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PRINCIPAIS CONCEITOS DAS SOCIEDADES COMERCIAIS

Introdução

Nesta unidade temática iremos abordar matérias relacionadas


com as sociedades comerciais, a partir da própria noção,
personalidade jurídica das sociedades comerciais, capacidade,
contratos de sociedade, forma de contrato de sociedade, tipos
de sociedades

comeciais existentes.

Objectivos específicos

No fim desta unidade temática o estudante deverá ser capaz de:

 Conhecer o conceito da sociedade comercial,

 Saber o que é personalidade e capacidade jurídica de uma


sociedade comercial,

 Conhecer e saber diferenciar as sociedades comerciais


existentes

UNIDADE TEMATICA 5.1. - PRINCIPAIS CONCEITOS DAS SOCIEDADES


COMERCIAIS

5. Sociedade Comercial

Sociedade Comercial – é aquela que tem por objecto a prática


de actos de comércio, constituem-se como tal e adoptam um
dos tipos societários previstos no artigo 82º do C.Com1
1 . Nos termos do nº 2 do art.82º do C.Com -as sociedades que tenham por
objecto o exercício de uma empresa comercial só pode constituir-se segundo
um dos tipos societários previstos neste artigo, estamos aqui perante o
princípio da tipicidade no que se refere a possibilidade de escolha dos tipos
afastando por conseguinte aquelas sociedades cujo objecto
não é a prática de actos comerciais. Consiste na reunião de
esforços entre duas ou mais pessoas denominadas de sócios,
que combinam a aplicação de seus recursos ‫״‬financeiros e
know how‫ ״‬com finalidade de desempenhar certa actividade
económica, visando a divisão dos frutos e lucros por ela
gerados.

O nosso ordenamento jurídico não nos fornece um conceito


completo de sociedade comercial. Este preceito apenas refere
quais são os requisitos para que uma sociedade se considere
comercial ‫״‬objecto comercial e tipo comercial‫״‬, mas não diz o
que é uma sociedade.

Tem-se que recorrer à lei civil, como direito subsidiário ‫״‬art.º 7º


C.Com‫״‬. A sociedade comercial é uma sociedade, obedecendo
às características definidoras do art.º 980º do CC acrescidas dos
requisitos específicos do nº 2 do art.º 82º do C.Com.

Em face do art.º 980º CC, deparam-se quatro elementos do conceito


geral de sociedade:

1º Elemento pessoal: alude a pluralidade de sócios. Nele


compreendem-se, quer o empresário e outros investidores de
capitais, quer os trabalhadores.

Qualquer destas entidades tem, de uma forma ou de outra,


interesse no desenvolvimento e êxito da empresa, seja para

societários. Equivale a dizer que, não há sequer espaço para conjugação de


características diferentes destes tipos societários para a constituição de um
outro tipo que não seja os previstos no nº 1 do artigo 82º do Ccom.
rentabilização dos capitais investidos, seja para promoção
pessoal, estabilidade e retribuição do trabalho.

Em princípio, e porque a lei o define como um contrato, o acto


gerador da sociedade deve ser celebrado por pelo menos duas
partes, dois sujeitos de direito. É o que expressamente refere a
1ª parte do nº 1 do art.º 91º do C.Com. Todavia esta norma, in
fine, abre uma brecha em tal princípio, ao admitir que a lei
“permita que a sociedade seja constituída por uma só pessoa”.

A regra da pluralidade vale tanto para a sociedade-contrato


como para a sociedade-instituição. E, do mesmo modo, deverá
pôr-se a questão da admissibilidade de excepções àquela regra,
ou seja, de sociedade com um só sócio ‫״‬sociedades unipessoais
‫״‬, tanto no que toca ao momento da constituição da sociedade,

como no que toca à subsistência com um só sócio de uma


sociedade já existente;

2º Elemento patrimonial: exigindo a obrigatoriedade dos sócios


em contribuírem com bens e serviços. O art.º 980º CC consagra
um segundo elemento do conceito de sociedade, consiste na
chamada obrigação de entrada, através da qual os sócios
efectuam contribuições que irão formar o património inicial da
sociedade.

Esta norma limita-se a exigir, para que surja a sociedade, que os


sócios se obriguem a contribuir com bens ou serviços, mas não
exige a efectivação dessas contribuições logo no momento
inicial, podendo ser deixada para mais tarde, ao menos em
parte.
As contribuições dos sócios podem revestir, a natureza de bens
ou serviços. Tas contribuições ou entradas dos sócios
desempenham três funções da máxima importância para a
sociedade: Formar no seu conjunto, o fundo comum ou
património com o qual a sociedade vai iniciar a sua actividade;
Definir a proporção da participação de cada sócio na sociedade,
e Fixar o capital social2.

3º Elemento finalístico: que obriga o exercício em comum de


uma certa actividade económica que não seja de mera fruição.
No que diz respeito às sociedades em geral, a referência do art.
980º CC, ao exercício de uma actividade económica visa
abranger todas as actividades destinadas à produção de bens
ou utilidades de qualquer natureza, materiais ou imateriais,
enquadráveis em qualquer dos sectores da economia140.

No que respeita às sociedades comerciais, é evidente que as


actividades económicas a que se dediquem terão de ser
aquelas que se enquadrem no âmbito do comércio em sentido
jurídico-formal.

Por outro lado, o art.º 980º CC exige que a actividade


económica seja certa, o que significa, obviamente, que ela
deverá ser definida, determinada de forma concreta e
específica, de modo a não se adquirirem indicações tão vagas
do escopo social que acabem por se traduzir numa incerteza da
actividade ou actividades a que a sociedade se destine.

2 . Miguel Pupo Correia. Sociedades comerciais:


Disponível em:<http://octalberto.no.sapo.pt>, acesso em:
17 de Mar. 2016. 140 . Idem.
4º Elemento teleológico: que regula a repartição dos lucros
resultantes dessa actividade. O fim último da reunião dos
sócios, com os respectivos contributos para o exercício da
actividade comum, terá de consistir na obtenção de um
enriquecimento patrimonial, de um lucro, e não de outras
vantagens ideais ou mesmo materiais3.

A fórmula do art.º 980º CC parece incutir uma noção muito


estrita de lucro: tratar-se-ia de um aumento de património
gerado na própria sociedade, para ser depois repartido entre
os sócios, seja periodicamente, seja no final da existência da
sociedade.

O elemento teleológico não consiste apenas no intuito de que a


sociedade reduza lucros: é necessário que ela vise também a
repartição destes pelos sócios (vide: art.º 980º CC). Aqui
encontramos o direito abstracto aos lucros, que é inerente ao
conceito de sociedade e Direito concreto aos dividendos, isto é,
à distribuição periódica de lucros, o qual resulta da deliberação
que os sócios tomem de os distribuir4.

No campo comercial, há ainda a ter em conta outros dois elementos


específicos do conceito de sociedade comercial, nomeadamente:

5º Objecto comercial: que exige a prática de actos de


comércio143. Assim, o primeiro elemento conceitual específico

3 . Manuel Guilherme júnior: Manual de Direito Comercial Moçambicano, Vol.I,


Escolar Editora, Maputo, 2013. P.110.
4 . Miguel Pupo Correia. Sociedades comerciais:
Disponível em:<http://octalberto.no.sapo.pt>, acesso em:
17 de Mar. 2016. 143 . Conferir a alínea a) do artigo 83º do
Código Comercial.
das sociedades comerciais consiste no objecto comercial. No
que toca às sociedades comerciais, portanto, o elemento
finalístico, também designado, por fim imediato ou objectivo
da sociedade, tem uma conotação própria: ele deve ter
carácter comercial.

O objecto da sociedade consiste nos actos ou actividades que,


segundo a vontade dos sócios, ela deverá praticar e prosseguir.
Por conseguinte, é o carácter comercial desses actos e
actividades que atribui às sociedades o carácter de
comerciantes. Deverá tratar-se, pois, de actos de comércio
objectivos e de actividades qualificadas de comerciais por
outras normas qualificadoras, e

6º Tipo comercial: adopção de um dos tipos societários


configurados e disciplinados na lei comercial5.

Para que uma sociedade seja comercial é ainda necessário que


revista forma comercial, comporta dois sentidos, Primeiro, ela
significa que a sociedade deverá revestir um dos tipos
caracterizados e regulados na lei comercial e num outro
sentido, ela exprime a obrigatoriedade de a sociedade
respeitar, na sua constituição, os requisitos formais
estabelecidos na lei comercial.

5 . Conferir a alínea b) do artigo 83º do Código


Comercial. 145 . Miguel Pupo Correia, Sociedades
comerciais: Disponível
em:<http://octalberto.no.sapo.pt>, acesso em: 17 de
Mar. 2016.
A primeira das acepções reporta-se ao princípio da tipicidade ou
numerus clausus, que o legislador adoptou quanto às sociedades
comerciais.

