Você está na página 1de 59

Direito da Atividade Comercial

Regente: Professor Ribeiro de Almeida


Autoria: Francisco Lemos de Almeida – 21536917

Este resumo – não passa precisamente disso – e, portanto, não dispensa a leitura da
bibliografia que abaixo indicarei e que fora recomendada pelo regente desta unidade
curricular. Assim, com o intuito de ajudar os demais estudantes, segue-se este documento
que poderá servir de auxílio ao vosso estudo.
O presente documento poderá conter erros ou imprecisões e, por isso, não me
responsabilizo por estes, sendo que, como referi, este deverá servir como complemento ao
estudo e nunca como base - base essa que deverá ser a leitura das obras recomendadas.

Bibliografia:

- Curso de Direito Comercial, Volume II, 5ª Edição, Jorge Manuel Coutinho de Abreu

Universidade Lusíada Norte – Porto

3º Ano – 2º Semestre
Direito da Atividade Comercial

Capítulo I – Noção de Sociedade e Figuras Afins

Comummente, o vocábulo sociedade é utilizado para designar duas realidades distintas: o


contrato de sociedade e a sociedade, enquanto entidade1. Neste registo, o artigo 980º do
Código Civil refere-se ao ato jurídico2 – o contrato de sociedade -, ao passo que o Código
das Sociedades Comerciais se refere à entidade.
De facto, trata-se de duas realidades distintas, na medida em que uma diz respeito ao ato
constituinte e a outra respeita à entidade. Ainda assim, encontram-se relacionadas: é o ato
jurídico (o contrato de sociedade) que faz nascer a entidade (a sociedade, qualquer que seja
a forma que adquira), ainda que com o avançar do tempo, esta se desprenda ou vá
desprendendo daquele.
O artigo 1º, nº2 CSC vem dizer-nos quais são as sociedades comerciais sem, no entanto, nos
dar uma concreta noção do que isso possa ser. Nesse sentido, o Código Civil (direito privado
comum e subsidiário – cf. artigo 2º CSC) vem esclarecer-nos no artigo 980º: aquele em que
duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em
comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os
lucros resultantes desse atividade.
Ora, da definição enunciada resultam os seguintes elementos3:
- Sujeito ou agrupamento de sujeitos: em regra, as sociedades são constituídas por uma
pluralidade de sujeitos (sócios) – normalmente, pessoas coletivas ou singulares (artigo 7º
CSC).
No entanto, esta regra, conhece algumas exceções: a lei admite as sociedades
supervenientemente unipessoais (isto é, as sociedades começaram por ser constituídas por
dois ou mais sócios, mas, por alguma razão viram-se, entretanto, reduzidas a um sócio – cf.
artigos 142º, nº1, alínea a); 270º-A, nº2; 464º, nº3 – todos do CSC); e as sociedades
originariamente unipessoais (ou seja, sociedades constituídas ab initio por um só sócio – cf.
artigo 270º-A, nº1 e 488º, nº1 – ambos do CSC).
- Substrato patrimonial: qualquer sociedade exige um património próprio. Num momento
inicial, corresponde às obrigações de entrada – na medida em que todos os sócios estão
obrigados a entrar com bens para a sociedade (artigo 20º, alínea a) CSC), seja em dinheiro
ou, quando a lei o admita, com indústria.
Ainda assim, as entradas não precisam de ser realizadas no momento inicial, podendo ser
diferidas no tempo, dentro dos limites legalmente previstos.
Caso sejam efetuadas as entradas dos sócios, inicialmente, o património social
corresponderá ao valor dos bens em que consistiram essas entradas, sendo que, com o
passar do tempo, o património social irá sofrer mutações à medida em que direitos e bens
sejam alienados ou adquiridos.

1
É nesta perspetiva que estudaremos, nesta unidade curricular, o vocábulo sociedade.
2
É, em todo o caso, preferível a designação de ato jurídico, uma vez que existem negócios constituintes
de sociedades sem natureza contratual (v.g., os constituintes de sociedades unipessoais).
3
Que têm correspondência com a sociedade enquanto entidade. É que, como dissemos, o Código Civil
refere-se à sociedade – ato jurídico.

2
Direito da Atividade Comercial

- Objeto da sociedade: consiste na atividade económica que o(s) sócio(s) se propõem


exercer através da sociedade (cf. artigo 11º CSC). Saber o que é uma atividade económica
não é, contudo, uma tarefa tão fácil quanto aparentemente possa parecer, porquanto o que
é económico pode ser entendido em vários sentidos. Ainda assim, e sem entrarmos muito
nesta questão, tem-se por atividade económica aquela que envolva a produção de bens
materiais e imateriais ou serviços que exige ou implica o uso e a troca de bens. Para além
disto, uma atividade comercial envolve a prática de atos sucessivos (ou de uma sucessão de
atos), pelo que os atos esporádicos ou ocasionais (que não se caracterizem pela ideia de
constância e continuidade que a atividade económica pressupõe), não constituem objeto
societário.
As sociedades não podem, também, ter por objeto uma atividade económica de “mera
fruição”, isto é, atos que impliquem a simples perceção de frutos (naturais ou civis) de bens
(v.g., comprar um prédio para arrendar e, para isso, constituir uma sociedade).
Ademais, exige-se que a atividade exercida pela sociedade seja certa ou determinada. Ou
seja, deve constar do contrato de sociedade. Ainda assim, a sua não estipulação não traz,
por si, consequência nefastas, nem passa sequer pela não qualificação da entidade como
sociedade.
Finalmente, aponte-se o facto de do artigo 980º CC, resultar que os sócios devem prosseguir
“em comum” a mesma atividade4. O que se quis com esta exigência, foi possibilitar aos
sócios participar, ainda que de forma distinta, na condução da atividade exercida.
- Fim da Sociedade: o escopo societário “passa” pela obtenção de lucros (lucro objetivo) e
a sua distribuição pelos sócios (lucro subjetivo), isto mediante o exercício da atividade que
se propuseram a prosseguir.
O lucro é um ganho traduzível num incremento do património da sociedade. Este, em
primeiro lugar, corresponderá ao património social e, sendo distribuível, poderá ser
distribuído pelos sócios (ainda que a lei imponha algumas restrições a esta distribuição).
Este escopo lucrativo (lucros que, por fim, devem ser distribuídos pelos sócios) distingue as
sociedades das associações (e das fundações) de regime geral. É que estas últimas, em regra,
não possuem esta finalidade lucrativa.

Posto isto, podemos apontar uma outra característica (que, desta feita, não consta do
artigo 980 CC): falamos da sujeição a perdas. É que os sócios, em vez de lucrarem, podem
perder e não conseguir recuperar, até que saiam da sociedade ou esta se extinga, o valor
das suas entradas e de outras prestações feitas à sociedade (cf. artigo 994º CC e 22º, nº3
CSC).

Em suma,
Sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (o(s) sócio(s)), tem um
património autónomo para o exercício de atividade económica, a fim de em regra obter
lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.

4
Conforme refere Coutinho de Abreu, não obstante a letra da lei, teria sido mais correto dizer que é a
própria sociedade que exerce a atividade (ou os sócios através dela).

3
Direito da Atividade Comercial

Antes de prosseguirmos, importa que, neste momento, já saibamos que sociedade e


empresa traduzem realidades distintas e que não se podem confundir.
Estas duas realidades estão relacionadas como que numa relação forma/substância.
Melhor dito, a sociedade é forma da empresa; a empresa é a realidade que será explorada
pela sociedade (em regra). Sem nos alongarmos muito neste ponto, porque consideramos
que já deveria ter ficado assimilado aquando do estudo de Direito Comercial de Empresa,
remetemos para a obra bibliográfica indicada (in 1), páginas 37-39.

Subcapítulo I – Figuras Afins

Cooperativas – o movimento cooperativista surgiu no século XIX em França e Inglaterra,


tendo sido alimentado pelas fragilidades dos setores mais débeis, contra as consequências
da Revolução Industrial capitalista.
Em Portugal, a lei precedeu as cooperativas, pelo que a sua disciplina se encontra regulada
no Código Cooperativo. E, por força do artigo 2º, nº1 as cooperativas são pessoas coletivas
autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da
cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos,
visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais
ou culturais daqueles.
Entre outros traços diferenciadores, o mais relevante é o facto de as cooperativas não
terem fins lucrativas, ao contrário das sociedades.

ACEs e AEIE – em causa estão os agrupamentos complementares de empresa.


Admite-se que as “pessoas singulares ou coletivas possam agrupar-se, sem prejuízo da sua
personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas
atividades. Ora, estes agrupamentos são, então, os ACEs.
Os membros destes agrupamentos devem ser empresas em sentido subjetivo a que
correspondam empresas em sentido objetivo; os agrupados devem ser sujeitos que
exploram empresas.
O ACE é um instrumento para os agrupados realizarem economias ou conseguirem
vantagens económicas diretamente produzíveis no património de cada um deles (dos
membros).
Também estes não são sociedades, na medida em que não lhes está associado um escopo
lucrativo. OS ACEs situam-se, tal como as cooperativas, entre as associações de regime geral
e as sociedades, sendo entidades de tipo associativo.

Consórcios – contrato pelo qual duas ou mais entidades (singulares ou coletivas), que
exerçam atividades económicas se obrigam a, de forma concertada, realizar certas
atividades ou efetuar determinadas contribuições, a fim de possibilitar a realização de atos
materiais ou jurídicos preparatórios de uma atividade5 que possam ser repartidos entre os
consorciados.

5
O seu objeto não se esgota aqui – vide página 47 do manual supracitado.

4
Direito da Atividade Comercial

O consórcio pode ser interno ou externo. Será interno quando as atividades ou os bens são
fornecidos a um dos consorciados pelo(s) outro(s) e só aquele estabelece relações com
terceiros, ou quando não haja expressão dessa qualidade; será externo quando as atividades
ou bens são diretamente fornecidos a terceiros por cada um dos membros do consórcio e
com expressão dessa qualidade.
No consórcio não existe uma atividade exercida em comum, mas sim contribuições e atos
praticados por cada consorciado, embora realizados de forma concertada. Donde, também
não existe um lucro em comum, não obstante o que possa advir individualmente para cada
consorciado, no contexto do próprio consórcio.

Associações em participação – disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de julho, é


um contrato pelo qual um ou mais sujeitos se associam a uma atividade económica exercida
por outro sujeito (associante), ficando o(s) primeiro(s) a participar nos lucros ou nos lucros
e perdas que desse exercício possam resultar para o segundo.
O associado obriga-se a prestar contribuição de natureza patrimonial (dinheiro,
transmissão de propriedade, por exemplo) – cf. artigo 24º, nº1 do DL. E fica sempre com o
direito de participar nos lucros derivados da atividade económica do associante e, se outra
coisa não resultar do contrato, participará igualmente nas perdas até ao limite da sua
contribuição.
Apesar da doutrina internacional divergir neste contexto, até porque a figura pode assumir
contornos diferentes consoante o ordenamento jurídico, o entendimento deve ser o de que
as associações em participação não são sociedade. Na verdade, estes contratos não
originam novas entidades e, para além disso, as contribuições prestadas pelos associados
integram-se no património dos associantes, pelo que não existe um património uno ou
comum (mas antes distintos).

Subcapítulo II – Noção de sociedade comercial

Até aqui ocupámo-nos, essencialmente, da noção genérica de sociedade que, conforme


sabemos ou já fizemos entender, podem ser civis ou comerciais.
Concretamente, e para que uma sociedade se possa considerar comercial, é necessário que
se verifiquem dois requisitos, estes dispostos no artigo 1º, nº2 do Código das Sociedades
Comerciais. Vejamos: tenha por objeto a prática de atos de comércio6; e adote um dos tipos
societários previstos nessa disposição – por quotas, anónima, em nome coletiva, em
comandita simples ou em comandita por ações (tipo ou forma comercial).
Não obstante a essencialidade dos dois requisitos para que possamos qualificar uma
sociedade como comercial, importa referir que só o atinente ao objeto comercial (o primeiro
requisito enunciado) é fundamental. Uma sociedade que tenha por objeto a prática de atos

6
Aqui temos de remeter, necessariamente, para o que ficou dito a este propósito em sede de Direito
Comercial de Empresa. Falamos, essencialmente, dos atos objetivamente comerciais e dos atos
subjetivamente comerciais (e, ainda, se quisermos, dos atos comerciais por analogia) (cf. artigo 2º do
Código Comercial) – vide Apontamentos de Direito Comercial de Empresa; e, outrossim, Coutinho de
Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I.

5
Direito da Atividade Comercial

de comércio, ainda que não tenha adotado um qualquer dos tipos societários previstos no
artigo 1º, nº2 CSC é sociedade comercial, ainda que irregularmente constituída.
De facto, uma sociedade com objeto mercantil só pode (e deve) adotar um dos tipos
societários comerciais (nº3 do mesmo preceito). A não-adoção de um desses tipos, não
implica, nem pode implicar, que lhe seja atribuída forma civil. Por certo, e conforme o caso,
aplicar-se-á a estas situações outras consequências legalmente previstas (e que, mais tarde,
analisaremos), mas estas nunca se podem traduzir na atribuição de forma civil às sociedades
que pratiquem atos de comércio.
Ainda assim, e conforme dispõe o nº4 do artigo 1º CSC, as sociedades civis (as que praticam
exclusivamente atos de natureza não comercial) podem adotar um dos tipos societários
previstos no referido nº2 e, nesse caso, ser-lhes-á aplicável o Código das Sociedades
Comerciais.
Então, são civis as sociedades que não têm por objeto a prática de atos de comércio, isto é,
têm exclusivamente por objeto a prática de uma atividade não comercial (artigo 1º, nº3 e
nº4 CSC)7. E estas podem ser sociedades civis simples e sociedades civis de tipo comercial.
As primeiras são disciplinadas pelo Código Civil – artigos 980º e seguintes; às segundas,
ainda que civis, mas porque adotam forma comercial, é-lhes aplicável, conforme ficou dito,
o CSC (artigo 1º, nº4 CSC).
Neste contexto, surgem algumas exceções. Por um lado, existem sociedades que não
podem, de forma alguma adotar, um dos tipos de sociedade comercial (as sociedades de
advogados); outras só podem adotar alguns dos tipos previstos (as sociedades agrícolas só
podem adotar o tipo de sociedade por quotas); e, ainda, outras que, sendo civis, têm de
adotar um tipo de sociedade comercial (as sociedades de administradores de insolvência.

Capítulo II – Tipos de Sociedades Comerciais

Neste capítulo, vamos abordar os tipos societários. Por outras palavras, os modelos
diferenciados de regulação de relações entre sócios, entre os sócios e as sociedades, entre
os sócios, a sociedade e terceiros.
Prima facie, parece-nos que os artigos 175º CSC (para as sociedades em nome coletivo),
197º CSC (para as sociedades por quotas), 271º (para as sociedades anónimas), 465º (para
as sociedades em comandita) vêm estabelecer as características fundamentais destes tipos
societários.

