Você está na página 1de 19

AULA 1

CONTRATOS EMPRESARIAIS

Prof. Daniel Fernando Pastre


INTRODUÇÃO

Nesta aula abordaremos os contratos empresariais que tem por objetivo


preliminar esclarecer sobre a natureza jurídica, as características, os requisitos e
os princípios que regem a dinâmica dos contratos em geral; ainda, depois de
avaliados pontos iniciais, destacar os contratos empresariais, estudando o seu
regime jurídico de forma particular.

TEMA 1 – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS: CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E


FORMAÇÃO DOS CONTRATOS EM GERAL

O presente subcapítulo tem como fundamento esclarecer sobre a teoria


geral dos contratos, seus conceitos e elementos principais, tendo em vista que
essa base será empregada ao longo de todas as aulas subsequentes.
O contrato, em linhas gerais, é uma espécie de negócio jurídico
caracterizado pela manifestação de vontades das partes, visando a obtenção de
um fim específico, como a transferência de bens, existindo notadamente uma
função econômica relacionada a ele. Os contratos, especialmente no âmbito da
empresariedade, servem à circulação de riqueza, para a regulamentação de
direitos e obrigações entre as partes, para o estabelecimento de riscos,
prestações e contraprestações, para dirimir controvérsias, garantir o acesso ao
crédito, constituir garantias e outros – todos pontos fundamentais ao
desenvolvimento da atividade empresarial.
Para Maria Helena Diniz, os negócios jurídicos podem ser classificados
quanto às vantagens que produz, entre gratuitos, onerosos, bifrontes e neutros;
quanto à formalidade, em solenes e não solenes; quanto ao conteúdo, em
patrimoniais e extrapatrimoniais; quanto à manifestação da vontade, em
unilaterais, bilaterais e plurilaterais; quanto ao tempo em que produzem seus
efeitos, em inter vivos ou causa mortis; quanto aos efeitos, em constitutivos ou
declarativos; quanto à existência, em principais ou acessórios; quanto ao exercício
de direitos, em de disposição e de simples administração.
Os negócios gratuitos são aqueles em que inexiste qualquer
contraprestação, diferenciando-se dos onerosos, porque nestes, os sujeitos,
reciprocamente, obtêm vantagens para si ou para terceiros, podendo existir
vantagens equivalentes (comutativos) ou desiguais (aleatórios). Os negócios
bifrontes podem ser gratuitos ou onerosos, a depender da vontade das partes, e

2
os neutros são aqueles onde está ausente a conotação patrimonial. Para a
formalidade, os negócios serão solenes quando exigirem forma específica
prevista em lei e não solenes quando não. Quanto ao conteúdo, poderão ser
patrimoniais, relacionados a questão suscetíveis de avaliação econômica, ou
extrapatrimoniais, quando vinculados a direitos personalíssimos ou direito de
família. A manifestação de vontade pode ser unilateral, bilateral ou plurilateral, a
depender do número de pessoas envolvidas e da manifestação de vontade de
cada um (o contrato, por excelência, é bilateral ou plurilateral). Os negócios
acarretam consequência durante a vida dos interessados, são inter vivos, ou após,
causa mortis. Podem, ainda, gerar efeitos constitutivos, oportunidade em que sua
eficácia opera-se com a conclusão, ou declarativos, que só se efetiva no momento
em que se operou o fato vinculado à declaração de vontade. Os negócios, na
sequência, podem ser principais, quando existirem por si só ou quando
independente de outros, ou acessórios, como subordinam-se aos principais. Por
fim, os negócios de disposição implicam o exercício de amplos poderes sobre o
bem, e os de administração, apenas o exercício de direitos restritos, sem alteração
da substância da coisa administrada (Diniz, 2012).
A validade de qualquer negócio jurídico e, portanto, de qualquer contrato,
depende da conjugação de três elementos principais, previstos no art. 104 do
Código Civil, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível e determinado (ou
determinável) e forma prescrita ou não defesa em lei. Quanto à capacidade, diz o
art. 3º e 4º do Código Civil, que são absolutamente incapazes para os atos da vida
civil os menores de 16 (dezesseis) anos e que, relativamente incapazes os
maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito), os ébrios habituais e
aqueles que possuam vícios em tóxicos, os pródigos e aqueles que, em geral, por
causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade. Portanto,
como regra geral, os contratos dependem da maioridade e da possibilidade de
externar, sem vícios, a sua vontade. O contrato, além da capacidade das partes,
deve envolver objeto lícito, possível e determinado ou determinável. De início,
importante dizer que a licitude do objeto significa que as partes não poderão
promover negociais ilegais, como a compra e venda de drogas ilícitas, por
exemplo. O objeto também deve ser possível, concretizável por uma das partes,
e determinado, específico, ou determinável ao longo da relação contratual, como,
por exemplo, em relação ao preço, pode-se desde logo arbitrá-lo (determinado)
ou deixá-lo ao arbítrio de terceiro (determinável), o que não é lícito é lançar mão
de objetos indetermináveis, tendo em vista que isso acarretará a impossibilidade
3
de cumprimento da obrigação. Quanto à forma, devem ser observadas as
solenidades prescritas na legislação, como a escritura pública, como antes
estudados. Além disso, a forma não pode ser proibida pela legislação atual,
considerando a regra de que, nas relações privadas, os particulares podem fazer
tudo aquilo que a legislação não proibir.
Os contratos em geral, além dos elementos obrigatórios, podem estar
vinculados a elementos acidentais, cuja presencia não é obrigatória, mas por
vezes é importante para o estabelecimento dos direitos e obrigações. Os
elementos acidentais são a condição, o termo e o encargo. A condição é a
cláusula que subordina a eficácia de determinado negócio jurídico a um evento,
que deve ser futuro e incerto, nas diretrizes do art. 121 do Código Civil, podendo
ser suspensiva ou resolutiva. O termo, por sua vez, estabelece a data em que se
inicia ou se extingue, vinculando também a eficácia do negócio, sendo os mais
comuns o termo inicial e termo final. A contagem dos prazos, como regra, nas
relações civis e empresariais é feita com a exclusão do dia do começo e inclusão
do dia de vencimento, como previsto no art. 132 do Código Civil. Por fim, o
encargo não prejudica o exercício do direito vinculado ao negócio, exceto se
contiver condição suspensiva expressa, estando relacionado à imposição de um
ônus a parte contratante.
Os negócios jurídicos, uma vez realizados, devem ser interpretados
consoante à boa-fé e aos usos e costumes do lugar onde celebrados, atendendo-
se mais à intenção das partes do que a sua tradução contratual, como lançado
nos arts. 112 e 113 do Código Civil. A partir da Lei n. 13.874/2019, foram incluídos
no referido Código a forma de interpretação, o que veio a auxiliar o trabalho do
intérprete. Agora, a interpretação do negócio deve atribuir um sentido a ele, que
pode ser auferido por meio da avaliação do comportamento das partes no
momento posterior ao negócio, os usos e costumes, ou ainda as práticas de
mercados relativamente aceitas para a espécie de negócio realizado; ainda, ao
conceito de boa-fé, que será trabalhado em seguida, ou em casos de dúvidas, de
acordo com o sentido que mais beneficiar a parte que não redigiu o contrato; por
fim, conforme o que seria razoável esperar-se da negociação e a racionalidade
econômica das partes envolvidas, que são consideradas de acordo com as
informações que elas possuíam no momento da celebração. O parágrafo 2º do
art. 113, inserido na legislação de 2019, também possibilitou que as próprias
partes pudessem livremente pactuar as regras para a interpretação dos seus

