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Direito Comercial II

aulas práticas do prof. Paulo Abreu Santos


O Direito das Sociedades

Segundo o PROF. MENEZES CORDEIRO, o Direito das Sociedades é o ramo jurídico-positivo que regula as sociedades e as questões conexas às
mesmas, dando corpo à existência e ao funcionamento das sociedades. Vem regular o nascimento das sociedades comerciais (i.e., a sua
constituição e o financiamento do projeto empresarial), a vida (a competência dos órgãos, como é que gera lucro para os sócios) e a morte (a
extinção da pessoa coletiva). De forma resumida, e nas palavras da PROF. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, este é um direito técnico mas com
conteúdo material e valorativo, uma vez que:

 Ordena e legitima o funcionamento da sociedade e da sua realidade específica


 Disciplina as relações que se estabelecem entre os sócios, ocupando-se da gestão de conflitos entre múltiplos interesses em jogo: da
sociedade, dos sócios em geral e minoritários, dos credores e outros stakeholders (incluindo a comunidade em geral)
 Assegura eficácia “erga omnes” da atuação societária;
 Regula os bens sociais, assegura a administração e a representação.

Embora a autonomia deste ramo de direito seja hoje generalizadamente aceite, encontrando conceitos próprios, um regime sistemático vertido no
Código das Sociedades Comerciais e princípios jurídicos próprios (como, a título de exemplo, o princípio da intangibilidade do capital social),
esta não tem uma dogmática própria nem prescinde do regime civil geral. Neste sentido, o ARTIGO 2º estabelece o caráter subsidiário do direito
civil, quando não seja possível resolver a situação dentro do direito das sociedades (com recurso à analogia ou a princípios gerais).

A noção de sociedade não consta no Código das Sociedades Comerciais, sendo que este apenas nos diz – no ART.1º/2 – quando é que uma
sociedade é, efetivamente, comercial. Decorre do ARTIGO 980º CC (onde estão previstas as sociedades civis puras) a noção do contrato de
sociedade1, porém, este artigo não é absoluto, ou seja, se faltar um elemento não significa que não haja sociedade.

SOCIEDADES CIVIS (ART.980º E SS. CC) SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC)


SOCIEDADES CIVIS SOB FORMA COMERCIAL (i.e., que
SOCIEDADES CIVIS PURAS têm por objeto a prática de atos civis e não comerciais,
mas adotam um dos tipos do CSC, aplicando-se-lhes,
assim, este regime).

SOCIEDADES COMERCIAIS

Pode dizer-se que SOCIEDADE representa uma forma de congregação de pessoas e de capitais, sendo a entidade que, composta por um ou
mais sujeitos (sócios), tem um património autónomo para o exercício de atividade económica, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-
los aos sócios – ficando estes, todavia, sujeitos a perdas.

↳ Segundo o ARTIGO 1º nº2 do Código das Sociedades Comerciais, são sociedades comerciais:

1. Aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio – elemento material
2. Que adotem um de cinco tipos societários – elemento formal (este, em particular, é um elemento determinante, pois a entidade que adote
um tipo de sociedade comercial rege-se pelo Direito das Sociedades, mesmo quando, por objeto exclusivo, tenha a prática de atos não-
comerciais – ART.1º/4 CSC).

A sociedade encontra-se associada a ideias de cooperação e de organização privadas:

 Alguns autores acentuam a primeira vertente, falando, por exemplo, numa “associação de Direito privado para a prossecução de um
escopo comum”. Neste sentido, a sociedade corresponderia a uma atuação concertada de várias pessoas, com fitos económicos – é a ideia
do ARTIGO 980º CC.

 Outros centram-se na segunda vertente, entendendo que a sociedade equivale a uma organização de complexidade variável e que pode
ser usada para os mais diversos escopos, incluindo atuações não-económicas. Tal organização foi, todavia, pensada pelo Direito para dar
corpo à atuação concertada, própria da primeira vertente, o que significa que a cooperação e a organização acabam por ser as faces de
uma mesma moeda.