Ainda por motivos de ordem pública, o legislador admite um


número muito restrito de tipos sociais. Estes distinguem-se,
através de três características: a responsabilidade dos sócios
pela obrigação de entrada. Trata-se de característica
fundamental, pois identifica a responsabilidade dos sócios para
com a sociedade no que toca à formação do património inicial
desta; a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade
é outro aspecto de suma importância, pois por ele se fica a
saber se os sócios são ou não responsáveis, perante os
credores da sociedade pelas dívidas desta, e as modalidades de
composição e titulação das participações na sociedade: trata-se
de um aspecto que, embora secundário, reveste muitas vezes
importância assinalável, pois permite caracterizar a natureza e
a forma de cada parte do sócio na sociedade145.

No entanto, há sociedades que não visam o lucro, mas


adoptam um dos tipos previstos no código comercial e, por
isso, sujeitas a este mesmo regime. Se uma sociedade adoptar
um dos tipos previstos e permitidos para as sociedades
comerciais, aplica-se o código comercial independentemente
de ser civil6 ou comercial.

Se visa a prática de actos comerciais, a sociedade é comercial,


mas se pratica actos civis a sociedade é civil, em qualquer dos

6 . José de Oliveira Ascensão, sociedades comerciais, Vol. IV, Parte Geral, Lisboa,
2000, pag.45.
casos, se adoptar a forma de sociedade em nome colectivo, por
quotas, em comandita ou de capital e indústria é
automaticamente objecto do Código Comercial. Resulta do
artigo 82º do C.Com que elas obedecem ao princípio da
tipicidade, princípio este que em geral se aplica a todas as
pessoas colectivas.

Na verdade, da leitura feita do nº 1 do artigo 82º do C.Com, fica


claro que não poderá ser constituído outro tipo societário para
além dos previstos nesse. Contudo, para que não sobrem
dúvidas relativamente a questão, o legislador acrescenta no nº
2 do mesmo artigo que ‫״‬as sociedades que tenham por objecto
a prática ou exercício de uma empresa comercial só podem
constituir-se segundo um dos tipos societários previstos neste
artigo‫״‬.

A PERSONALIDADE JURÍDICA

As sociedades de todos os tipos gozam de personalidade


jurídica a partir do registo definitivo7. E gozam dessa
personalidade jurídica tanto em relação a terceiros, como em
relação aos próprios sócios.

Assim, é a sociedade que adquire a qualidade de comerciante


em consequência do exercício da actividade social e não os
sócios. Por isso, é a sociedade que está sujeita às obrigações
impostas aos comerciantes e não os seus sócios. Além disso, a
sociedade pode ter direitos contra os seus sócios.

7 . Conferir o artigo 86º do Código Comercial.


Com a constituição da sociedade, os bens com que os sócios
entram para esta revertem para o seu património e os credores
pessoais dos sócios apenas poderão penhorar as respectivas
participações sociais a partir do momento em que as
sociedades adquirem personalidade jurídica.

CAPACIDADE DE JURÍDICA

A capacidade jurídica das sociedades comerciais como pessoas


colectivas está delimitada pelo seu objecto. Mas, aqui há que
distinguir o objecto mediato, que é a realização de lucros
necessários, para todas as sociedades8 do objecto imediato, a
actividade comercial concreta que a sociedade se propõe
exercer e que deve constar dos estatutos.

Esta distinção é importante, porque o princípio da


especialidade, que limita a capacidade jurídica das pessoas
colectivas aos actos necessários ou convenientes à prossecução
dos seus fins9, só tem aplicação nas sociedades comerciais, ao
objecto mediato, servindo o objecto imediato apenas para
limitar os poderes de representação dos administradores e,
mesmo assim, só verificadas certas condições.

CONTRATO DE SOCIEDADE

Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas


se ‫״‬obrigam‫ ״‬a contribuir com bens ou serviços para o exercício
em comum de certa actividade económica, que não seja de

8 . Ver o artigo 980º do Código Civil.


9 . Ver o artigo 160º do Código
civil. 150 . Conferir o artigo 980º
do CC.
mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
actividade150.

NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE SOCIEDADE

Embora nos pareça obvia a natureza do acto constitutivo da


sociedade comercial, imensas são as discussões que se
levantam em torno dele, há sociedades que resultam da fusão
ou cisão10 das sociedades. Há também, as sociedades
unipessoais que resultam da insuficiência superveniente do
elemento pessoal da sociedade.

Há que dedicarmos aqui especificamente a olhar para o


contrato de sociedade em concreto para determinarmos a
natureza jurídica do mesmo. Existem duas teorias que se
esbatem sobre a referida natureza jurídica nomeadamente:
Teoria Contratualista e Teoria

Institucionalista.

A TEORIA CONTRATUALISTA

A Teoria Contratualista assenta na ideia de que a sociedade


comercial é constituída por meio de um contrato que é o
contrato de sociedade. Considera-se a mais coerente, no
entanto, importa distinguir claramente de que tipo de contrato
está a se falar.

Trata-se de um contrato plurilateral ou multilateral: o contrato


de sociedade exige a presença de pelo menos duas pessoas tal
como é definido no art.º 980º do CC. É na verdade, um

10 . Conferir o artigo 107º e seguintes do Ccom.


contrato plurilateral dirigido a uma finalidade comum por isso,
nasce a segunda possibilidade da sua classificação.

É um contrato de fim comum ou de organização: Luís Brito


Correia defende que esta parece ser a melhor classificação do
contrato de sociedade e foi elaborada pela doutrina alemã e
italiana e também escolhida pela doutrina portuguesa 11. No
essencial, os contratos de fim comum se contrapõem aos
contratos comutativos quais sejam, de compra e venda ou
troca153. Na compra e venda, os interesses das partes são
satisfeitos de forma diferente. O comprador é satisfeito pela
aquisição da propriedade da coisa e o vendedor por perceber o
preço da coisa vendida.

Nos contratos de fim comum, há um interesse comum a todos


os contraentes. Por um lado, na sociedade, todos tem interesse
no benefício resultante da actividade económica comum,
embora, para além deste fim imediato, possa haver
contraposição de interesses, quanto ao fim último do negócio
Por outro lado, no contrato de sociedade, cada sócio tem a
contrapartida da sua prestação na participação dos resultados
obtidos pela actividade em comum.

TEORIA INSTITUCIONALISTA

É no fundo, uma crítica à teoria contratualista liberal. Diz-se


que a vontade contratual não determina livremente a condição
jurídica da pessoa colectiva que criou, pelo contrário, a pessoa

11 . Manuel Guilherme júnior, Manual de Direito comercial moçambicano,


p.110. 153 . Luís Brito Correia, Direito Comercial Sociedades Comerciais
vol II, 3ª Tiragem AAFDL, 1989, pag.121.
colectiva em si. Como tudo ocorre na sociedade por vontade
dos sócios que são na verdade os últimos que decidem por ela
‫״‬embora hajam administradores‫״‬, a sociedade há-de ser

sempre uma instituição e não um contrato. Isto é, o contrato


de sociedade.

Não se pretende de nenhuma forma negar que a sociedade


deriva de um contrato. Pretende ˗ se sim, demonstrar que este
contrato associase a uma instituição que a priori fundamenta a
existência do próprio contrato.

FORMA DO CONTRATO DE SOCIEDADE

O contrato de sociedade está sujeito à disciplina geral dos


contratos, com as particularidades decorrentes da sua natureza
de contrato de fim comum e institucional12.

Esta sua natureza jurídica implica uma execução prolongada no


tempo, uma sequência de comportamentos das partes através
dos quais se dá concretização ao vínculo contratual.

A produção de efeitos jurídicos ‫״‬constituição, modificação ou


extinção de relações jurídicas‫ ״‬resulta principalmente no
tocante à actuação humana juridicamente relevante, de actos
de vontade-máxime, declarações de vontades-dirigidas

12 . Miguel Pupo Correia. Sociedades comerciais: Disponível


em:<http://octalberto.no.sapo.pt>, acesso em: 17 de Mar. 2016,
14:10h. 155 . Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito
Civil, 3ª Edição actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1999º. pag
89.
precisamente à produção dos referidos efeitos 155. Tal liberdade
de celebração de contratos ‫״‬liberdade contratual‫״‬, tanto
representa a manifestação da vontade de contratar como a
possibilidade de introduzir alterações através de conjugação de
vários elementos para constituição do contrato. Todo este
fenómeno, é manifestado por via de vontade.