4
negócios, para o suprimento de lacunas, que podem ou não ser as mesmas
previstas na legislação ordinária, o que privilegia os seus interesses.
Desse modo, vistos o conceito, classificação e o regramento geral para a
formação dos contratos, espécies de negócios jurídicos, além das modalidades e
forma de interpretação da vontade das suas partes plasmada, o caso é de avançar
nos estudos, avaliando os defeitos dos seus negócios e a forma de extinção.

TEMA 2 – TEORIA GERAL DOS CONTRATOS: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS


JURÍDICOS E EXTINÇÃO DO VÍNCULO CONTRATUAL

Os negócios jurídicos podem apresentar defeitos que acarretam a anulação


ou a sua nulidade, conforme art. 138 e seguintes do Código Civil. A principal
diferença está na possibilidade de convalidação do ato e nos efeitos da sua
declaração. O negócio jurídico anulável pode ser confirmado pelas partes,
notadamente pela correção ou supressão de eventuais defeitos, sendo que, uma
vez anulado, seus efeitos não afetam os atos anteriormente concluídos (os efeitos
são, portanto, ex nunc). Os negócios nulos, por outro viés, são insuscetíveis de
confirmação pelas partes e não serão considerados concluídos sequer pelo
decurso de prazo; ainda, a decretação da nulidade do negócio jurídico opera
efeitos retroativos, atingindo os atos pretéritos praticados (os efeitos são, em
regra, ex tunc).
As principais causas de anulação são a incapacidade relativa da parte
envolvida, consoante vimos no item preliminar, além de vícios resultantes de erro,
dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O erro, para gerar
a anulação, deve ser substancial, conectado à natureza do negócio, ao objeto
principal ou suas qualidades essenciais, ou ainda às qualidades das pessoas
envolvidas, influenciando de forma negativa a parte contratante. O dolo está
vinculado a uma conduta contrária à boa-fé, que pode ser caracterizada inclusive
quando uma das partes silencia de forma intencional sobre fatos, qualidades dos
bens ou das partes, agindo de forma omissiva para possibilitar a conclusão do
negócio. Mesmo com dolo, se o negócio seria realizado de qualquer forma, a parte
que assim agiu pagará perdas e danos, sem que isso implique a possibilidade de
sua anulação, considerando que seria realizado de qualquer modo. A coação
caracterizada pelo temor de dano iminente e considerável a uma das partes, seus
familiares ou seus bens; ou seja, a ameaça deverá, logicamente, ser real a tal