Uma Sociedade Comercial é, então, uma pessoa coletiva, sendo por isso um centro de imputação de situações jurídicas ativas e passivas, além de
ser ainda um instrumento para o desenvolvimento de um projeto empresarial.

Tipos de Sociedades Comerciais

Princípio da tipicidade
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Segundo o ART.980º CC, contrato de sociedade é “(…) aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens e
serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros
resultantes dessa atividade.”
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As sociedades que tenham por objeto a prática de atos de comércio devem, segundo o ARTIGO 1º/3, adotar um dos tipos previstos no Código
das Sociedades Comerciais, cada um tendo a sua regulamentação própria2:

◊ Sociedades em nome coletivo (Firma: E Companhia)


◊ Sociedade por quotas (Firma: LDA.)
◊ Sociedades anónimas (Firma: S.A.)
◊ Sociedade em comandita simples
◊ Sociedade em comandita por ações

A esta obrigatoriedade de adoção de um dos tipos previstos na lei, a doutrina costuma chamar princípio da tipicidade das sociedades
comerciais, o qual constitui uma restrição ao princípio da autonomia privada (que, ainda assim, é um princípio geral das sociedades), em
especial na sua vertente de liberdade contratual3.

↳ Com efeito, ao invés do estatuído no ARTIGO 405º/1 CC, as partes não têm a faculdade de celebrar contratos de sociedade comercial diferentes
dos previstos na lei – tal conduz a um numerus clausus das sociedades (i.e., não é possível esquemas societários não previstos na lei), à natureza
delimitativa de cada tipo (sendo que as regras de cada tipo não podem ser afastadas pela autonomia privada) e à limitação da analogia (o que
significa que não se pode recorrer à lei para constituir tipos diferentes dos previstos na mesma).

 Contudo, o ARTIGO 1º/3 CSC só restingue uma das facetas da autonomia privada (i.e., traduz uma restrição à liberdade de fixação do
conteúdo do contrato), podendo as partes decidir livremente se contratam – liberdade de contratar em sentido estrito –, assim como
podem escolher também livremente com quem contratam. Não obstante, apesar de restringida, a liberdade de fixação do conteúdo do
contrato de sociedade não é de todo em todo afastada pela lei: observando um tipo e respeitando as normas de caráter imperativo que o
regulam, as partes podem conformar livremente o conteúdo do contrato de sociedade.

o Por outras palavras, não podem existir nem ser constituídas outras sociedades além das que estão previstas no código, caso não
obedeça a este princípio, não se pode qualificar como tal ( ART.1º/2 CSC). Porém, este princípio não é absoluto nem completamente
fechado, pois aplicamos normas de outras sociedades, e também porque as partes/sócios podem modelar a própria sociedade.

O princípio da tipicidade impõe-se às sociedades cujo objeto consista apenas na prática de atos de comércio e também às sociedades que tenham
um objeto misto, isto é, que se dediquem tanto à prática de atos de comercio quanto à prática de atos não comerciais (embora só abranja as
sociedades que tenham por fonte um negócio jurídico) – é o que resulta, a contrario, do ARTIGO 1º/4 CSC4.

Razões que procuram justificar o princípio da tipicidade:

 Primeiramente, porque o legislador quis tutelar a segurança jurídica e, em especial os interesses de terceiros que contratam com a
sociedade. Isto é particularmente relevante nas sociedades em que os sócios não respondem pessoal e ilimitadamente pelas dívidas da
sociedade (i.e., chamadas de responsabilidade limitada, como são a sociedade por quotas e a sociedade anónima) – em tais sociedades, à
limitação para os sócios do risco inerente ao exercício de uma atividade económica corresponde, para os terceiros/credores, um aumento
do seu risco de incumprimento das obrigações da sociedade. Daí que o legislador só conceda aos sócios o benefício da limitação da
responsabilidade mediante a observância por estes de um tipo cujo regime esteja pré-fixado na lei.

