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1 Recuperação de Empresas

A recuperação empresarial surge da necessidade do Direito em criar mecanismos para que as


empresas em crise pudessem se reestabelecer e retornar ao mercado em condições de
competir. O instituto trouxe um novo olhar sobre a atividade empresária, que não mais se
limita somente à figura do sócio, acionista ou investidor: ela também passou a ser vista como
uma fonte produtora, geradora de empregos, coletiva e ambientalmente responsável e
integrante de uma ordem econômica muito mais ampla.

Por isso, o Direito atua para remediar os problemas e tentar encontrar soluções para as crises
organizacionais, no caso delas aparecerem. Essa crise pode se manifestar de pelo menos três
formas, segundo Coelho (2012):

Crise econômica:

Quando as vendas deixam de ser suficientes para a manutenção do negócio.

Financeira:

Quando falta dinheiro em caixa para a empresa conseguir pagar as suas obrigações.

Patrimonial:

Quando o ativo (rendimentos) se torna menor que o passivo (saídas) e as dívidas superam os
bens da empresa.

As adversidades pelas quais passa uma empresa, contudo, podem não se restringir ao âmbito
da atividade empresária e aos prejuízos suportados pelos sócios e investidores (que alocaram
recursos no desenvolvimento de um negócio) e pelos credores (que enfrentarão dificuldades
na satisfação de seu crédito). Muito mais do que isso, a crise empresária pode significar a
extinção de cargos de trabalho, a diminuição de investimentos para o desenvolvimento de um
território, deficiências e encarecimento na oferta de produtos ou serviços para a população e a
diminuição da arrecadação de tributos.

Uma das primeiras decisões envolvendo recuperação judicial de empresas surgiu em 1934 nos
Estados Unidos para atenuar os efeitos da crise provocada pela da Bolsa de Valores de Nova
York, em 1929, segundo Coelho (2012). Em outros lugares do mundo demorou um pouco mais
para o instituto ser introduzido na lei. Na França foi somente em 1987. Na Itália, no fim dos
anos 1970 (sob a denominação “administração extraordinária). Em Portugal, em 1976 (com a
“declaração da empresa em situação econômica difícil”, que, mais tarde, daria origem ao
Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência). No Brasil, a Lei de
Falência de 2005 introduziu o procedimento da recuperação de empresas, em substituição à
concordata (COELHO, 2012).

No Brasil, a recuperação de empresas foi inserida no ordenamento jurídico em 2005, com a


entrada em vigor da Lei de Falências (Lei 11.101/2005). Na ocasião, dois mecanismos foram
instituídos:

 a recuperação judicial;

 a recuperação extrajudicial.
Ambas surgiram em substituição às previsões feitas em leis anteriores sobre concordata, que
visava a evitar a falência, mas não oferecia meios hábeis à recuperação da atividade
empresária, conforme se verá.

Mesmo assim, Coelho (2012) defende o fato de que nem toda empresa deve ou merece ser
recuperada. Segundo ele,

A reorganização de atividades econômicas é custosa. Alguém há de pagar pela recuperação,


seja em forma de investimentos no negócio em crise, seja na de perdas parciais ou totais de
crédito. Em última análise, como os principais agentes econômicos acabam repassando aos
seus respectivos preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do
devedor, o ônus da reorganização das empresas recai na sociedade brasileira como um todo. O
crédito bancário e os produtos e serviços oferecidos e consumidos ficam mais caros porque
parte dos juros e preços se destina a socializar os efeitos da recuperação de empresas
(COELHO, 2012, p. 251/252).

Apesar disso, a própria lei traz algumas exceções a quais não cabem aplicar a recuperação de
empresas. O art. 2º da Lei de Falências enumera os tipos que são exceção ao instituto:

 empresa pública

 sociedade de economia mista

 instituição financeira pública ou privada

 cooperativa de crédito

 consórcio

 entidade de previdência complementar

 sociedade operadora de plano de assistência à saúde

 sociedade seguradora

 sociedade de capitalização

 outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Assim, a ingerência do Direito deve se limitar aos casos em que atividade empresária se mostre
viável, pois, só assim, a empresa recuperada estaria apta para atender à sua função social.

2 O princípio da função social

O conceito de função social surgiu, inicialmente, voltado às questões da propriedade privada.