5
ponto que efetivamente força uma das partes a aderir ao negócio quando
sopesando os bens jurídicos envolvidos.
O estado de perigo configura-se quando, visando proteger a si mesmo ou
alguém de sua família de grave dano conhecido pela parte contrária, assume uma
prestação excessivamente onerosa, ferindo, de todo modo, a comutatividade
contratual. Um das partes, portanto, aproveita-se da outra, impondo-lhe de
maneira inescusável uma prestação incompatível com a contraprestação. A lesão
ocorre quando uma pessoa, por necessidade ou inexperiência, se obriga a uma
prestação desproporcional à contraprestação, podendo ser convalidado em caso
de adequação dos valores ou do proveito econômico, compatibilizando-o ao real
valor do negócio. Por fim, a fraude contra credores é evidenciada pela transmissão
gratuita de bens ou pela remissão de dívida quando o devedor já está em estado
de insolvência, ou seja, reduzido a tanto em razão do negócio, lesando credores
quirografários, que são aqueles sem qualquer espécie de garantia ou privilégio.
Isso traduz-se pelo agir malicioso, de má-fé, quando uma parte utiliza de negócios
jurídicos para desviar parcela ou a totalidade de seu patrimônio para que
eventuais credores não possam alcançá-lo, o que pode ser objeto de ação
anulatória (no caso, a ação chamada de pauliana). O Superior Tribunal de Justiça
esclarece os requisitos legais para o reconhecimento judicial da fraude, assim
como o privilégio que se dá ao terceiro de boa-fé, nos seguintes termos:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.


AÇÃO PAULIANA. SUCESSIVAS ALIENAÇÕES DE IMÓVEIS QUE
PERTENCIAM AOS DEVEDORES. ANULAÇÃO DE COMPRA DE
IMÓVEL POR TERCEIROS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.
LIMITAÇÃO DA PROCEDÊNCIA AOS QUE AGIRAM DE MÁ-FÉ, QUE
DEVERÃO INDENIZAR O CREDOR PELA QUANTIA EQUIVALENTE
AO FRAUDULENTO DESFALQUE DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR.
PEDIDO QUE ENTENDE-SE IMPLÍCITO NO PLEITO EXORDIAL. 1. A
ação pauliana cabe ser ajuizada pelo credor lesado (eventus damni) por
alienação fraudulenta, remissão de dívida ou pagamento de dívida não
vencida a credor quirografário, em face do devedor insolvente e terceiros
adquirentes ou beneficiados, com o objetivo de que seja reconhecida a
ineficácia (relativa) do ato jurídico — nos limites do débito do devedor
para com o autor -, incumbindo ao requerente demonstrar que seu
crédito antecede ao ato fraudulento, que o devedor estava ou, por
decorrência do ato, veio a ficar em estado de insolvência e, cuidando-se
de ato oneroso — se não se tratar de hipótese em que a própria lei
dispõe haver presunção de fraude -, a ciência da fraude (scientia fraudis)
por parte do adquirente, beneficiado, sub-adquirentes ou sub-
beneficiados. 2. O acórdão reconhece que há terceiros de boa-fé,
todavia, consigna que, reconhecida a fraude contra credores, aos
terceiros de boa-fé, ainda que se trate de aquisição onerosa, incumbe
buscar indenização por perdas e danos em ação própria. Com efeito, a
solução adotada pelo Tribunal de origem contraria o art. 109 do Código
Civil de 1916 — correspondente ao art. 161 do Código Civil de 2002 —
e também afronta a inteligência do art. 158 do mesmo Diploma — que
tem redação similar à do art. 182 do Código Civil de 2002 -, que dispunha

6
que, anulado o ato, restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes
dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas
com o equivalente. 3. “Quanto ao direito material, a lei não tem
dispositivo expresso sobre os efeitos do reconhecimento da fraude,
quando a ineficácia dela decorrente não pode atingir um resultado útil,
por encontrar-se o bem em poder de terceiro de boa-fé. Cumpre, então,
dar aplicação analógica ao art. 158 do Código Civil [similar ao art. 182
do Código Civil de 2002], que prevê, para os casos de nulidade, não
sendo possível a restituição das partes ao estado em que se achavam
antes do ato, a indenização com o equivalente. Inalcançável o bem em
mãos de terceiro de boa-fé, cabe ao alienante, que adquiriu de má fé,
indenizar o credor… (Brasil, 2013)

Os negócios jurídicos nulos, em sentido contrário, que geram efeitos mais


graves para as partes envolvidas, são decorrentes da celebração em
desconformidade com os requisitos essenciais do contrato, como, por exemplo,
por agente absolutamente incapaz, quando ilícito, impossível ou indeterminável o
objeto do contrato, quando o motivo determinante para a realização do negócio
para ambas as partes é ilícito ou em caso de simulação, se descumpridas as
solenidades essências para sua validade, ou ainda quando o objetivo for fraudar
a legislação ou a lei, de forma taxativa, estabelecer a nulidade como sanção ou
proibir sua prática, mesmo que sem sanção específica.
Na sequência, vistas as causas de anulação ou nulidade, o estudo deve
direcionar-se para a avaliação dos mecanismos gerais para a extinção dos
negócios jurídicos. Para o saudoso professor Caio Mário Pereira da Silva, “como
todo negócio jurídico, o contrato cumpre seus ciclo existencial. Nasce do
consentimento, sofre as vicissitudes de sua carreira e termina. Normalmente,
cessa com a prestação. A solutio é o seu fim natural, com a liberação do devedor
e a satisfação do credor” (Pereira, 2017, p. 56).
Em linhas gerais, extinguem-se aqueles de variadas formas, sendo a mais
comum a de simples cumprimento das obrigações envolvidas; ainda, podem as
partes, por mera vontade, extinguir o contrato mediante distrato, que seguirá a
mesma forma exigida pelos contratos. A mera vontade de uma ou de ambas as
partes extingue o contrato por resilição; se bilateral, a resilição dá-se por distrato,
como visto; se unilateral, quando permitido pela legislação ou pelo contrato,
opera-se com a notificação da parte contrária. A resolução do negócio é
caracterizada em razão do inadimplemento da obrigação nele vinculada. A parte
inocente poderá pleitear o cumprimento do contrato, a sua execução, ou a sua
extinção, incluídas eventuais perdas e danos, por ação de resolução. A cláusula
resolutiva pode ser expressa, operando efeitos imediatos, independente de

