício judicial obrigatório,
com base no art. 291º, nº1, parte final CC:
A. Para se tutelar o terceiro de boa fé, o registo da aquisição tem de ser anterior ao
registo de ação de nulidade ou anulação.
B. Assim, subintende-se do art. 231º, que o exercício do direito de anulação deve
ser judicial sob pena de não se conseguir perceber o que está em causa.
C. Quer isto dizer que, para fazer valer a invalidade, tem de propor uma ação judicial
para obter uma sentença que declare a nulidade ou anulabilidade do negócio.
Exceto, quando há acordo entre as partes (também exposto no
artigo).Críticas:Esta visão prova de mais na medida em que se fala de anulação
mas também se fala de nulidade o que, consequentemente significaria, que a
declaração de nulidade obrigatoriamente tinha de ser judicial. Não é impossível
dizer que o artigo 291º, porque está a estabelecer limitações aos efeitos da
invalidade, possa requerer, nesse caso, exercício judicial. Porém, não podemos
retirar daqui o regime geral da nulidade- onde não se limita se calhar já se justifica
a ação judicial.
Outra parte da doutrina, diz que não se pode retirar da norma destinada apenas a terceiros
de boa-fé (art. 291º) uma obrigatoriedade de em qualquer situação ser de exercício judicial
® Como não há imposição nenhuma, caímos na regra da liberdade;
® Concede-se ao titular do direito potestativo de invalidar a possibilidade de o exercer
por mera declaração à outra parte;
® Cabe ao titular do direito decidir como age.

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® Invalidades Mistas
As invalidades mistas têm de ser analisadas caso a caso, não têm um modelo fixo. O
legislador perante uma situação estabelece um regime (nulidade e anulabilidade) sem
corresponder a nenhum em estado puro. Tem partes do regime de nulidade e partes do de
anulabilidade. É uma fusão dos traços normais de ambos os regimes
Classificações de invalidade (são modelos que se podem misturar):
1. Absolutas ou relativas: absolutas quando qualquer interessado pode invocar a
nulidade, relativas quando apenas determinada pessoa a pode invocar.
2. Sanáveis ou insanáveis: sanáveis, quando é passível de sanação (extinção da
invalidade), insanáveis quando não há forma de sanar o vício.
3. Automáticas ou não automáticas: a automática manifesta-se logo e portanto o ato
não produz efeitos; na não automática o ato produz efeitos e depois têm-se de vir a
ser destruídos.
Como determinar o tipo de invalidade aplicável?
1º. Averiguar se para o vício existe disposição legal definindo o valor negativo
correspondente
A. Se sim – FIM;
B. Se não – segundo passo;
2º. Indagar a natureza da norma que prevê o requisito de validade em causa
A. Se for de carácter imperativo – é nulo (art. 294º CC);
B. Se não for de carácter imperativo – é anulável.

Eficácia retroativa de todas as invalidades. Duas limitações:


® Ex.: A e B celebram um negócio inválido. B celebra uma doação com C.
Naturalmente, esta doação também será inválida.
A lei determina a retroatividade da invalidade → isto significaria que se A vendeu X a B,
o B deveria vender a coisa X ao A. Duas situações
1. OU o C tem a coisa X → A enquanto proprietário vai ter com C e pede a coisa X

2. OU a coisa X era consumível/ deteriorável e já não existe → o legislador


estabelece uma de duas soluções: o OU A se dirige a B e pede a restituição do
valor da coisa X → porém B não vendeu a coisa X a C, doou, o que significa que
não recebeu nada em troca- assim, é possível que B não tenha nada para pagar;

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3. OU A se dirige a C e exige o pagamento de uma prestação pecuniária calculada
nos termos do enriquecimento sem causa Ex.: A e B celebram uma c/v inválida
de um pomar. A entrega a B o pomar. Só um ano depois é que anula/ declara
nulidade.
Uma verdadeira retroatividade obrigaria a que o B devolvesse ao A os frutos produzidos
pelo pomar ao longo do ano ou, estando esta estragada, que devolvesse o dinheiro
correspondente ao valor da fruta ▪ Aqui, porém, há uma limitação à retroatividade → o
legislador entende que, como houve um negócio (apesar de inválido), devemos tratar o B
como possuidor de boa-fé. B nunca foi proprietário, tem de devolver a coisa mas os frutos
que ele percebeu (que apanhou naquele ano em que esteve em posse da coisa) terá o direito
a esses frutos tendo apenas de devolver a coisa.
Tutela de terceiros de boa-fé: art. 291º: a regra é que a invalidade (nulidade/anulabilidade)
é oponível a terceiros.
Requisitos cumulativos para que haja tutela de terceiros de boa-fé, se não tiverem todos
preenchidos é possível opor a boa-fé:
1. Negócio oneroso, no negócio gratuito não há tutela de terceiros de boa-fé;
2. Sobre bem registável: ou um imóvel ou móvel sujeito a registo. No negócio oneroso
sobre bem não registáveis (móveis na sua maioria) não há tutela de terceiros de boa-fé;
3. Boa fé subjetiva ética: o terceiro tem de ignorar sem culpa a invalidade do negócio que
está na base da sua aquisição;
4. Prioridade do registo da aquisição relativamente ao registo da ação de declaração de
nulidade ou de anulação: o registo da aquisição tem de ser anterior à data do registo da
ação de declaração de invalidade (nulidade ou anulabilidade) para pode haver tutela o
Terem passado mais de 3 anos desde a conclusão do negócio sem ter havido registo da
ação de declaração de nulidade ou de anulação: período de carência de três anos. Ex.
negócio celebrado entre A e B é inválido. B não é portanto titular do direito e, ao celebrar
o negócio com falta de legitimidade com C, a consequência é que este negócio entre B e
C vai ser nulo.
Poderá o A, ou um terceiro com interesse, chegar ao C e invocar a falta de titularidade
sobre o direito uma vez que o negócio entre B e A era inválido por falta de legitimidade?
® Regra: pode;
® Exceção: situação prevista no art. 291º:
A. Aquisição onerosa;