O mundo vivia um contexto de migração: passava do Estado Liberal (que primava pela fruição
absoluta dos direitos subjetivos e pela diminuta intervenção do Estado nas relações privadas)
para o Estado Social (que busca garantir a propriedade privada e a liberdade de iniciativa, sem
negligenciar, contudo, os interesses da sociedade como um coletivo).

A ideia da função social da propriedade privada foi, então, se alastrando para outros ramos do
direito. Nos contratos, por exemplo, deu início a discussões sobre a liberdade de contratar, a
boa-fé contratual e o uso de ferramentas de mitigação de desigualdades substanciais entre os
contratantes.
Não tardou que o conceito chegasse também à atividade empresária. Em um primeiro
momento, no entanto, ele estava atrelado e um aspecto mais patrimonial e ligado aos bens de
produção, de forma a promover alterações estruturais para atender a interesses de
empregados, consumidores e da coletividade em geral.

2.1 A função social da empresa

Com o tempo, a função social passou a atingir o controle e a administração das empresas,
entendendo que a gestão deveria estar alinhada com os anseios e necessidades coletivas e
atender às regras da concorrência. Isso tudo de forma a garantir os direitos dos consumidores,
a busca pelo pleno emprego e prática da defesa do meio ambiente - princípios norteadores da
ordem econômica nacional e elencados no art. 170 da Constituição da República de 1998.

A função social da empresa, portanto, surge do atendimento a esses princípios constitucionais,


cujo compromisso é proporcionar benefícios para todos os indivíduos que estejam envolvidos
direta e indiretamente na atividade. Assim, diante desta previsão constitucional, surge para o
Estado o interesse em promover a regulação legislativa de tais princípios, de forma a garantir-
lhes efetividade.

Foi assim que, dois anos depois, nasceu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que
concretiza a previsão trazida pelo inciso V do art. 170. Em 2000, o Estado brasileiro criou
também a Lei 10.101/2000, que garante participação dos trabalhadores nos lucros
empresariais, regulando o inciso VIIII do art. 170 e o art. 7º da Constituição Federal, e também
o parágrafo único do art. 140 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), que passou a
admitir as sociedades anônimas contem com representantes dos trabalhadores no seu
Conselho de Administração.

É certo, contudo, que o sentido de função social da empresa não se esgota nos princípios
trazidos pelo art. 170 da Constituição. O alcance dela também implica, muitas vezes, em
ampliar ou modificar o interesse social da sociedade empresária para abranger todos aqueles
afetados pela atividade. Esse interesse social “é o parâmetro que conforma os fins e os meios
pelos quais tal atividade deve ser exercida, diante dos valores ou objetivos maiores que
justificam a existência da própria sociedade” (FRAZÃO, 2018, s./p.).

Segundo Perlingieri (1984), a função social da empresa não serve para representar apenas uma
forma meramente limitadora. Ela também assume uma dimensão ativa, que conduz a criação
de deveres positivos a serem observados pelos gestores. Isso pode ser efetivado de diversas
maneiras, como, por exemplo:

-normas imperativas a serem observadas pelos gestores

-incentivo para desenvolvimento de programas filantrópicos

-implementação de modelos de co-gestão em que trabalhadores são internalizados nos


Conselhos de Administração (como acontece com a possibilidade trazida pelo art. 154 da Lei
das SAs).

É o caso, por exemplo, dos arts. 129 e seguintes da Lei de Falências que limita os atos de
gestão em prol da proteção dos credores, e dos arts. 54 e 83, inciso I, que protege detentores
de créditos oriundos da legislação trabalhista.

No entanto, além dessa faceta positiva, a função social da empresa também apresenta uma
dimensão negativa. Isso porque ela limita o exercício de direitos subjetivos e de liberdades
que, embora estejam em conformidade com o direito (sejam lícitos), são contrários ao fim
social assumido pela sociedade empresária. Esse lado negativo do princípio costuma estar
muito atrelado à figura do abuso de direito, cujos atos possuem trajes de licitude, mas, por
outro lado, culminam em um prejuízo aos interesses da coletividade.

3 A evolução da Lei de Falências no Brasil

A concordata era o instituto jurídico que antecedeu a recuperação de empresas. Ela surgiu
com o objetivo de solucionar a questão da insolvência de uma empresa e representava uma
saída para a situação de endividamento como forma de evitar a decretação da falência e
suspender seus efeitos.

  A antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/1945), em vigor no país antes de 2005, definia as
espécies de concordata no seu art. 139:

Art. 139 - A concordata é preventiva ou suspensiva, conforme for pedida em juízo antes ou
depois da declaração de falência.