 Por outro lado, também o interesse dos próprios sócios, uma vez que o afastamento da possibilidade de constituição de sociedades
atípicas importa, para estes, um acréscimo de segurança e de certeza na sua relação jurídica com a sociedade.

 Por fim, o interesse público, podendo falar-se de um benefício geral e difuso decorrente da consagração deste princípio, o qual torna a
intervenção das sociedades no tráfico jurídico muito mais estável e certa, visto que estas são instrumentos fundamentais da economia dos
nossos dias.

Elementos da Sociedade

A primeira coisa que distingue os tipos de sociedade é a firma (e.g., é sociedade anónima porque a firma é “Cervejas e Vinho, SA”); outro
elemento é o número de sócios e, por fim, a responsabilidade dos credores/terceiros e da sociedade. Se faltar um elemento não significa que não
haja sociedade.
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Ou seja, temos um conteúdo aparentemente típico de cada sociedade (i.e., o contrato, as transmissões, etc.), sendo que as sociedades anónimas têm um normativo
mais extenso, seguidas das sociedades por quotas e, por último, as sociedades em nome coletivo. Isto significa que podemos ter um problema que pode ser
resolvido segundo as normas de outro tipo de sociedade, embora numa primeira instância se procure a solução na parte especial e, só se não for possível,
recorremos às restantes.
3
Em especial, mas não só – desde logo porque, como veremos, as sociedades abrangidas pelo princípio da tipicidade podem ter por fonte um negócio jurídico
unilateral e não um contrato.
4
O artigo 1º/4 CSC admite a constituição de sociedades civis sob a forma comercial, isto é, de sociedades cujo objeto é “exclusivamente” civil, mas que adotaram
uma das formas previstas no Código para as sociedades comerciais. Porém, a liberdade de adotar uma forma comercial – e, também, a liberdade de não adotar uma
dessas formas – só é conferida às sociedades que “tenham exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais”. Assim, as sociedades civis sob forma
comercial ficam sujeitas ao regime do Código das Sociedades Comerciais.
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1. PARTES (quem vão ser os sujeitos ou sócios e donos da sociedade)

2. IDENTIFICAÇÃO DA SOCIEDADE (pois que esta tem personalidade jurídica – são distintas das partes e não se confundem) – inclui morada,
sede, NIF e objeto social (i.e., qual é a atividade a que a sociedade se vai dedicar)

3. ÓRGÃOS SOCIAIS

4. ESTATUTOS (onde se vão ficar determinadas regras como as quotas ou a duração dos mandatos, etc.) – tudo o que não estiver nos
estatutos, vai estar no CSC (em concreto, na sua parte especial do próprio tipo ou de outro tipo; ou, eventualmente, na parte geral ou no
CC)

5. TRANSMISSÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL (circulabilidade rápida das quotas)

6. CAPITAL SOCIAL

 A diferença entre os vários tipos de sociedade tem implicações materiais para os decisores, para os sócios e para os empresários.

Responsabilidade (dos sócios) perante:

◊ A própria sociedade: se alguém é sócio de alguma sociedade e assina esse contrato, existem obrigações subjacentes para com esta.

◊ Terceiros: a sociedade tem personalidade jurídica própria, o que significa que é um centro de imputação diferente dos sócios, sendo parte
dos contratos que realizar (e não os sócios). Assim, pelo incumprimento ou dividas dessa parte, responde o património da sociedade,
havendo uma segregação patrimonial entre o património da sociedade e o dos sócios (cfr. ARTIGOS 5º e 6º). Neste sentido, parece
estranho dizer-se que existe responsabilidade dos sócios perante terceiros.