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B. Sobre um bem registável;
C. C está de BF subjetiva ética: Ignora sem culpa a invalidade do negócio entre
A e B;
D. C registou a aquisição antes de A registar a ação de declaração de nulidade/
anulabilidade face a B o Passaram mais de 3 anos passados desde a conclusão
do negócio. A doutrina discute a partir de que momento é que se começam a
contar os 3 anos?
A Lei conta com “3 anos desde a conclusão do negócio”. A doutrina, no art. 291º, trata
sempre do primeiro negócio celebrado que está na origem de todas as invalidades
subsequentes (entre A e B), pelo que os 3 anos contar-se-iam a partir da data da celebração
do negócio entre A e B. Por outro lado, outra parte da doutrina considera que o art. 291º trata
sempre do negócio celebrado entre B e C, pelo que os 3 anos contar-se-iam a partir da data
da celebração do negócio entre B e C. A relevância desta dúvida reside no facto de poder
não ser relevante caso os negócios sejam celebrados, por hipótese, no mesmo dia. Pode,
porém, dar-se o caso de existir um hiato temporal enorme entre o momento em que foram
celebrados o primeiro negócio e o momento em que foi celebrado o segundo negócio.
E. Se os requisitos não estão preenchidos → aplica-se o regime da invalidade de
forma pura o C não é tutelado pela BF;
F. Se os requisitos estiverem preenchidos → facto complexo verificado (negócio
nulo + requisitos do art. 291º) = facto constitutivo o Há uma aquisição
originária a favor do C: não é o negócio que é o fundamento jurídico para a
titularidade, mas sim o facto complexo que, uma vez verificado, faz surgir um
novo direito que não existia antes. Por exemplo, C pode ser titular de um
direito originário de propriedade e não de um direito translativo.
Problema: então e o direito de propriedade do A? Se há uma aquisição originária a favor
de C, isto no fundo significa que o direito nunca saiu da esfera jurídica de A.
® Prof Oliveira Ascensão: o facto constitutivo produz um duplo efeito: a
constituição de um direito a favor de C e a hibernação, que, é no fundo um
fenómeno atípico. O direito de A entra em hibernação, o direito existe e é ineficaz
(deixa de produzir efeitos) enquanto existir o direito do C. Se o direito de C se
extinguir não há razão jurídica alguma para que se impeça que o direito do A
renasça e adquira a sua plena eficácia de novo.

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NOTA: extinção do direito de C ≠ desaparecimento de C → se C morrer o seu direito não
se extingue, passa para os seus herdeiros Maior parte da doutrina: o facto constitutivo produz
um duplo efeito:
® A constituição de um direito a favor de C;
® A extinção do direito de A.
® Ineficácia em Sentido Estrito
Ineficácia em sentido estrito (pacificamente aceite): o ato não produzirá efeitos até se
verificar um determinado condicionante externo.
Classificação:
® O ato, em termos intrínsecos, não padece de nenhuma patologia genética, mas o
Direito, em sentido amplo, faz depender a produção de efeitos jurídicos (todos ou
alguns) da verificação de uma circunstância externa ao ato;
® A lei considera válido o ato, mas impede todas ou parte das consequências jurídicas
que ele venha a produzir. Tem a ver com circunstâncias que faltam/acompanham
ao/o ato e que impedem os efeitos. Ex.: condição suspensiva
Modalidades:
1. Absoluta ou Relativa: na absoluta a ineficácia do negócio vale indistintamente entre as
partes e mesmo em relação a terceiros. Verifica-se relativamente a qualquer pessoa, o
negócio não produz efeitos de todo. Na relativa: a ineficácia do negócio só vale entre as
partes, sendo ineficaz quanto a outras. O negócio não vai produzir efeitos relativamente
a terceiros, apenas interpartes;
2. Originária ou Superveniente: na originária a ineficácia resulta duma circunstância
existente no momento da celebração do negócio. Logo no momento da celebração, há a
tal circunstância que impede a produção de efeitos.Condição suspensiva: vimos que a
condição é uma cláusula negocial típica que subordina a eficácia do negócio jurídico a
um facto futuro e incerto. Na condição suspensiva o negócio não vai produzir efeitos
enquanto o tal facto futuro e incerto não se verificar. Na superveniente a ineficácia resulta
duma circunstância que se verifica num momento posterior à celebração do negócio.
Condição resolutiva: aqui o negócio só vai produzir todos os seus efeitos até que se
verifique o facto futuro e incerto. Depois disso, destroem-se os efeitos;
3. Total ou Parcial: é total quando todo o negócio é ineficaz, nenhum efeito se vai produzir.
É parcial quando apenas uma parte do negócio é ineficaz, o negócio só não produz efeitos
quanto à parte ineficaz