A concordata preventiva era aquela requerida para prevenir a decretação da falência do


devedor comerciante. E a suspensiva era concedida já no decorrer do processo falimentar,
logo após a sentença declaratória da quebra, para evitar a liquidação imediata da empresa e,
assim, suspender a falência e proporcionar ao comerciante a oportunidade de se
reestabelecer. Assim, ao sustar os efeitos danosos da falência, a concordata suspensiva
permitia ensejar “melhor forma de pagamento aos credores (em lugar da venda dos bens pela
melhor oferta ou em leilão), ao mesmo tempo que, evitando a liquidação do estabelecimento,
possibilita a continuidade da empresa” (ALMEIDA, 1996, p. 422).

A concordata se dividia em três subgrupos:

Moratória ou dilatória

Quando o devedor requeria dilação de prazo para que pudesse pagar a dívida em sua
integralidade.

Remissória

Quando o devedor objetivava obter um desconto no valor do débito, por meio da negociação
com os próprios credores.

Mista ou dilatória-remissória

Quando a ideia era obter ambos os efeitos ao mesmo tempo.

Com a suspensão das cobranças, a empresa ficava mais capitalizada e poderia se reorganizar
para, dentro do prazo concedido, gerar a receita necessária para quitação do seu passivo. Mas
caso isso não acontecesse, a falência seria decretada com a liquidação dos seus bens para
pagamento das dívidas contraídas.

A exposição de motivos do Decreto-Lei 7.661/1945 qualificava a concordata como um


verdadeiro favor judicial (BRASIL, 1945). Esse era o entendimento de sua natureza jurídica
processual, uma vez que não havia um acordo ou um contrato com os credores, apenas um
pedido destinado ao juízo e que poderia vir a ser acatado, caso houvesse atendimento aos
requisitos imposto pela lei. Na concordata, portanto, era o magistrado quem possuía amplos
poderes de decisão para deferir ou não o requerimento – e não os credores, como acontece
hoje.

O pedido de concordata tinha o desejo de congelar o valor do débito, o que, em um período


em que a inflação no Brasil crescia desenfreadamente, favorecia amplamente o devedor na
solução dos problemas financeiros de sua empresa, tornando possível que os pagamentos
fossem realizados nos prazos fixados. Caso contrário, quando chegava a data para a quitação
do débito, o montante cobrado estava absolutamente depreciado, aumentando sensivelmente
a possibilidade de solução.

A questão, portanto, é que o objetivo da concordata se restringia a evitar a falência. Ela não se
ocupava em promover a efetiva recuperação da empresa e, muito menos, de ajudá-la a se
reinserir no mercado de forma apta a participar da concorrência que o rege.

3.1 O advento da Lei 11.101/2005

A Lei 11.101/2005 representa um verdadeiro divisor de aguas ao estabelecer os novos regimes


da recuperação judicial e extrajudicial em substituição da concordata, que foi extinta com a
chegada desse novo ordenamento. 

Desde então, o Brasil possui duas medidas judiciais voltadas para a recuperação da empresa
em crise: a recuperação judicial e a homologação judicial do acordo de recuperação
extrajudicial. 

A diretriz mestra do legislador ao estabelecer mecanismos de recuperação é atender às


normas constitucionais que preveem a função social da propriedade e o incentivo à atividade
econômica previstas no inciso II do art. 170 e no art. 174 da Constituição Federal,
respectivamente (NEGRÃO, 2013). Ou seja, é das normas constitucionais que decorre o
objetivo da recuperação de empresas: “fonte produtora, emprego dos trabalhadores e
interesses dos credores” (NEGRÃO, 2013, p. 158). 

Para Coelho (2012, p. 403/404), ambas objetivam buscar “o saneamento da crise econômico-
financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho,
bem como o atendimento aos interesses dos credores”. 

Além disso, a Lei de Falências traz o conceito de empresa como o “exercício da atividade
empresarial”, de forma a distingui-lo, indiretamente, da figura do empresário, conforme
lembra Negrão (2013, p. 158). Isso significa o principal ponto de virada da legislação:
concentrar toda a tutela à empresa e não ao seu condutor, visão que a faz se distanciar das
legislações que a precederam e que tentavam, em verdade, promover a recuperação do
devedor, empresário, titular da empresa e não da atividade em si (NEGRÃO, 2013).