TIPO DE SOCIEDADE RESPONSABILIDADE perante terceiros


SOCIEDADE EM NOME COLETIVO ART.175º/1: só pode ser executado património dos sócios na
insuficiência do património da sociedade, podendo pedir a um único
sócio – há uma relativização do princípio da separação patrimonial, uma
vez que cada sócio pode ser demandado por uma dívida que este não
contraiu (o que, virtualmente, protege mais o credor, sendo este o grau
máximo de responsabilidade).

SOCIEDADE POR QUOTAS ART.197º e 198º: regra geral, pela dívida social responde o património
social. Porém, é lícito estipular no contrato que um ou mais sócios,
respondam a título subsidiário e/ou solidário.

SOCIEDADES ANÓNIMAS ART.271º: a sua responsabilidade é limitada ao valor das ações que
subscreveu.

APONTAMENTOS DAS AULAS

PRÁTICA 1 (05.03.2024)

Os contratos das sociedades civis estão regulados no ARTIGO 980º do Código Civil, o qual inclui um elemento pessoal que pressupõe uma
pluralidade de partes enquanto caraterística essencial – e embora esta seja a regra, existem exceções como, por exemplo, as sociedades
unipessoais por quotas (nestas, cada pessoa singular só pode ser a titular do capital de uma sociedade unilateral por quotas – ART.273º/2 CSC).
Uma outra exceção remete-nos para o artigo 488º e para as sociedades anónimas unipessoais, que são sociedades constituídas por domínio total
inicial e cuja particularidade é serem constituídas por um único sócio desde que este seja uma sociedade comercial.

Assim, e relativamente ao número de partes:

 Sociedade em nome coletivo: a regra é a da pluralidade de partes, devendo ter pelo menos 2 sócios.
 Sociedade por quotas: a regra é igualmente a da pluralidade (ART.197º ss).
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 Sociedades anónimas: é necessário no mínimo 5 sócios (ART.273º/1), com exceção das sociedades do setor empresarial do estado que
são criadas por diploma legislativo.
 Sociedades em comandita: atendendo ao ART.465º/1, que distingue dois tipos de sócios que têm de estar obrigatoriamente presentes,
sejam elas sociedades comanditas simples ou por ações, temos de ter: (1) sócios comanditários e (2) sócios comanditados. Significa que,
em concreto, para as comanditas simples temos de ter pelo menos dois sócios – um comanditário e outro comanditado; no que toca às
sociedades comanditas por ações é necessário que existam pelo menos 5 comanditários e 1 comanditado.

Contribuição dos sócios: correspondente às entradas dos sócios que, em regra, é feita inicialmente e que vão ser a contribuição inicial para o
desenvolvimento da sociedade. Por um lado, é a aquisição da participação social, por outro, em regra, formam o capital social da sociedade. As
entradas podem ser aparentemente de dois tipos, de acordo com o ARTIGO 980º CC, no entanto, na realidade existem três tipos:

1) Em dinheiro: pressupõe que seja moeda em curso em Portugal, ou seja os euros.


2) Em espécie: com bens diferentes de dinheiro, desde que suscetíveis de avaliação económica, estando sujeito ao regime dos ARTIGOS
28º e 29º do CSC de verificação da valorização destes bens, que tem de corresponder ao valor mínimo que o sócio pretende adquirir
(e.g., cessação de créditos, cessação da posição contratual, casa, estabelecimento comercial através de trespasse, dólares (uma vez que
necessitam de ser convertidos).
3) Em indústria: em prestações de serviços realizadas pelo socio em favor da sociedade. Particularidade: ART.178º não são computáveis
no capital social da sociedade, o que significa que não são admitidas em todos os tipos sociais. Em regra, apenas são admitidos nas
sociedades em nome coletivo (até porque se todos os sócios entrarem com entradas em indústria, a sociedade não tem capital social).
Nas sociedades por comanditas apenas é admitida para os sócios comanditados.

Além da obrigação de entrada, existem outras obrigações como prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos que podem
vincular o sócio, e embora não contribuam para o capital social da sociedade, permitem financiá-la.