A extensão deste princípio alcança como se pode retirar do


art.223º do CC, a liberdade de forma como regra geral. Nos
termos deste artigo, a validade da declaração negocial não
depende de observância de forma especial, salvo quando a Lei
a exigir. Retira-se, o princípio de liberdade de forma que, à luz
do nº 1 do art.º 981º do CC, com aprofundamento do nº1 do
art.º 74º do C.Com, pode-nos conduzir a certas consequências
legais que a seguir retiramos:

Primeiro, que o contrato de sociedade como regra geral, não está


sujeito a uma forma especial;

Segundo, que a não observância de forma quando esta seja


exigida pela natureza dos bens que os sócios colocam na
sociedade, não prejudica ‫״‬nulidade‫ ״‬de todo contrato com vista
ao exercício do comércio, a menos que ele não possa se
converter nos termos do art.290º do CC, passando a ser o
simples uso e fruição de bens cuja transferência determina a
forma especial, ou, se o contrato não reduzir-se nos termos do
art.292º do CC, à participações que não ponham em causa a
forma especial inobservada.
Podemos concluir que não há, em geral a exigência de forma
especial para a celebração do contrato de sociedade, tal só
ocorre quando condicionada pelas participações dos sócios, ou
seja, se houver participações em bens imóveis, exigir-se-á a
escritura pública e fora desta circunstância, basta um
documento escrito, assinado e reconhecido presencialmente
por todos os sócios conforme dispõe o nº 1 do art.º 74º do
C.Com.

Resulta do art.º 980º do Código Civil que no contrato de


sociedade, os sócios só ficam obrigados a entrar na sociedade
com bens e serviços. Esta prestação dos sócios a que se chama
momento de obrigação de entrada ou cumprimento de
obrigação de entrada, está prevista no art.87º do C.Com, onde
se refere que todo o sócio é obrigado a entrar para a sociedade
com bens susceptíveis de penhora ou nos tipos societários em
que tal seja permitido com prestação de serviços e por isso,
designa-se sócio de indústria. Com fundamentos neste artigo,
podemos dizer que há três tipos de bens com que os sócios
podem contribuir, a saber: dinheiro; outros bens susceptíveis
de penhora para além de dinheiro e serviços.13

RECONHECIMENTO DA SOCIEDADE COM UM SÓ SÓCIO

Dos desenvolvimentos das teorias não societárias presentes em


várias obras que versam sobre esta matéria, deixam de existir
quaisquer dúvidas teóricas ao reconhecimento da sociedade
unipessoal. O preconceito relativo à unipessoalidade societária
é de carácter meramente pragmático, embora haja dificuldade

13 . Manuel Guilherme júnior, Manual de Direito comercial moçambicano, p. 106.


de introdução do tipo organizativo societário em ambientes
fortemente contratualísticos. Isso, porque o conceito de
sociedade esteve historicamente ligado à pluralidade de
sujeitos. Entendia-se, na altura que a forma associativa apenas
se justificava como uma maneira de unificar a pluralidade de
sócios a ela subjacente, sendo a personalidade jurídica
destinada exclusivamente a essa finalidade14.

Todavia, ao longo do tempo, o conceito de sociedade evoluiu,


passando da teoria institucionalista germânica e da escola
contratualista italiana à análise do contrato associativo e a
teoria do contrato-organização, que vê no contrato social a
função de criar uma organização, independentemente do
número de pessoas envolvidas. A teoria do contrato-
organização deu espaço à discussão sobre a unipessoalidade15.

DO CONTRATO PLURILATERAL AO CONTRATO-ORGANIZAÇÃO

Muito se negou na doutrina o carácter contratual da


constituição da sociedade. Enquanto alguns o negavam, vista, a
dificuldade de aplicação, ao conceito de sociedade, de muitos
dos princípios da teoria geral dos contratos, afirmando tratar-
se da constituição da sociedade de um acto complexo 16, outros
defendiam a sua essência.

14 . José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho. ʺNota sobre as sociedades


fictícias, au de favor ˮ In : Revista de Direito Mercantil Industrial, Económico
e financeiro, v134,2004.p.85.
15 . Paolo E. F. Ferdo - Luzzi. Icontratti associativi.Milano: Giuffré : 2001.
16 . Tullio Ascarelli. Problemas das sociedades anónimas e direito comparado.
Campinas: Bookseller, 2001. P 373.
Tullio Ascarelli, em sua clássica obra ‫״‬problemas das sociedades
anónimas e direito comparado ‫״‬, dá novos ares à teoria
contratualista, ao diferenciar os contratos de sociedade dos
contratos em geral. Afirma aquele autor que:

«Na realidade, pode dizer-se tradicional a sensação da


diferença entre o contrato de sociedade e os contratos que
poderíamos dizer, genericamente, de permuta, e, realmente, a
doutrina sempre examinou alguns problemas “por exemplo, o
da exeptio inadiplet contractus” em relação aos quais algumas
regras gerais dos contratos pareciam de difícil aplicação ao
contrato de sociedade».

O contrato de sociedade, levando em conta as suas


características formais, pode ser encaixado como subespécie
da categoria dos contratos, a que denomina contrato
plurilateral17. Essa subespécie da categoria dos contratos é por
permitir a participação de duas ou mais partes e pelo fato de
que todas as partes possuírem direitos e obrigações recíprocos
decorrentes do contrato. O contrato teria um cunho
instrumental quanto à disciplina das sucessivas relações
jurídicas das partes18.

Assim, pode-se afirmar que, no momento da constituição da


sociedade, as partes têm interesses distintos e, muitas vezes,

17 . O contrato da sociedade constituiria a subespécie mais importante dos contratos


plurilaterais, mas não a única.
18 . Tullio ascarelli. Problemas das sociedades anónimas e direito comparado.
Campinas: Bookseller, 2001. P 375.
contrapostos19. Uma vez constituída, a sociedade visa a uma
finalidade comum a todos os sócios.

Ascarelli discorre sobre uma série de distinções que podem ser


feitas entre os contratos plurilaterais e os contratos a que
denomina de permuta, e termina por concluir que o contrato
plurilateral, em sua função económica, constitui um contrato
de organização.

Os instrumentos contratuais tradicionais não são aptos a


regular o fenómeno associativo20. Isso porque o conceito do
contrato é decorrente de um momento jurídico tipicamente
individualista, enquanto o fenómeno associativo é um conceito
colectivo, devendo a sua análise ser feita de forma objectiva,
retirada de elementos subjectivos.

O fenómeno associativo manifesta-se juridicamente por meio


do contrato associativo, ou contrato-organização. Enquanto
nos contratos tradicionais, o ponto fundamental é a atribuição
às partes de direitos subjectivos, a função dos contratos
associativos é de criar uma organização sobre o património,
ligando-o ao fim previamente estabelecido.

Os contratos tradicionais teriam como efeito jurídico a criação,


modificação e extinção de relações jurídicas. Já, o contrato
associativo giraria em torno da criação, modificação e extinção
de organizações, cujo conceito jurídico é o da coordenação da

19 . Como na avaliação das contribuições, ingerência na administração,


participação de cada parte.
20 .Paolo Ferro-Luzzi. I contratti associative. Milano: Giuffré, 2001. P.234.
influência recíproca entre actos, pressupondo a noção de
actividade21.

A visão, pois, centra-se na coordenação de actos, não nos


participantes. A criação da organização não depende da
coincidência de interesses de diversos sócios, porque é possível
que uma única pessoa tenha interesse em criar uma
organização. Assim, a teoria de contrato-organização abre
espaço para o reconhecimento da sociedade unipessoal como
contrato associativo, e até mesmo da sociedade sem sócio,
inclusive nos sistemas contratualistas.

As sociedades corresponderiam, desse modo a estruturas


organizativas que servem de instrumento à obtenção de
determinados fins. Por conseguinte, desloca-se a ideia de
pluralidade de partes para uma ideia de estrutura corporativa.
O contrato de sociedade é um contrato de organização, assim
entendida como um centro de imputação, estruturação do
comando, desenho de responsabilidades e deveres de
administradores22.

A organização criada pelo contrato associativo é sujeito de direitos e


obrigações, um centro de imputação de direitos e deveres, devendo,
pois, observadas as formalidades legais, ser-lhe atribuída personalidade
jurídica. E, uma vez criada a pessoa jurídica, quando se misturarem
interesse social e interesse individual, pode e deve ser aplicada a teoria
da desconsideração da personalidade.

21 . Márcio Ferro Catapani. “os contratos sociativos”. In: FRANÇA, Erasmo


Valhadão Azevedo e Novaes (org.). Direito societário contemporâneo I. São
Paulo: Quartier Latin, 2009.p94.
22 . Rachel Sztahn. “Associações e sociedades”. In: revista de direito mercantil
industrial, económico e financeiro, vol.
O contrato de sociedade tem como objectivo e finalidade a
organização dos factores de produção para o exercício da
empresa. A ideia de organização desloca-se, pois, de uma
posição estrutural no contrato de sociedade e passa a exercer
um papel funcional23

SOCIEDADE EM NOME COLECTIVO

As sociedades em nome colectivo surgiram na Idade Média, de


forma natural e ampla,24 do âmago da família medieval.
Compunham-se, no princípio, apenas membros de uma mesma
unidade familiar25. Quando perecia o chefe do núcleo familiar,
o património hereditário permanecia indiviso e sua
administração ficava a cargo dos descendentes, que
prosseguiam, assim, na exploração do negócio paterno26.