7
notificação ou aviso, ou ainda pode ser tácita, oportunidade em que é
imprescindível dar-se ciência à parte contrária.
A jurisprudência, reconhecendo em parte a regra da exceção de contrato
não cumprido, prevista no art. 476 do Código Civil e que estabelece a
impossibilidade de uma parte exigir o cumprimento do negócio sem antes de
cumprido a sua própria prestação, assim como, dentro da função econômica do
contrato, a importância da sua manutenção, adota a teoria do adimplemento
substancial como hipótese negativa para a resolução do elo contratual. Por essa
teoria, “o adimplemento substancial constitui um adimplemento tão próximo ao
resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de
resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento
(Brasil, 2017). É o caso, por exemplo, de uma parte deixar de pagar apenas uma
das dezenas de parcelas de um contrato.
Há também a possibilidade de rescisão do contrato. O Código Civil lança
mão da rescisão em casos específicos, como de vícios redibitórios ou evicção,
inexistindo, mesmo na doutrina, um conceito único sobre essa modalidade de
extinção dos negócios jurídicos. Para esclareceres, os vícios redibitórios são
aqueles defeitos ocultos da coisa que a tornem impróprio par ao uso ou
destinação, ou ainda que lhe diminuam o valor, nos termos do art. 441 do Código
Civil. Não requerendo o abatimento proporcional do preço, o adquirente lesado
poderá pleitear a rescisão do contrato em razão do referido vício. O mesmo ocorre
com a evicção, descrita como a perda do bem alienado de um bem em razão de
ato de autoridade, como em leilão ou hasta pública; aqui, o art. 455 do Código
Civil expressamente menciona que se a evicção for parcial, o prejudicado pode
pleitear a rescisão do contrato e a restituição parcial do preço, dando a entender,
portanto, que os casos de rescisão são vinculados a fatores pretéritos cujas
consequências são lançadas no decorrer da relação contratual.
Na conclusão, resumindo o ponto, temos que o termo resilição é utilizado
para as modalidades de extinção dos negócios jurídicos pela vontade unilateral
ou bilateral das partes, que a resolução conecta-se ao descumprimento do
contrato, de pleno direito ou não, com ou sem indenização. Ainda, o vocábulo
rescisão muitas vezes é utilizado como sinônimo de uma ou outra forma de
extinção do negócio, servindo igualmente para os casos de vícios de nulidade ou
ainda para defeitos anteriores à formação dos contratos, como os vícios
redibitórios ou evicção. Passaremos, então, à avaliação dos princípios que regem
os contratos em geral.
8
TEMA 3 – OS PRINCÍPIOS DOS CONTRATOS EM GERAL

Os contratos, desde a sua origem, estavam lastreados em quatro princípios


fundamentais: a autonomia da vontade, o consensualismo, a força obrigatória e a
boa-fé. Além desses, as recentes alterações civis, especialmente a mudança do
próprio Código Civil, trouxeram princípios outros, como do equilíbrio contratual e
a função social do contrato.
Para Orlando Gomes, o princípio da autonomia da vontade está vinculado
à liberdade de contratar. Os indivíduos possuem o poder de autogerência de seus
interesses, de livremente discutir as condições contratuais que mais lhe
aprouverem, além de plasmar essa vontade em uma modalidade de contrato
adequado aos seus interesses. Assim, há uma tríplice divisão da autonomia da
vontade, relacionando-a com a liberdade de contratar propriamente dita (o que
dependerá da capacidade dos sujeitos envolvidos, por certo), a liberdade de
estipular a modalidade de contrato, a espécie mais adequado ao caso, e, por fim,
a liberdade de inserir no contrato as cláusulas e condições necessárias para a
concretização dessa vontade, para satisfação de seus interesses, de determinar,
então, o conteúdo do contrato (Gomes, 2009, p. 26).
O princípio do consensualismo atualmente está lançado no art. 107 do
Código Civil, que estabelece a validade da manifestação da vontade das partes
independente de uma forma especial, exceto em caso da legislação
expressamente exigir forma especial ou em caso de alienação de bens imóveis
com valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo, como previsto no
art. 108 do Código Civil. Isso significa que, em regra, a manifestação da vontade
basta para a perfectibilização do contrato. Uma vez manifestada a vontade, ela
tem força obrigatória, ela faz lei entre as partes. Isso significa que uma vez
estipuladas as cláusulas e condições, uma vez declarado e aceito o conteúdo do
contrato, os seus termos obrigam as partes como se fossem efetivamente uma lei,
cujo descumprimento importará em sanções, em execução contratual ou ainda
em extinção do vínculo (com ou sem sanções). A força obrigatória e, portanto, a
tese de que o contrato faz lei entre as partes é traduzida por uma expressão
comum o campo do direito, a pacta sunt servanda.
A força obrigatória dos contratos, por certo, não é absoluta, estando
vinculada aos princípios da boa-fé e da função social do contrato, que serão vistos
na sequência dos estudos. Além disso, os arts. 317, 478 e 479 do Código Civil
acabaram também por mitigar a regra geral, autorizando a intervenção judicial e
9
a revisão dos termos contratuais quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier
desproporção entre o valor da prestação que era devida e a efetivamente devida
no momento da execução do contrato (art. 317) ou, ainda, quando os efeitos do
contrato protelarem-se no tempo, quando a sua execução for continuada, e a
prestação de uma das partes acabar por se tornar excessivamente onerosa,
gerando vantagem desproporcional para a outra parte, o que está
necessariamente vinculado a eventos extraordinários e imprevisíveis (art. 478 e
479). O princípio do equilíbrio contratual, por sua vez, também se relaciona com
a pacta sunt servanda e com a relativização da força obrigatória, como acima
visto, considerando que o seu objetivo é manter o sinalagma, o vínculo de
reciprocidade entre as partes envolvidas, a relação de equilíbrio entre a prestação
e a contraprestação ajustada. A respeito das teorias, assim já se manifestou o
Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.