Subcapítulo I – Responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os credores


sociais

Responsabilidade dos sócios perante a sociedade


Nas sociedades em nome coletivo, cada sócio responde apenas pela respetiva entrada, pelo
cumprimento desta obrigação (de entrar para a sociedade com bens – em dinheiro, em
espécie ou indústria) – rege o artigo 175º, nº1 CSC. Todavia, quando a entrada seja realizada

7
V.g., uma sociedade agrícola.

6
Direito da Atividade Comercial

com bens em espécie e estes não sejam avaliados em conformidade com o disposto no
artigo 28º CSC, os sócios têm de assumir expressamente no contrato social responsabilidade
solidária pelo valor que atribuam aos bens (artigo 179º CSC). Por outras palavras, caso os
sócios queiram substituir, nestas ocasiões, o procedimento previsto no artigo 28º CSC,
devem fazer constar expressamente do contrato social que assumem, no regime
responsabilidade solidária, o valor atribuído aos bens.
Nas sociedades por quotas, cada sócio responde não apenas pela própria entradas mas,
também, solidariamente com o(s) outro(s) sócio(s), por todas as entradas convencionadas
no contrato social (artigo 197º, nº1 CSC)8.
Nas sociedades anónimas, cada sócio só responde pela sua entrada, i. é., têm a sua
responsabilidade limitada ao valor das ações9 que subscreveu (artigo 271º CSC), sem
prejuízo do estatuto social poder estabelecer que um ou mais sócios fiquem obrigados a
prestações acessórias (artigo 287º CSC).
Nas sociedades em comandita simples ou em comandita por ações, tanto os sócios
comanditados como os sócios comanditários respondem somente pela respetiva entrada –
artigos 465º, nº1. Nota para o facto de os sócios comanditários não poderem entrar com
indústria e, por isso, só poderem fazê-lo com dinheiro ou em espécie e para o facto de,
quanto às sociedades em comandita simples, o direito subsidiariamente aplicável ser o
relativo às sociedade em nome coletivo (artigo 474º CSC) e, quanto às sociedades em
comandita por ações, aplicar-se subsidiariamente as normas relativas às sociedades
anónimas (artigo 478º CSC).
Ao que ficou dito acresce a possibilidade de alguns sócios responderem para com a
sociedade, solidariamente com membros do órgão de administração ou de fiscalização
(artigo 83º CSC).

Responsabilidade dos sócios perante os credores sociais


Nas sociedades em nome coletivo, os sócios respondem pelas obrigações sociais
pecuniárias subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente entre si (artigo 175º,
nº1 CSC). Donde, os credores sociais têm, em primeiro lugar, de exigir o pagamento à
sociedade, e só depois aos sócios (sem prejuízo do disposto no nº4 do mesmo artigo); e,
porque solidária, têm os credores sociais o direito de exigir de qualquer sócio o pagamento
das dívidas por inteiro (depois de excutido o património da sociedade).
Nas sociedades por quotas, a regra é a que os credores sociais não respondem pelas
obrigações sociais. Pelas dívidas da sociedade só ela responde, com o seu património –
artigo 197º, nº3 CSC, sem prejuízo das hipóteses previstas no artigo 198º CSC: ora, dos
estatutos pode resultar que um ou mais sócios respondem, também, até um determinado
montante perante os credores sociais e esta responsabilidade, ainda que limitada, poderá
ser subsidiária ou solidária (sem prejuízo do direito de regresso contra a sociedade
relativamente ao que houver pago) com a sociedade, dependendo do que ficar igualmente
estipulado nos estatutos.

8
Os sócios podem ainda ficar obrigados a prestações acessórias e suplementares, nos termos dos
artigos 197º, nº2, 209º, 210º e seguintes do CSC.
9
Cf. artigo 25º CSC

7
Direito da Atividade Comercial

Nas sociedades anónimas, os sócios não respondem perante os credores sociais. Só a


sociedade se responsabiliza pelas suas obrigações (artigo 271º CSC).
Nas sociedades em comanditas simples e nas sociedades em comandita por ações, o regime
será diferente conforme nos refiramos aos sócios comanditados ou aos sócios
comanditários. Os primeiros respondem nos termos prescritos para as sociedades em nome
coletivo (respondem subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente entre si) e
os segundos não se responsabilizam para com os credores sociais (artigo 465º, nº1 CSC).
No entanto, estes regimes podem, ao longo da vida da sociedade, sofrer algumas mutações.
Em situação de insolvência, e tratando-se de uma sociedade com um único sócio, este
responde ilimitadamente e a título principal pelas obrigações sociais contraídas no período
posterior à concentração das participações sociais (artigo 84º, nº1 e nº2 CSC) – esta solução
é transversal a todos os tipos societários.

Subcapítulo II – Estrutura Organizatória

As sociedades atuam através de órgãos que, por sua vez, são centros institucionalizados de
poderes funcionais a exercer por uma ou várias pessoas com o intuito de exprimir a vontade
juridicamente imputável às sociedades.
Neste sentido, importa distinguir os órgãos segundo a competência: os órgãos de formação
de vontade ou deliberativos-internos (expressam a vontade social, ainda que não a
manifestem para o exterior), órgãos de administração e representação (gerem as atividades
sociais e representam as sociedades perante terceiros, a quem fazem e de quem recebem
declaração de vontade) e órgãos de fiscalização ou controlo (fiscalizam a atuação dos
membros do órgão de administração). Ora, consoante o tipo societário, a instituição destes
órgãos ou de alguns deles pode ser obrigatória ou facultativo. É disso que agora daremos
conta.
O órgão deliberativo-interno10 é obrigatório para qualquer tipo societário, sendo composto
por um (nas sociedades unipessoais) ou por vários sócios em conjunto – cf. v.g., artigos 53º
ss., 189º, 246º ss., 270º-E, 373º, ss., 472º CSC.
O órgão de administração e representação também é obrigatório para todos os tipos de
sociedade. Nas sociedades em nome coletivo, este órgão é composto por todos os sócios11
(gerentes, dado que o órgão se designa gerência) – artigo 191º, nº1 CSC. Esta solução
compreende-se, tendo em conta que os sócios respondem ilimitadamente perante os
credores sociais e que este órgão, como dissemos, se dirige à direção das atividades sociais
e à representação das sociedades perante terceiros; nas sociedades por quotas, a gerência
é composta por um ou mais gerentes, que serão pessoas singulares com capacidade jurídica
plena, ainda que não sejam sócias (logo podem ser sócias ou não)12 – artigo 252º, nº1 CSC;
nas sociedades anónimas, nos termos do artigo 278º, nº1 CSC, pode optar-se por um
conselho de administração ou por um conselho de administração executivo. Ainda assim, e

10
Vulgarmente designado por assembleia geral, termo que, no entanto, não é o mais correto.
11
Quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente.
12
A gerência se, por contrato, atribuída a todos os sócios, não se considerada conferida aos que só
posteriormente adquirirem a qualidade de sócio (nº3, artigo 252º CSC).

8
Direito da Atividade Comercial

em relação às sociedades deste tipo cujo capital não exceda os 200 000 euros, pode
estabelecer-se, em vez do conselho, um só administrador. Nas sociedades com estrutura
monística, as sociedades têm de ser compostas por um conselho obrigatoriamente. Neste
contexto, os administradores não precisam de ser sócios (artigos 390º, nº3 CSC e 425º, nº6
CSC), mas têm, em princípio, de ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena;
finalmente, e no que concerne às sociedades em comandita, a administração é concedida
aos sócios comanditados, na medida em que estes respondem ilimitadamente perante os
credores sociais (artigos 470º, nº1, 474º e 478º). Isto sem prejuízo das hipóteses em que é
possível atribuir também a gerência aos sócios comanditários.
O órgão de fiscalização não existe nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em
comandita simples (os sócios fiscalizam diretamente a atuação da gerência); as sociedades
por quotas podem ter um conselho fiscal ou um fiscal único (artigos 262º, nº1 e 413º, nº1,
alínea a) CSC). No entanto, se ultrapassarem determinada dimensão devem ter um ou outro,
a menos que designem um revisor de contas oficial (artigo 262º, nº2 e nº3 CSC); as
sociedades anónimas devem ter órgão(s) de fiscalização; e as sociedades em comandita por
ações terão um conselho fiscal ou fiscal único, aplicando-se-lhes o disposto nos artigos 478º
e 413º e seguintes CSC.

Subcapítulo III – Transmissão das participações sociais

Antes de mais, cumpre perceber o que é uma participação social – é um conjunto unitário
de direitos e obrigações atuais e potenciais do sócio.
Analisemos, agora, a possibilidade de estas, conforme o tipo societário, serem transmitidas
por morte ou através de ato inter vivos.

Transmissão por morte


Nas sociedades em nome coletivo, no caso de ocorrer o falecimento de um dos sócios, e
desde que o contrato não disponha diversamente, podem os sócios optar por uma de três
vias: continuação da sociedade com o(s) sucessor(es) do falecido, quando estes nisso
consintam expressamente; dissolução da sociedade; liquidação da parte do sócio falecido,
com pagamento aos sucessores (do falecido) do respetivo valor (artigo 184º, nº1 e nº2 CSC).
No entanto, e importa dizê-lo, a hipótese primária (e, de resto, conforme sugere o nº1 do
mencionado preceito) será a de os sócios satisfazerem ao sucessor a quem couberem os
direitos do falecido o valor da participação.
Nas sociedades em comandita simples ou em comandita por ações, quando faleça um sócio
comanditado, o regime aplicável será idêntico ao acima exposto, por força do artigo 469º,
nº2 CSC.
Nas sociedades por quotas, a regra é a de que a quota (do sócio falecido) se transmite aos
seus sucessores. Ainda assim, o contrato pode colocar entraves a que tal suceda e,
outrossim, condicionar tal transmissão à verificação de certos requisitos (artigo 225º, nº1
CSC). Nos casos em que a quota não deva ser transmitida aos sucessores do sócio falecido,
deve a sociedade amortizar o valor daquela (artigos 232º e seguintes CSC), adquiri-la (artigo
220º CSC) ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro. Caso contrário, decorridos 90 dias

9
Direito da Atividade Comercial

do conhecimento pelo gerente da morte do sócio, a quota considera-se definitivamente


transmitida para os seus sucessores (artigo 225º, nº2 CSC). O contrato social pode, ainda,
subordinar a transmissão da quota à vontade dos sucessores, nos termos do artigo 226º CSC
– assim, quando estes não aceitem a transmissão, devem comunica-lo por escrito à
sociedade; e esta, depois de receber a comunicação com a recusa da transmissão, terá um
prazo de 30 dias para amortizar a quota, para a adquirir ou para fazê-la adquirir por sócio
ou por terceiro, sob pena de o sucessor do sócio falecido poder requerer a dissolução da
sociedade (artigo 226, nº2 CSC).
Este regime vale, igualmente, nos casos de morte de um sócio comanditário nas sociedades
em comandita simples (cf. artigo 475º CSC).
Nas sociedades anónimas, bem como nas sociedades em comandita por ações quando
ocorra a morte de um sócio comanditário, a transmissão das ações13 opera segundo o direito
das sucessões (artigo 2024º CC)14.

Transmissão inter vivos


Nas sociedades em nome coletivo, um sócio só pode transmitir a sua posição contratual (na
sociedade), a qualquer título e para sócios ou não-sócios, com o consentimento expresso
dos restantes sócios (artigo 182º, nº1 CSC).
Nas sociedades por quotas, a transmissão é livre quando opere entre cônjuges, entre
ascendentes e descendentes, ou entre sócios – é o que resulta do artigo 228º, nº2, 2ª Parte
CSC. Fora destes casos, a cessão de quotas só é eficaz perante a sociedade quando por esta
for consentida (nº2, 1ª Parte, do mesmo artigo). Este consentimento resulta, em todo o
caso, da deliberação dos sócios, bastando, em regra, a maioria dos votos emitidos (artigo
230º, nº2, nº5 e nº6 CSC e artigo 250º, nº3 CSC).
Contudo, o artigo 229º CSC admite a possibilidade de, no contrato social, serem apostas
cláusulas que proíbam a cessão de quotas (desde que obedeçam ao disposto no nº1) ou,
outras, que inclusive, dispensem o consentimento da sociedade para que a transmissão lhe
seja oponível (nº2).
No caso de a sociedade não der provimento ao pedido de consentimento (e, portanto,
recusar a transmissão da quota), deverá apresentar uma proposta de amortização ou
aquisição da quota, nos termos do artigo 231º CSC. Se essa proposta não for apresentada,
a cessão poderá operar livremente sendo, aliás, o que dispõe o artigo 231º, nº2, alínea a)
CSC.
Relativamente aos sócios comanditários nas sociedades em comandita simples é aplicável
o regime acima descrito, ao abrigo do artigo 475º CSC.
Nas sociedades anónimas, as ações ao portador são livremente transmissíveis; em relação
às ações nominativas, pode o estatuto estabelecer limitações (artigos 328º, nº1 e nº2 e
329º, nº1 CSC).
Aos sócios comanditários nas sociedades em comandita por ações aplica-se o disposto para
as sociedades anónimas (artigo 478º CSC).

13
As participações sociais são ações – cf. artigos 271º e 465º, nº3 CSC.
14
Manifestação do cariz capitalístico deste tipo societário.

10
Direito da Atividade Comercial

Quanto aos sócios comanditados – tanto nas sociedades em comandita simples, como nas
sociedades em comandita por ações -, é exigido, pelo artigo 469º, nº1 CSC, deliberação
autorizante dos sócios.

Subcapítulo IV – Número mínimo de sócios

Neste sentido, parece que o artigo 7º, nº2 CSC vem estabelecer uma regra geral: a
sociedade deve se constituída, no mínimo, por dois sócios, admitindo, no entanto, algumas
exceções, ressalvando as hipóteses em que a lei imponha um número mínimo superior ou,
pelo contrário, admita a constituição de sociedades unipessoais – por um sócio.
No entanto, vejamos: nas sociedades em nome coletivo ou em comandita simples exige-se
um número mínimo de dois sócios (e, nessa medida, é verdade que opera o artigo 7º, nº2
CSC); mas assim já não é, nas sociedades por quotas que, por força do artigo 270º-A, nº1
CSC podem ser constituídas por apenas um sócio (unipessoais); as sociedades anónimas
podem, por seu turno, serem constituídas por apenas uma outra sociedade, nos termos dos
artigos 481º, nº1 e 488º, nº1 CSC, ou por dois sócios (artigo 273º, nº2 CSC). Neste registo, a
regra é, todavia, a de que estas devem ser constituídas por cinco sócios (artigo 273º, nº1
CSC); e, por fim, as sociedades em comandita por ações não podem ser constituídas com
menos de seis sócios (artigos 465º, nº1 e 479º CSC).
Por outro lado, a lei não fixa um número máximo de sócios para qualquer tipo societário.

Subcapítulo V – Capital Social

O capital social é uma cifra representativa dos valores nominais das participações sociais
fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie, tendo estas um valor idêntico ou
superior àquelas (artigo 25º CSC).
Exceção feita às sociedades em nome coletivo, nos casos em que os sócios entrarem
somente com indústria (caso em que a sociedade não tem capital social – artigo 178º, nº1),
todos os restantes tipos societários possuem, nos termos do artigo 9º, alínea f) CSC, um
capital social. Assim sendo, muitas vezes, a lei fixa o capital mínimo obrigatório para que as
sociedades possam ser constituídas. Deste modo, estipula a lei, nos artigos 276º, nº5 e 478º
CSC, que o capital mínimo obrigatório é 50 000 euros para a constituição de sociedades
anónimas e para as sociedades em comandita por ações; para as sociedades por quotas o
valor mínimo15 pode ser livremente fixado pelos sócios, a partir de 1 euro (por cada sócio)
– artigo 201º e artigo 219º, nº3 CSC.
Nos restantes casos – maxime sociedades em nome coletivo e em comandita simples -, a lei
não se pronuncia e, por isso, não existe um capital mínimo legalmente fixado.