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Efeitos:
1. Inoponibilidade: situação de irrelevância de qualquer fenómeno jurídico perante
certas pessoas:
A. Relativa/Direcional/Situacional: quando não é possível opor um determinado ato
a terceiros, é apenas oponível inter-partes, produz apenas efeitos interpartes. Tem
eficácia interna. ex.: inoponibilidade relativa da compra e venda dum imóvel
enquanto a compra não for registada;
B. Absoluta: quando o negócio é inoponível inter-partes e relativamente a terceiros,
não produz efeitos relativamente a ninguém. Tem eficácia externa. Ex.:
inoponibilidade absoluta do casamento enquanto não for registado
2. Impugnabilidade: (pouco frequente). É a possibilidade de tornar um ato ineficaz, em
nome da defesa dos seus legítimos interesses, pese embora o ato não sofra de
nenhuma patologia o Estamos perante um ato que à partida não é inválido, não tem
nenhum vicio genético mas tem um efeito prático que é a diminuição da garantia do
credor. A lei permite (tipificadamente) que alguém ataque, impugnando, esse ato
porque o mesmo fere os seus legítimos interesses. Há a superveniência dum facto
que faz nascer um direito inconciliável com os direitos originados naquele ato
jurídico Impugnação pauliana – art. 610º e ss. CC. Permite-se ao credor impugnar o
negócio em que o devedor vai esvaziar a garantia geral das obrigações – legitimo
interesse do credor. O credor pode impugnar o negócio, verificados certos requisitos,
e assim tornar o ato ineficaz;
3. Pode ser sanável através de retificação.
Enquanto na anulabilidade podemos sanar o vício através de confirmação, na ineficácia
através de retificação.
® Irregularidade
Irregularidade (a sua existência é pacificamente aceite no ordenamento, mas discute-se se
está bem qualificada como forma de ineficácia- está em causa a qualificação doutrinal de
irregularidade). Está em causa um caso em que a lei estabelece uma determinada regra que
não compromete a validade do negócio em si, mas cuja sua violação vai comprometer a
produção plena dos efeitos do negócio. Ex.: casamento irregular de menores. Um menor de
17 anos casa sem consentimento do representante legal ou sem o suprimento desse respetivo

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consentimento. O ato em si é válido porque todos os pressupostos de validade estão
preenchidos.
Temos um ato que viola uma determinada norma, mas é uma violação que não compromete
a validade do ato:
® No entanto, a violação tem repercussões e a lei comina sanções especiais para as
partes o ex.: art. 1649º (emancipação restrita) e 1650º CC (perda do direito a certos
bens e até incapacidade particular)

® Como há repercussões, o ato é válido e produz efeitos, mas não vai produzir os
efeitos de forma plena como se não houvesse violação- divergência doutrinária:

O facto de produzir efeitos (alguns, ainda que não todos) faz com que alguns autores digam
que não deve ser qualificada como forma de ineficácia. ex.: casamento com 16 anos é legal,
mas exige consentimento dos pais.
Com consentimento, o efeito do ato (para além do casamento) é a emancipação plena.
O facto de não produzir todos os efeitos plenos é suficiente para outros dizerem que se
trata de ineficácia. ex.: casamento com 16 anos é legal, mas exige consentimento dos pais.
Sem consentimento, o efeito do ato (para além do casamento) é a emancipação restrita

Parte 2: Modalidades de Aproveitamento do NJ Inválido


Vigora no ordenamento jurídico o princípio do aproveitamento do negócio jurídico- favor
negoci. Isto é, o negócio enquanto inválido pode, mesmo assim, ser fonte de efeitos,
aproveitando-se, perante determinados ajustamentos, salvar o que possa ser aproveitado.
Mesmo para quem defende a existência da inexistência, o ato inexistente não pode ser
aproveitado. Tem de existir para poder ser aproveitado. Estes mecanismos de
aproveitamento estão maioritariamente previstos para casos de invalidade, mas nada impede
que também se apliquem em casos de ineficácia
A invalidade/ineficácia parcial:
® Eficácia mediata de normas imperativas o Recurso ao conteúdo da norma
imperativa para preencher o vazio criado pela eliminação da cláusula negocial
desconforme o Parte do negócio é inválido/ineficaz por violação duma norma
imperativa, o que gera nulidade o Quando falamos destes casos, temos que as
normas imperativas desempenham simultaneamente duas funções: indica que a
parte do negócio é nula por indicar diferente do que a norma imperativa permite-

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ex.: art. 1146º/1 CC → usura. Este artigo estabelece o limite de juros admissíveis,
considerando que sempre que se ultrapassa esse limite estamos perante juros
usurários pensados para o contrato de mútuo. E ainda supre a falha: estabelece
imediatamente qual o dever ser. ex.: art. 1146º/3 CC → redução dos juros
previstos no contrato até ao limite máximo admissível por lei;
® Normas supletivas o Corta-se a parte inválida e recorre-se a normas supletivas ▪
Ex.: lei das cláusulas contratuais gerais → uma vez perante cláusulas proibidas,
estas mesmas serão inválidas, porém o negócio será válido, a matéria que
constava das cláusulas nulas, vai ser regulada através da aplicação de normas
supletivas que versam justamente sobre essa matéria;
® Integração: na inexistência de normas supletivas temos a possibilidade de
integração da lacuna do negócio jurídico – art. 239º CC;
® Redução (pode vir em vez das duas opções anteriores): pode dar-se o caso de a
cláusula integrada não se harmonizar com o restante conteúdo do negócio e
conduzir a distorções juridicamente indesejáveis. Se assim acontecer, a única
forma de evitar a nulidade é através da redução. Diferentemente das formas vistas
anteriormente, não se adiciona nada
A invalidade/ineficácia total: Conversão
® Redução
Redução: art. 292º: só é aplicável quando estamos perante uma invalidade que é imparcial.
Aproveita-se o ato, cortando-se a parte viciada, mantendo-se a parte não viciada - reduz-se
a dimensão do negócio.
Pressuposto: invalidade/ineficácia parcial. A lei estabelece como pressuposto a invalidade
parcial, a doutrina vem, no entanto, colocar a possibilidade de aplicar a redução do negócio
também a casos de ineficácia parcial.
Requisitos
1. Objetivo: divisibilidade do negócio o Só se pode aplicar a redução se o negócio
for divisível (quantitativamente divisível). A parte remanescente da expurgação
da parte inválida/ineficaz tem de ser passível de constituir per si um negócio
(partes e objeto no mínimo).O que fica tem de ter um mínimo de conteúdo e
coerência e o que se afeta é a quantidade e não a qualidade;
2. Subjetivo: inexistência de vontade conjetural/hipotética das partes contrária à
redução o A vontade hipotética das partes à data da celebração do negócio fosse