Com o passar do tempo, primeiro, e numa evolução lenta e


contínua, surgiu a responsabilidade colectiva do núcleo familiar
por delitos, de modo que este era obrigado, como um todo, a
reparação originada, como por exemplo, do assassínio
cometido por um dos seus membros contra um membro de
uma família da mesma vila. A mesma responsabilidade
alcançou, posteriormente, a injúria civil e, por fim, já estava
fortemente enraizado o princípio da responsabilidade colectiva,

23 . Rachel Sztahn. Contrato de sociedade e formas societárias. São Paulo:


Saraiva, 1989. P.37.
24 . Levin Goldschmidt. Storia universale del Diritto Commerciale. Torino: Unione
Tipografico-Editrice Torinese, 1913, p. 214.
25 . Antonio brunetti. Tratado del Derecho de Las Sociedades. Vol. I. Tradução
do italiano por Felipe de Solá Cañizares. Buenos Aires: Unión Tipográfica
Editorial Hispano Americana, 1960. v. 1, p. 523.
26 . Arnoldo Wald. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
acrescida daquela relacionada às actividades económicas
exercidas pelo grupo familiar27.

A indústria medieval das cidades italianas durante a idade


média é um bom exemplo do tipo de organização económica
da qual se originou o germe da sociedade em nome colectivo 28.
Nesse caso, os negócios eram feitos em nome da colectividade
e, naturalmente, os seus membros eram pessoalmente
responsáveis pelas dívidas do grupo, caso esses não as
honrassem. Dessa evolução surgiu um tipo societário com
origem no vínculo familiar e com fundamento na mais alta
confiança entre os seus membros172.

SOCIEDADES EM COMANDITA

Por seu turno, a sociedade em comandita simples teve um


desenvolvimento completamente diverso. É praticamente
unânime que o contrato de comenda29, bastante utilizado na
Idade Média, tenha sido a semente que fez brotar esse tipo
societário.

Tal contrato, praticado especialmente nas cidades italianas,


consistia na entrega de dinheiro ou mercadorias30 por um dos
contratantes ‫״‬commendador, posteriormente denominado

27 . Com o passar do tempo, esse conceito de família foi adquirindo um


significado mais amplo, passando a colectividade a compreender outros
membros que não somente aqueles de mesmo sangue.
28 . Levin Goldschmidt. Storia universale del Diritto Commerciale,
p. 214. 172 . Umberto Navarrini; Gabriele Faggella. Das sociedades e
das associações comerciais. Rio de Janeiro: José Konfino Editor,
1950. p. 401 e segs.
29 . Waldemar Ferreira. Tratado de Sociedades Mercantis. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1952. p. 92.
30 .Waldemar Ferreira. Op. cit.,p. 44.
comanditário‫״‬, a outra parte na avença ‫״‬tractator31 ou
commendatarius, posteriormente denominado comanditado ‫״‬,
geralmente, proprietário de um navio ‫״‬armador‫״‬, a quem
incumbia negociar os bens a ele confiados, seja vendendo
aquilo que lhe foi entregue pelo comendador, ou adquirindo e
negociando bens por dinheiro que lhe foi confiado. O
negociante, tractator, suportava toda sorte de riscos pelo
insucesso do empreendimento, sejam advindos de prejuízos
pela má negociação ou pelos temidos riscos de mar, naufrágio
e piratas. Pelos débitos da aventura, respondia o negociante
com seus bens pessoais de forma ilimitada.

Mas, alguns factores contribuíram para que o contrato de


comenda se desenvolvesse para a forma de sociedade. Com
efeito, gradualmente, um contrato essencialmente marítimo,
que se extinguia com o regresso da aventura comercial e pela
partilha dos resultados da mesma, a comenda, passou a ser
empreendido no comércio terrestre, não mais sendo explorada
vez por vez, mas de forma reiterada32. Passou a abranger várias
operações e a reunir mais e mais pessoas, que ambicionavam
obter lucros, mas, ao mesmo tempo, eram inaptas para o
exercício do comércio ou tinham aversão à sua prática, pois, na
época, essa não era uma actividade digna de nobreza177.

Outro factor interessante, o qual igualmente levou à


transformação do contrato de comenda em sociedade em
comandita, eram as limitações à usuras impostas pela igreja.
Dizia-se que a comenda era um contrato de mútuo disfarçado,

31 . Paul Rehme. História universal de Derecho Mercantil, p. 81.


32 . Levin Goldschmidt. Storia universale del Diritto Commerciale, p. 210.
177
. Anacleto de Oliveira Faria. Enciclopédia Saraiva do Direito (coord. de
Rubens Limonge França). São Paulo: Saraiva, 1977. p. 153 e segs.
pois o capital investido na aventura não passava de um
empréstimo ao negociante, que deveria ser restituído ao
capitalista com juros altíssimos33 no regresso da viagem. Como
a Idade Média era uma época em que a Igreja gozava de
grande poder e influência na vida das pessoas, tas não estavam
inclinadas a sofrer as sanções da doutrina canónica. Assim, a
transformação do contrato de comenda em sociedade foi uma
solução natural para tal problemática34.

SOCIEDADE ANÓNIMA

Com a transição da Idade Média à Idade Moderna, surgiu um novo


tipo de negócio, o qual necessitava de uma espécie societária
diferente daquelas que então existiam. Fez-se necessário um
veículo de exploração adaptado à grandiosidade dos negócios que
se aproximavam. Com efeito, a responsabilidade ilimitada dos
sócios nas sociedades em nome colectivo e a mista nas sociedades
em comandita, já não trazia o grau de segurança que esse novo
tipo de empreendimento cobrava e, consequentemente, o volume
de capital ficaria aquém do necessário.

Assim, o antigo dogma pelo qual o mau administrador deve ser


punido e lhe cabe responder com seus bens pessoais pelo
fracasso da empresa, foi substituído por uma teoria mais
condicente com a nova realidade, no Século XVII, segundo a
qual a responsabilidade limitada, além de ser conditio sine qua
non aos empreendimentos não administrados pela totalidade

33 . O retorno pelo capital investido sempre foi proporcional ao risco do


negócio. Dizem-se que, quanto maior o risco, maior a possibilidade de retorno
em caso de sucesso da operação.
34 . Francesco Galgano. Lex Mercatoria. Bologna: Il Mulino, 2001. p. 44.
dos sócios, era indispensável para estimular certas actividades
de risco35, das quais os investidores naturalmente se sentiam
desanimados a participar.

Mas não era essa apenas a única motivação para o surgimento


de um novo tipo societário. Nisto, era necessária uma
sociedade que transcendesse à pessoa dos sócios, que ficasse
imune aos eventos que por ventura os atingissem, como a
morte ou a incapacidade. Era importante que novos sócios nela
pudessem ingressar sem a outrora inafastável anuência dos
demais e esses, quando lhes aprouvessem, deveriam ter a
possibilidade de se retirar pela simples transferência de suas
acções a outrem, sendo, consequentemente, os títulos
representativos de seu capital, passíveis de livre circulação.

Além disso, deveria estar presente a possibilidade de uma


gestão exercida por pessoas estranhas ao capital social, ou seja,
por profissionais altamente qualificados na administração de
empresas. E, por fim, já que a gestão da empresa não caberia a
todos os sócios, ou então, a nenhum deles, ou aos demais,
seria muito importante, senão essencial, a possibilidade de
inspecção e controle da administração.

Dessa forma, surgiram, no século XVII, as primeiras sociedades


anónimas propriamente ditas36, as sociedades coloniais de
navegação e comércio, dentre as quais as célebres Companhias
Holandesas das Índias Orientais e Ocidentais, fundadas,
respectivamente, em 1602 e 1621. Essas grandes empresas
nasceram estreitamente ligadas ao Estado de vasto império

35 . Risco de mar, piratas e naufrágios, além dos inerentes ao próprio negócio.


36 . Alfredo Lamy Filho; José Luiz Bulhões Pedreira. A Lei das S/A. Rio de Janeiro:
Renovar, 1987, p. 28.
ultramarino, mas que não dispunha de recursos financeiros
suficientes para mantê-lo e desenvolvê-lo, entre eles Holanda,
Inglaterra, França, Espanha e Portugal37.

Para que as novas terras pudessem ser exploradas de maneira


vantajosa, fez-se necessária a comunhão de esforços,
sobretudo de capitais, entre Estado e particulares, estes ávidos
por riquezas e dispostos a arriscar parcela de seu património
para a consecução de tal fim e, aquele, embora muitas vezes
rico, e sem condições de executar sozinho tão audaz
empreendimento. Reside justamente aí a motivação que levou
à criação deste tipo societário.

Com esse escopo, o Estado outorgava às companhias


personalidade jurídica, reconhecia a autonomia entre o
património da sociedade e de seus sócios, a responsabilidade
limitada ao capital nelas aportada, bem como permitia a livre
transmissão dos títulos representativos38 de seu capital39. São
esses os genes que apontam para as companhias coloniais de
navegação e comércio como antepassado mais similar da
moderna sociedade anónima40.