15
Que anteriormente se situava nos 5 000 euros.

11
Direito da Atividade Comercial

Subcapítulo VI – Tipos doutrinais societários

Ocupar-nos-emos, neste momento, dos tipos societários construídos pela doutrina que
permitem uma melhor compreensão dos tipos legais. Merecem destaque as “sociedades de
pessoas” e as “sociedades de capitais”.
Nas “sociedades das pessoas” sobressai o seu caráter intuitus personae, o que se reflete
nas suas características: a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, a
impossibilidade ou dificuldade na transmissão das participações sociais e, por conseguinte,
a fraca mutação subjetiva (i. é., dos sócios) no seio societário; o peso manifesto dos sócios
na gestão das atividades sociais (a cada sócio corresponde, em regra, um voto); o dever de
informação alargados de que os sócios são titulares; entre outras. Encaixam nesta
construção doutrinária, nomeadamente, as sociedades em nome coletivo.
Nas “sociedades de capitais” sucede o inverso, ou seja, o intuitus personae não está
presente, importando, mais do que isso, o valor das contribuições patrimoniais dos sócios.
Na verdade, os sócios não intervêm ativamente na vida da sociedade, tanto na gestão das
atividades sociais como no âmbito deliberativo (ademais, os votos são atribuídos em função
do peso da participação social), e não respondem pelas dívidas sociais. Para além disto, não
se colocam grandes entraves à transmissão da posição de sócio, pelo que estes são
facilmente substituídos. Dito isto, depreendemos que as sociedades anónimas são as que
melhor se enquadram neste tipo doutrinal societário.
A classificação dos restantes tipos societários legais é dúbia, sendo inclusivamente objeto
de debate doutrinal, do qual não nos ocuparemos16.
Sumariamente, ainda podemos dar conta de uma outra distinção: falamos das “sociedades
abertas”, cujo melhor exemplo é traduzido pelas sociedades anónimas, e que tal como o
nome indica são as que se encontram mais abertas aos mercados de capitais, onde os sócios
e investidores vendem e adquirem ações; e das “sociedades fechadas” que são as que, pelo
contrário, não estão expostas à comercialidade das participações sociais, isto é, encontram-
se fechadas aos mercados de capitais e, nessa medida, a substituição dos sócios torna-se
difícil e só sucede em hipóteses reduzidas, estando estes perfeitamente imbuídos do
espírito e vida societária. E, como é de fácil conclusão, exemplo típico deste tipo doutrinal
são as sociedades em nome coletivo.

Subcapítulo VII – Taxatividade dos tipos legais de sociedade

O elenco prescrito no artigo 1º, nº2 CSC é taxativo e, portanto, a lei comercial não admite
que sejam adotados outros tipos legais que não os previstos no preceito. Aliás, está vedada
aos sujeitos adotar, se pretenderem constituir uma sociedade comercial, um tipo diverso
dos previstos na lei. Este princípio da taxatividade reduz, claro está, a capacidade negocial
dos sujeitos, visando-se, sobretudo, prosseguir fins de segurança jurídica: dessa forma, os
credores sociais e os sócios podem confiar que as sociedades com quem se relacionam não
podem deixar de respeitar uma das formas exigidas e, outrossim, em larga medida, o regime

16
Remetemos, neste contexto para Curso de Direito Comercial, Volume II, 5ª Edição, Jorge Manuel
Coutinho de Abreu.

12
Direito da Atividade Comercial

que subjaz a cada uma delas. É que, para além de se impor a adoção de um dos tipos
societários prescritos no artigo 1º, nº2 CSC, impõe-se que os estatutos não contrariem
características imprescindíveis dos tipos, sendo as cláusulas que as contrariem, nulas.

Capítulo II – Constituição das Sociedades Comerciais

O processo formativo de uma sociedade deve ser visto de um ponto de vista dinâmico, uma
vez que se trata de um encadeamento de atos que, interligados, formam um processo. No
geral, e não obstante a realização de outros atos menos relevantes e a existência de outros
processos que gozam de outras particularidades, o processo constitutivo conhece três
momentos importantes: contrato de sociedade, registo (definitivo) do contrato e
publicação do contrato.
Nem sempre o processo constitutivo de sociedades segue os mesmos termos, até porque
não existe um regime unitário. Assim, e não obstante o processo normal que envolve o
caminho acima descrito, que passa, obrigatoriamente, por aqueles três atos, a própria lei
acaba por estabelecer a possibilidade de o trilho constitutivo ser diferenciado. Neste
contexto, o próprio artigo 18º CSC consagra a possibilidade de registo prévio,
acrescentando, então, um momento aos restantes; por outro lado, a constituição de
sociedades comerciais pode suceder em termos diversos aos regulados pelo CSC, isto é,
através de lei ou decreto-lei17. O CIRE consagra um exemplo dessa possibilidade quando se
refere a saneamento por transmissão – visa a constituição de uma ou mais sociedades para
a exploração de um ou mais estabelecimento adquiridos à massa insolvente.
Poderíamos falar de outros procedimentos, nomeadamente, dos que foram instituídos com
o intuito de tornar célere a constituição de sociedades por quotas ou anónimas, mas isso
seria descentrar a atenção do que realmente nos importa, que, em todo o caso, é o regime
que se encontra disposto no Código das Sociedades Comerciais. É dele que agora nos
ocuparemos.

Subcapítulo I – Ato constituinte (o contrato de sociedade)

Através do contrato de sociedade, nasce a sociedade enquanto entidade. Trata-se de um


ato jurídico que visa um fim comum – a distribuição de lucros distribuíveis pelos sócios -,
ocupando-se, simultaneamente, da organização da sociedade, definindo as diretrizes pelas
quais esta se deve guiar ao longo da sua vida.
Nas sociedades anónimas (mas, também, nas sociedades em comandita), porque envolvem
a subscrição pública, não existe um verdadeiro ato constituinte, isto porque para que o
contrato produza os efeitos carece de uma deliberação da assembleia constitutiva. Nesse
sentido, diz-se que a deliberação é condição suspensiva do contrato. Quanto a estas vigora,
por força do artigo 281º, nº5 e nº6 CSC, a regra da maioria dos votos (e, assim, obtida a
maioria dos votos, a sociedade fica constituída) e a cada subscritor caberá um voto (artigo
281º, nº4 CSC).

17
O Estado tem constituído inúmeras sociedades anónimas através destes atos legislativos.

13
Direito da Atividade Comercial

Nas sociedades unipessoais, o ato constitutivo é um negócio jurídico unilateral (uma vez
que nele não intervêm várias partes); nas sociedades criadas por lei ou decreto-lei, o ato
constitutivo é o próprio ato legislativo; e nas sociedades constituídas mediante saneamento
por transmissão, o ato constitutivo deve considerar-se a decisão homologatório do plano de
insolvência.
Dito isto, importa perceber quem pode, efetivamente, constituir ou participar na
constituição de uma sociedade.
Prima facie, podemos destacar as pessoas singulares. As que tenham capacidade de
exercício podem ser sócios, mas também os incapazes podem sê-lo, desde que
representadas – v.g., os menores, desde que representados pelos pais. No entanto, em
alguns casos, a lei impõe que o Ministério Público autorize a entrada para uma sociedade, o
que sucede, por exemplo, relativamente às sociedades em nome coletivo; outros casos
haverá em que essa autorização não é precisa, nomeadamente, quando os pais, em
representação dos filhos, pretendam entrar para sociedades anónimas ou por quotas.
Excecionalmente, os menores – com mais de 16 ou 17 anos – têm capacidade para entrar
para uma sociedade: isto pode suceder quando entrem para estas com bens que provenham
do seu próprio trabalho e desse que a sua responsabilidade fique limitada à sua entrada.
Quanto aos cônjuges, e da conjugação do artigo 1714º, nº3 CC com o artigo 8º, nº1 CSC,
admite-se que estes possuam participação na mesma sociedade, desde que só um deles
assuma responsabilidade ilimitada (e, portanto, não poderão, em qualquer caso, ser sócios
da mesma sociedade quando se trate de sociedade em nome coletivo).
Por outro lado, as pessoas coletivas privadas também podem ser sujeitos dos atos
constituintes – falamos, essencialmente, das cooperativas e, de forma menos evidente, das
associações e fundações. Da mesma possibilidade gozam as pessoas coletivas públicas – no
entanto, porque aprofundarmos esta questão implicaria a análise de regimes que não nos
interessam, não nos alongaremos. Ainda assim, e conforme já se disse, os Estados podem
participar em atos constituintes de sociedades, o que se reflete, desde logo, na possibilidade
de criação por lei ou decreto-lei, bem como o podem os municípios e as regiões autónomas.

Atentando ao conteúdo do ato constituinte, dele têm de resultar algumas menções


(obrigatórias) e podem ou não constar outras (as menções facultativas). Neste sentido, o
artigo 9º, nº1 CSC vem apresentar uma lista de menções obrigatórias gerais (que valem para
qualquer tipo societário): alínea a) – impõe a indicação dos nomes e firmas de todos os
sócios fundadores. Ora, do ato deve constar, nomeadamente, o nome completo, a
naturalidade e residência habitual dos sócios; alíneas b) e c) – o tipo e a firma da sociedade.
Aqui, impõe-se que seja indicado o tipo societário constituído e, por isso, a indicação de um
dos tipos prescritos no artigo 1º, nº2 CSC; alínea d) – a delimitação do objeto da sociedade.
Trata-se uma menção particularmente importante porque, na verdade, é através da
delimitação do objeto que se definem vários aspetos em relação à vida da sociedade: é que
os sócios devem conhecer a atividade onde vão investir os seus capitais ou trabalho,
delimitado o objeto definir-se-á o alcance das obrigações de não concorrência, os órgãos
sociais devem atuar dentro do objeto societário e, dessa forma, abster-se de praticar atos
que se situem fora do seu escopo. Os interesses associados são de vária ordem, pelo que o

14
Direito da Atividade Comercial

desrespeito desta imposição leva à nulidade do ato constituinte ainda não registado (artigo
41º CSC e 280º CC); alínea e) – deve constar a sede da sociedade (cf. artigo 12º CSC). Esta
imposição releva, na medida em que as assembleias gerais, em princípio, serão realizadas
na sede da sociedade e para efeitos da competência internacional dos tribunais para
conhecerem de questões relativas às sociedades (artigo 63º CPC)18; alíneas f) e g) – o capital
social (esta imposição não se aplica às sociedades em nome coletivo em que todos tenham
contribuído somente com indústria), a quota de capital e a natureza de cada entrada –
impõe-se que indique a participação social correspondente ao valor da entrada e, também,
o tipo de entrada (se em dinheiro, espécie ou indústria); alíneas h) e i) – a especificação dos
bens que constituíram a entrada (quando não sejam dinheiro) e o valor de cada um deles, e
i) para efeitos de contagem do exercício anual quando não opere a regra geral de que um
exercício corresponda a um ano civil.
O elenco do artigo 9º, nº1 CSC não é taxativo, pelo que existem outras menções obrigatórias
gerais que devem constar do ato constituinte: destaca-se a indicação das vantagens
especiais e das despesas de contribuição (artigo 16º, nº2 CSC). As primeiras referem-se aos
benefícios (prémios) concedidos aos sócios pela iniciativa de formarem a sociedade,
enquanto que as despesas de contribuição compreendem, essencialmente, as despesas
efetuadas numa fase pré-constituinte como, por exemplo, os estudos feitos para aferir da
viabilidade da constituição da sociedade.
Analisadas as menções obrigatórias que valem para todos os tipos societários, cumpre
abordar as que apenas se impõem em relação a alguns tipos e, por isso, as menções
obrigatórias específicas.
Neste registo, sumariamente, vale o artigo 176º, nº1 CSC para as sociedades em nome
coletivo (na verdade, não acrescenta muito mais ao que resulta do artigo 9º, nº1 CSC); rege
o artigo 199º CSC para as sociedades por quotas; para as sociedades anónimas atente-se ao
disposto no artigo 272º CSC; relativamente às sociedades em comandita operam os artigos
466º CSC: devem indicar-se quais ou sócios comanditários e quais os sócios comanditados
e se se trata de uma sociedade em comandita simples ou por ações, bem como a atribuição
dos votos aos sócios, em função do capital.

Finalmente, as menções facultativas. Neste sentido, podemos destacar as normas


habilitantes mas não dispositivas, como os artigos 27º, nº3 CSC (admitindo que do ato
constituinte conste penalização pelo não cumprimento das entradas), 148º CSC (o estatuto
pode determinada a transmissão do património da sociedade dissolvida para um dos
sócios), 186º, nº1 CSC (possibilidade de exclusão de sócio, nos casos previstos no contrato
– para as sociedades em nome coletivo), 198º, nº1 CSC (nas sociedades por quotas, admite-
se a possibilidade de, no ato constituinte, se estabelecer a responsabilidade direta do sócio
para com os credores sociais), 287º, nº1 CSC (nas sociedades anónimas, a possibilidade de
se impor aos acionistas a obrigação de efetuarem prestações acessórias).
Estas normas não se aplicam às sociedades, só vigorando se se encontrarem previstas no
contrato.

18
Sede estatutária, que não se confunde com “sede principal e efetiva da administração” (cf. artigo 3º
CSC).

15
Direito da Atividade Comercial

Posto isto, o artigo 9º, nº3 CSC vem dizer que as normas dispositivas se aplicam às
sociedades, a menos que o contrato social as afaste ou, outrossim, este admita que estas
normas sejam derrogadas por meio de deliberação dos sócios (no entanto, esta última
possibilidade só é válida quando a lei o admita – artigos 151º, nº1, 191º, nº2, 217º, nº1,
294º, nº1 CSC). Exemplo destas normas são: 15º CSC (a menos que se estabeleça a duração
da sociedade, esta vigora por tempo indeterminado), 26º, nº3 CSC (o contrato pode prever
o diferimento da realização das entradas em dinheiro, caso contrário elas terão de ser
efetuadas no início), entre outros.

Regime das relações societárias anteriores à celebração do contrato de sociedade: o ato


constituinte deve, ao abrigo do artigo 7º, nº1 CSC, respeitar forma escrita e as assinaturas
de quem participa nele (subscritores) devem ser reconhecidas presencialmente. Não se
exige, porém, em regra, que a forma escrita se traduza em documento particular
autenticado ou escritura pública19, bastando que o contrato se reduza a escrito.
Não obstante o contrato social ainda não ter sido celebrado, pode suceder que os sócios
realizem negócios em nome da sociedade (v.g., contratar trabalhadores), ignorando a
exigência da forma legal para o contrato, muitas vezes pela urgência que certas situações
impõem. Vislumbrar-se-ia, prima facie, a invalidade destes atos mas, na verdade, a lei não
o proíbe, ainda que a não observância da forma legal exigida importe a nulidade nos termos
do artigo 220º CC e do artigo 41º, nº1 CSC, com fundamento no artigo 42º, nº1, alínea e)
CSC. Estamos perante um regime de invalidade distinto ao aplicável aos negócios jurídicos
em geral.
Ainda assim, a sociedade, antes de celebrado o contrato, não se pode considerar
regularmente constituída, situando-se, pois, numa situação irregular. O tratamento dos atos
realizados em nome da sociedade antes da celebração do contrato é feito pelo artigo 36º,
nº2 CSC – a estes é aplicável o regime disposto para as sociedades civis, no que concerne
às relações internas (entre sócios) e com terceiros. Deste modo, e no que concerne às
relações internas, será aplicável o disposto nos artigos 983º e seguintes e 1001º e seguintes
do Código Civil; ao passo que em relação às relações externas valerá o disposto nos artigos
996º e seguintes do CC. Assim, e conforme rege o nº1 do artigo 997º CC, respondem pelas
dívidas sociais a sociedade e, pessoal e solidariamente com esta, os sócios; ainda assim,
antolha-se a possibilidade de o sócio exigir a prévia excussão do património social (nº2 do
mesmo preceito).