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no sentido da celebração do negócio caso estivesse em causa a
invalidade/ineficácia parcial. O legislador assume que as partes teriam a vontade
de celebrar o negócio, mesmo estando em causa uma invalidade/ineficácia parcial
logo à partida. Se alguém quiser travar esta figura, tem de demonstrar que tal não
é verdade – tem o ónus de provar que a vontade conjetural das parte(s) não seria
nesse sentido. Cabe à parte interessada na invalidação do negócio fazer invocar
que a vontade conjetural das partes é contrária à redução, ou que esta ofende o
princípio da boa-fé.
Legitimidade:
® Se o negócio for nulo → terá legitimidade para propor a redução do negócio
qualquer interessado (regra decalcada do regime para pedir a nulidade)

® Se o negócio for anulável → só terá legitimidade para propor a redução do


negócio, a pessoa que teria legitimidade para poder anular o negócio regra
decalcada do regime para pedir a anulação).
Prazo:
® Se o negócio for nulo → terá legitimidade para propor a redução a todo o tempo
® Se o negócio for anulável → terá legitimidade para propor a redução. Isto se o
negócio não tiver sido cumprido ou se o negócio já tiver sido cumprido
Eficácia:
® Se o negócio for nulo → a redução do negócio tem efeitos retroativos;
® Se o negócio for anulável → a redução do negócio tem efeitos retroativos
Tipos de redução:
1. Redução Comum o Prevalece a economia do negócio, tal como as partes o
quiseram, pelo que os efeitos produzidos pelo que do negócio restar são ainda
negociais (estão cobertos pela autonomia privada);
2. Redução Legal o Prevalece a solução mais ajustada em abstrato, segundo uma
valoração objetiva do legislador que segue critérios objetivos, perante o conflito
de interesses no negócio o Não está em causa a justiça do contracto, mas sim a
justiça objetiva. Os efeitos não podem, em rigor, ter-se como cobertos da
autonomia privada, antes decorrem da lei, são efeitos legais, embora
pressuponham a mediação dum negócio jurídico. Assim, este tipo de redução
aproxima-se da eficácia mediata das normas imperativas. Ambas são modalidades

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de tratamento de invalidades parciais e ambas operam ope legis. Contudo, separa-
se dela no facto de que por força da lei elimina-se ou reduz-se um elemento
viciado do negócio, mas deixa-se os elementos não atacados pelo vício (o que não
acontece na eficácia mediata das normas imperativas)
Duas formas de funcionamento:
1. Redução qualitativa: verifica-se quando a invalidade parcial do negócio envolve
a supressão da cláusula que o vício afeta o Elimina-se, pois, se trata dum elemento
autonomizável. ex.: art. 812º/1 CC;
2. Redução quantitativa: verifica-se quando a estipulação negocial se mantém, mas
são limitados os seus efeitos na parte que se têm por excessivos o Reduz-se, pois
trata-se dum elemento quantitativo dos efeitos emergentes do negócio. ex.: art.
2169º e ss. CC
® Conversão
Conversão: art. 293º: há um negócio e é pacificamente aceite que pode aplicar-se o regime
do art. 293º quer à invalidade, quer à ineficácia.
Morfologia: discute-se a sua natureza jurídica:
® Até ao Prof. CF: visão dualista (implica dois negócios) o Sempre que deixávamos
cair um negócio inválido, aproveitavam-se os elementos válidos, criando-se um
negócio sucedâneo por conversão. A conversão era uma forma de, usando os
dados do negócio inválido, fazer nascer um negócio válido de encontro à vontade
querida pelas partes. Há no fundo dois negócios: um negócio nulo e um negócio
sucedâneo: que apesar de não representar a efetiva vontade das partes, vai de
encontro à mesma. Ex.: c/v por escrito particular é nula por vício de forma. Pode
salvar-se este negócio através da conversão? Conversão da c/v do imóvel nula por
vício de forma, num contrato de promessa de c/v do imóvel- que já não padecerá
de vício de forma.
® A partir do Prof. CF: visão monista pelo professor Carvalho Fernandes o Defende
que a conversão permite reinterpretar as declarações de vontade, fazer uma
releitura com outros olhos àquele ato e chegar à conclusão que o mesmo pode
derivar a interpretações diversas que conduzem a um juízo de validade e não um
juízo de invalidade. Há apenas um negócio, não há um negócio sucedâneo mas
apenas efeitos sucedâneos. Dá-se uma revaloração jurídica do comportamento
negocial das partes, em vista de lhe assegurar a produção de efeitos sucedâneos