No que concerne ao objeto, as sociedades comerciais têm obrigatoriamente de desenvolver a prática de atos de comércio em sentido objetivo –
por isso, são “automaticamente” classificadas como comerciantes. No entanto, tem um requisito negativo: a atividade a desenvolver não pode ser
de mera fruição, que se contrapõe à repartição do lucro (requisito positivo, apesar que contestado pela doutrina).

Nota: Os sócios não têm de ter todo o mesmo capital social, não há uma regra de igualdade.

Uma das consequências da aquisição da personalidade coletiva (adquirida através do registo da sociedade) é o princípio geral de segregação
patrimonial – isto é, o património da sociedade não se confunde com o património dos sócios (são distintos), o que significa igualmente que,
em regra, o património dos sócios não responde pelas dívidas da sociedade.

 No caso das sociedades em nome coletivo, funciona em duas fases, sendo primeiramente esgotado todo o património da sociedade (e
não apenas o capital social) e, só em caso deste não ser suficiente para colmatar a dívida é que, subsidiaria e solidariamente, executamos
o património e/ou capital dos sócios.

 Nas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas há uma responsabilidade limitada (quem tem a responsabilidade limitada é a
sociedade e não os sócios). Nas primeiras, em regra, os sócios não respondem, contudo existem exceções, na medida em que respondem
pelas obrigações de entrada pelos demais sócios da sociedade, e pode ser estipulada a responsabilidade do sócio, diretamente perante o
credor, caso a sociedade não as venha a cumprir.

 Nas sociedades em comandita, os sócios comanditários só respondem pela sua obrigação de entrada, quanto aos comanditados estes
respondem no mesmo termo que as sociedades em nome coletivo (ART.465º).

PRÁTICA 2 (12.03.2024)

Resolução do caso nº1:

CASO N.º 1: A FAMÍLIA ARNEIRO E SUAS SOCIEDADES

António e Bento são irmãos e únicos herdeiros dos negócios da família. Após a morte do Conde de Arneiro, seu pai, os irmãos resolveram
constituir três sociedades com a património familiar das quais eram os únicos sócios e administradores:

(i) a sociedade Solar do Arneiro, Lda., que tinha por objecto a exploração de turismo rural, à qual alocaram o solar da família em Ponte de
Lima;

(ii) a sociedade VitArneiro – Exploração vinícola, SA., que se dedicava à produção e comercialização de vinho alvarinho; e

(iii) a sociedade Arneiro e Arneiro, SNC., que se dedicava à prestação de serviços e à consultadoria.

Não obstante a constituição das três sociedades, na prática, a vida manteve-se tal qual era em vida do Conde Arneiro: António e Bento viviam
no solar e sempre entenderam o património das sociedades como património familiar... Tal entendimento manifestava-se, sobretudo, na total
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ausência de disciplina no que diz respeito à distinção entre a conta bancária pessoal dos sócios (muito avultada) e a conta bancária das
sociedades. Despesas sociais eram pagas pelos sócios e vice-versa. Na prática, utilizava se o saldo que melhor se apresentasse para o efeito,
independentemente da natureza da despesa, operação, etc.

Tal confusão não existia apenas entre sócios e sociedade mas também entre as próprias sociedades... Por exemplo: as despesas da Solar do
Arneiro, Lda. eram muitas vezes suportadas pelo exercício da VitArneiro, SA.

1 – Qual a responsabilidade de A e B pelas obrigações sociais de cada uma das sociedades?

R: No caso 1 temos uma Lda., ou seja, uma sociedade limitada; a realidade da firma decorre do regime do art.200ºCSC – a necessidade de a
sociedade por quotas integrar uma sociedade limitada.

As sociedades por quotas têm 2 tipos de responsabilidade: 1) por um lado os sócios respondem pela obrigação da sua entrada (principal
obrigação dos sócios); 2) nos termos do art.197º/1CSC respondem solidariamente pelas obrigações de entrada dos demais sócios.