O sucesso das companhias coloniais foi possível porque a


sociedade anónima se mostrou ser um mecanismo
extremamente eficiente para o fomento dos grandes
empreendimentos, ou seja, para os quais se necessitava

37 . Joaquim Garrigues. Problemas actuais das sociedades anónimas. Porto Alegre:


Sérgio António Fabris Editor, 1982. p. 21.
38 . Quotas, depois denominadas acções.
39 . Tullio Ascarelli. Panorama do Direito Comercial. São Paulo: Saraiva e
Cia., 1947. p. 146-147.
40 . Tullio Ascarelli. Corso di Diritto Commerciale: introduzione e teoria
dell’impresa. 3. Ed. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore S.p.A, 1962. P.36.
vultosa quantidade de capital41. Neste contexto, a total
limitação da responsabilidade dos sócios ao capital investido na
companhia lhes garantia saber, de antemão, os prejuízos
máximos que poderiam ‫״‬amargar‫ ״‬em caso de insucesso da
empresa.

Assim, muitas pessoas não vacilaram antes de investir


consideráveis parcelas do seu património nesses novos
negócios, o que proporcionou a arrecadação de enormes
somas de capital para as grandiosas aventuras de além-mar.

SOCIEDADE LIMITADA

Foi só em 1892, na Alemanha, que se legislou pela primeira vez


a criação de uma sociedade empresarial sob medida para os
pequenos e médios negócios42. Deveria ser a democratização
do outrora privilégio da limitação da responsabilidade dos
sócios. Esse novo tipo societário foi projectado para actuar
como uma nova alavanca rumo ao desenvolvimento
económico, uma grande fonte de criação de riquezas.

Surgiu, assim, a Gesellschaft mit beschränkter Haftung – GmbH,


a sociedade limitada do direito germânico, tipo societário mais
flexível e com um peso administrativo menor do que o da
anónima, mas que contemplava aquela que era a sua
característica mais importante, a limitação da responsabilidade
dos sócios pelas dívidas sociais.

41 . Tullio Ascarelli. Panorama do Direito Comercial, p. 143-144.


42 . Alfredo Gonçalves Neto, Alfredo. Lições de Direito Societário. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2004. v. 1, p. 188.
A SOCIEDADE NO DIREITO COMPARADO, EM PARTICULAR A
UNIPESSOAL

A partir das várias obras discorridas entendeu-se que foi só em


1892, na Alemanha, que se legislou pela primeira vez sobre a
criação de uma sociedade empresarial sob medida para os
pequenos e médios negócios43. Esse novo tipo societário foi
projectado para actuar como uma nova alavanca rumo ao
desenvolvimento económico, uma grande fonte de criação de
riquezas.

Deste modo, pretendemos apresentar de forma comparativa o


tratamento que é ‫״‬dado‫ ״‬à unipessoalidade, tomando em conta
que este tipo societário foi introduzido em vários
ordenamentos jurídicos do universo. Assim, procuramos
entender qual era o seu tratamento em certos ordenamentos
concretamente: o da União europeia, França, Portugal e
Espanha.

União Europeia

As sociedades limitadas com um único sócio foram reguladas


no direito comunitário europeu ainda na vigência da
Comunidade Económica Europeia ‫״‬CEE‫״‬, em 1989, pela Décima
segunda directiva do conselho 89/667‫״‬/CEE‫״‬.

43 . Alfredo Gonçalves Neto. Lições de Direito Societário. São Paulo: Juarez de


Oliveira, 2004. v. 1, p. 188.
Logo no preâmbulo da directiva é possível vislumbrar a
necessidade de adopção da sociedade com único sócio,
especialmente no que diz respeito às pequenas e médias
empresas; mas também se verifica a preocupação do legislador
em evitar as precursões negativas que tal estrutura pode
acarretar. Assim, a Directiva procurou regular as relações
internas e externas da sociedade unipessoal, primando pela
publicidade e garantia dos credores.

A Directiva é bastante sucinta, trazendo apenas aspectos


fundamentais relativamente às sociedades unipessoais, a saber:

 Possibilidade de constituição de sociedade com um só


sócio ‫״‬unipessoalidade orgânica‫ ״‬ou reunião de todas as
partes sociais em uma única pessoa ‫״‬unipessoalidade
superveniente‫״‬

 Possibilidade de adopção, pelos Estados-membros, de


disposições especiais ou sanções no que diz respeito a
uma única pessoa natural ser sócia de mais de uma
sociedade unipessoal; ou b) Uma sociedade unipessoal
ou pessoa colectiva ser sócia única de uma sociedade;

 Necessidade de divulgação em caso de unipessoalidade


superveniente

 Obrigatoriedade de adopção de forma escrita para as


decisões tomadas pelo sócio único e para contratos
celebrados entre o sócio e a sociedade;

 Possibilidade de o Estado-membro deixar de adoptar as


sociedades unipessoais caso sua legislação preveja a
existência de empresas de responsabilidade limitada
com património afectado à actividade e desde que, no
que se refere a essas empresas, se prevejam garantias
equivalentes às impostas às sociedades unipessoais44.

A Directiva 89/667/CEE foi integralmente substituída pela


Directiva 2009/102/02 do parlamento e Conselho Europeus de
16 de Outubro de dois mil e nove. A nova Directiva apenas
consolida as alterações sofridas pela Directiva 89/667/CEE ao
longo dos anos, em especial no que diz respeito aos países
membros e tipos societários de cada um em que é possível a
unipessoalidade.

As sociedades unipessoais na união Europeia foram adoptadas,


dentre outros, pelos seguintes Estados-membros: Irlanda,
Grécia, França, Espanha, Itália, Luxemburgo, Portugal e Reino
Unido. Destes, passamos a analisar com maior profundidade os
ordenamentos jurídicos, francês, português e espanhol.

No direito francês

A partir de 1970, teve na França um movimento no sentido de


permitir a limitação de responsabilidade do comerciante
individual. Diversos projectos de Lei se sucederam neste
sentido, alguns visando à adopção da sociedade unipessoal
‫״‬ora como tipo societário sui generis, ora dentro do regime das

44 . Como foi o caso de Portugal que, inicialmente, deixou de adoptar as


sociedades unipessoais, preferindo a separação patrimonial, por meio de
estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada ‫״‬EIRL‫״‬.
Posteriormente, porem, aquele país passou a acolher a unipessoalidade
societária.
sociedades limitadas‫״‬, outros a técnica de afectação de
património de afectação190.

A legislação francesa foi fortemente influenciada pela


concepção contratualista clássica. Assim, de maneira geral, o
património de afectação tinha a preferência dos autores, por
uma razão essencialmente dogmática: a sociedade, como
grupo de pessoas por essência, não poderia ser unipessoal.

Quando da discussão do repport elaborado pelo professor


Claude champaud ‫״‬1978‫ ״‬para estudo da introdução da
limitação de responsabilidade do empresário individual, o
legislador local sustentava a superioridade da fórmula não
societária, com o argumento de que era necessário evitar as
ficções.

O projecto propunha a criação de trois masses actives et


passeves du patrimoine de I,enteprise : uma destinada a
empresa ‫״‬património de afectação‫״‬, que não poderia servir
como garantia aos credores pessoais do sócio; a segunda não
afectado a empresa, mas que poderia ser utilizada para as
necessidades da empresa por iniciativa de credores
insatisfeitos ou do próprio empresário ‫״‬património disponível‫;״‬
e a terceira exclusiva do empresário, para sua sobrevivência.

190
. Calisto Salomão Filho. A sociedade unipessoal, São Paulo: malheiros, 1995. P.
33.
Da mesma forma, o projecto previa a organização de um
sistema de mutualização de riscos, pelo qual seria obrigatório a
adesão a uma caixa de garantia comum aos empresários, para
a qual todos deveria contribuir.

Observam-se claramente os objectivos económicos do


projecto, ao instituir um património flexível para evitar
eventuais abalos creditícios e eliminar privilégio aos credores
com maior poder de barganha, que poderia exigir garantias
pessoais. Todavia as quotas da tal caísse de garantie seriam
transferíveis, ano sendo, pois, uma garantia efectiva, vez que
poderiam ser exigidas pelos credores mais fortes.

A título de exemplo, temos o projecto de Champaud que


entendia ser desnecessária a atribuição de personalidade
jurídica à empresa individual, uma vez que entendia que a
personalização teria por objectivo permitir a expressão de
interesses comuns ligados à existência de um património
colectivo. Isso acabaria por dificultar a transferência da
empresa, já que, em regra, salvo previsão expressa no estatuto,
a empresa seria liquidada com a morte de seu titular.

Da mesma forma, a cessão intervivos dar-se-ia apenas co-


relação à totalidade da empresa, e ainda assim considerada
uma cessão de débito, atribuindo-se direito de oposição aos
credores. Isso tudo reduz a liquidez da empresa, além de criar
um sistema exageradamente complicado de separação
patrimonial.