TEORIA DA IMPREVISÃO E TEORIA DA ONEROSIDADE
EXCESSIVA. HIPÓTESES DE CABIMENTO. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO
NO INSTRUMENTO CONTRATUAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Esta Corte
Superior sufragou o entendimento de que a intervenção do Poder
Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da
onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças
supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da
realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da
imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da
onerosidade excessiva). 2. Na hipótese vertente, o Tribunal a quo
ressaltou, explicitamente, que não pode ser reconhecida a imprevisão
na hipótese vertente, em virtude de o recorrente ter pleno conhecimento
do cenário da economia nacional, tendo, inclusive, subscrito diversos
aditivos contratuais após os momentos de crise financeira, razão pela
qual não seria possível propugnar pelo imprevisto desequilíbrio
econômico-financeiro… (Brasil, 2017)

E mais, em muitos contratos, especialmente de cunho empresarial, há um


risco inerente ao negócio que, devidamente avaliado pelas partes, não pode
acarretar a modificação do acordo; ou seja, a alocação de riscos deve ser
respeitada quando as partes sobre eles dispuserem contratualmente, consoante
por exemplo, os arts. 49-A, parágrafo único, e o art. 421-A, II, do Código Civil.
Isso, por certo, apenas nos casos em que inexista ocultação de riscos e onde seja
mantida a reciprocidade; ainda, apenas nos casos em que os riscos não fiquem
alocados apenas em relação a um dos polos do contrato. Nesse sentido,
novamente o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA


E APREENSÃO E DEPÓSITO. CONTRATOS AGRÍCOLAS. TEORIA
DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO

10
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, nos contratos
agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de forma que eventos como
seca, estiagem, pragas, ferrugem asiática, entre outros, não são
considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a
adoção da Teoria da Imprevisão. Precedentes. 2. A Segunda Seção
desta Corte consolidou o entendimento de que a devolução em dobro
dos valores pagos pelo consumidor somente é possível quando
demonstrada a má-fé do credor, o que não é o caso dos autos, conforme
preceituou o Tribunal a quo… (Brasil, 2020)

O princípio da boa-fé, lançado no art. 422 do Código Civil, estabelece um


dever a ser observado antes, durante e após a realização do contrato, assim como
durante a sua execução. Para Sérgio Cavalieri Filho, a boa-fé desdobra-se em
boa-fé subjetiva e objetiva. A subjetiva está relacionada à ausência de malícia e
uma suposição de estar agindo de forma correta antes, durante ou após a relação
contratual; por outro lado, a boa-fé objetiva se desvincular das intenções mais
íntimas do contratante, relacionando-se ao comportamento objetivo e se ele está
dentro de padrões éticos, de lealdade, honestidade ou cooperação. Liga-se,
portanto, a atuação da parte pensando no outro, respeitando seus interesses, as
suas expectativas, a fim de possibilitar o correto deslinde das obrigações lançadas
no contrato (Cavalieri, 2011, p. 39).
A função social do contrato, por fim, está conectada à liberdade contratual,
tendo em vista que esta será exercida nos limites da função social, como previsto
no art. 421 do Código Civil. Para Flávio Tartuce, a função social deve ser
interpretada a partir de determinados fatores internos ou externos; assim, o
contrato tem uma determinada finalidade vinculada ao meio que está inserido e,
se seus termos forem prejudiciais às partes, também o serão, ainda que de forma
indireta, para a sociedade como um todo, pois não atenderá à sua finalidade
social. Em sentido contrário, um contrato prejudicial à sociedade também o será
para os contratantes, tendo em vista que os elementos, a parte e a sociedade não
podem ser avaliados de forma isolada, mas sim simultaneamente (Tartuce, 2007,
p. 249). Dito de outro modo, a função social relaciona o contrato e os interesses
individuais envolvidos com os interesses das instituições que os cercam, com os
interesses gerais, coletivos ou sociais, o que inevitavelmente conduz à ideia de
que deve existir uma compatibilização entre os interesses particulares e os
interesses públicos (e, aqui, importante dizer que os interesses públicos não são
os interesses do Estado, mas sim os interesses comuns a todos os cidadãos).
Pelo exposto, todos os contratos são permeados por uma gama de
princípios que os circundam, lhes são conformidade ao sistema jurídico em que

11
inseridos; igualmente, no caso de contratos empresariais, outros princípios
poderão ser aplicados em conjunto ou separadamente com os acima vistos, como
estudaremos nos itens subsequentes.