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possíveis ▪ O negócio é sempre o mesmo, a diferença está, que não olhamos aos
efeitos inicialmente queridos pelas partes, mas sim aos efeitos sucedâneos (ainda
que não idênticos, mas semelhantes, satisfaça os interesses das partes – estando
assi cobertos pela vontade funcional) que possam surgir. ex.: compra e venda de
um imóvel celebrada por escritura particular – vício de forma. O proprietário quer
deixar de ser proprietário e o comprador quer passar a ser proprietário do imóvel
o Este ato com estes elementos pode ser lido de outra maneira: contrato-promessa
de compra e venda. Não se consegue um efeito completamente idêntico.
Consegue-se um fim sucedâneo (semelhante)vontade funcional

Pressuposto: invalidade/ineficácia total


® Tradicionalmente fala-se de invalidade total para que possa haver conversão, ou
seja, todo o negócio é inválido e isto é pacificamente aceite e incontestável.
® Dúvida: atualmente discute-se se igualmente podemos aplicar a conversão a
invalidade/ineficácia parcial? A doutrina não vê o porquê de não se aplicar a
conversão a este tipo de negócios que padecem de invalidade/ineficácia parcial.
Requisitos:
1. Objetivo: o ato inválido/ineficaz a ser aproveitado tem de conter todos os
requisitos de conteúdo e forma necessários para a produção dos efeitos
sucedâneos (tem de ter os requisitos de conteúdo e de forma da versão convertida
do negócio) o Ex.: conversão da c/v do imóvel nula por vício de forma, num
contrato de promessa de c/v do imóvel- que já não padecerá de vício de forma.
Para isto ser possível é preciso que no texto do negócio que pretendemos converter
estejam presentes todos os requisitos negociais formais exigidos por lei para a
validade do contrato de promessa de c/v. ▪ Tem de ser de escrito particular p.e.

2. Subjetivo: a lei exige que os autores do negócio viciado, se se tivessem apercebido


do vício, quereriam o negócio sucedâneo. o Isto é, a vontade conjetural/hipotética
das partes, se estivesse prevista a invalidade/ineficácia teria sido no sentido de
celebrar o negócio na versão pósconversão (aceitando os efeitos sucedâneos) o ≠
da vontade conjetural na redução ▪ Na redução, quem quiser afastar a mesma tem
ónus da prova que não era a sua vontade conjetural (o legislador presume) ▪ Na
conversão, quem quiser o benefício desta figura tem de demonstrar que era a sua
vontade conjetural se tivessem sabido que o negócio era inválido/ineficaz.

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Legitimidade:
1. Negócio nulo → qualquer interessado tem legitimidade para reduzir o negócio;
2. Negócio anulável→ só o titular do direito de anulação pode invocar a conversão
Prazo:
® Negócio nulo → a todo tempo;
® Negócio anulável: se o negócio não estiver cumprido, pode a qualquer momento o
Se o negócio já estiver cumprido, 1 ano após a cessação do vício
Tem eficácia retroativa.
Meio de exercício: Discute-se também se estes só podem ter lugar mediante intervenção
judicial/acordo das partes, ou se uma parte pode unilateralmente e extrajudicialmente
declarar a nulidade ou anular o negócio:
® Quando se exige que a declaração de nulidade ou a anulação provenha do exercício
judicial, também se exige que a redução e conversão sejam decretadas pelo tribunal;
® Quando se aceita que a declaração de nulidade ou anulação possam ser invocadas
por uma parte extrajudicialmente, também se aceita que a conversão e a redução
possam ser invocas por uma parte unilateralmente e extrajudicialmente
Exemplos típicos de conversão:
® Possibilidade de conversão de um negócio nulo por vício de forma, mediante a
atribuição da eficácia de uma promessa desse negócio relativo ao mesmo bem o
Ex.: conversão de um contrato de compra e venda de um imóvel e um contrato de
promessa de compra e venda de um imóvel. Se tivermos um contrato de compra
e venda de um imóvel não celebrado por escritura pública, será inválido por vício
de forma, é possível, no entanto, aproveitar este ato não como contrato de compra
e venda de um imóvel, visto que desta forma será sempre nulo, mas relendo e
dizer que aqui podemos retirar um contrato de promessa de compra e venda e
assim será válido, salvando o negócio;
® Ao contrato-promessa com eficácia real, nulo por vício de forma, pode ser
atribuída a eficácia sucedânea meramente obrigacional;
® Ao pacto de preferência real, nulo por vício de forma, pode ser atribuída a eficácia
sucedânea meramente obrigacional;
® À alienação de parte especifica da coisa comum pelo comproprietário, pode ser
atribuída a eficácia sucedânea da alienação da sua quota o Ex.: se a razão de
invalidade é devido ao facto de um dos sócios (ou mais) contribuiu com um

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imóvel para o património social e o contrato não tiver sido celebrado por escritura
pública (transmitir um direito real sobre um imóvel), podemos fazer uma
conversão mantendo os sócios, mas alterando a natureza do imóvel que está na
base da contribuição daquele sócio. Como? Em vez de este transmitir para o
património social o direito de propriedade sobre o imóvel, ele pode, ou qualquer
outro direito real de gozo, exigida sempre a escritura pública, pode-se ler que este
passa a transmitir para o património social um direito pessoal de gozo:
possibilidade de gozar da coisa, mas sem se ser dono. Assim não há transmissão
de um direito real sobre o património social, mas convertemos: Temos uma
constituição de um direito pessoal de gozo que já não está sujeita a escritura
pública (ex.: empréstimo de coisas infungíveis). Feita esta conversão, podemos
considerar o negócio jurídico como válido.