No caso da sociedade unipessoal, o sócio único, denominado


associe unique, exerce os poderes atribuídos à assembleia de
sócios. Assim, cabe à ele as deliberações ordinárias ‫״‬nomeação
e destituição de administradores, aprovação de acordos com a
sociedade, aprovação das contas e destinação dos resultados,
entre outras‫״‬, as decisões extraordinárias de alteração de
status ‫״‬como aumento ou redução de capital, incorporação,
fusão ou cisão da sociedade, etc.‫״‬. E as resoluções que
necessitem de unanimidade na SARL ‫״‬como alteração da
nacionalidade‫״‬45.

O sócio unipessoal não pode delegar seus poderes e todas as


decisões tomadas no exercício dos poderes típicos da
assembleia, devem ser registadas por escrito, sob pena de
anulação a requerimento de qualquer interessado.

A sociedade unipessoal não pode ser sócia única de uma


sociedade limitada, sob pena de dissolução da sociedade a
pedido de qualquer interessado. Todavia, a partir da
promulgação do code de commerce, em 2000, não há mais
limitação para que a pessoa física participe em mais de uma
sociedade limitada.

A Enterprase unipersonnelle à Responsabilité limitée pode, a


qualquer tempo, tornar-se uma SARL pluripessoal ou mesmo se
transformar em outro tipo societário, desde que observados
requisitos legais.

No Direito português

Em 1986 o legislador português previu a necessidade de limitar


a responsabilidade do empresário em nome individual pelas
45 . Jean-Jacques Daigre. ‫״‬la société unipersonnele‫״‬, in: Revue internationale de
droitcampare, v.42.nº2. société de Legislation Comparée: Paris, 1990. P.674
dívidas contraídas no exercício da sua empresa. Todavia, foi
rechaçada, de início, a possibilidade de adopção da limitação
pela via societária ‫״‬sociedade unipessoal‫״‬. Para o legislador
ressaltar, tratar-se da forma prevalecente nos países europeus
e de aceitação generalizada na doutrina e na prática.

Preferiu-se, em Portugal, inicialmente, a criação de um novo


instituto jurídico, o Estabelecimento Individual de
Responsabilidade Limitada “EIRL”, apesar da inovação que
representa e das acrescidas dificuldades de regulamentação
que determina.

Ao analisar a disciplina legal do EIRL deveria assentar-se na


construção da pessoa jurídica ou na ideia de património de
afectação especial; o legislador português voltou-se ao
pragmatismo, não reconhecendo ao ponto a importância
fundamental, uma vez que ambas as vias apontadas conduziam
a resultados satisfatórios.

Considerando-se que a atribuição de personalidade jurídica ao


EIRL pareceu ao legislador ‫״‬um processo mais complicado e,
simultaneamente, mais artificial‫״‬46, e sendo o objectivo
principal do instituto criar ‫״‬um expediente técnico legal que
permita ao comerciante em nome individual destacar do seu
património geral uma parte dos seus bens, para destinar à
actividade mercantil‫״‬, viu-se por bem conceber o EIRL com
património separado, evitando a ficção.

46 . Introduzidos pelo Decreto-Lei nº 257/96. De 31 de Dezembro, Disponível em:


www.homepagejuridica.net, acesso em 15 de Abril 2016, 10:12h
Uma das grandes preocupações que nortearam o legislador
aquando da regulamentação jurídica do EIRL foi a garantia dos
interesses de terceiros que pretendam estabelecer relações
com a empresa. Neste sentido, o Decreto-lei n˚248/86 prevê a
existência de normas que assegurem a efectiva realização do
capital do estabelecimento e a fixação de um capital inicial
mínimo, além de previsões quanto a adequada publicidade dos
actos concernentes ao estabelecimento.

Da mesma maneira, deve-se garantir a autonomia patrimonial


dos bens destinados à empresa, respondendo tais bens
exclusivamente pelas dívidas contraídas na exploração do EIRL
e sem que os bens pessoais do empresário sejam afectados por
dívidas decorrentes do exercício da actividade empresarial.

Em 1996, o legislador português reconheceu que a criação dos


estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não
atingiu os resultados esperados, que eram, facilitar o
aparecimento e, sobretudo, o desenvolvimento de pequenas
empresas. Convencido da superioridade das sociedades
unipessoais por quotas, do código das Sociedades Comerciais
‫״‬decreto-lei n˚ 262/86‫״‬.

No final de 1996, foi publicado o Decreto-Lei n.º 257/96, de 31


de Dezembro, que introduziu no ordenamento jurídico
português uma nova forma societária, a sociedade por quotas
unipessoais ‫״‬SQU‫״‬47, e de responsabilidade limitada ao
património afecto à actividade empresarial.
47 . Ricardo Costa, A Sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Português,
Livraria
Almedina, Coimbra, 2002, página 327.
No entanto, durante dezenas de anos, a sociedade composta
por um único sócio foi, no direito português, algo de
inconcebível, sendo ainda vista como um instituto deveras
estranho, contraditório nos seus próprios termos, na medida
em que a sociedade se deveria referir necessariamente a uma
pluralidade de pessoas que nela se associam48.

Mesmo no actual estado legislativo e doutrinal, em matéria


comercial, parece entender-se que a concentração das partes
sociais nas mãos de único associado constitui uma excepção ao
princípio da contratualidade.

A legislação deixa claro o equívoco em não ter sido adoptada


limitação de responsabilidade pela forma societária na
justificativa do Decreto-lei n˚ 257/96. A título de exemplo
temos:

‫״‬A consideração das sociedades de responsabilidade limitada

como a forma por excelência escolhida pelas pequenas e


medeias empresa. Na verdade, esta sociedade pode facilitar o
aparecimento e, sobretudo, o são desenvolvimento de
pequenas empresas, que como é reconhecido, constituem,
principalmente em épocas de crise, um factor não só de
estabilidade e de criação de empresa mas também de
revitalização da iniciativa privada e da actividade económica
em geral. Permitem, efectivamente que os empreendedores se
dediquem, sem recurso a sociedade fictícia indesejáveis a
actividade comercial, beneficiando do regime da
responsabilidade limitada,
48 . Ricardo Costa, ob. cit., p. 26, n. (1).
É certo que a instituição das sociedades unipessoais por quotas
levantou inicialmente delicados problemas doutrinais. Não
faltou quem considerasse um ‫״‬absurdo‫ ״‬a existência legal de
sociedades unipessoais. Essa dificuldade recebeu uma resposta
teórica, em que a sociedade unipessoal constituiria a excepção
a regra das sociedades pluripessoais. Mas importa sobretudo
facultar as pessoas uma forma de limitação da sua
responsabilidade que não passe pela constituição de
sociedades fictícias, com ‫״‬sócios de favor‫״‬, dando azo a
situações pouco claras no tecido empresarial.

Foi esta realidade que justificou a directiva nº 89 / 667 / CE,


bem como as alterações legislativas ocorridas, designadamente
em Espanha com a lei 2/1995, de 23 de Março, em França com
a lei nº 85 / 697 de 11 de Julho de 1987.

Para a cabal prossecução dos objectivos enunciados, foram


consagrados alguns princípios de segurança, tanto do sócio
como de terceiros. Foram também tidas em conta as injunções
da referida directiva e a necessidade de prosseguir na via da
harmonização das legislações das dos Estados membros da
União Europeia 49‫״‬.

De acordo com o código das sociedades no direito luso a


sociedade unipessoal pode ser formada por sócio pessoa física
ou pessoa jurídica, sendo a unipessoalidade originária ou
superveniente ‫״‬concentração na totalidade de um único sócio
das quotas de uma sociedade por quotas ‫״‬. A transformação de
sociedade colectiva em sociedade singular dá-se por mera
49 . Conferir o Decreto-lei n˚ 257/96.
declaração do sócio remanescente, que pode constar do
próprio instrumento de cessão de quotas.

No Direito Espanhol

A norma espanhola admite a existência de sociedades


unipessoais originárias e supervenientes. A sociedade
unipessoal é considerada originária quando ‫״‬constituída por
um único sócio‫״‬, sendo esta tanto pessoa física como jurídica.
Já a unipessoalidade superveniente decorre da sociedade que
foi ‫״‬constituída de maneira plurilateral e acaba concentrando
todas as suas participações nos maus de um único proprietário
‫״‬.

Para resguardar direitos de terceiros, no caso de conversão de


sociedade pluripessoal é necessário observar a regra do artigo
129º da Lei nº 2/1995, que determina a necessidade de registo
da situação de unipessoalidade no registo Mercantil, mediante
escritura pública50.

Apesar da sua natureza distinta, a constituição da sociedade


unipessoal deve observar a regra geral, ou seja, constar da
escritura pública inscrita no registo mercantil. Portanto, devem
ser observados os mesmos critérios para a constituição das
sociedades pluripessoais, no que diz respeito à capacidade das
partes e objecto da empresa.