Regime das relações societárias depois da celebração do ato constituinte e antes do


registo: o tratamento conferido às relações internas entre a celebração do ato constituinte
e o registo é-nos dado pelo artigo 37º CSC. Assim sendo, é aplicável o disposto no Código
das Sociedades Comerciais e o que estiver previsto no contrato social, ressalvada a aplicação
das normas que pressuponham o contrato definitivamente registado. Contudo, o nº2 do
mencionado preceito vem consagrar duas exceções – a transmissão das participações
sociais entre vivos exige o consentimento unânime de todos os sócios, bem como o exigem

19
Só nos casos em que tal for exigido para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a
sociedade (artigos 939º e 875º CC).

16
Direito da Atividade Comercial

a modificação do contrato social (independentemente do tipo societário que se vise


constituir!).
No que tange às relações externas, valem os artigos 38º a 40º CSC, aplicando-se disposições
distintas conforme o tipo que se vise constituir. Assim, quanto às sociedades em nome
coletivo, durante este hiato temporal, respondem pelas dívidas sociais solidária e
ilimitadamente todos os sócios, presumindo-se o consentimento de todos eles para a
prática dos negócios jurídicos realizados durante esse período (artigo 38º, nº1 CSC);
contudo, caso os negócios não tenham sido autorizados por todos, respondem pessoal e
solidariamente aqueles que os realizarem ou autorizarem (nº2); isto não prejudica o
disposto no nº3 – as cláusulas que limitem a responsabilidade dos sócios não são oponíveis
a terceiros, a menos que estes as conheçam ao tempo da celebração dos negócios.
A breve trecho, e quanto às sociedades em comandita simples, rege o artigo 39º CSC do
qual resulta o seguinte: pelos negócios celebrados durante este hiato, respondem todos os
sócios comanditados, pessoal e solidariamente (nº1); o sócio comanditário também é
responsabilizado nos casos em que consentir no começo das atividades, a menos que a
qualidade deste, enquanto sócio, seja do conhecimento do credor (nº2) e consiga prová-lo;
caso não haja o consentimento de todos os sócios comanditados para a prática e realização
de negócios jurídicos, então, só irão responder os sócios que houverem autorizado ou
tenham participado na realização desses negócios (nº3); as cláusulas que limitem a
responsabilidade dos sócios não são, mais uma vez, oponíveis a terceiros, a menos que estes
as conheçam à data da celebração dos contratos (nº4).
Finalmente, no que tange às sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações,
vem o artigo 40º, nº1 CSC apresentar a solução. Pelas dívidas e obrigações sociais contraídas
durante o hiato temporal referido, respondem os sócios, solidária e ilimitadamente, que
houverem consentido nos negócios ou neles tenham participado. Os restantes respondem
apenas até ao valor das suas entradas20.
Posto isto, um problema que se coloca é o de saber se o património social (e, por isso, a
sociedade) responde pelas dívidas contraídas neste lapso temporal – entre a celebração do
ato constituinte e o registo (definitivo) do mesmo. É que nenhum dos preceitos analisados
(artigos 38º a 40º CSC) vem responsabilizar a sociedade pelas obrigações sociais, sugerindo
e consagrando apenas a responsabilidade dos sócios.
Ora, neste sentido, existem inúmeros argumentos que se poderiam ter em conta (uns a
favor da responsabilidade da sociedade e outros que a desresponsabilizam). No entanto, e
porque em último caso o entendimento deve ser o de que a sociedade responderá pelas
dívidas contraídas neste período, exporemos os argumentos mais importantes que
fundamentam tal conclusão (se assim podemos chamá-lo).
Em primeiro lugar, todos os preceitos que referimos (artigos 38º a 40º CSC) sugerem que
os sócios agiram (ou agem) em nome da sociedade (“em nome de…”) ou em representação

20
É preciso ter atenção que estes sócios não irão responder solidariamente com os sócios que, atuando
em nome da sociedade, participaram ou consentiram na celebração dos negócios. A ideia que subjaz a
esta premissa é apenas a de que os credores podem socorrer-se das obrigações de entrada dos sócios
para satisfazerem os seus créditos, exigindo-lhes que prestem as entradas a que se obrigaram. É
somente isto.

17
Direito da Atividade Comercial

desta (“em representação dela”). Não será abusivo, então, compreender, que a lei
pressupõe que a sociedade já existe e que, por isso, ainda que não tenha personalidade
jurídica, é sujeito suficiente de direitos e obrigações.
Em segundo, o silêncio da lei, ao contrário do que possa pensar ou deduzir, não implica que
respondam apenas os sócios (só porque só a eles esta se refere). Na verdade, lançando mão
de um argumento por maioria de razão, se a lei consagra a responsabilidade da sociedade
(cf. artigo 997º, nº1 CC ex vi artigo 36º, nº2 CSC) em relação às obrigações resultantes de
negócios anteriores à celebração do ato constituinte, então, por maioria de razão, também
esta deverá ser responsabilizada pelas obrigações decorrentes de contratos celebrados
depois desse momento.
Em terceiro, o artigo 19º CSC, é verdade, refere-se à “assunção” de direitos e obrigações
por virtude do registo. No entanto, isto não quer dizer que a sociedade não era sujeito
dessas relações jurídicas até esse momento (ao registo). Quer antes significar que,
anteriormente, a sociedade já era titular dessas posições jurídicas e que, com o registo, a
sua posição se consolidou, tornando-se, agora, a única responsável (em regra) pelas
obrigações contraídas antes do registo. Nada se transmitiu, consolidou-se.
Nos termos do artigo 40º, nº1 CSC os sócios que não hajam participado ou consentido na
realização do negócio, são responsabilizados por estes até à importância das entradas que
se obrigaram a realizar, pelo que aos credores pertence o direito de exigir que estes
efetuem as suas entradas, para que a sociedade fique com mais meios para cumprir as suas
obrigações. Por outro lado, os credores, uma vez que os negócios são celebrados em “nome”
da sociedade, confiam que o património que irá responder pelos seus créditos será o social.
A lei consagra, igualmente, a responsabilidade dos sócios, uma vez que no momento
anterior ao registo, ainda não existe uma situação de certeza quanto ao património que
poderá responder pelas dívidas (isto é, não sabem com o que podem contar). A
responsabilidade dos sócios é um meio para tutelar os interesses dos credores sociais, não
devendo ser visto como um meio que substitui a responsabilidade da sociedade.
Dito tudo isto, conclui-se que as sociedades também são responsáveis pelos negócios
celebrados antes do registo e depois da celebração do ato constituinte. Contudo, estamos
perante uma regra que conhece duas exceções: neste momento, a sociedade não se
responsabiliza por obrigações que não pudesse assumir depois do registo. Referimo-nos,
essencialmente, aos atos para os quais remete o artigo 19º, nº4 CSC21; por outro lado, salvo
autorização dos sócios, uma parte do património societário nas sociedades por ações (o
correspondente ao dinheiro das entradas em instituição de crédito) não pode ser mobilizado
para pagar aos credores (cf. artigos 277º, nº5, alínea b) e 478º CSC).
A afirmação da responsabilidade da sociedade, levanta uma outra questão: os sócios que
ao abrigo dos artigos referidos respondem solidariamente, também solidariamente
responderão com a sociedade. O entendimento deve ser o do artigo 997º CC, por remissão
do artigo 36º, nº2 CSC, donde a resposta é afirmativa: sócios e sociedade responderão
solidariamente, sem prejuízo da possibilidade de o sócio demandado exigir a excussão
prévia do património social (cf. artigo 30 CSC).

21
Vide nota de rodapé 260, pp. 127, Curso de Direito Comercial, 5ª Edição, Volume II, Jorge Manuel
Coutinho de Abreu.

18
Direito da Atividade Comercial

Subcapítulo II – Registo do ato constituinte

Os atos constituintes (e relembramos que não são atos constituintes apenas os contratos)
devem e têm!, todos eles, independentemente do tipo societário, ser registados.
A legitimidade para pedir o registo pertence aos membros do órgão de administração e os
que demais tenham interesse nisso (os sócios) – cf. artigo 29, nº1º CRCom22. Estes pedidos
podem ser efetuados em qualquer conservatória de registo comercial, devendo o pedido
ser acompanhado por documento que comprove a constituição da sociedade (escrito com
assinaturas reconhecidas ou documento mais solene). A entidade competente, salvo casos
urgentes23, deve proceder ao registo no prazo de dez dias.
E quais são os efeitos que resultam do registo?
A mais relevante das consequências ou, melhor dito, o efeito mais importante do registo
traduz-se na aquisição de personalidade jurídica pela sociedade, conforme preceitua o
artigo 5º CSC. Não quer isto dizer que o ato constituinte só produz efeitos com o registo; na
verdade, a sociedade já existe antes deste momento (conforme vimos).
Outro efeito importante prende-se com a assunção automática24 pela sociedade dos
direitos e obrigações previstos no artigo 19º, nº1 CSC – nomeadamente, dos direitos e
obrigações decorrentes dos negócios jurídicos previstos no artigo 16º CSC (i. é., os que
decorrerem de vantagens especiais ou despesas de constituição) (alínea a)); os direitos e
obrigações decorrentes da exploração normal de um estabelecimento que haja constituído
a entrada de um dos sócios para a sociedade ou que tenha sido adquirido por conta da
sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social (alínea b)); os que decorrerem
de negócios jurídicos concluídos antes do ato de constituição e que neste estejam
especificados e expressamente ratificados (alínea c)); os decorrentes de negócios jurídicos
celebrados pelos gerentes ou administradores ao abrigo da autorização dada por todos os
sócios no ato de constituição (alínea d)).
Estes são os direitos que são adquiridos de pleno direito, mas não são os únicos que podem
ser adquiridos pelo registo definitivo do contrato. Neste sentido, o nº2 do artigo 19º CSC
vem conceder a possibilidade de a sociedade assumir os direitos e obrigações decorrentes
de negócios celebrados em nome da sociedade e antes do registo do contrato, mediante
decisão de administração. Esta assunção deve ser comunicada à contraparte no prazo de 90
dias. Na decisão administrativa referida não podem participar os membros do órgão da
administração que tenham participado na conclusão dos negócios (cf. artigo 410º, nº6 CSC).
A assunção dos negócios celebrados no nº1 e nº2 retrotrai ao momento da sua celebração
e libera as pessoas indicada no artigo 40º da responsabilidade aí prevista, salvo as que por
lei continuem a ser responsáveis (artigo 19º, nº3 CSC). Deste modo, se um sujeito liberado
tiver cumprido alguma obrigação social, terá o direito a exigir da sociedade o equivalente
do que prestou (como que um direito de regresso). Se, porventura, for a sociedade a cumprir
com uma obrigação por ela não assumida, tomará a posição de credoras dos sujeitos
responsáveis nos termos prescritos nos artigos 38º a 40º CSC.

22
Código do Registo Comercial.
23
Nestes casos, o prazo é de um dia útil.
24
Ipso iure.

19
Direito da Atividade Comercial

Por último, e como ficou dito, a sociedade não pode assumir as obrigações previstas no nº4
do mencionado preceito.

Subcapítulo III – Publicação do ato

Ao registo segue-se a sua publicação e será sobre esse momento que agora nos
interessaremos.
Esta formalidade, obrigatória para as sociedades por quotas, anónimas ou em comandita
por ações, são promovidas pela conservatória onde o registo foi efetuado (artigo 71º
25
CRCom.) e são feitas em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do
Ministério da Justiça (artigo 167º, nº1 CSC).
Quando obrigatória, o ato constituinte só é eficaz perante terceiros se publicado (artigo
168º, nº2 CSC), a menos que consiga provar que o ato estava registado e que o terceiro
tinha conhecimento dele.

Subcapítulo IV – Interpretação e integração dos estatutos

Os estatutos são, em regra, negócios jurídicos que visam organizar a atividade da sociedade,
fundando-se na vontade dos sócios. Muitas das cláusulas que deles constam assumem uma
natureza normativa porquanto são gerais e abstratas e, nessa medida, são aplicáveis aos
sócios fundadores da sociedade (e que, portanto, participaram na elaboração dos estatutos)
mas, também, aos sócios que posteriormente adquirirem essa qualidade.
A sua interpretação deve ser feita segundo as orientações dos artigos 236º a 238º do Código
Civil, solução que se aceita e compreenda atento à natureza de negócios jurídico dos
estatutos. E, assim sendo, descura-se (ou não se atende) a subjetividade, ou seja, não se
procura a vontade real dos sujeitos do ato constituinte (os sócios).
Contudo, e quando estejamos perante sociedades de pessoas é normal que haja uma maior
consideração de elementos subjetivos, na medida em que é rara a substituição dos sócios
por outros e, por isso, pode existe mais espaço para ter em consideração em a sua vontade
e interesses. O contrário sucederá nas sociedades de capitais porquanto os sócios alienam
com facilidade as suas participações e, consequentemente, facilmente se fazem substituir
por outros – atende-se, nomeadamente, ao que consta objetivado no ato constituinte e ao
seu contexto.
No que concerne à atividade de integração de lacunas, atendendo ao disposto no artigo
239º CC (na falta de disposição especial), deve-se recorrer, prima facie, às normas
dispositivas do CSC26 e, na falta ou insuficiência destes preceitos, ter-se-á de ter em conta a
vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso (vontade hipotética

25
Imagine-se que nos estatutos de uma sociedade por quotas está prevista uma cláusula que estabelece
que, à morte de um dos sócios, a quota não se transmitirá aos seus sucessores (artigo 225º, nº1 CSC).
Entretanto, um sócio falece e deixa a sua quota a um amigo. Pretende, nos termos do nº2 do artigo 225º
CSC, a sociedade amortizar a quota contra a vontade do legatário, mas os estatutos não foram
publicados. Nesse caso, a falta de publicação implica que a sociedade não possa opor a cláusula que
consta dos estatutos (que, à morte de um dos sócios, a quota não se transmitirá aos seus sucessores) ao
legatário e, por conseguinte, que não possa amortizar a quota, conforme é sua vontade.
26
Neste sentido, cf. artigo 9º, nº3 do Código Civil.

20
Direito da Atividade Comercial

dos sócios) ou aos ditames da boa-fé se impuserem solução diversa da decorrente daquela
vontade.

