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Por isso, o Direito atua para remediar os problemas e tentar encontrar soluções para as crises
organizacionais, no caso delas aparecerem. Essa crise pode se manifestar de pelo menos três
formas, segundo Coelho (2012):
Crise econômica:
Financeira:
Quando falta dinheiro em caixa para a empresa conseguir pagar as suas obrigações.
Patrimonial:
Quando o ativo (rendimentos) se torna menor que o passivo (saídas) e as dívidas superam os
bens da empresa.
As adversidades pelas quais passa uma empresa, contudo, podem não se restringir ao âmbito
da atividade empresária e aos prejuízos suportados pelos sócios e investidores (que alocaram
recursos no desenvolvimento de um negócio) e pelos credores (que enfrentarão dificuldades
na satisfação de seu crédito). Muito mais do que isso, a crise empresária pode significar a
extinção de cargos de trabalho, a diminuição de investimentos para o desenvolvimento de um
território, deficiências e encarecimento na oferta de produtos ou serviços para a população e a
diminuição da arrecadação de tributos.
Uma das primeiras decisões envolvendo recuperação judicial de empresas surgiu em 1934 nos
Estados Unidos para atenuar os efeitos da crise provocada pela da Bolsa de Valores de Nova
York, em 1929, segundo Coelho (2012). Em outros lugares do mundo demorou um pouco mais
para o instituto ser introduzido na lei. Na França foi somente em 1987. Na Itália, no fim dos
anos 1970 (sob a denominação “administração extraordinária). Em Portugal, em 1976 (com a
“declaração da empresa em situação econômica difícil”, que, mais tarde, daria origem ao
Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência). No Brasil, a Lei de
Falência de 2005 introduziu o procedimento da recuperação de empresas, em substituição à
concordata (COELHO, 2012).
a recuperação judicial;
a recuperação extrajudicial.
Ambas surgiram em substituição às previsões feitas em leis anteriores sobre concordata, que
visava a evitar a falência, mas não oferecia meios hábeis à recuperação da atividade
empresária, conforme se verá.
Mesmo assim, Coelho (2012) defende o fato de que nem toda empresa deve ou merece ser
recuperada. Segundo ele,
Apesar disso, a própria lei traz algumas exceções a quais não cabem aplicar a recuperação de
empresas. O art. 2º da Lei de Falências enumera os tipos que são exceção ao instituto:
empresa pública
cooperativa de crédito
consórcio
sociedade seguradora
sociedade de capitalização
Assim, a ingerência do Direito deve se limitar aos casos em que atividade empresária se mostre
viável, pois, só assim, a empresa recuperada estaria apta para atender à sua função social.
A ideia da função social da propriedade privada foi, então, se alastrando para outros ramos do
direito. Nos contratos, por exemplo, deu início a discussões sobre a liberdade de contratar, a
boa-fé contratual e o uso de ferramentas de mitigação de desigualdades substanciais entre os
contratantes.
Não tardou que o conceito chegasse também à atividade empresária. Em um primeiro
momento, no entanto, ele estava atrelado e um aspecto mais patrimonial e ligado aos bens de
produção, de forma a promover alterações estruturais para atender a interesses de
empregados, consumidores e da coletividade em geral.
Com o tempo, a função social passou a atingir o controle e a administração das empresas,
entendendo que a gestão deveria estar alinhada com os anseios e necessidades coletivas e
atender às regras da concorrência. Isso tudo de forma a garantir os direitos dos consumidores,
a busca pelo pleno emprego e prática da defesa do meio ambiente - princípios norteadores da
ordem econômica nacional e elencados no art. 170 da Constituição da República de 1998.
Foi assim que, dois anos depois, nasceu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que
concretiza a previsão trazida pelo inciso V do art. 170. Em 2000, o Estado brasileiro criou
também a Lei 10.101/2000, que garante participação dos trabalhadores nos lucros
empresariais, regulando o inciso VIIII do art. 170 e o art. 7º da Constituição Federal, e também
o parágrafo único do art. 140 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976), que passou a
admitir as sociedades anônimas contem com representantes dos trabalhadores no seu
Conselho de Administração.