50 . Francisco Vicent Chulia. Intruducción al derecho mercantil. Valência: Tirant


lo blanc, 1999. P.420.
A sociedade unipessoal se submete a um regime de publicidade
dos actos mais amplos do que aquele que rege as demais
sociedades. Qualquer alteração relativa ao corpo social deve
ser efectuada por meio de escritura pública, arquivada no
Registo Mercantil e a identidade do sócio único sempre deve
ser revelada.

Pretendeu, pois, o legislador dar ampla publicidade destes


documentos àqueles que venham a contratar com a sociedade.
Contudo, a obrigatoriedade de revelar as condições do
contrato pode beneficiar eventuais concorrentes da sociedade,
que terão acesso ao seu conteúdo.

Comparando estes três ordenamentos jurídicos, entendemos


que o legislador moçambicano não teve pensamento diferente
do legislador português, única diferença reside na distinção se
quando falamos das sociedades por quotas unipessoais
estamos ou não perante um tipo societário. Enquanto o
legislador português considera uma espécie das sociedades por
quotas, o legislador moçambicano, no nosso entender,
consagra as SQUs, como um tipo societário.

A NATUREZA JURÍDICA DAS SOCIEDADES POR QUOTAS


UNIPESSOAIS NO ORDEAMENTO JURÚDICO MOÇAMBICANO

No ordenamento jurídico moçambicano, a unipessoalidade é


representada pela consagração no Código Comercial, a
existência de sociedades por quotas unipessoais, onde de
acordo com o nº1 do artigo 328º do código comercial está dito,
quaisquer pessoa singular pode constituir uma sociedade por
quotas de cujo ‫״‬capital, que constitui uma quota única, seja
inicialmente um único titular, que se rege pelas disposições
deste capítulo e, com as necessárias adaptações, pelas
disposições aplicáveis às sociedades por quotas ‫״‬51. O problema
principal do nosso trabalho é percebermos qual é a verdadeira
natureza jurídica do contrato de sociedade por quotas
unipessoais atendendo e considerando o artigo 980º do CC. Em
função deste problema, procuramos analisar o regime jurídico-
legal das sociedades por quotas unipessoais, discutindo em
primeira instância, se era procedente a consideração das
sociedades por quotas unipessoais como sociedades já que
estas possuem um único sócio, contradizendo assim com o
preconizado no artigo acima citado e ainda a 1ª parte do nº 1
do artigo 91º do C.Com.

Desta feita, procedemos a análise de duais teorias: a


contratualista e a institucionalista:

A primeira assenta na ideia de que a sociedade comercial é


constituída por meio de um contrato que é o contrato de
sociedade. Está claro de que trata-se de um contrato
plurilateral ou multilateral, quer dizer, exige a presença de pelo
menos duas pessoas tal como é definido no art.º 980º do CC.
Também, é na verdade, um contrato plurilateral dirigido a uma
finalidade comum.

A segunda defende que a vontade contratual não determina


livremente a condição jurídica da pessoa colectiva que criou,

51 . Conferir o nº1 do artigo 328º do C.Com.


pelo contrário, a pessoa colectiva em si. Como tudo ocorre na
sociedade por vontade dos sócios que são na verdade os
últimos que decidem por ela, embora existam administradores,
a sociedade há-de ser sempre uma instituição e não um
contrato. Isto é, o contrato em si nada reflecte senão aquela
pessoa colectiva que define e caracteriza todo o esquema que
esteve por detrás do próprio contrato de sociedade.

Os defensores desta teoria são unânimes ao afirmarem que


não se pretende de nenhuma forma negar que a sociedade
deriva de um contrato. Pretende-se sim, demonstrar que este
contrato associa-se a uma instituição que de princípio
fundamenta a existência do próprio contrato.

Da análise das duas teorias, resultou na nossa aderência à


teoria contratualista, considerando, desta feita, como
procedente a consagração das sociedades por quotas
unipessoais como tal, porque, esta é a realidade seguida por
vários ordenamentos jurídicos, discorridos no presente
trabalho que optaram na aplicabilidade desta teoria,
considerando desta feita, a sociedade não só como fruto da
celebração do contrato mas também da existência da
instituição.

Também, entendemos que embora não apareça claramente na


lei manifestada essa posição, somos de opinião que a
classificação do contrato de sociedade como um contrato de
fim comum apresenta ser a que melhor acomoda este debate.
A sua classificação como tal, tem grande relevância na
determinação e na natureza do regime aplicável as sociedades
comerciais na medida em que:

1º A Inobservância da forma não implica imediatamente a


nulidade ou anulação do contrato de sociedade, a menos que
este não possa converter-se nos termos do art.290º do CC, ou
não poder reduzir-se as prestações válidas de acordo com o
regime consagrado no art. 292º por força do nº do art. 981º do
CC. Dá-se aqui claramente, a priorização da manutenção da
instituição criada em prejuízo de meras formalidades do
próprio contrato com vista a assegurar a continuidade do fim
comum consagrado pelos sócios no momento da constituição
da sociedade.

2º O incumprimento do contrato por um ou alguns sócios não


dá lugar a rescisão do contrato por parte dos demais sócios
diferentemente do que acontece nos demais contratos com
fundamento na “exceptio non adimpleti contratus”.

Por estas razões, entendemos que a prevalência do fim comum


acompanha sempre a vida e os interesses da sociedade
resultando daí a nossa posição de que ele é um contrato de fim
comum ou de organização.

Portanto, somos de concordar com autores que defendem que


a sociedade unipessoal, por basear-se na figura da pessoa
jurídica de base associativa, acaba por se defrontar com o
princípio de contratualismo que exige a pluralidade de pessoas
para a constituição da sociedade. Mas com base na discussão
acima apresentada e tomando em conta a noção do art.º 980º
do CC que anteriormente apresentamos e nas finalidades que a
justificam, pode-se concluir que a nosso entender, ela
corresponde a uma estrutura de colaboração, de contribuições
e de esforços para uma finalidade comum.
A posição que aderimos fica mais sólida quando subsidiámos a
ideia que refere à personalização das sociedades, que recebeu
contribuições de carácter institucional dos agrupamentos
medievais e das companhias de comércio dos séculos XVII e
XVIII. No entender destes, ‫״‬sociedade deixa de ser
essencialmente contratual e passa a ser também vista como
instituição, quando a limitação da responsabilidade surge e se
atrela à autonomia patrimonial‫״‬52.

Não esqueçamos que o problema a que propomo-nos a analisar


é de percebermos a verdadeira natureza jurídica do contrato
de sociedade por quotas unipessoais atendendo e
considerando o artigo 980º do

CC.

Tomando em consideração o ilustrado no art.980º do CC,


entendemos que o contrato de sociedades por quotas
unipessoais, reveste-se de natureza distinta, da natureza
concebida para constituição de sociedades comerciais em
geral, pelo facto da retirada de um dos elementos concebidos
para o contrato da sociedade, constantes do artigo citado no
parágrafo antecedente.

52 . L. A. S. Hentz, Notas sobre a desconsideração da personalidade jurídica: a


experiencia portuguesa. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Económico e
Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 101, Jan. /Mar. 1996. Cordeiro, op. cit., p.
477478.
Trata-se do elemento pessoal que deixa a ideia de pluralidade
de pessoas quando dispõe que o «contrato de sociedade é
aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam…». Esta
descrição da lei encontra fundamentação no artigo 91º do
C.Com.

Na verdade, ao estabelecer no nº 1, o número de sócios em


dois, por um lado o legislador reconheceu que o contrato de
sociedade pressupõe um mínimo de declarações negociais para
sua efectividade. Por outro lado, a própria palavra sociedade
em termos gerais pressupõe a existência de mais do que uma
pessoa.

Contudo, deparamo-nos com situações que resultam da


própria lei em que o elemento pessoal pode ser reduzido. Esta
redutibilidade do elemento pessoal ocorre por exemplo na
sociedade por quotas unipessoal prevista no art.º 328º e
seguintes do C.Com. Entendemos que sempre estará presente
o elemento pessoal mesmo neste caso em que ele se reduz
apenas a uma pessoa.

A questão que pode-se colocar é a seguinte: Estamos ainda


neste caso perante uma sociedade? Que tipo de sociedade é
esta? Por outras palavras, esta sociedade existe
independentemente de todas as demais e particularmente,
independente da sociedade por quotas?

Se atentarmos a estrutura do Ccom moçambicano,


especialmente no seu livro II, titulo II, constataremos que a sua
divisão em capítulos compreende seis capítulos dos quais, o
capitulo V é exclusivamente reservado a esta sociedade. Do
ponto de vista estrutural, dúvidas não nos restam que foi
intenção do legislador considerar um tipo societário igual e
independente de qualquer outro previsto na lei.