3.2 As diferenças entre a recuperação de empresas e a concordata

Enquanto a concordata buscava evitar ou suspender a falência, a recuperação e empresas


objetiva a preservação da empresa e a manutenção dos interesses dos credores, dos
empregados e da sociedade como um todo. 
O quadro a seguir faz uma breve comparação entre os institutos:

O quadro está dividido em duas colunas; à esquerda mostra as características da recuperação


judicial (conforme a lei em vigor atualmente no Brasil) e, à direita, as características da
concordata (que fazia parte da legislação anterior).

4 Pressupostos da recuperação judicial

A recuperação judicial é um processo judicial específico que pressupõe a prática de atos


judiciais. Justamente por consistir em procedimento desenvolvido em juízo sobre regramentos
postos na legislação, entende-se que sua natureza jurídica é de ação judicial.
Consequentemente, se atribui ao plano de recuperação judicial a natureza de negócio jurídico
processual,  uma vez que se realiza ao longo de um processo e se submete à homologação
judicial. 

O mesmo se aplica no caso do acordo de recuperação extrajudicial, que, embora seja realizado
de forma administrativa, ainda depende da homologação judicial. Isso porque o acordo,
propriamente dito, é estabelecido dentro do âmbito judicial, com procedimento e requisitos
específicos pré-definidos em lei. 

Pelos mesmos motivos, a concordata também possuía natureza jurídica de ação judicial. O
único instituto que foge a essa regra, apresentando natureza jurídica diversa, é a recuperação
extrajudicial não homologada – que, como o próprio nome diz, consiste em mero acordo entre
as partes.  

Assim, é preciso que a empresa esteja de acordo com alguns requisitos específicos para
pleitear a recuperação judicial. Todos eles estão definidos no art. 48 da Lei 11.101/2005. 

O principal deles envolve o registro regular da empresa. O devedor, portanto, deve provar que
está exercendo regulamente as suas atividades empresárias há pelo menos dois anos. Esse é o
período mínimo para que ele possa estar apto a pedir a sua recuperação. Ao determinar essa
condição, a legislação pretendia evitar que empresários sem registro nos órgãos competentes
conseguissem pleitear a sua recuperação. Afinal, o empresário que sequer conseguiu superar
as primeiras dificuldades de implementação de seu negócio certamente não estará habilitado
a prosseguir em sua atividade. 

O segundo requisito diz respeito às condições de falências já sofridas anteriormente pelo


mesmo empresário. Para requerer a recuperação nestes casos, ele precisa provar, no
momento do pedido, que as suas obrigações e responsabilidades como falido já tenham sido
declaradas extintas por sentença. 

O terceiro requisito, na mesma linha do anterior, compreende os pedidos de recuperação já


feitos no passado. 

O devedor, no caso, não pode ter obtido outra recuperação judicial há menos de cinco anos,
conforme preconiza os incisos II e III do art. 48. A ideia dos legisladores é reforçar o fato de que
o instituto da recuperação visa a sanar crise temporária, o que não condiz com a necessidade
de socorrer-se de tempos em tempos a essa proteção. Pelo contrário, isso só evidencia que os
problemas pelos quais a empresa passa são perenes, insuperáveis e a recuperação não se
presta a promover a recuperação de empresas inviáveis. 

O último requisito envolve o fato do devedor não ter sido condenado nos crimes de natureza
falimentar previstos na mesma Lei 11.101/2005, assim como também o seu sócio
administrador ou o seu controlador.

Alguns autores fazem severa crítica acerca deste último requisito por entenderem que ele
penaliza a empresa em si, enquanto deveria atingir apenas à pessoa do dirigente que cometeu
o ilícito (seja o titular da empresa individual, o seu administrador ou o seu controlador).

4.1 Legitimidade ativa

O ordenamento jurídico brasileiro autoriza apenas o devedor a requerer a própria recuperação


judicial, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/2005. 

A única exceção diz respeito ao devedor já falecido. Neste caso, poderão pugnar pela
recuperação judicial em seu nome o cônjuge, os herdeiros, o inventariante ou, ainda, o sócio
remanescente (que assumiu a empresa em seu lugar). 

Assim, o procedimento de recuperação judicial só será deflagrado por opção do devedor.


Pouco importa se seus credores ou empregados assim desejem (Coelho, 2012). 

Coelho (2013, p.430) ainda ressalta uma questão curiosa sobre a temática: o legitimado ativo
para o processo de recuperação judicial coincide com o legitimado passivo para o processo de
falência. Isto porque, “somente quem está exposto ao risco de ter a falência decretada pode
pleitear o benefício da recuperação judicial”.