TEMA 4 – A CARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO COMO EMPRESARIAL

Os empresários, ao longo do desenvolvimento de determinada atividade


empresarial, acabarão por formular diversas modalidades de contratos; contudo,
nem sempre os contratos estarão estritamente vinculados ao regime jurídico
empresarial. Para Fábio Ulhoa Coelho, ao menos cinco regimes jurídicos podem
ser destacados no direito brasileiro: o administrativo, do trabalho, do consumidor,
o civil e o comercial. Dito de maneira mais pormenorizada, se o empresário
contrata com o Poder Público, vencendo uma licitação, o contrato vincula-se ao
regime jurídico do direito administrativo. Por outro lado, acaso necessite de
empregados, firmará um contrato de trabalho, regido pela Convenção das Leis do
Trabalho (CLT). Uma vez que venda seus produtos ao mercado de consumo, o
empresário se relacionará com consumidores, atraindo a incidência das regras do
Código de Defesa do Consumidor (CDC). O regime empresarial decorre, como
regra, da entabulação de negócios entre empresários, sendo o civil, como
consequência, residual, aplicando-se a todas as relações contratuais não regidas
por legislação específica (Coelho, 2013, p. 462).
Os contratos empresariais, acaso não vinculados à legislação especial da
própria espécie contratual, utilizarão do Código Civil ou do Código de Defesa do
Consumidor, a depender da caracterização da vulnerabilidade de uma das partes
envolvidas (de um dos empresários), que o colocará em situação muito similar à
de um consumidor ordinário. O empresário, nos termos do art. 966 do Código Civil,
é o sujeito que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços”; ou seja, é a pessoa física ou
natural (empresário individual) ou a sociedade empresária (empresário coletivo)
que organiza os meios de produção (capital, insumos, mão de obra e tecnologia),
negociando no mercado em patamar de igualmente com outros empresários. O
empresário, portanto, por padrão, não é consumidor.
O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor caracteriza o consumidor
como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatário final”. Assim, independentemente de ser pessoa física ou
jurídica, consumidor é quem adquire ou utiliza produtos ou serviços como

12
destinatário final, diferenciando-se o consumidor do empresário pelo fato do último
adquirir e utilizar de bens de forma temporária, visando essencialmente o
desenvolvimento da atividade empresarial (o desenvolvimento da empresa,
portanto). Para Sérgio Cavalieri Filho, surgem duas importantes teorias, a
maximalista ou objetiva e a finalista ou subjetivista.
Na primeira, o empresário poderá ser caracterizado como consumidor
quando existir ato de consumo, a aquisição de bens ou serviços de forma final,
excluindo-os definitivamente do mercado sem reingresso na cadeia de produção
ou distribuição. E, na segunda, o critério é subjetivo, lastreado na vulnerabilidade
das partes envolvidas, significando que o empresário poderá ser consumidor
quando presente a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica perante o outro
contratante (Cavalieri Filho, 2011, p. 60-63).
Na prática, a jurisprudência nacional acabou por fixar uma tese
intermediária, chamada de teoria finalista mista, atenuada ou mitigada, em que é
possível a aplicação do regime consumerista ao contrato empresarial, desde que
a aquisição do bem ou do serviço seja feita como destinatário final e que existe
na situação concreta vulnerabilidade de uma das partes. A essa respeito, recente
julgamento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.AÇÃO


DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE INSTRUMENTO PARTICULAR.
AQUISIÇÃO DE INSUMOS AGRÍCOLAS. PRODUTOR RURAL.
INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
VULNERABILIDADE. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE
FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO EM SINTONIA
COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. SÚMULA 83 DESTA
CORTE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte Superior,
que possui firme o entendimento no sentido de que: “No contrato de
compra e venda de insumos agrícolas, o produtor rural não pode ser
considerado destinatário final, razão pela qual, nesses casos, não incide
o Código de Defesa do Consumidor.”.(AgInt nos EDcl no AREsp
1221549/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 11/11/2019, DJe 18/11/2019). 2. O Código de Defesa do
Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é
contratado para implementação de atividade econômica, já que não
estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria
finalista ou subjetiva). Contudo, tem admitido o abrandamento da regra
quando ficar demonstrada a condição de hipossuficiência técnica,
jurídica ou econômica da pessoa jurídica, autorizando,
excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC (teoria finalista
mitigada). Precedentes… (Brasil, 2020)

Para bem esclarecer, quando um empresário, como um produtor rural


devidamente inscrito na Justa Comercial, adquire insumos agrícolas, sementes,
fertilizantes ou outros visando fomentar a atividade empresarial, os bens
adquiridos têm o objetivo de aplicação naquela atividade, pelo que, logicamente,