É certo, contudo, que o sentido de função social da empresa não se esgota nos princípios
trazidos pelo art. 170 da Constituição. O alcance dela também implica, muitas vezes, em
ampliar ou modificar o interesse social da sociedade empresária para abranger todos aqueles
afetados pela atividade. Esse interesse social “é o parâmetro que conforma os fins e os meios
pelos quais tal atividade deve ser exercida, diante dos valores ou objetivos maiores que
justificam a existência da própria sociedade” (FRAZÃO, 2018, s./p.).
Segundo Perlingieri (1984), a função social da empresa não serve para representar apenas uma
forma meramente limitadora. Ela também assume uma dimensão ativa, que conduz a criação
de deveres positivos a serem observados pelos gestores. Isso pode ser efetivado de diversas
maneiras, como, por exemplo:
É o caso, por exemplo, dos arts. 129 e seguintes da Lei de Falências que limita os atos de
gestão em prol da proteção dos credores, e dos arts. 54 e 83, inciso I, que protege detentores
de créditos oriundos da legislação trabalhista.
No entanto, além dessa faceta positiva, a função social da empresa também apresenta uma
dimensão negativa. Isso porque ela limita o exercício de direitos subjetivos e de liberdades
que, embora estejam em conformidade com o direito (sejam lícitos), são contrários ao fim
social assumido pela sociedade empresária. Esse lado negativo do princípio costuma estar
muito atrelado à figura do abuso de direito, cujos atos possuem trajes de licitude, mas, por
outro lado, culminam em um prejuízo aos interesses da coletividade.
A concordata era o instituto jurídico que antecedeu a recuperação de empresas. Ela surgiu
com o objetivo de solucionar a questão da insolvência de uma empresa e representava uma
saída para a situação de endividamento como forma de evitar a decretação da falência e
suspender seus efeitos.
A antiga Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/1945), em vigor no país antes de 2005, definia as
espécies de concordata no seu art. 139:
Art. 139 - A concordata é preventiva ou suspensiva, conforme for pedida em juízo antes ou
depois da declaração de falência.
Moratória ou dilatória
Quando o devedor requeria dilação de prazo para que pudesse pagar a dívida em sua
integralidade.
Remissória
Quando o devedor objetivava obter um desconto no valor do débito, por meio da negociação
com os próprios credores.
Mista ou dilatória-remissória
Com a suspensão das cobranças, a empresa ficava mais capitalizada e poderia se reorganizar
para, dentro do prazo concedido, gerar a receita necessária para quitação do seu passivo. Mas
caso isso não acontecesse, a falência seria decretada com a liquidação dos seus bens para
pagamento das dívidas contraídas.
A questão, portanto, é que o objetivo da concordata se restringia a evitar a falência. Ela não se
ocupava em promover a efetiva recuperação da empresa e, muito menos, de ajudá-la a se
reinserir no mercado de forma apta a participar da concorrência que o rege.
Desde então, o Brasil possui duas medidas judiciais voltadas para a recuperação da empresa
em crise: a recuperação judicial e a homologação judicial do acordo de recuperação
extrajudicial.
Para Coelho (2012, p. 403/404), ambas objetivam buscar “o saneamento da crise econômico-
financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho,
bem como o atendimento aos interesses dos credores”.
Além disso, a Lei de Falências traz o conceito de empresa como o “exercício da atividade
empresarial”, de forma a distingui-lo, indiretamente, da figura do empresário, conforme
lembra Negrão (2013, p. 158). Isso significa o principal ponto de virada da legislação:
concentrar toda a tutela à empresa e não ao seu condutor, visão que a faz se distanciar das
legislações que a precederam e que tentavam, em verdade, promover a recuperação do
devedor, empresário, titular da empresa e não da atividade em si (NEGRÃO, 2013).
O mesmo se aplica no caso do acordo de recuperação extrajudicial, que, embora seja realizado
de forma administrativa, ainda depende da homologação judicial. Isso porque o acordo,
propriamente dito, é estabelecido dentro do âmbito judicial, com procedimento e requisitos
específicos pré-definidos em lei.