4.2 Créditos submetidos

A lei orienta que o plano de recuperação de uma empresa englobe todos os créditos existentes
na data da propositura da ação. E isso independe deles estarem vencidos ou não. A
determinação está no art. 49 da Lei de Falências, onde se vê:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido,
ainda que não vencidos (BRASIL, 2005).
Ocorre que o próprio artigo prevê também algumas exceções. O parágrafo 3º, por exemplo,
contempla os chamados credores de domínio e o parágrafo 4º cuida da recuperação dos
créditos decorrentes de adiantamento por contrato de câmbio.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou


imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos
respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive
em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de
domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os
direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação
respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º
do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital
essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso
II do art. 86 desta Lei (BRASIL, 2005).

O inciso II do art. 86, por sua vez, prevê:

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:

I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o


requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o
respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;

II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de


adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3º e 4º , da Lei nº
4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais
prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente
(BRASIL, 2005).

Antes disso, os arts. 6 e 7 da mesma lei mencionam que os créditos de natureza fiscal também
estão excluídos da recuperação.

Contudo, é importante ter claro que o conteúdo do art. 68 - que prevê que as Fazendas
Públicas e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) podem deferir o parcelamento dos
seus créditos em sede de recuperação judicial - já foi, há muito, superada pela jurisprudência. 

4.3 Créditos trabalhistas

Embora estejam sujeitos à recuperação, os créditos trabalhistas possuem algumas


peculiaridades, especialmente no que diz respeito ao prazo para o seu pagamento. Diz o art.
54 da Lei 11.101/2005:

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para
pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de
trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de
natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de
recuperação judicial (BRASIL, 2005).
Assim, pode-se afirmar que a verificação e a habilitação de créditos trabalhistas na
recuperação de empresas segue o mesmo procedimento estabelecido para a falência.

Ainda que os créditos trabalhistas estejam sujeitos à recuperação, a apuração de sua


existência e a sua quantificação serão promovidas perante a Justiça do Trabalho a qual foi
atribuída competência constitucional e inderrogável para tal.

5 Meios para recuperação judicial e seus efeitos

A legislação apresenta 16 soluções diferentes para a empresa em crise poder aplicar a


recuperação judicial. A ideia é oferecer ao devedor variadas possibilidades de elaborar o seu
plano de recuperação, de acordo com a melhor estratégia para solucionar a crise em que se
encontra. Dentre as opções, ele poderá escolher se as utiliza de forma isolada ou combinada.

Todos os meios, meramente explicativos, estão elencados no art. 50 da Lei 11.101/2005.

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada
caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou


vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária


integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da
legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus


órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder


de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos


próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou


convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de


garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como
termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive
aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;


XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos


créditos, os ativos do devedor (BRASIL, 2005).

Como se pode apreender da lista, a empresa conta com possibilidades diversificadas, desde
meios dilatórios para pagamento dos débitos (soluções que se limitam a estipular um prazo e
uma condição melhor para pagamento) até meios que buscam solucionar o problema com
foco no seu próprio perfil subjetivo da empresa. 

Segundo Coelho (2013, p. 407), o art. 50 da Lei de Falências traz

instrumentos financeiros, administrativos e jurídicos que normalmente são empregados na


superação de crises em empresas. Os administradores da sociedade empresária interessada
em pleitear o benefício em juízo deve analisar, junto com o advogado e demais profissionais
que o assessoram no caso, se entre os meios indicados há um ou mais que possam mostrar-se
eficazes no reerguimento da atividade econômica. Como se trata de lista exemplificativa,
outros meios de recuperação da empresa em crise podem ser examinados e considerados no
plano de recuperação. Normalmente, aliás, os planos deverão combinar dois ou mais meios,
tendo em vista a complexidade que cerca as recuperações empresariais.

É ISSO AÍ!

Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

 aprender que existem dois tipos de recuperação de empresas na legislação brasileira


atual;

 compreender que a crise de uma empresa pode ser econômica, financeira ou


patrimonial;

 entender a evolução existente entre os institutos legais que visavam proteger a


empresa;

 compreender o conceito de função social e a sua relação com o papel da empresa na


sociedade;

 conhecer os créditos que podem ser submetidos à recuperação judicial.

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