13
não pode ser aquele tratado como destinatário final. Todavia, existindo
vulnerabilidade do produtor rural em relação ao empresário vendedor ou mesmo
em comparação à instituição financeira com quem emprestou os montantes
necessários, mitiga-se a regra geral e possibilita-se a aplicação das regras
específicas (e mais benéficas) previstas na legislação consumerista.
Assim sendo, quando um empresário estabelece um vínculo negocial com
outro, a resolução de eventuais pendências, a discussão do contrato ou sua
execução podem ir além do âmbito civil ou empresarial imaginado por eles no
momento da negociação, incluindo o microssistema consumerista. Nesses casos,
haverá uma gama de novos direitos materiais e processuais que devem inclusive
ser antecipados pelos empresários envolvidos, já que acarretam a imposição de
riscos e custos extraordinários.
A título de exemplo, no campo do direito material (o conteúdo do contrato,
por exemplo), a transmutação do contrato empresarial em contrato de consumo
implica a vedação (ou a decretação de nulidade) de determinadas práticas, como
a venda casada, a recusa ao atendimento (recusa de venda), a adequação de
produtos a determinadas normas, mudanças em relação ao termo contratual e as
possibilidades de indenização ou ressarcimento, ou ainda a devolução em dobro
em caso de cobranças indevidas, como previsto nos arts. 39 e 42 do Código de
Defesa do Consumidor. No âmbito do processo, o reconhecimento da relação de
consumo pode implicar a nulidade da cláusula de eleição de foro, já que o
empresário consumidor poderá ajuizar a ação em sua sede, na regra do art. 101,
I, do Código; ainda, no campo das provas, é possível a inversão do ônus
probatório, conforme art. 6º, VIII, do Código, o que implica em custos adicionais
aos envolvidos, como a necessidade de provas complexas, perícias e outras, que,
se não produzidas, poderão acarretar maiores dificuldades para comprovação da
sua tese processual; por fim, e talvez mais grave, o art. 28 do Código de Defesa
do Consumidor possibilita a desconsideração da personalidade jurídica pelo
simples inadimplemento de uma obrigação, pelo não pagamento, por exemplo, de
uma indenização.
A respeito da possibilidade de desconsideração, o caso merece um maior
detalhamento. No âmbito das relações civis e empresariais, o sócio de uma
sociedade personificada, como uma sociedade limitada, tem patrimônio diverso
do ente do qual faz parte; ou seja, pelas dívidas sociais responde a sociedade,
pessoa jurídica de direito privado, e pelas dívidas pessoais responde o sócio,
pessoa natural ou também pessoa jurídica. A dívida social não afeta o patrimônio
14
do sócio, exceto em caso de abuso da personalidade jurídica, como no caso de
utilização da sociedade para fins fraudulentos, o desvio de finalidade ou mesmo a
confusão patrimonial, como diz o art. 50 do Código Civil. Portanto, somente no
âmbito de um processo, com todas as cautelas e desde que provadas as
hipóteses legais, é que poderá o sócio ser chamado a arcar com ônus oriundos
da sociedade da qual faz parte, desconsiderando-se, temporariamente e para
certa obrigações, essa separação patrimonial. Porém, quando alterado o viés para
o caso consumerista, o simples inadimplemento contratual é suficiente para essa
desconsideração, já que a hipótese é de que, se a personalidade jurídica for
obstáculo, pode ser desconsiderada. Parece óbvio que os empresários, quando
da feitura de contratos, devem avaliar esse risco e as consequências para a
relação contratual que pretende entabular.
Forte na exposição, é possível dizer que os contatos empresariais seguem
as diretrizes gerais do Código Civil ou ainda a legislação especial a eles vinculada;
porém, a depender da caracterização da vulnerabilidade de um dos empresários,
podem ser atraídas regras específicas do Código de Defesa do Consumidor, que,
se por um lado propiciarão a melhor defesa do vulnerável em juízo, por outro terão
como consequência o aumento dos riscos do negócio jurídico ou mesmo sua
inviabilidade, como antes visto. Apesar disso, algumas recentes mudanças
legislativas, como a Lei n. 13.874/2019, buscaram mitigar esses riscos,
estabelecendo diretrizes gerais de interpretação, inclusive que os contratos,
quando envolvem empresários, presume-se realizado entre partes iguais e,
portanto, não vulneráveis, o que é alvo do tópico seguinte.