Conhecida a natureza do contrato das sociedades por quotas


unipessoais, passemos a análise do regime jurídico-legal pelo
qual se regem. Por conseguinte, realizamos o estudo sobre o
versado nos artigos 328º e ss do Ccom, no sentido de
percebermos até que ponto está acautelado o regime deste
tipo societário.

De facto, vários ordenamentos jurídicos discorridos no


presente trabalho, reconhecem a existência de sociedades com
único sócio. Por exemplo no ordenamento jurídico português,
deixa claro que a sociedade por quotas unipessoal é simples
espécie das sociedades por quotas, tendo enquadrado no
capítulo X do título III do código das sociedades comerciais.
Desta forma torna-se compreensível a aplicação do regime
jurídico das sociedades por quotas às sociedades por quotas
unipessoais.
No caso concreto do ordenamento jurídico moçambicano, onde
o legislador, do nosso ponto de vista, proclama as sociedades
por quotas unipessoais como um tipo societário, estas, regem-
se maioritariamente pelo regime concebido para as sociedades
por quotas. Na nossa concepção, torna-se inconcebível que
este dependa do regime de outro tipo societário porque, isso,
retiraria a igualdade e independência que o legislador atribui a
este tipo societário ao enquadrar no Capítulo V do Título II do
Livro II do Ccom. Da mesma maneira, significaria que este tipo
societário desapareceria com a extinção do tipo societário de
que depende.

Prosseguindo com nosso ponto de vista, em relação ao


pensamento do legislador moçambicano, segundo qual as
sociedades por quotas unipessoais compreendem um tipo
societário, entendemos que urge a necessidade de inserirão
deste tipo societário no nº 1 do artigo 82º do C.Com como um
dos tipos societários.

Há que se dizer que, de facto, esta constitui no nosso entender,


uma preocupação de extrema importância porque uma vez
inseridas no referido artigo, poderia dissipar as dúvidas que
pairam a volta da tipicidade das sociedades por quotas
unipessoais e evitaria a contrariedade patente entre o nº 1 do
artigo citado no parágrafo antecedente e Capítulo V do Título II
do Livro II do Ccom moçambicano53.

Entendemos assim porque, por um lado, embora na estrutura


do código comercial na parte relativa as sociedades comerciais
seja feito em capítulos integrando este ʺtipoʺ societário no
capítulo V, sugerindo a sua autonomia, o artigo 82º do C.Com
que consagra os tipos societários e o princípio da tipicidade
destas, não faz referência a esta sociedade. Limita-se a indicar
a sociedade por quotas na lista o que sugere desde logo que a
sociedade por quotas unipessoal não goza deste estatuto. Por
outro lado, a remessa que a parte final do nº 1 do artigo 328º

53 . Conferir o nº 1do artigo 82º e Capítulo V do Título II do Livro II todos


do C.Com.
faz ao regime das sociedades por quotas, pode ser também,
pressuposto da contrariedade que temos vindo a evocar.

Associado ao objectivo anterior que era de analisar o regime


jurídicolegal das sociedades por quotas unipessoais e explicada
a razão do seu enquadramento no nº 1 do artigo 82º do C.Com
como um dos tipos societários, cumpre-nos discutir a
conveniência da separação das sociedades por quotas
unipessoais das sociedades por quotas. Criando-se um regime
próprio que possa reger tais sociedades, com objectivo de
promover maior aderência dos empresários individuais a este
tipo societário.

Na verdade, a unipessoalidade societária corresponde em


termos de consagração legal no nosso código uma novidade,
que veio colmatar a dificuldade que existia e que era imposta
pelo regime do artigo 980º do CC que exigia a presença de mais
do que uma pessoa para efeitos de constituição de uma
sociedade.

Tal imposição legal criava situações de sociedades fictícias em


que a presença de outra pessoa na sociedade tinha em vista
apenas a exigência legal mas, que na verdade, e muitas vezes
esses sócios do ponto de vista factual não sabiam e nem
tinham interesse de nada do que se passava na sociedade em
que eram partes.

Tomando em conta o objectivo acima referido, torna-se


necessário entender a dificuldade que possa existir em criar um
regime autónomo para esse tipo de Sociedade. Quanto a nós,
um regime autónomo para reger as sociedades por quotas
unipessoais seria uma solução eficaz em relação a dificuldade
que reside na sua distinção, se é o tipo societário ou simples
espécie das sociedades por quotas.

A aplicabilidade do regime jurídico das sociedades por quotas às


sociedades por quotas unipessoal, remete-nos ao pensamento de
que

estas não constituem um tipo


societário mas sim uma espécie de sociedades por quotas como
são as sociedades constituídas entre cônjuges54.

É nosso entender que a comparação de vários ordenamentos


que consagraram este tipo societário dever-se-ia, com base nas
disposições já existentes no código comercial, criar-se um
regime autónomo para reger as sociedades por quotas
unipessoais, complementando deste modo as existentes nos
artigos 328º, 329º e 330º do C.Com, já que se sabe que as
sociedades por quotas unipessoais possuem uma designação e
firma55 próprias.

Na nossa concepção, entendemos que desta forma tornaria


este tipo societário mais compreensível e facilitaria aos
interessados em desenvolver as pequenas e médias empresas,
fórmulas eficazes para sua prossecução. Estamos a falar, por
exemplo, da subcapitalização que seria bastante benéfica à

54 . Conferir o artigo 284º do C.Com.


55 . Conferir o artigo 33º do Ccom.
instituição, à similaridade de diversos outros países, de valores
mínimos de capital para constituição de sociedades.

Com a introdução do regime autónomo para reger as


sociedades por quotas unipessoal, entendemos que várias
situações como a que nos referimos no parágrafo anterior e
tantas outras, serão de fácil interpretação como acontece com
as já previstas, que passamos a discorrer:

“O regime das deliberações que vigora nas sociedades por


quotas pluripessoais, há-de corresponder ao das decisões nas
sociedades por quotas unipessoais. Para o efeito, as decisões
sobre matérias que por lei são da competência deliberativa dos
sócios nas sociedades por quotas serão aqui tomadas sobre a
forma de decisão pelo sócio único e lançadas num livro
destinado a esse fim, com assinatura do mesmo.

O sócio único ou interposta pessoa pode directamente celebrar


contrato com sociedade mediante prévio relatório elaborado
por um auditor de contas que não tenha qualquer relação com
a sociedade.

No relatório, deve constar claramente a tutela dos interesses


da sociedade e respeitar as condições e preços normais do
mercado, sob pena de não haver, lugar à sua celebração.
Procedendo deste modo, assegura-se que o sócio não coloque
em risco o interesse social com prejuízos para terceiros e
igualmente, permite a separação do interesse pessoal e
interesse social, etc.‫״‬
Ainda no âmbito de apresentação dos resultados, o nosso
estudo procurou analisar as vantagens que podem advir das
sociedades por quotas unipessoais. Portanto, tornou-se
pertinente recordar o preceituado no art.980º do CC que nos
diz que “ o contrato de sociedade é aquele em que duas ou
mais pessoas se obrigam a contribuir com bens e serviços, para
o exercício de certa actividade económica que não seja de
mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
actividade.

Por conseguinte, como já vimos quando estávamos na


fundamentação teórica, que deparamo-nos, com a definição
legal de sociedade acima indicada, que dela decorrem 4
elementos, nomeadamente, pessoal, patrimonial, finalístico e
teleológico e quando se trata de sociedades comerciais, com
mais dois elementos que compreendem o objecto comercial e
tipo comercial.

Ora, no contexto das sociedades unipessoais, um dos


elementos acima indicados na noção de sociedade é retirado,
nomeadamente o elemento pessoal, uma vez que a mesma
tem um único sócio. Assim, quando o elemento pessoal é
retirado da noção de sociedade, estamos perante uma
sociedade unipessoal, em que apenas uma única pessoa
singular é titular de uma única quota.

A partir dos vários autores cujas ideias fora sendo abordadas ao


longo do nosso estudo, entendemos que este tipo de sociedades tem
vantagens quando comparada aos demais tipos societários, bem
como ao empresário em nome individual, nomeadamente:

a) Inaplicabilidade do regime da responsabilidade


solidária no pagamento da quota do sócio remisso, tal como
acontece nas sociedades por quotas, porque apenas existe um
titular da quota; b) Incentivo e promoção de iniciativas
empresariais

individuais;

c) Não é necessário envolver terceiros para atingir o

número mínimo de sócios conforme por vezes acontece na

constituição de sociedades;

d) O controlo sobre a actividade da empresa é igual


ao

da empresa individual, uma vez que também existe apenas um


proprietário;

e) Agilidade no exercício da gestão económica da

sociedade, visto não se encontrar dependente de órgãos colegiais


para a formação da vontade social; e

f) A responsabilidade do sócio resume-se ao capital

social, ou seja, o seu património pessoal não responde pelas


dívidas contraídas no exercício da actividade da empresa,
excepto no caso de declaração de falência, se provar que o
património social não foi exclusivamente afectado ao
cumprimento das respectivas obrigações.

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