Subcapítulo V – Invalidades do ato constituinte

Ao abordar esta matéria, precisamos de ter em conta dois momentos: o momento anterior
ao registo definitivo do ato constituinte e o momento posterior a este registo.
Reportando-nos, em primeiro lugar, ao momento anterior ao registo, às invalidades do
contrato aplicar-se-ão as normas relativas aos negócios jurídicos (cf. artigos 220º e 285º ss.
CC), sem prejuízo do artigo 52º CSC. É o que resulta do artigo 41º CSC.
Depois do registo, o regime aplicável às invalidades do ato constituinte é diverso. O artigo
42º CSC vem estabelecer no nº1 um elemento taxativo das causas de invalidade aplicável,
conforme dita a epígrafe, às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por ações.
Em traços gerais, as causas são as seguintes: falta do número mínimo de sócios fundadores
exigidos por lei (dois) (cf. artigo 7º, nº2 CSC), salvo quando esta permita a constituição da
sociedade por uma só pessoa (alínea a)); falta de menção da firma, da sede, do objeto ou
do capital social, bem como do valor da entrada de cada um dos sócios ou de prestações
realizadas por conta desta (alínea b)); menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem
pública (alínea c)); falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima
do capital social (artigos 201º, 202º, nº2, 276º, nº3, 277º, nº2 e 478º CSC) (alínea d)); o
desrespeito pela forma legalmente exigida para o contrato de sociedade (cf. artigo 7º, nº1
CSC) (alínea e))27.
Por seu turno, o artigo 43º, nº1 CSC consagra as causas de invalidade do ato constituinte
nas sociedades em comandita simples e em nome coletivo. Ora, deste preceito (e do nº2)
resulta que são causas de invalidade as dispostas no nº1 do artigo 42º CSC, a falta de menção
do nome ou firma de algum dos sócios com responsabilidade ilimitada e as causas gerais de
invalidade dos negócios jurídicos segundo a lei civil (v.g., a simulação – artigo 240º CC).
Tanto o artigo 42º, nº2 CSC como o artigo 43º, nº3 CSC admitem a possibilidade de algumas
invalidades serem sanadas. Assim, nos termos dos referidos preceitos, podem ser objeto de
sanação os vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma da sociedade, bem como do valor
da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A sanação opera
mediante deliberação dos sócios, tomada nos termos prescritos para as que se referem à
alteração do contrato (cf. artigos 194º, 265º, 386º, nº3 e nº4 e 476º CSC).
A ação para declaração de nulidade do ato constituinte deve ser intentada no prazo de três
anos, tendo legitimidade para tal, qualquer membro dos órgãos sociais, os sócios, os
terceiros que tenham interesse relevante e sério na procedência da ação e o Ministério
Público (este último a todo o tempo – nº2) – artigo 44º CSC. Contudo, quando os vícios sejam
sanáveis a ação não pode ser interposta antes de decorridos 90 dias sobre a interpelação à
sociedade para sanar o vício.
Posto isto, não podemos deixar de expor a possibilidade de liquidação da sociedade
mediante requerimento do Ministério Público, caso o contrato de sociedade não respeite a

27
Isto é muito difícil de ocorrer depois do registo, uma vez que as conservatórias de registo comercial
são competentes pelo controlo da legalidade do ato constituinte.

21
Direito da Atividade Comercial

forma legal exigida ou o seu objeto se tenha tornado ilícito ou contrário à ordem jurídico
(artigo 172º CSC). No entanto, antes de mais, o Ministério Público deve notificar por ofício
a sociedade para que, em prazo razoável, venha regularizar a situação que advenha da falta
de forma legal, já que tal não se aplica quando o objeto seja ilícito ou contrário à ordem
jurídica (artigo 173º, nº1 e nº3 CSC).
Falámos até aqui dos vícios que afetam, de forma imediata, todo o ato constituinte.
Contudo, há vícios que se referem e só afetam parte ou partes do ato – os vícios parciais.
Antes do registo, regem, mais uma vez, as disposições relativas às invalidades dos negócios
jurídicos em geral, dispostas no Código Civil, em conformidade com o preceituado pelo
artigo 41º, nº1 CSC. No entanto, a invalidade que se refere à incapacidade de um sócio
(porque é menor, por exemplo), tanto é oponível à sociedade e, nessa medida, poderá exigir
o que lhe prestou (nomeadamente, o objeto da sua entrada), como a terceiros, podendo,
por isso, eximir-se da responsabilidade que possa ter para como eles; outras invalidades
como os vícios de vontade ou a usura apenas são oponíveis à sociedade. Donde, ainda que
possa exigir à sociedade o que lhe houver prestado, não poderá o sócio coagido, o enganado
(por exemplo) eximir-se a da responsabilidade que tenha perante credores sociais28 (artigo
41º, nº2 CSC).
A declaração da anulabilidade ou nulidade das declarações negociais, não importa a
invalidade do contrato (artigo 292º CC), a menos que se prove que este não teria sido
concluído sem a parte viciada. Por outro lado, caso não possa operar a redução, os efeitos
do contrato inválido estão previstos no artigo 52º CSC.
Depois do registo, e no que respeita às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita
por ações, dispõe o artigo 45º, nº1 CSC o seguinte: o erro, o dolo, a coação e a usura podem
ser invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que
se verifiquem as circunstância, incluindo o tempo, que, segundo a lei civil, resultaria a sua
relevância para efeitos de anulação do negócio jurídico. Assim, o sócio que tenha sido
enganado, coagido ou vítima de usura tem o direito de exonerar-se, isto é, de sair da
sociedade e de receber o valor real da participação social, calculado à data da declaração da
intenção de sair da sociedade (artigo 240º CSC).
Ora, nos termos do nº2 do artigo 45º CSC o negócio jurídico (o ato constituinte) também é
anulável relativamente ao incapaz. Donde, ele poderá reaver o que prestou e não pode,
caso ainda não tenha cumprido, ser obrigado a completar a entrada (artigo 47º CSC).
No que tange às sociedades em nome coletivo e em comandita simples, o regime das
invalidades parciais é, em tudo (ou em quase tudo), idêntico ao que resulta da lei civil. Ao
abrigo do artigo 46º CSC, o dolo, a coação ou a usura determina a anulação do negócio em
relação àquele que sofreu o vício de vontade ou, sendo caso disso, em relação ao incapaz.
Caso não seja possível a redução às participações sociais dos restantes sócios (artigo 292º
CC), a anulação parcial poderá levar à anulação do negócio por inteiro. Por conseguinte,
quem haja obtido a anulação da sua declaração de vontade poderá exigir da sociedade o
que houver prestado e não pode ser obrigado a completar a sua entrada (artigo 47º CSC).
Ainda assim, se a anulação se fundar em vício de vontade ou usura, não ficará o (ex-)sócio

28
Esta contraída antes da anulação da declaração viciada.

22
Direito da Atividade Comercial

liberado de responder pelas obrigações contraídas pela sociedade antes do registo da ação
ou da sentença.
Esta doutrina aplica-se, igualmente, aos sócios que só posteriormente tenham adquirido
essa qualidade, desde que sejam incapazes ou tenham visto o seu consentimento viciado
(artigo 48º CSC).
Caso um sócio se queira fazer dos direitos que lhes são conferidos pelos artigos 45º, 46º e
48º CSC, aplica-se o disposto nos artigos 49º a 51º CSC quanto ao procedimento.
As cláusulas que sejam nulas e que constem do ato constituinte devem considerar-se como
não escritas.
Os efeitos da invalidade estão, essencialmente, previstos no artigo 52º CSC. Em primeiro, e
conforme se mencionou acima, a declaração de nulidade ou anulação do contrato da
sociedade, importa a liquidação da mesma nos termos do artigo 165º CSC; em segundo, os
negócios que hajam sido concluídos anteriormente (i. é., antes da declaração de anulação
ou nulidade do contrato), não são afetados quanto à sua eficácia, sem prejuízo do disposto
no nº3 do artigo 52º CSC; os sócios não se poderão eximir do dever de realizar ou completar
as suas entradas nem exonerar-se da responsabilidade pessoal e solidária perante terceiro
(nos termos da lei) – nº4. Esta disposição não é, no entanto, aplicável ao sócio cuja
incapacidade determinou a anulação do contrato (nº5).
Aqui chegados, podemos concluir que antes e depois da declaração de invalidade (anulação
ou nulidade) do contrato social, a sociedade é tratada como válida. Antes da decisão, os
negócios jurídicos celebrados produziram todos os seus efeitos, preservando-se a
responsabilidade dos sócios (artigo 52º, nº4 CSC) e da sociedade, de modo a tutelar os
interesses de terceiros. Depois da decisão, o ato constituinte e a sociedade produzem
praticamente os mesmos efeitos, os mesmos de uma sociedade válida em fase de
liquidação. Ademais, a sociedade em fase de liquidação conserva a sua personalidade
jurídica (artigo 146º, nº2 CSC). Nesta fase, os órgãos de fiscalização e de deliberação (ou
órgão sócio) mantêm-se, mas o mesmo já não sucede com o órgão de administração e
representação que, por sua vez, será substituído pelo órgão de liquidação (é o que manda
o artigo 151º, nº1 CSC e o artigo 152º CSC). A atividade social mantém-se, mas dirige-se
essencialmente para o fim da liquidação, pelo que se afigura um bocado limitada (artigo
152º, nº2 e nº3 CSC). Finalmente, a sociedade só se considera extinta no momento do
registo do encerramento da liquidação.

Subcapítulo VI – Acordos parassociais

Os acordos parassociais são contratos celebrados entre todos ou alguns sócios (ou entre
sócios e terceiros), produtores de efeitos atinentes à posição jurídica dos pactuantes sócios
e, eventualmente, atinentes também a outros pactuantes e à vida societária, mas que não
vinculam a própria sociedade.
Exemplos destes acordos são, por exemplo, votar em certas pessoas indiciados por
determinados sócios para membros do conselho de administração; não vender as respetivas
ações durante determinado período; atribuir preferência na aquisição de ações a algum(ns)
dos participantes no acordo; entre outros.

23
Direito da Atividade Comercial

Enquanto contrato, e ao contrário do que sucede em relação aos atos constituintes, estes
acordos estão sujeitos à disciplina dos negócios jurídicos em geral, que consta do Código
Civil e, também por isso, lhes é aplicável o princípio da liberdade de forma, consagrado no
artigo 219º daquele diploma.
Para concluirmos, cumpre referir que estes acordos só vinculam os sujeitos que tenham
participado neles, pelo que não vinculam a sociedade e, por isso, qualquer incumprimento
de uma obrigação parassocial não lhe é oponível. Imagine-se que o sócio que se obrigou a
não vender a sua participação num determinado período, em sede de acordo parassocial, a
vende ainda assim. Ora, a sociedade não pode deixar de reconhecer como sócio o
comprador da participação (artigo 17º, nº1 CSC – não podem ser impugnados (com base no
acordo parassocial) atos praticados pelos sócios para com a sociedade)29.
Terminando, tenha-se em consideração que os acordos parassociais não podem versar
sobre qualquer coisa, tendo algumas limitações quanto ao seu objeto – nomeadamente, em
sede de acordos de voto30.

Capítulo III – Da Personalidade e Capacidade das Sociedades Comerciais

Subcapítulo I – Personalidade Jurídica

Formado o substrato societário, a lei atribui personalidade jurídica às sociedades


comerciais e civis de tipo comercial. O artigo 5º CSC rege a matéria, dizendo que as
sociedades gozam de personalidade jurídica a partir do registo definitivo do ato constituinte
(isto, claro, é aplicável às sociedades que se hajam constituído de acordo com a lei
comercial).
Neste enquadramento, não iremos desenvolver a temática da natureza jurídica da
personalidade jurídica, porquanto não se afigura essencial e o nosso interesse,
presentemente, é outro.
Para que, de facto, haja lugar à personalização é, em princípio, necessário que haja uma
coletividade que partilhe interesses comuns (na pessoa da sociedade). Certo é que, apesar
de isto ser verdade, não podemos concluir que basta a existência desta condição, até porque
não é suficiente. Por outro lado, também não é uma condição necessária – as sociedades
unipessoais (quais sejam), à partida, visam a prossecução de interesses individuais,
privativos dos sócios.
Não se pense que os atributos e consequências derivadas da personalização são exclusivos
das entidades personalizadas. Sucede que estas características, não-raras vezes, existem em
entes que carecem de personalidade. É o caso das sociedades comerciais antes do registo

29
O incumprimento dos acordos parassociais será uma questão que se deve resolver entre os sócios
parte nesse acordo. Daí que, estando sujeito à disciplina geral dos negócios jurídicos, se deve aplicar
nestas ocasiões o regime da responsabilidade civil contratual (artigos 798º e seguintes do Código Civil),
havendo lugar ao dever de indemnizar os restantes sócios (enquanto partes nesse acordo) – artigo 801º,
nº2 CC. Ademais, não raras vezes, a estes acordos são aditadas cláusulas penais para intimar as partes a
não incumprir com o acordado.
30
150-152, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.

24
Direito da Atividade Comercial

definitivo que, como vimos, poderão adquirir direitos e responsabilizar-se por obrigações
(cf. artigos 36º, nº2 CSC, 38º a 40º CSC, etc.). Têm, ademais, firma, sede, são responsáveis
ao nível contraordenacional, gozam de capacidade tributária. Enfim, algumas características
existem antes da referida personalização, isto é, antes do registo definitivo do ato
constituinte. Na verdade, também o património social já existe antes deste momento, sendo
constituído pelas entradas dos sócios e pelos direitos e obrigações resultantes da atividade
social.
Donde, não se deve conferir uma desmesurada importância a este conceito. É, na realidade,
importante, mas não assume o relevo que, certamente, tem noutros ramos do direito. A ela
costuma associar-se uma função consolidativa, na medida em que consolida o património
social (nomeadamente, nas sociedades anónimas e por quotas) e a carga subjetiva inerente
às sociedades31. Em breve trecho, do que se trata é da consolidação da sociedade enquanto
pessoa (coletiva) jurídica, centro autónomo de imputação, que se separa do elemento
subjetivo que a compõe (dos sócios).
A linha que separa os sócios da sociedade enquanto entidade é deveras ténue. É que, em
primeiro lugar, ainda que a sociedade esteja separada dos seus sócios (constitui-se como
centro autónomo), a sociedade não existe para si. Vale por dizer que a sociedade existe
pelos sócios e para os sócios, sendo o instrumento destes. Em segundo, o património social
não está à disposição da pessoa coletiva, mas antes à mercê dos sócios.
Dito isto, alguma doutrina tem vindo a alertar para que não se absolutize este conceito de
personalidade jurídica. Dissemos que a sociedade é um instrumento que os sócios utilizam
para a satisfação de interesses comuns (quando não sejam sociedades unipessoais) e
individuais (que, afinal, passa pela obtenção de lucro), pelo que, muitas vezes, é necessário
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade. Vale por dizer que, para certos efeitos,
se deixa de considerar a referida “autonomia jurídico-subjetiva e/ou patrimonial da pessoa
coletiva em face dos seus membros”32. Fala-se, então, da desconsideração da
personalidade jurídica – i. é., a derrogação ou não observância da autonomia jurídica-
subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios33.
Este método desconsiderador “atua” em relação a dois grupos de casos: o grupo de casos
de imputação – determinados comportamentos, qualidades ou conhecimentos de sócios são
referidos ou imputados à sociedade e vice-versa; o grupo dos casos de responsabilidade – a
regra da responsabilidade limitada que beneficia certos sócios é quebrada34.
Em relação ao primeiro grupo atua, predominantemente, a figura da interpretação
teleológica, ao passo que, no que ao segundo grupo concerne, já atua a figura do abuso de
direito. Em determinados casos, a conduta dos sócios poderá levar a que a regra da
responsabilidade limitada seja quebrada, na medida em que continuar a aceitá-la,

31
Quanto à função ideológica, 164-165, ibidem.
32
Estudo de Direito das Sociedades, Pedro Maia, Maria Elisabete Ramos, Alexandre Soveral Martins,
Paulo de Tarso Domingues, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 8ª Edição, 105.
33
Quando nos socorremos da desconsideração da personalidade jurídica, a autonomia subjetiva da
sociedade em relação aos sócios esvai-se. Isto significa que se “levanta o véu” da personalidade,
derrogando-se, para certos efeitos, o “princípio da separação” (entre a sociedade e os sócios); não há
fronteira intransponível entre os sócios e a sociedade.
34
168, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ibidem.