Art.198ºCSC: o sócio pode, no contrato de sociedade, assumir um aumento de obrigações perante terceiros, ou seja, assumir uma
responsabilidade externa pelas dívidas da sociedade, desde que fique claramente comprovado, quais a obrigações que está a garantir. Este artigo
não é uma limitação da autonomia privada no contexto das garantias que o sócio pode prestar estas garantias a favor da sociedade e como estas
podem ser prestadas.

Além disso, parece estarmos perante uma sociedade anónima, devido à própria composição da firma (art.275ºCSC), que obriga à menção da
sociedade anónima.

Nos termos do art.271ºCSC, o sócio limita, em geral, a sua responsabilidade à sua obrigação de entrada, o que significa que o sócio não
responde por dívidas da sociedade (“a priori”) – perspetiva externa - e também não vai responder à sociedade pelas entradas dos demais sócios –
perspetiva interna. Contudo, este artigo não impede que, convencionalmente, possam ser estabelecidas outras prestações para além da entrada.

Depois, estamos perante uma sociedade de nome coletivo; aplicação do art.177ºCSC quanto à questão da composição da firma em sociedades
de nome coletivo. Aqui atuam grandes dois tipos de responsabilidade: 1) por um lado, a responsabilidade do sócio relativamente às suas entradas
(o sócio responde pela sua obrigação de entrada); 2) a responsabilidade do sócio do ponto de vista externo, ou seja, a responsabilidade perante os
credores da sociedade que atua em dois níveis: i) é um responsabilidade subsidiária (apenas atua depois de esgotado o património da sociedade);
ii) responsabilidade solidária (qualquer credor se pode dirigir a apenas um dos sócios e exigir dele o cumprimento da prestação – sendo que o
cumprimento desta obrigação exonera a obrigação dos outros, sem prejuízo do direito de regresso).

Consequências da personalidade coletiva: a Sociedade Comercial constitui-se através de um contrato de sociedade, que tem que ser registado
(art.5ºCSC), porque apenas com registo do contrato de sociedade é que surge a personalidade coletiva – um dos efeitos constitutivos do registo.
As consequências da personalidade coletiva são, então, os seguintes:

1) A sociedade tem direitos e deveres próprios: lógica de que, de alguma forma, a sociedade é titular de direitos e obrigações, de forma
pessoal, ou seja, é a própria sociedade, e não os sócios, que é titular de direitos e de obrigações; a sociedade é um centro de imputação
de normas jurídicas, independentemente de quem sejam os sócios e administradores desta mesma sociedade;
2) Autonomia na imputação de atos materiais e jurídicos: a sociedade quando atua, atua através dos seus direitos e dos seus
administradores, o que reforça a ideia de que as sociedades comerciais só existem na “cabeça das pessoas”, não tendo existência física.
A sociedade tem que arranjar uma forma de se manifestação da sua própria vontade e essa forma é através de autores sociais, ou seja,
através da Assembleia Geral (administradores, por exemplo). Isto significa que a sociedade é representada por pessoas singulares, o
que significa que quando estas pessoas singulares atuam, atuam em representação da própria sociedade, o que significa que os atos por
eles praticados são imputáveis à sociedade, o que significa que a sociedade se pode vincular contratual (ser sujeito passivo de
determinado cumprimento de obrigações), podendo ser também credor;
3) Pelas dívidas da sociedade, responde o património da sociedade: em primeira linha, quem responde pelas dívidas da sociedade é o
próprio património da sociedade;
4) Os credores dos sócios não são credores da sociedade: significa que se um determinado sócio dever uma quantia a um credor seu,
este não pode atacar o património da sociedade para ver satisfeito o seu critério – autonomia patrimonial da sociedade (o património da
sociedade apenas responde pelas dívidas da sociedade e não pelas dívidas dos sócios); no limite, o que pode acontecer é o credor do
sócio penhorar o direito do capital de sociedade que esse sócio tem;
5) Os sócios não podem dispor dos bens da sociedade: havendo autonomia patrimonial da sociedade leva a que os sócios não possam
utilizar os bens que se encontram integrados na esfera da sociedade da forma como bem entenderem – o sócio não pode provocar
confusão de esferas (impõe-se a segregação de bens) (art.32ºCSC a art.34ºCSC – à partida, a remuneração que o sócio tem pela sua
atividade na sociedade, é a participação nos lucros);
6) Os credores sociais preferem sobre os bens sociais, ao contrário dos credores dos sócios: tem a ver com o momento de liquidação
da sociedade (encerramento voluntário da sociedade) – que se destina a apurar o concreto património da sociedade e, por outro lado, a
apurar o conjunto de dívidas e obrigações que a sociedade tem. Neste cenário de liquidação, em primeiro lugar, são pagos os credores
da sociedade, só depois é que podemos, eventualmente, dividir o remanescente património da sociedade por cada um dos sócios. Esta
repartição vai ser feita em função da percentagem que estes sócios tinham no capital social da sociedade. Os credores do sócio, numa
situação deste género, a única coisa que podem fazer é penhorar o direito que este sócio tem à repartição do remanescente da
sociedade.
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Há uma divergência doutrinária entre as chamadas “sociedades de pessoas” e as chamadas “sociedades por capitais”. Na sociedade de nome
coletivo, o estrato pessoal tem uma predominância sobre o aspeto patrimonial e isso nota-se de diversas formas: 1) as maioridades que são
exigidas para tomar certas decisões, nas sociedade por nome coletivo, podem exigir a unanimidade dos sócios (o peso de cada um dos sócios
é muito mais substancial nas sociedades por nome coletivo); 2) a própria gerência da sociedade é assegurada, muitas das vezes, pelos
grandes sócios da sociedade, atuando conjuntamente (sublinhando uma ideia de pessoalidade nesta matéria – os sócios respondem, nas
sociedades de nome coletivo, pelas dívidas que a sociedade tem). Esta dualidade leva a que alguns sistemas jurídicos, nomeadamente o sistema
alemão e o italiano, não reconheçam nas sociedades de pessoas verdadeiras sociedades comerciais enquanto pessoas coletivas de natureza
comercial societária. Isto quer dizer que, quer no sistema jurídico alemão, quer no sistema jurídico italiano, só são consideradas sociedades
comerciais aquilo que é equiparável à nossa sociedade por capitais ou por quotas no nosso ordenamento jurídico.

A sociedade por quotas representa um meio caminho entre as sociedades e pessoas e as sociedades comerciais. Genericamente, a sociedade por
quotas é classificada como sociedade por capitais, mas colocada a meio caminho uma vez compradas com a sociedade por capitais “pura” que é
a sociedade anónima, visto que o papel dos sócios nas sociedades por quotas é intenso. Por outro lado, a assembleia geral, nas sociedades por
quotas tem, genericamente uma competência concorrente – significa que a assembleia geral, enquanto órgão que reúne os sócios da sociedade
pode impor à gerência da sociedade, a realização de um determinado conjunto de negócios jurídicos, por exemplo; em última análise, podemos
ter situações de competência exclusiva reforçada (o próprio contrato de sociedade por prever que para efeitos de duração de determinado
conjunto de negócios jurídicos, seja essencial consentimento da assembleia geral – art.46ºCSC); o sócio, independentemente da quota que tenha
no capital social da sociedade, pode exigir à gerência a prestação de determinado conjunto de informações (?).

Nas sociedades anónimas, é o conselho e a administração que decidem que negócios é que a sociedade vai celebrar ou não e, portanto, a
intervenção na gestão da sociedade é reduzida, na medida em que, não pode a assembleia geral impor à administração que adote um determinado
comportamento (art.373º/3CSC)

Aula Prática 3 (14/03)

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