TEMA 5 – A FORMA DE INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

A caracterização do contrato como empresarial altera, ou deveria alterar, a


forma com que as partes e o Poder Judiciário, uma vez chamado a intervir,
interpretam as cláusulas e condições postos no negócio a ser avaliado, tendo em
vista uma preliminar situação de igualdade entre os contratantes e o fato, acima
de tudo, que, em tese, são profissionais (o empresário, como visto, é um sujeito,
pessoa natural ou jurídica, que, de forma profissional, desenvolve atividade
econômica). Isso significa que, no regime empresarial, a interpretação dos
contratos deve partir dessa premissa.
A Lei n. 13.874/2019 inovou, de maneira muito recente, a forma como os
juristas interpretam os negócios, considerando que estabeleceu expressamente

15
que, no âmbito civil e empresarial, presumem-se paritários e simétricos os
contratos entabulados, ressalvado eventuais regimes especiais ou a existência de
prova que afaste essa presunção, como lançado no novo art. 421-A, do Código
Civil. O mesmo artigo também autoriza que as partes negociantes estabeleçam
os parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas do contrato, assim
como as condições para a revisão ou extinção pelo inadimplemento da outra parte
(além das cláusulas legais, portanto); ainda, que definam a alocação de riscos,
que devem ser respeitados, além de limitar a possibilidade de revisão do pacto,
considerando que a mesma deve ocorrer apenas de maneira excepcional. A
própria liberdade contratual, que não é absoluta, como antes visto, continua com
um elo básico com a função social do contrato; porém, quando diante de relações
privadas, o novo parágrafo único do art. 421, do Código Civil, estabelece um
princípio de intervenção mínima e, novamente, a excepcionalidade da revisão do
negócio.
Para Paula Andréa Forgioni, a revogação formal do Código Comercial de
1850 pelo atual Código Civil não tem o condão de extirpar do sistema jurídico a
metodologia de interpretação própria do regime mercantil, já tão enraizada nas
entranhas do direito brasileiro e que podiam ser encontradas no art. 131 do Código
revogado, quais sejam: a boa-fé objetiva (e não a subjetiva); a força normativa dos
usos e costumes; a vontade objetiva e o desprezo pela intenção individual de cada
um dos contratantes; a necessidade de buscar-se o espírito do contrato, formado
pela vontade comum dos contratantes; a interpretação em favor do polo passivo
da relação e o respeito ao princípio da autonomia privada (Forgioni, 2009, p. 228).
O art. 131 assim dizia:

Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a


interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as
seguintes bases: 1 - a inteligência simples e adequada, que for mais
conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato,
deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;
2 - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e
que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subsequentes, que
estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas; 3 - o fato dos
contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto
principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no
ato da celebração do mesmo contrato; 4 - o uso e prática geralmente
observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente
o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a
qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras; 5 -
nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases
estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.

Para a mesma autora, a técnica lançada pelo art. 131 do Código Comercial
torna possível reconhecer que, nos contratos empresariais, a função econômica
16
do contrato assume uma importância fundamental, porque possibilita uma análise
do comportamento das partes, além de reconhecer as suas legítimas
expectativas. A racionalidade econômica do empresário deve ser levada em
consideração nas decisões judiciais, porque vinculada à boa-fé e na proteção da
legítima expectativa do empresário negociante; ainda, a proteção da eficiência das
decisões empresariais, considerando que a manutenção de um padrão mínimo de
segurança, previsibilidade e, enfim, da lógica empresarial, são essenciais para o
próprio desenvolvimento da atividade e para o benefício de todos, inclusive para
terceiros ou para a coletividade, que são afetados por essas decisões particulares
(Forgioni, 2009, p. 229).
Para Fábio Tokars, a única exceção a esse regime interpretativo, que, por
reconhecer a paridade dos envolvidos, privilegia a liberdade de contratar, a
autonomia da vontade e limita a revisão do pacto, está relacionada ao tratamento
diferenciado para os microempresários. E isso porque, nas suas relações
contratuais, estão de fato mais próximos da hipossuficiente e vulnerabilidade
típicas das relações consumeristas do que do profissionalismo inerente à
atividade empresarial (Tokars, 2007, p. 227).
Desse modo, podemos concluir que, apesar de inexistir uma legislação
especial, a revogação do Código Comercial não extirpou as diretrizes gerais,
tampouco excluiu do ordenamento o método de interpretação dos contratos
empresariais, disciplina importante no cotidiano empresarial.

17
REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo em Recurso


Especial 1712612/PR. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado
em 07/12/2020, DJe 10/12/2020. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15.
jan. 2021.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Agravo em Recurso


Especial 1233352/RS - 2018/0009295-3. Relator: Ministro Raul Araújo, Data de
Julgamento: 22/06/2020, T4 - Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 01/07/2020.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15. jan. 2021.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial


1316595/SP - 2012/0062578-7. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de
Julgamento: 07/03/2017, T4 - Quarta Turma, Data de Publicação: DJe 20/03/2017.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15. jan. 2021.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1100525/RS. Rel. Ministro


Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/04/2013, DJe 23/04/2013.
Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15. jan. 2021.

_____. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1636692/RJ -


2014/0316494-4. Relator: Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Data de
Julgamento: 12/12/2017, T3 - Terceira Turma, Data de Publicação: DJe
18/12/2017. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 15. jan. 2021.

CAVALIERI FILHO, S. Programa de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo:


Atlas, 2011.

COELHO, F. U. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 25. ed. São


Paulo: Saraiva, 2013.

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral do Direito Civil. 29.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GOMES, O. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil. vol. III, atual. atual. 21. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2017.

TARTUCE, F. Função social dos contratos: do Código de Defesa do


Consumidor ao Código Civil de 2002. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007.

18
TOKARS, F. Primeiros Estudos de Direito Empresarial: teoria geral, direito
societário, título de crédito, direito falimentar, contratos empresariais. São Paulo:
LTr, 2007.

19

Você também pode gostar