Representação Voluntária
REPRESENTAÇÃO: 258º e ss.- regime geral. 262º-269º(regime especial da representação
voluntária).
Þ Requisitos cumulativos para que haja representação:
1. Atuação em nome doutrem: o representante age em nome do representado e não em
nome próprio;
2. Atuação no interesse doutrem: o representante age em prol do interesse do
representado e não em prol do seu próprio interesse.
3. Nota: não é impossivel haver representação em que o representante aja quer em
interesse do representado, quer em nome próprio.
Fundamento jurídico: poder de representação. Tem de haver uma fonte do poder de
representação.
Representação ≠ Mandato sem poderes: em ambos se age no interesse de outrém,
porém:
® Representação: aqui age-se em nome de outrem e com poderes de representação.
® Mandato sem poderes: o mandato é o contrato em que o mandatário se vincula
perante o mandante, a praticar certos atos jurídicos- normalmente é o ato praticado
entre uma pessoa e um advogado. No mandato sem poderes não se conferem poders
de representação ao mandatário, na medida em que aqui o mandatário vai agir em
nome próprio ainda que ao encontro do interesse do mandante (ato vai de encontro

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às necessidades do mandante, não é por isso plenamente em nome próprio).
Concluindo, o nome que aparece no negócio é do mandatário e não do mandato. o
Se fosse um mandato com poderes: quem celebraria o negócio jurídico seria o
mandante e não o mandatário
Representação ≠ Ação subrugatória:
® Ação subrugatória: está em causa a possibilidade que a lei reconhece a um credor
exercer em nome de outrém para tutelar o seu próprio crédito, ou seja, em interesse
próprio. o Ex.: A é credor de B, portanto A quer que o B lhe pague. B, devedor de A,
é também credor de C. A ação subrogatória permite que em certas circunstâncias que
o A que é credor do B, seja ele a cobrar ao C. A age em nome de B mas com interesse
próprio.
Representação ≠ Gestão de negócios
® Gestão de negócios: o gestor de negócios age em nome e interesse de outrem. A
diferença é que na representação há uma prévia atribuição de poderes de
representação, enquanto que na gestão de negócios não, não há fundamento jurídico.
Þ Modalidades:
® Legal: quando o fundamento para os poderes de representação se encontram na lei o
Ex.: representação do menor pelos pais ou tutor
® Voluntária: quando o fundamento para os poderes de representação se encontram no
negócio jurídico
Representante ≠ Núncio
® Núncio: age também em nome de outrem e tem, de alguma forma, poderes de
representação. A diferença reside no grau de autonomia. O representante tem
autonomia para agir em nome do representado, o núncio limita-se a reproduzir a
vontade. o Ex.: casamento por procuração. A vai casa com B. A não pode estar
presente no dia do casamento, constituindo C o seu núncio. C tem de reproduzir a
vontade de A, não podendo exigir coisas contrárias à vontade de C. o representante
teria poderes de decisão.
® Relevância desta distinção: associada aos vícios (de vontade) do negócio.
® Quando há representação: temos de aferir a falta de vontade ou de vícios da vontade
nas pessoas do representante a não ser que o aspeto em causa tenha sido
verdadeiramente determinado pelo representado.

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® Quando há núncio: olha-se à pessoa de quem o núncio transmite a vontade, o
declarante para aferir a existência (ou não) de falta de vontade ou de vícios de
vontade.
Þ Efeitos:
® Legitimação: quando há concessão de poderes de representação (quer por lei, quer
por negócio jurídico), no fundo confere-se legitimidade ao representante para agir
em nome e no interesse do representado. É um legitimidade indireta pois o titular do
direito é o representado mas através da concessão de poderes de representação,
confere-se legitimidade ao representante para praticar certo ato. Havendo
legitimidade evita-se uma patologia.
® Imputação direta dos efeitos do ato ao representado. Ex.: A constitui B seu
representante para a compra de uma casa. B, consoante aquilo que A disse querer,
celebra a compra e venda da casa. Os efeitos da compra e venda (efeito real de
transmissão de propriedade do vendedor ao comprador, efeito obrigacional de
constituição da obrigação de pagar o preço e de receber a propriedade) vão-se
produzir diretamente na esfera jurídica do A.

Regime dos vícios e da falta de vontade (art. 259º/1): a pessoa a ter em conta para saber se
há falta de vontade ou para saber se há um vício na vontade, é a pessoa do representante a
não ser que tenha sido a pessoa do representado a determinar o aspeto concreto do negócio.
Boa-fé (art. 259º/2): está em causa saber se houve boa-fé do representante e não do
representado.
Þ Contrato consigo mesmo:
A lei estabelece a proibição deste regime. Este tipo de contratos existe sempre que uma
pessoa (A) age de um lado como representante do representado (B) e do outro lado essa
mesma pessoa age em nome próprio (A) ou em representação de outro (C). Nesta situação
não é possível afirmar que, indubitavelmente, o A tutelou os interesses dos dois lados
corretamente, na medida em que há um conflito de interesses (lei da procura e da oferta). A
pode não ter acautelado verdadeiramente os interesses do(s) representado(s).
® Regra: anulabilidade do negócio. Confere-se ao representado o direito de anulação,
o negócio produz efeitos que podem ser (ou não) anulados pelo representado no prazo
de um ano a contar do conhecimento da existência do negócio consigo mesmo.