25
Direito da Atividade Comercial

consubstanciaria uma injustiça (falamos de condutas em que os sócios desrespeitam os


interesses dos credores sociais, o que sucede quando no exercício do direito de fazer
funcionar a sociedade, excedam o limite económico ou o fim social deste – cf. artigo 334º
do Código Civil).
Casos de imputação
a) O trespassante (que, conforme sabemos) fica adstrito a uma obrigação (implícita) de
não concorrência, em resultado do trespasse, constitui uma sociedade que se dedica a
uma atividade similar à do estabelecimento alienado, ou quando entra em sociedade
concorrente do trespassário, começando nela a exercer funções de administração.
Afastada a máscara-societária, vê-se o sócio (o sócio que, na qualidade de trespassante,
ficou adstrito a uma obrigação de não concorrer com o estabelecimento alienado) a
concorrer com o trespassário.
b) A venda da totalidade ou da maioria das participações sociais não coincide com a venda
da empresa social. No entanto, e para certos efeitos, aquela venda é equiparável a esta,
devendo aplicar-se o regime da venda das empresas em sentido objetivo à venda da
maioria ou da totalidade das participações sociais. É assim para efeitos da aplicação do
regime da venda de bens onerados e de coisas defeituosas (artigos 905º e seguintes e
913º e seguintes do Código Civil). O que sucede é que, à luz de uma interpretação
teleológica do contrato de compra e venda de participações sociais, se permite aos
sócios alienar um bem (a empresa social) que só à sociedade cumpriria efetuar.
c) O artigo 877º CC vem proibir a venda a filhos ou netos sem o consentimento dos outros
filhos ou netos. Assim, é anulável a venda de um estabelecimento feita a uma sociedade
cujos sócios são seus filhos, sem o consentimento dos restantes. Levantado o véu,
antolha-se os filhos a adquirir, através da sociedade (e, por isso, indiretamente), aos
pais.
Poderíamos dar outros exemplos, mas estes são os mais relevantes e os que melhor
permitem perceber a essência da construção metódica (a desconsideração da
personalidade jurídica) que se está a abordar.

Casos de responsabilidade
a) O primeiro caso é o da descapitalização provocada (pelos sócios). Os sócios,
vislumbrando dificuldades futuras de liquidez da sociedade onde se inserem, deslocam
a produção desta para sociedade nova (ou para sociedade já existente de que eles sejam
sócios), cessando a primeira sociedade a sua atividade e impossibilitada de cumprir
obrigações para com terceiros. Ora, nestas situações, deverá desconsiderar-se a
personalidade jurídica da sociedade, fazendo responder os sócios (subsidiariamente)
perante os credores sociais35.

35
Não será muito difícil almejarem-se situações em que os sócios responderão, ainda que
subsidiariamente. É que a sociedade, tendo-lhe sido subtraída a sua produção e património, não terá
possibilidade de cumprir perante os credores. Excutido o seu património, facilmente se perceberá que a
sociedade não tem como cumprir, respondendo os seus sócios (autores da deslocação da produção para
nova sociedade).

26
Direito da Atividade Comercial

Ademais, verifica-se uma situação de abuso de direito. É verdade que a lei não impõe
que os sócios, vendo a sua sociedade onde detêm participações sociais com problemas
de liquidez, a (re)capitalizem, pelo que podem optar por um outro qualquer meio, como
é o da liquidação. Contudo, também não poderão utilizar a sociedade como
instrumento para infligir prejuízo e provocar danos a terceiros que com ela se
relacionem (os credores sociais). Em vez de deslocar a produção para nova sociedade
(ou para sociedade já constituída), podem investir na sociedade que, encontrando-se
financeiramente frágil, carece dessa intervenção, de modo a conseguir responder
perante os credores.
Estas situações podem, inclusivamente, verificados os demais pressupostos da
responsabilidade civil (culpa, dano e nexo de causalidade), levar os sócios a indemnizar
os respetivos credores (apesar de devedora ser a sociedade).
Dito isto, vislumbra-se a possibilidade de os credores acionarem diretamente os sócios
para efeitos de cobrimento das obrigações sociais e que esta não pode cumprir, em
resultado da descapitalização provocada por aqueles. A via que o permite é, então, a
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.
b) Mistura de patrimónios. Muitas vezes, e quando sócios sejam unicamente cônjuges
(suponha-se A e B), sucede que se torna muito difícil perceber qual é o património da
sociedade e qual o património dos sócios. Isto porque se opera, abundantes vezes, à
transmissão do património dos sócios para a sociedade, sem registos contabilísticos (e
insuficientes). Numa situação de insolvência, e na impossibilidade de se identificar qual
o património social (e, assim, o património que cobrirá as dívidas), não poderão os
sócios opor a regra da responsabilidade social aos credores sociais, na medida em que
foram estes que provocaram toda a situação (de indefinição). Donde, estes últimos,
levantado o véu social, responderão pelas obrigações.
c) Subcapitalização material manifesta – retratam casos em que a sociedade não possui
capitais próprios (constituído, nomeadamente, pelos bens que lhe correspondem e
pelas reservas) suficientes para o exercício da atividade a que se dedica, com a
agravante de esta insuficiência não conseguir ser suprida pelos empréstimos dos sócios.
Esta subcapitalização é manifesta quando reconhecível pelos sócios e pode ser
originária – se a desproporção anormal entre o capital social e as exigências da atividade
que os sócios pretendem desenvolver por meio da sociedade é evidente desde o
momento em que esta nasce; ou superveniente – a falta de capital só se verifica em
momento posterior, derivando de perdas graves ou da ampliação da atividade.
Os sócios atuam por meio da sociedade, o que de per si constitui um risco, o de
perderem as suas entradas, mas que nunca importará a sua responsabilidade perante
credores, por dívidas sociais (atento às regras, em princípio, é apenas o património da
sociedade que responde). Ora, se assim fosse, significaria que na contratação de
terceiros com a sociedade, seriam os primeiros a comportar quase a totalidade do risco
negocial.
Não pode ver-se a sociedade como um meio que, através da atividade desempenhada,
vem apenas gerar benefícios aos sócios e gerar prejuízos (só, principalmente) aos
credores. Daí que se entenda que, através da desconsideração da personalidade jurídica

27
Direito da Atividade Comercial

da sociedade, se deve fazer responder os sócios (subsidiariamente, mas


ilimitadamente) pelas dívidas sociais nestas ocasiões. Quando se trate de uma
subcapitalização originária respondem todos os sócios (em princípio); quando
superveniente, respondem os sócios controladores.
Não será, no entanto, uma solução injusta caso os sócios tenham dotado a sociedade
do capital mínimo legalmente exigido? A resposta é negativa, porquanto esta solução
não visa cobrir situações de responsabilidade dos sócios para com a sociedade (interna),
mas para com os credores sociais (externa), pelo que o cumprimento das regras
atinentes à exigência de um capital mínimo (muitas vezes, baixo) não impede que
estejamos perante uma situação de abuso da personalidade jurídica36.

A figura da desconsideração da personalidade jurídica vem, então, cobrir


disfuncionalidades e deficiências da sociedade provocadas pelos sócios (normalmente, de
forma culposa), pelo que, não obstante ser alvo de algumas críticas, soluciona alguns casos
que, de outra forma, poderiam afigurar-se injustos, uma vez que os interesses dos credores
sociais ficariam a descoberto.

Subcapítulo II – Capacidade Jurídica

O problema da capacidade jurídica pode colocar-se sob vários pontos de vista ou


entendimentos. Não há uma solução unânime no seio europeu (nomeadamente), pelo que
várias são as respostas para um mesmo problema.
Quais são as obrigações e os direitos de que as sociedades podem ser titulares? Se olharmos
para países como Itália ou Alemanha, consagra-se um princípio de capacidade geral: a
sociedade pode ser titular de todos os direitos e obrigações que não sejam incompatíveis
com a natureza não humana; por outro lado, se atentarmos ao direito anglo-saxónico, a
resposta é a de que o ato praticado fora do objeto estatutário (i. é., do que estiver estipulado
nos estatutos) é nulo; e, finalmente, o nosso sistema, admite a validade de todos os atos
que não sejam contrários ao escopo lucrativo e, portanto, ao fim da sociedade.
Vislumbra-se que a solução consagrada pelo direito anglo-saxónico seja demasiado onerosa
para os terceiros que se relacionem com uma sociedade. É que, assim sendo, estes últimos
terão de investigar e descobrir qual o objeto estatutário para que, dessa forma, consigam
concluir se os negócios celebrados (ou a celebrar) são, ou não, compatíveis com aquele
(desconsiderando-se, em certa medida, os interesses dos credores sociais). Solução oposta
é aquela que admite um princípio de capacidade geral, na medida em que os credores não
terão de investigar a conformidade do negócio com o objeto estatutários, vendo o seu
interesse, de qualquer forma, protegido (podendo pôr em causa os atos da sociedade que
atentem contra o património que garante os seus créditos).
Neste enquadramento, o artigo 6º, nº1 CSC vem colocar a descoberto a abrangência do
conceito de capacidade jurídica. Diz o seguinte: A capacidade da sociedade compreende os
direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados

36
Note-se que tal não operará quando os credores sociais (terceiros) tinham conhecimento da
subcapitalização da sociedade.

28
Direito da Atividade Comercial

aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
Posto isto, é necessário que façamos algumas considerações. A primeira delas é a que os
direitos que são inseparáveis da personalidade singular são, a título exemplificativo, os
fundados no casamento ou na adoção, e a de que os direitos vedados por lei são, v.g., o
direito de uso e habitação (artigos 1484º e seguintes CSC). A segunda é a que o fim da
sociedade37 é o lucro (finalidade lucrativa), entrando na capacidade jurídica da sociedade
todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à sua prossecução 38.
Os atos praticados fora do escopo societário (os que, portanto, não visem o lucro) são nulos,
porquanto a norma do artigo 6º, nº1 CSC é de caráter imperativo. Donde, esta disposição
não poderá ser derrogada, mesmo que fundada na vontade unânime dos sócios (perpetrada
nos estatutos ou através de deliberações – cf. artigo 9º, nº3 CSC). A nulidade destes atos
pode ser arguida a todo o tempo por qualquer interessado (sócios e credores sociais),
havendo a possibilidade de ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigos 286º e
seguintes ex vi artigo 2º CSC). No caso de uma qualquer deliberação autorizar a prática
desses atos, é nula (artigo 56º, nº1, alínea d) e artigo 411º, nº1, alínea c) CSC).
Note-se, no entanto, que nem sempre os atos gratuitos se encontram excluídos da
capacidade jurídica da sociedade. É que existem atos gratuitos que se afiguram necessários
para uma (futura) obtenção de lucros, devendo estes serem considerados válidos39.

O objeto social é, por sua vez, determinado no e pelo estatuto. O facto de se delimitar este
elemento (o objeto) e se proibirem a prática de certos atos não limita a capacidade jurídica
da sociedade (vale por dizer que a sociedade tem capacidade para praticar estes atos).
Donde, uma vez praticados atos que não se enquadrem no escopo (do objeto) social, a sua
consequência não será a aplicável à falta de capacidade (quer dizer, pelo menos, não à
partida).
Um ato considera-se praticado fora do âmbito delimitado pelo objeto societário quando,
de forma irreversível, este não se venha a enquadrar, em conformidade com o preceituado
nos estatutos, na(s) atividade(s) que a sociedade pode exercer (cf. artigo 11º, nº2 CSC).
Conforme o tipo societário, o tratamento dos atos praticados com desrespeito pelo objeto
social (i. é., fora do seu escopo) será diferente. E, diga-se que os órgãos societários têm o
dever de não exceder esse mesmo objeto (artigo 6º, nº4 CSC). Analisemos, então, as
consequências.
No que às sociedades em nome coletivo e em comandita simples concerne, os gerentes não
têm competência para praticar atos que não se subsumam no objeto social (artigo 192º, nº2
e nº3 CSC). Consequentemente, os atos praticados fora do objeto são ineficazes em relação
à sociedade (artigo 268º, nº1 CC), e só assim não o será se estes forem objeto de ratificação
em sede de deliberação unânime, expressa ou tácita, dos sócios (artigo 192º, nº3 CSC).

37
Já o dissemos supra.
38
Donde, parecem estar excluídas, porque não prosseguem a finalidade lucrativa, as prestações
societárias a favor de outrem, sem contrapartida.
39
A sociedade A subscreve uma letra de câmbio para que a sociedade B consiga ser financiada por um
banco. – Para mais exemplos, 180, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.

29
Direito da Atividade Comercial

Relativamente às sociedades anónimas, por quotas ou em comandita por ações, os


gerentes têm competência e, por isso, poderes de representação bastantes para vincular a
sociedade a atos que tenham sido praticados (ainda que) fora do escopo do objeto social –
artigos 260º, nº1 CSC e 409º, nº1 CSC. Só assim não sucederá (isto é, a sociedade só não se
considera vinculada), caso se verifique o previsto nos artigos 260º, nº2 e 409º CSC, ou seja,
se a sociedade conseguir provar que o terceiro conhecia da desconformidade do ato com o
objeto social, ou que, outrossim, não o pudesse ignorar. Para que a sociedade possa, então,
invocar (perante terceiros) a ineficácia do ato em relação a si, não pode suceder que este
ato seja assumido pelos sócios através de deliberação (estas também podem ser objeto de
anulação – artigo 58º, nº1, alínea a) CSC -, mas não é necessário que se verifique a
unanimidade).
A prática destes atos poderá levar, igualmente, à destituição com justa causa dos membros
da administração e, outrossim, à sua responsabilização nos termos da responsabilidade civil.
Às sociedades é admitida a possibilidade de adquirir participações em sociedades de
responsabilidade limitada, sem necessidade de deliberação ou autorização estatutária,
desde que o objeto desta última coincida total ou parcialmente com o da sociedade
compradora (artigo 11º, nº4 e nº5 CSC). Contudo, esta possibilidade pode ser vedada por
disposição estatutária em sentido diverso que, por exemplo, possa impor a necessidade de
deliberação, que só permita apenas uma compra até certo montante ou que a proíba
prontamente. Neste contexto, existe um regime especial no que concerne às sociedade por
quotas: o artigo 246º, nº2, alínea d) CSC faz sempre depender a aquisição de participações
sociais de uma deliberação prévia dos sócios, não se aplicando, quanto a estas, o que ficou
dito para a generalidade dos tipos societários (isto quer significar que os estatutos não
precisam de subordinar a aquisição de participações sociais à realização de uma
deliberação, uma vez que a lei já o impõe).
Por outro lado, o artigo 11º, nº5 CSC vem reconhecer a possibilidade de uma sociedade
adquirir participações sociais em sociedades com responsabilidade ilimitada e com objeto
diverso do que aquela exerce (ou em agrupamentos complementares de empresa), quando
os estatutos o autorizem.
Na hipotética situação de os estatutos proibirem expressamente a aquisição de
participações noutras sociedades (com o mesmo objeto ou com objeto diverso), e mesmo
assim a sociedade vir a adquirir participações, a consequência não é a nulidade, porquanto
as sociedades têm capacidade realizar tais atos (artigo 6º CSC). O que sucede (e, de resto,
conforme vimos) é que estes atos podem ou não ser eficazes em relação à sociedade e, aqui,
importa distinguir dois grupos de casos: o das sociedades em nome coletivo ou em
comandita simples – as aquisições são ineficazes (cf. artigo 192º CSC); e o das sociedades
anónimas, por quotas ou em comandita por ações – as aquisições são, em regra, eficazes
(artigos 260º e 409º CSC).

Posto isto, interessar-nos-emos sobre o artigo 6º CSC, nomeadamente, sobre o seu nº1 e
sobre o nº2. Em causa, neste momento, estão as liberalidades e garantias concedidas por
sociedades a terceiros.