Pelos mesmos motivos, a concordata também possuía natureza jurídica de ação judicial. O
único instituto que foge a essa regra, apresentando natureza jurídica diversa, é a recuperação
extrajudicial não homologada – que, como o próprio nome diz, consiste em mero acordo entre
as partes.
Assim, é preciso que a empresa esteja de acordo com alguns requisitos específicos para
pleitear a recuperação judicial. Todos eles estão definidos no art. 48 da Lei 11.101/2005.
O principal deles envolve o registro regular da empresa. O devedor, portanto, deve provar que
está exercendo regulamente as suas atividades empresárias há pelo menos dois anos. Esse é o
período mínimo para que ele possa estar apto a pedir a sua recuperação. Ao determinar essa
condição, a legislação pretendia evitar que empresários sem registro nos órgãos competentes
conseguissem pleitear a sua recuperação. Afinal, o empresário que sequer conseguiu superar
as primeiras dificuldades de implementação de seu negócio certamente não estará habilitado
a prosseguir em sua atividade.
O devedor, no caso, não pode ter obtido outra recuperação judicial há menos de cinco anos,
conforme preconiza os incisos II e III do art. 48. A ideia dos legisladores é reforçar o fato de que
o instituto da recuperação visa a sanar crise temporária, o que não condiz com a necessidade
de socorrer-se de tempos em tempos a essa proteção. Pelo contrário, isso só evidencia que os
problemas pelos quais a empresa passa são perenes, insuperáveis e a recuperação não se
presta a promover a recuperação de empresas inviáveis.
O último requisito envolve o fato do devedor não ter sido condenado nos crimes de natureza
falimentar previstos na mesma Lei 11.101/2005, assim como também o seu sócio
administrador ou o seu controlador.
Alguns autores fazem severa crítica acerca deste último requisito por entenderem que ele
penaliza a empresa em si, enquanto deveria atingir apenas à pessoa do dirigente que cometeu
o ilícito (seja o titular da empresa individual, o seu administrador ou o seu controlador).
A única exceção diz respeito ao devedor já falecido. Neste caso, poderão pugnar pela
recuperação judicial em seu nome o cônjuge, os herdeiros, o inventariante ou, ainda, o sócio
remanescente (que assumiu a empresa em seu lugar).
Coelho (2013, p.430) ainda ressalta uma questão curiosa sobre a temática: o legitimado ativo
para o processo de recuperação judicial coincide com o legitimado passivo para o processo de
falência. Isto porque, “somente quem está exposto ao risco de ter a falência decretada pode
pleitear o benefício da recuperação judicial”.
A lei orienta que o plano de recuperação de uma empresa englobe todos os créditos existentes
na data da propositura da ação. E isso independe deles estarem vencidos ou não. A
determinação está no art. 49 da Lei de Falências, onde se vê:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido,
ainda que não vencidos (BRASIL, 2005).
Ocorre que o próprio artigo prevê também algumas exceções. O parágrafo 3º, por exemplo,
contempla os chamados credores de domínio e o parágrafo 4º cuida da recuperação dos
créditos decorrentes de adiantamento por contrato de câmbio.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso
II do art. 86 desta Lei (BRASIL, 2005).
Antes disso, os arts. 6 e 7 da mesma lei mencionam que os créditos de natureza fiscal também
estão excluídos da recuperação.
Contudo, é importante ter claro que o conteúdo do art. 68 - que prevê que as Fazendas
Públicas e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) podem deferir o parcelamento dos
seus créditos em sede de recuperação judicial - já foi, há muito, superada pela jurisprudência.
Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para
pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de
trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o
pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de
natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de
recuperação judicial (BRASIL, 2005).
Assim, pode-se afirmar que a verificação e a habilitação de créditos trabalhistas na
recuperação de empresas segue o mesmo procedimento estabelecido para a falência.
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada
caso, dentre outros:
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como
termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive
aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
Como se pode apreender da lista, a empresa conta com possibilidades diversificadas, desde
meios dilatórios para pagamento dos débitos (soluções que se limitam a estipular um prazo e
uma condição melhor para pagamento) até meios que buscam solucionar o problema com
foco no seu próprio perfil subjetivo da empresa.
É ISSO AÍ!