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® Exceções em que a lei não considera este tipo de negócio anulável: Consentimento
do representado: se o próprio representado diz ao representado que pode haver um
negócio consigo mesmo, não há razão para lhe conferir o direito de anulação o
Natureza do negócio: temos de ver se é um negócio se tem por base um conflito de
interesses entre as partes, ou seja, as partes têm interesses antagónicos ou não. Se não
existe conflito de interesses deixa de haver justificação para considerar o negócio
anulável. Ex.: A é caixa no Continente. A faz compras no Continente. A, para ser
mais rápido, passa as próprias compras na sua caixa. A vendedor e A comprador, é
um negócio consigo mesmo. Aqui o negócio é válido porque os preços estão
tabelados, não sendo possiveis de alterar, não há qualquer tipo de conflito.

® Representação Voluntária
Pode haver em todas as matérias? Não, na verdade a maior parte das matérias pode ser
alvo de representação voluntária, isto não acontece nos atos iminentemente pesoais. Não
posso constituir um representante para fazer um testamento por mim, apenas um núncio; não
posso também constituir um representante para casar.
Þ Fontes dos poderes de representação:
Negócio jurídico acompanhado de poderes de representação. Exemplo do mandato com
representação, em que se atribui ao mandatário poderes de representação o Negócio jurídico
com representação inerente. Quando fazemos compras no Continente. Nós celebramos o
contrato com a caixa que tem a concessão de poderes de representação para a celebração de
um contrato c/v dos bens do Continente. O trabalhador tem, no seu contrato, essa concessão
de poderes o Procuração: negócio jurídico unilateral, o representado unilateralmente concede
o poder de representação. O representado decide se quer passar uma procuração, bem como
o conteúdo que a mesma vai ter. Liberdade de estipulação.
Natureza: questão bastante discutida entre jurisprudência e doutrina
Negócio unilateral não recipiendo? Vem-se dizer que o negócio unilateral “procuração”
produz efeitos com a sua própria emissão, há atribuição automática de poderes ao
representante, independentemente de este os conhecer ou não.
Negócio unilateral recipiendo?A eficácia do negócio está dependente de dar a conhecer a
procuração a outrém. Só aquando do conhecimenro é que se dará a produção de efeitos. A
constituição dos poderes de representação depende do conhecimento. Mas conhecimento por

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quem? A quem é que se deve dar a conhecer a procuração para que a mesma produza
efeitos?O representante? Os terceiros que podem vir a negociar com o representante?
Quem pode ser o procurador? A lei exige que, para que alguém possa ser representante,
tenha capacidade natural. Ora o representante pode, assim, praticar atos que não poderia por
si só pessoal e livremente praticar se fosse em nome próprio. o Ex.: A tem 16 anos de idade.
A não pode comprar um imóvel. Se B constitui o A seu representante, A pode comprar o
imóvel em nome e no interesse do B. Notar que para se ser representado é preciso ter
capacidade de exercício.
Þ Forma
A forma da procuração é a forma exigida para o negócio que o representante deverá
praticar. Ex.: c/v de um automóvel. Liberdade de forma quer para o negócio, quer para a
procuração.
® Extinção dos poderes de representação:
1. Renúncia do procurador: procurador diz que “não quer” e pode renunciar a qualquer
tempo. Pode dar-se o caso de provocar danos e aí dar azo a responzabilidade.
2. Cessação da relação jurídica que lhe serve de base ▪ Ex.: trabalhador na caixa do
Continente. Se deixar de ser empregado do Continente, evidentemente que cessam os
poderes de reprsentação.
3. Revogação pelo representado: o representado decide que não quer mais ter um
procurador. A revogação é livre exceto se os poderes de representação também tiverem
sido concedidos no interesse do representante. Neste caso, só pode haver revogação se
houver justa causa para tal.
4. Tutela de terceiros em caso de extinção dos poderes de representação (art. 266º):
quando se extinguem os poderes de representação tem de se tutelar os terceiros que
podem desconhecer dessa mesma extinção (representação sem poderes), acreditando
que eles existem. Causa:
A. Revogação: a tutela do terceiro vai depender se o representado divulgou de
forma idónia a revogação da representação ou não. É publicitada de acordo com
a lei quando os poderes são concedidos para celebrar o negócio com uma
determinada pessoa, a publicitação da revogação, faz-se comunicando a essa
mesma pessoa a revogação dos poderes de representação. Quando a concessão
de poderes não é feita para a celebração de um negócio com uma pessoa
determinada, destinatário indeterminado. Aqui a lei impõe que haja publicidade
de modo adequado. Tem-se entendido que o modo adequado será a publicação

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da revogação num jornal (jornal da região que está em causa ou então no jornal
nacional que seja mais lido naquela localidade). Art. 258º CPC. Quando não
publicitada de acordo com a lei a regra: é a inoponibilidade da representação ao
terceiro, o terceiro de boa fé é tutelado. A exceção é a oponibilidade da
revogação ao terceiro desde que se consiga demontrar que o terceiro conhecia a
revogação, ou seja, se o terceiro não estivesse de boa-fé.
B. Demais factos extintivos (renúncia/ cessação): temos de aferir se o terceiro
estava de boa fé ou não. Boa-fé aqui no sentido ético, note-se:
Conhecimento desse facto (extinção dos poderes) pelo terceiro aquando da
celebração do negócio: oponibilidade, o terceiro não é tutelado.
Desconhecimento culposo desse facto (extinção dos poderes) pelo terceiro
aquando da celebração do negócio: oponibilidade, o terceiro não é tutelado
Desconhecimento não culposo desse facto (extinção dos poderes) pelo terceiro
aquando da celebração do negócio: inoponibilidade, o terceiro é tutelado.