30
Direito da Atividade Comercial

Prima facie, poderia levantar-se a possibilidade de todas a liberalidades concedidas por


sociedades, porque não exigem uma contrapartida (em seu favor), serem nulas porque não
se enquadram na finalidade destas pessoas coletivas – (qual seja) o lucro (cf. artigo 6º, nº1
CSC). Pese embora, muitas vezes, estes atos (de caráter liberal) serem, de facto, nulos,
outros haverá que, sendo realizados com um fim interesseiro, ter-se-ão de considerar
compatíveis com o fim societário, entrando, por conseguinte, na capacidade da sociedade.
Ora, neste enquadramento, importa atentar ao que estabelece o nº2 do artigo 6º CSC. Este
preceito refere-se, essencialmente, às liberalidades que assumam a forma de doação. Para
que estas sejam válidas é imperioso que se revistam de um caráter usual (socorrendo-nos
da letra da lei, as liberalidades são usuais quando “segundo as circunstâncias da época e as
condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta”). Imagine-
se, a título meramente exemplificativo, os brindes que são oferecidos por uma sociedade
aos seus clientes; de facto, estamos perante um dar sem exigir em troca (i. é., sem
contrapartida), levando a uma diminuição patrimonial da sociedade. Mas nem por isso
podemos considerar esta doação nula, porquanto, com a oferta dos referidos brindes, a
sociedade visa a prossecução do fim (a obtenção de lucros) – por outras palavras, a
realização desta liberalidade torna mais fácil obter o lucro. Donde, na verdade, nem sequer
precisaríamos, para justificar a validade deste negócio, de recorrer ao nº2 do artigo 6º CSC,
na medida em que o disposto no nº1 bastaria para o considerar válido (este ato é
conveniente à prossecução do fim societário).
O verdadeiro campo de aplicação do nº2 prende-se com as doações feitas com um espírito
altruísta. Recorrendo a um exemplo de Jorge Coutinho de Abreu, imagine-se que a
sociedade A, financeiramente próspera, doa 100 000 euros (anonimamente) para apoio aos
refugiados de guerra de um país. Ainda que este negócio não almeje a consecução de lucros,
não deve ser havido, por força do artigo 6º, nº2 CSC, como contrário ao fim societário (na
medida em que promove a imagem da sociedade junto do público, captando,
possivelmente, mais clientes).
Todos os atos praticados pela sociedade que revistam um caráter liberal e que não sejam
abrangidos pelo nº1 e nº2 do artigo 6º CSC são, porque contrários ao fim social, em regra,
nulos.
Assim, o nº3 vem estabelecer a contrariedade ao fim social das garantias reais (hipoteca,
penhor, entre outras) e pessoais (fiança, aval) concedidas por uma sociedade com o intuito
de cobrir dívidas de outras entidades. Todavia, consagra igualmente duas exceções: as
sociedades têm capacidade para prestar estas garantias quando haja um “justificado
interesse próprio da sociedade garante”; ou quando se situem numa posição de garante
“em relação de domínio ou de grupo com o devedor”.
O “interesse próprio da sociedade garante” existe quando se consiga demonstrar
objetivamente a aptidão da concessão de tais garantias à satisfação dos interesses dos
sócios (interesse coletivo): a obtenção de lucros. A sociedade não poderá, em todo o caso,
prestar garantias que sirvam interesses extrassociais dos sócios, devendo atender apenas a
interesses sociais (da sociedade).
Sendo a garantia prestada nula, e a nulidade tendo sido invocada pela sociedade, não
caberá a esta provar a inexistência de justificado interesse próprio. Este ónus caberá ao

31
Direito da Atividade Comercial

credor social, beneficiário da garantia prestada, devendo provar a sociedade tinha um


justificado interesse próprio na prestação da garantia40.
Um segundo grupo de casos retrata as garantias concedidas por uma sociedade a favor de
outra, quando estas se situem numa “relação de domínio ou de grupo com o devedor”
(artigos 486º e seguintes CSC)41. Exemplificando, não é nula a garantia prestada por uma
sociedade A a uma sociedade B, quando ambas se encontrem numa situação de domínio ou
de grupo, independentemente de qual seja a sociedade dominante ou a subordinada. Isto
quer significar que, nestes casos, não é necessário fazer a prova do justificado interesse
própria na concessão da garantia, sendo esta (excecionalmente) válida.
Muitas vezes, nestas relação de domínio/subordinação de uma sociedade em relação a
outra, existem sobreposições de interesses, donde a sociedade que se encontra numa
situação de subordinação se vê obrigada a acarretar ordens (da sociedade diretora) que lhe
poderão impingir prejuízos, uma vez que, na realidade, o que importa é que essas instruções
visem e prossigam os interesses da sociedade dominante (artigos 491º e 503º CSC). Donde,
e para que os sócios minoritários das sociedades subordinadas se vejam munidos de
garantias mínimas, a lei estatui uma “garantia de lucros” (artigo 500º CSC); no mesmo
sentido, e para tutelar, desta feita, os interesses dos credores das sociedades subordinadas,
a lei estatui que as sociedades dominantes são responsáveis para com os credores das
sociedades dependentes e das subordinadas e para com estas sociedades (artigos 491º,
501º e 502º CSC)42.
Não parece, no entanto, que a dispensa da prova da existência do justificado interesse
próprio opere, sem mais, independentemente de a sociedade ser dependente ou
dominante. Quando seja a sociedade dominante a garantir dívidas da sociedade
dependente percebe-se que aquela prova seja dispensada porque, na verdade, à primeira
(dominante) interessa que a segunda (dependente) funcione bem. Inversamente, não se
vislumbra que os interesses da sociedade dependente sejam os mesmos da sociedade
dominante, donde resulta que, a menos que se consiga provar o “justificado interesse
próprio” desta sociedade (dependente) na concessão de garantia à sociedade dominante,
estas não terão capacidade para tais atos. Deve, então, fazer-se uma interpretação restritiva
da parte final, do nº3 do artigo 6º CSC.

Subcapítulo III – Capacidade de Exercício das Sociedades

As sociedades têm capacidade para agir de per si, sendo titulares de aptidão para atuar
juridicamente, exercendo os seus direitos e cumprindo obrigações. Isto pode suceder de
uma forma direta (através dos órgãos, nomeadamente, de administração e representação)
ou indireta (através de representantes voluntários).

40
O ónus de provar vincular quem tem interesse em afirmar a validade da garantia (logo, as sociedades
garantidas). - Estudo de Direito das Sociedades, Pedro Maia, Maria Elisabete Ramos, Alexandre Soveral
Martins, Paulo de Tarso Domingues, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 8ª Edição, 114.
41
A justificação desta possibilidade prende-se como o interesse comum (ou solidariedade de interesses)
partilhados pelas sociedades que se encontrem nestas situações.
42
Para mais desenvolvimentos, 190-195, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.

32
Direito da Atividade Comercial

Estas entidades podem, então, formular a sua vontade e manifestá-la para o seu exterior,
através dos ditos órgãos de administração e representação. Entre estes e a sociedade existe
um nexo de organicidade, o que quer significar que, sendo estes partes componentes das
sociedades, os seus atos exprimem a vontade daquela, imputando-se-lhes os atos que por
estes sejam praticados43; ou através de representantes voluntários nomeados pela
sociedade que, através dos poderes de representação (conferidos por uma procuração),
poderão encontrar-se legitimados à prática de determinados atos (cf. artigo 252º, nº6 – para
as sociedades por quotas; artigo 391º, nº7 – para as sociedades anónimas).

Capítulo IV – Participações Sociais

Neste capítulo, abordaremos a figura das participações sociais – conjunto unitário de


direitos e obrigações atuais e potenciais do sócio. Resulta desta noção que, para que alguém
se torne sócio numa sociedade, é necessário que seja titular de uma participação social (esta
que, conforme o seu peso, o tipo societário ou os estatutos, lhe conferirá mais ou menos
direitos e obrigações).
A aquisição de participações sociais pode ser originária – quando se dá com a constituição
da sociedade ou num aumento de capital; ou derivada – por força de transmissão inter vivos
ou mortis causa.
De entre os direitos provenientes da titularidade de uma participação social, destacamos
os seguintes: desde logo, os elencados no artigo 21º CSC – a quinhoar nos lucros; a participar
nas deliberações dos sócios; a obter informações sobre a vida da sociedade; a ser designado
para os órgãos de administração e de fiscalização da sociedade; mas também outros, como
o direito a impugnar deliberações anuláveis (artigo 59º) ou a exonerar-se.
Podemos, então, classificar os direitos quanto à sua função ou titularidade. Quanto à
função, podemos ter direitos de participação (cf. artigo 21º, nº1, alíneas a) e b) CSC) ou de
controlo (cf. v.g., artigo 21º, nº1, alínea c) CSC).
Quanto à titularidade, os direitos podem ser gerais – se pertencerem, em regra, a todos os
sócios da mesma sociedade, ainda que em medida diversa (como sucede, no direito a
quinhoar nos lucros – cfr. artigo 22º, nº1); ou especiais – são os direitos atribuídos no
contrato social a certo(s) sócio(s) ou a sócios titulares de ações de certa categoria
conferindo-lhe(s) uma posição privilegiada que não pode em princípio ser suprimida ou
limitada sem o consentimento dos respetivos titulares44. De entre estes, e com a
preocupação de não sermos exaustivos, destacamos o direito especial à gerência (alertando,
no entanto, para a leitura de alguns preceitos, sejam eles os artigos 250º, nº1 e nº2, 228º,
nº2, 229º, nº2). Este direito à gerência consiste no direito de um sócio ser gerente de uma
sociedade (por quotas) durante a sua vida, enquanto for sócio ou enquanto a sociedade
durar (artigo 257º, nº3, 1ª parte), sendo certo que, uma vez constituído este direito
mediante a aposição de uma cláusula nos estatutos, este só poderá ser ou coartado com o
consentimento do sócio titular do respetivo direito (artigo 24º, nº5 CSC). Por outro lado,

43
Representação orgânica.
44
Coutinho de Abreu, ob. cit., p. 197.

33
Direito da Atividade Comercial

poderá estipular-se que, ao contrário do regime geral vigente em matéria de destituição, se


acorde que o gerente só possa ser destituído caso haja justa causa (artigo 257º, nº3 2ª
parte); é que, em regra, os gerentes podem ser destituídos, havendo ou não, justa causa,
desde que tal seja deliberado pelos sócios.
Em todo o caso, os direitos especiais devem – impondo-o o artigo 24º, nº1 CSC – ser
estipulados no contrato de sociedade, sob pena de serem ineficazes perante a sociedade.
Resta saber se se pode atribuir um direito especial através da alteração do contrato de
sociedade. A resposta a esta questão tende a ser afirmativa, ainda que em algumas
situações possa suscitar dúvidas; assim, e desde que se respeite o vertido para cada tipo
societário, pode aditar-se uma cláusula ao contrato que atribua um direito especial – artigo
85º CSC45.
Outra questão se levanta: podem os direitos especiais ser atribuídos a todos os sócios? Da
noção que acima partilhámos, a resposta que, à primeira vista, daríamos é a de que a
titularidade de direitos especiais, conferindo uma posição privilegiada a alguma ou alguns
dos sócios não é coadunável com uma titularidade geral desse direito por todos os sócios.
Contudo, casos haverá – excecionais – em que a concessão de direitos especiais a todos os
sócios poderá suceder, do que é exemplo o direito especial à gerência.
Ora, os direitos especiais não podem ser coartados ou suprimidos sem consentimento do
sócio que seja titular desse direito, este que pode ser dado na respetiva deliberação (voto
favorável) ou fora dela (artigo 24º, nº5). Não havendo consentimento, a deliberação é
ineficaz (artigo 55º).
Ademais, estes direitos especiais são intransmissíveis nas sociedades em nome coletivo
(artigo 24º, nº2); nas sociedades por quotas, são transmissíveis os direitos especiais de
natureza patrimonial, sendo intransmissíveis os restantes (artigo 24º, nº3); nas sociedades
anónimas transmitem-se com as respetivas ações (artigo 24º, nº4).
Destacamos, por fim, que os direitos especiais não se confundem com as vantagens
especiais (artigos 16º e 19º, nº4), que são atribuídas aos sócios que se hajam destacado ou
sobressaído na constituição da sociedade, desempenhando um papel relevante. As
deliberações que as violem levam, por seu turno, à nulidade (artigo 56º, nº1, alíneas c) e d)
CSC).

A verdade é que, como qualquer posição jurídica, a titularidade de uma participação social
não concede aos sócios apenas direitos, adstringindo-o igualmente a obrigações.
De entre estas, remetemos naturalmente para o disposto no artigo 20º CSC (elenco
exemplificativo): entrar para a sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, sendo
admitido, com indústria; a quinhoar nas perdas. Mas outras obrigações haverá,46 como
sejam o dever de atuar no interesse da sociedade e a de respeitar os estatutos e a lei.

45
Em alguns casos, poderá bastar a maioria qualificada, desde que se tutele o interesse social na
respetiva deliberação. Outros casos haverá em que, tendo em conta o Princípio de Igualdade de
Tratamento dos Sócios, se impõe que a deliberação que vise atribuir um direito especial seja adotada
por unanimidade – neste sentido, Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 199-202.
46
Esta que é, então, uma unitária posição jurídica, constituída por um acervo de direitos e obrigações
dos sócios.

34
Direito da Atividade Comercial

Antes de analisarmos, em particular, os principais direitos e obrigações dos sócios, talvez


seja importante deixar a seguinte nota: as ações, enquanto participações sociais que são,
podem ser escriturais ou tituladas e, independentemente disso, ou são nominativas –
quando a sociedade emitente tem a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos
titulares; ou são ao portador – as quais não permitem que a sociedade emitente conheça a
todo o momento a identidade dos titulares.

Subcapítulo I – Principais direitos e obrigações

Iremos dar conta, sumariamente, dos principais direitos e obrigações inerentes às


participações sociais, isto porque não se vislumbra frutuoso (ainda que o saber nunca ocupe
espaço) nesta fase da nossa formação académica debruçarmo-nos, afincadamente, sobre
esse acervo. Impõe-se, não obstante, ao aluno que tenha conhecimento destes direitos e
obrigações e, nesse sentido, desenvolveremos o presente subcapítulo.
O direito a quinhoar nos lucros (artigo 21º, nº1, alínea a) CSC) será objeto de estudo em
momento posterior, pelo que para lá remetemos.
Os sócios têm, como dissemos, direito a participar nas deliberações de sócios (artigo 21º,
nº1, alínea b) CSC). As deliberações são decisões tomadas pelos sócios juridicamente
imputáveis à sociedade, podendo adotar várias formas: deliberações em assembleia geral
convocada, em assembleia universal (artigo 54º CSC)47, unânimes por escrito (artigo 54º,
nº1, 1ª parte) e deliberações tomadas por voto escrito48.
As mais das vezes as deliberações são tomadas em assembleias gerais convocadas
(convocação que deve cumprir algumas formalidades), o que não obsta, no entanto, a que
se possa deliberar em assembleias gerais não convocadas (ou, pelo menos, não
regularmente convocada) e, portanto, em assembleias universais (artigo 54º, nº1, 2ª parte)
– contanto que todos os sócios estejam presentes (ou representados) e manifestem a
vontade em que a assembleia se constitua, submetendo, unanimemente, um assunto (ou
vários) a deliberação. Caso seja desrespeitado um dos referidos requisitos, as deliberações
adotadas serão inválidas (mais propriamente, anuláveis – artigo 58º, nº1, alínea a) CSC).
O direito a participar nas deliberações tem o seguinte alcance (quando a participação é
plena): poder de estar presente nas assembleias, de discutir os assuntos que constem da
ordem do dia ou os que se tenha acordado submeter a deliberação e o de votar as propostas
(cf. artigos 250º, nº1 e 384º, nº1).
Em certos casos, o sócio, ainda que seja titular do direito de votar, está impedido de o
exercer – falamos de situações de conflito de interesses entre sócio e sociedade (artigo 251º
e 384º, nº6 CSC ou quando um acionista se situe em mora quanto à realização da entrada
em dinheiro (artigo 384º, nº4).
Pode suceder que o sócio tenha um direito de participação limitada, o que se verifica
quando um sócio esteja impedido de votar ou simplesmente não seja titular de um direito
de voto. Assim, em regra, ainda que não possam manifestar a sua vontade, através de voto,
em relação a determinado assunto, têm o direito de assistir e participar nos debates.