Representação sem poderes (art. 268º) o Âmbito: existem em apenas duas situações ▪ Falta
de poderes: existe numa de duas situações:

® Perda de poderes: alguém se intitula representante de outrem uma vez já ter sido, mas
já não o ser. Aqui entra o regime de tutela de terceiros previsto no artigo 266º, na medida
em que vamos ter por um lado uma extinção de poderes (revogação ou outra causa) e,
simultaneamente, dessa extinção de poderes, resulta uma falta de poderes. o Ex.: A
constitui B seu representante. Entretanto os poderes de representação de B extinguem-
se. Depois desta extinção, se B praticar atos como representante de B, temos
representação sem poderes. o Imagine-se que B celebra um negócio com C em
representação de A. Aqui os problemas: Qual o valor do negócio jurídico entre B e C?
Este negócio vincula A? Poderá A invocar a falta de poderes relativamente a C? a
ineficácia do ato é oponível ao terceiro de boa-fé? Vai ser C tutelado? (art. 266º) O
regime da tutela de terceiros (art. 268º + 266º) vai permitir saber até que ponto o pretenso
representado o (A) pode invocar perante o terceiro de boa-fé (o C) a falta de poderes:
A. Se a revogação dos poderes de representação realizada pelo pretenso representado
(o A), não tiver sido comunicada por meio idóneo, estão essa revogação não é
oponível. Consequentemente não temos como fundamentar a falta de poderes,
nem a ineficácia do ato. Quando não puder invocar a falta de poderes perante o

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regime de tutela da boa-fé: apesar do ato ser ineficaz, como essa ineficácia não é
oponível ao terceiro, tudo se vai passar como se o ato fosse eficaz.
B. Se estivermos perante o desconhecimento não culposo da extinção de poderes,
continua a haver falta de poderes, representação sem poderes e ineficácia do ato.
Porém o pretenso representado não pode opor nada disto ao terceiro de boa fé.
C. Nunca foram concedidos poderes: alguém se intitula representante de outrem
sem nunca o ter sido.
Excesso de representação: alguém é, efetivamente, representante de outrem, mas pratica
atos que extravasam os poderes de representação que lhe foram concedidos.
Desvalor: ineficácia do ato. O negócio é ineficaz relativamente ao pretenso representado
(no exemplo, o A). A ineficácia permite ao pretenso representado ratificar o ato, curando a
sua patologia.
® Ineficácia é tida como a situação que melhor protege os interesses do pretenso
representado.
® Ineficácia vs. Anulabilidade: se fosse anulabilidade, o pretenso representado tinha de
agir para se defender, requerer a anulação do ato.
• Ex.: B, fazendo-se passar por representante de A, vendeu o imóvel de A a C. A não tem de
fazer nada porque este negócio não vai afetar a sua esfera jurídica, continuando proprietário
do imóvel.
® Ineficácia vs. Nulidade: a ineficácia faz com que o ato não produza efeitos mas
oferece, simultaneamente, a possibilidade de ratificação (declaração através da qual
se vem suprir a ineficácia do negócio) e permitindo que o negócio (celebrado entre
B e C) produza os seus efeitos na esfera jurídica do pretenso representado (o A). A
nulidade não abre portas à ratificação.A possibilidade de ratificação pode ser onerosa
para o terceiro. A Lei permite ao terceiro de Boa-fé estabelecer um prazo ao pretenso
representado para ratificar o ato. O direito potestativo de ratificação do pretenso
representado pode ser limitado temporalmente pelo terceiro de boa-fé. o B, fazendo-
se passar por representante de A, vendeu o imóvel de A a C. Há um direito
potestativo. Entretanto C toma conhecimento desta situação, tendo consciência que
pode haver ratificação do negócio. A Lei permite ao terceiro de Boa-fé (C)
estabelecer um prazo ao pretenso representado (A) para ratificar o ato.
Þ Abuso de representação (art. 269º)
Formalmente, o ato praticado, está enquadrado nos poderes que foram concedidos ao
representante.

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Desadequação material: a nível material, o representante, viola o fundamento subjacente
àqueles seus poderes que formalmente lhe foram atribuídos.
Ex.: A constitui por procuração (formalmente) B como seu representante para vender o
seu imóvel X e, em conversa, diz que não o quer vender por um preço inferior a 300.00€. B
vende o imóvel por 250.00€. B violou as regras subjacentes aos poderes que lhe foram
concedidos- desadequação material.
Consequência
® Regra: eficácia do ato. Tutela do terceiro. É normal que o terceiro, mesmo cumprindo
os deveres de diligência, não conheça da situação. Quando o terceiro não sabia, nem
devia saber o ato vai vincular o representado.
® Exceção: ineficácia do ato. Quando o terceiro não conhecia, mas devia conhecer/
conhecia o abuso de representação. Situação mais excecional.

Apontamentos escritos com base no manual Tratado


de Direito Civil, Vol II, do Professor António
Menezes Cordeiro e anotações de sebentas de outros
alunos.

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