47
Estas duas são as que assumem maior relevância.
48
Não é admitida nas sociedades anónimas (artigo 373º CSC).

35
Direito da Atividade Comercial

Outros direitos são o de obter informações sobre a vida da sociedade, o qual se desdobra
em três vetores: direito à informação em sentido estrito – de formular perguntas à
sociedade sobre a vida social, cuja resposta deve ser verdadeira; direito de consulta – de
certos documentos, mormente para o adequado exercício do seu direito de voto (sendo
caso disso); direito de inspeção – de exigir que se vistorie os bens sociais (cf. artigos 290º,
181º, 214º, 291º).
De um modo geral, este direito dos sócios só – em qualquer das suas vertentes – só pode
ser recusado em casos excecionais, designadamente quando haja um motivo justificativo,
este entendido em sentido amplo por forma a abranger as hipóteses consagradas na lei
(para o efeito, vide (v.g.) artigos 288º e seguintes, 214º CSC). A recusa, quando não
devidamente justificada, poderá acarretar a anulabilidade da deliberação correspetiva
(artigo 290º, nº3) e, inclusive, a responsabilidade civil ou penal (artigo 58º, nº1, alínea c) e
alínea b) do nº4).
No que ao direito à designação para os órgãos sociais (artigo 21º, nº1, alínea d) CSC)
concerne, não há muito a acrescentar. Trata-se de um direito a não ser excluído da
possibilidade de ser designado para um qualquer órgão societário.

Abordados os direitos, debruçar-nos-emos sobre as obrigações.


Nos termos do artigo 20º, nº1, alínea a) CSC, todo o sócio está adstrito a uma obrigação de
entrada. Esta que pode concretizar-se em dinheiro, em espécie ou com indústria;
constituem entradas em espécie, as realizadas com bens suscetíveis de penhora (por isso,
diferentes de dinheiro) como, por exemplo, imóveis, empresas, marcas, etc.; entradas em
indústria são aquelas em que os sócios se obrigam a prestar determinada atividade ou
trabalho à sociedade. Contudo, estas são proibidas nas sociedades por quotas e nas
sociedades anónimas.
As entradas em espécie carecem de avaliação, a efetuar nos termos do artigo 28º CSC. O
logro desta formalidade é averiguar se existe correspondência entre o valor das entradas e
as participações sociais correspetivas e, bem assim, destas com o capital social. Estas devem
ser realizadas por um revisor oficial de contas sem interesses na sociedade (ideia de
isenção/imparcialidade), designado por deliberação dos sócios. É que, além do mais, a lei
dispõe que o valor das entradas deve ser pelo menos idêntico, se não superior, ao valor das
entradas correspetivas (artigo 25º, nº1 e nº2).
Sobre o tempo em que estas devem ser realizadas, rege o artigo 26º CSC. Assim, em regra,
estas devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade (nº1).
Na verdade, em certas ocasiões, quando as entradas sejam concretizadas em espécie, pode
suceder que estas sejam realizadas em momento anterior à celebração do contrato.
Mas também não é menos verdade – admitindo-o o nº3 do artigo 26º (e também o nº2) –
que as entradas podem ser realizadas em momento posterior ao da celebração do contrato.
Estas exceções apenas são aplicáveis às entradas realizadas (ou, melhor dito, a realizar) em
dinheiro, devendo este ser o entendimento a adotar em relação ao nº2 (não fazendo
distinção entre entradas em espécie e entradas em dinheiro). Assim, dentro dos limites
legalmente impostos, e desde que tal seja objeto de contratação entre os sócios, as
entradas em dinheiro podem ser diferidas.

36
Direito da Atividade Comercial

Nesta matéria, o contrato social pode regular, em parte, a disciplina do deferimento (artigos
203º, nº1 e 277º, nº2). Ora, nas sociedades por quotas, todo o montante em que se
concretiza a entrada, salvo o disposto no artigo 199º, alínea b) CSC, pode ser diferido para
momento posterior; nas sociedades anónimas a limitação é maior, podendo apenas ser
diferido até 70% do valor nominal ou do valor de emissão das ações (artigo 277º, nº2)49.
Note-se que nas sociedades por quotas, as entradas não podem ser diferidas por um
período superior a cinco anos (artigo 285º, nº1 CSC).
As entradas em indústria têm uma natureza duradoura, pelo que o sócio cumpri-la-á (se
assim podemos dizê-lo) ao longo da vida societária.
Ainda que a lei admita a possibilidade de diferir as entradas, consagra simultaneamente
meios que visam o seu cumprimento. Quais sejam: o estatuto social pode estabelecer
penalidades para a falta de cumprimento; a falta de realização pontual de uma prestação
relativa à entrada importa o vencimento das demais; os credores podem sub-rogar-se nos
direitos da sociedade relativos às entradas ainda não realizadas, desde que, em princípio,
sejam exigíveis (artigo 30º CSC); a estes (e outros) mecanismos, acrescem os que se
encontram previstos para cada tipo societário – no que nos interessa, relevam os atinentes
às sociedades anónimas e por quotas (artigos 285º e seguintes e artigos 204º e seguintes,
respetivamente).
A obrigação de quinhoar nas perdas abordaremos em sede devida. Por ora, fica também a
nota de que os sócios estão obrigados a atuar de forma compatível com o interesse social –
dever de lealdade50 (para com a sociedade, bem como para com os outros sócios).
Todas as obrigações que até aqui foram por nós analisadas, dizem respeito a todos os
sócios. Vale por dizer que à qualidade de sócio estão associadas as obrigações referidas. No
entanto, existem aquelas que têm um caráter meramente eventual e que, existindo, só
vinculam determinados sócios.
O seu caráter eventual resulta do facto de estas resultarem de cláusula aposta no contrato
social ou de deliberação – cf. artigos 209º para as sociedades por quotas e 287º para as
sociedades anónimas (a redação destes preceitos é, em tudo, idêntica), no que tange às
obrigações acessórias. Estas são, em regra, transmissíveis com a participação social
respetiva (sem prejuízo dos casos em que assuma um caráter infungível) e a falta do seu
cumprimento não afeta a situação do sócio como tal (nº4 dos artigos 209º e 287º). Ao
incumprimento, aplica-se as regras gerais do direito das obrigações (artigos 790º e seguintes
do Código Civil) ou, sendo caso disso, as cláusulas contratuais que disciplinem essa matéria.
Por outro lado, poderá haver lugar à existência de obrigações suplementares, contanto que
se verifiquem alguns requisitos que passamos a enunciar (artigo 210º CSC): em primeiro,
têm de estar previstas no estatuto. E, quando resultem de alteração contratual, impõe-se

49
O artigo 277º, nº2 não é conclusivo, pelo que nos importa fazer um esclarecimento. A questão que se
apõe é a de saber se os 70% diferíveis devem ser analisados de uma forma abstrata (em relação a todas
as participações consideradas) ou se cada um dos sócios deve, até ao momento da celebração do
contrato, realizar 30% da sua entrada. A resposta é a de que todos os sócios, individualmente
considerados, devem concretizar, no mínimo, 30% do valor da sua entrada até à celebração do contrato.
50
Sobre este tema, Coutinho de Abreu, ob. cit., 263-296. Não tecerei considerações quanto a este dever,
já que facilmente se almeja o seu conteúdo e, apesar das linhas que lhe são dedicadas por este autor, foi
apenas alvo de uma análise relativamente superficial ao longo do semestre.

37
Direito da Atividade Comercial

que seja respeitada a maioria exigida (normalmente, a maioria qualificada – artigo 265º,
nº151), podendo apenas ser exigidas aos sócios que tenham aprovada a alteração estatutária
(artigo 86º, nº2); em segundo, é necessário que sejam prestadas em dinheiro e que os sócios
deliberem nesse sentido (artigo 211º). Não poderão, contudo, ser deliberadas obrigações
suplementares se, por essa altura, ainda não houverem sido realizadas todas as entradas,
sendo exigíveis (artigo 211º, nº2 e nº3) e os sócios não terem sido notificados para efetuar
o pagamento. Estas prestações podem ser objeto de restituição, de forma parcial ou total,
desde que uma deliberação dos sócios o autorize (artigo 213º, nº1 e nº2).

Antes de avançarmos, cumpre-nos só referir a possibilidade de sócio e sociedade


celebrarem contratos de suprimento – regulados pelos artigos 243º e seguintes: contrato
pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela
obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio
convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde
que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo caráter de permanência52.

Subcapítulo II – Transmissão de quotas

Em matéria de transmissão mortis causa, a menos que disposição contratual estipule


disciplina diversa, as quotas transmitem-se para os seus sucessores legais, nos termos do
Direito das Sucessões (artigos 2024º e seguintes do Código Civil) – artigo 225º, nº1 a
contrario.
Por isso, pode o contrato estabelecer que as quotas, à morte do respetivo sócio, não se
transmitirão para os seus sucessores ou, por outro lado, condicionar a transmissão à
verificação de alguns requisitos, nomeadamente subordiná-la ao consentimento da
sociedade. Obstando à transmissão, a sociedade deve amortizar, adquirir ou fazer adquirir
por sócio ou por terceiro a quota, sendo certo que se nenhuma destas medidas for tomada
nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio, a quota considera-se
transmitida (artigo 225º, nº2 CSC).
O contrato pode, também, atribuir aos sucessores do falecido o direito de exigir a
amortização da quota ou condicionar a transmissão desta à vontade dos sucessores e, caso
estes não queiram continuar na posição jurídica do de cuius, devem declará-lo por escrito à
sociedade tendo, para o efeito, 90 dias (artigo 226º, nº1). Recebida a comunicação, a
sociedade deve proceder nos termos do nº2 do referido preceito.
Em matéria de transmissão inter vivos, rege o artigo 228º, nº2 CSC, estipulando que a
cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por
esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes ou descendentes
ou entre sócios. Donde, caso a hipótese não se subsuma na ressalva citada e o contrato
social não afaste a necessidade de consentimento, é necessário que a sociedade consinta
na transmissão (artigos 228º, nº2 e 229º, nº2).

51
Note-se que só são admitidas nas sociedades por quotas.
52
Sobre este tema, Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 304-322.

38
Direito da Atividade Comercial

O pedido de consentimento deve ser efetuado por escrito, com indicação do cessionário e
de todas as condições da cessão (artigo 230º, nº1), sendo dado por deliberação dos sócios
nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, operando a regra disposta no nº3 do artigo
250º (bastando a maioria simples) – artigo 230º, nº2 e nº4.
Em caso de recusa, esta deve ser comunicada ao sócio, com uma proposta de amortização
ou aquisição da quota. Preterindo-se esta imposição, a cessão torna-se livre (artigo 231º,
nº1 e nº2, alínea a)).
O contrato de sociedade pode conter cláusulas que, inclusivamente, proíbam a cessão de
quotas, tendo os sócios, nesse caso, direito a exonerar-se decorridos 10 anos sobre o seu
ingresso na sociedade (artigo 229º, nº1). Pelo contrário, pode também dispensar o
consentimento da sociedade (artigo 229º, nº2) ou, inversamente, restringir ainda mais as
cessões ao seu aval, designadamente nos casos em que, em princípio, este é legalmente
dispensado (artigo 229º, nº3).
Impõe-se, então, a verificação dois requisitos para que a cessão seja eficaz perante a
sociedade: o consentimento da sociedade e a comunicação da transmissão à sociedade
(artigo 228º, nº3).
Será normal que o contrato social estipule cláusulas que obriguem os sócios, aquando da
cessão a dar preferência, a outros sócios. Nesse caso, o sócio cedente deve, antes de tudo,
a par do consentimento (quando este seja exigido) dar preferência àqueles que sejam
titulares desse direito. Uma vez desrespeitado este direito, a cessão é ineficaz para com os
preferentes, pelo que estes, querendo preferir, poderão intentar uma ação de preferência
de forma a conseguirem exercer esse seu direito.

Subcapítulo III – Transmissão de ações

Uma característica própria das ações é a sua transmissibilidade, ideia que, de resto, é a
imagem das sociedades capitalísticas – no caso, das sociedades anónimas. Assim sendo, o
contrato de sociedade não pode excluir a transmissão de ações, podendo apenas limitá-la,
dentro de certos limites legais (artigo 328º, nº1). Pode subordinar a transmissão ao
consentimento da sociedade (artigo 328º, nº2, alínea a) CSC) – nesta hipótese, a concessão
ou recusa do consentimento compete, em princípio, à assembleia geral (artigo 329º, nº1
CSC). Ainda assim, para que a cláusula que exija o consentimento seja válida, é imperioso
que: fixe um prazo, não superior a 60 dias, para a sociedade se pronunciar sobre o pedido;
estipule que é livre a transmissão das ações, se a sociedade não se pronunciar dentro do
prazo referido na alínea anterior; que determine a obrigação de a sociedade, no caso de
recusa lícita, fazer adquirir as ações por outra pessoa nas condições de preço e pagamento
do negócio para que foi solicitado o consentimento (artigo 329º, nº3)53. Pode o contrato
estabelecer um direito de preferência de outros acionistas ou subordinar a transmissão de
ações nominativas à existência de determinados requisitos, subjetivos ou objetivos, que
estejam de acordo com o interesse social (artigo 328º, nº2, alíneas b) e c) CSC).

53
A cláusula pode abranger hipóteses de transmissão inter vivos como mortis causa.

39
Direito da Atividade Comercial

Capítulo V – Capital e Património Sociais, Lucros, Reservas e Perdas

O capital social é, nas palavras de Coutinho de Abreu, a cifra representativa da soma dos
valores nominais das participações sociais fundadas em entras em dinheiro e/ou espécie
(este que deve constar do contrato de sociedade – artigo 9º, n1, alínea f) CSC).
Este conceito não se confunde, em nada, com o património social – num sentido amplo, o
conjunto de todos os direitos e obrigações suscetíveis de avaliação pecuniária de que a
sociedade é titular em certo momento. Se nem todas as sociedades têm capital social – como
as sociedades em que todas as entradas são realizadas em indústria -, todas elas têm de ter
um património, este que numa fase inicial poderá coincidir com o valor das entradas mas
que, à medida que se adquirem e alienam direitos ou bens (e obrigações), se vai alterando.
Não se pense, contudo, que o capital social não assume um papel preponderante na
determinação de certos direitos (ou obrigações) e, bem assim, de formalidades – é o caso
do direito de quinhoar nos lucros, o que se fará com respeito pela “proporção dos valores
das respetivas participações no capital social”; da possibilidade de exigir que seja facultadas
certas informações (cf., v.g., artigos 288º e 291º); e da maioria exigida para que seja tomada
validamente um deliberação (“três quartos dos votos correspondentes ao capital social” –
artigo 265º, nº1 CSC) – vide também o artigo 383º, nº2 CSC.
Deve o capital social constar do contrato de sociedade (nos termos referidos) porque é
precisamente, em primeiro turno, uma garantia para os credores sociais que se relacionem
com a sociedade. Esta função garantística é salvaguardada pelo Princípio da Intangibilidade
do Capital Social, segundo o qual não podem ser distribuídos aos sócios bens necessários à
cobertura do capital social e reservas indisponíveis54 (artigos 32º, nº1, 31º, nº2 e 33º, nº1).
A lei estipula para alguns tipos societários um limite mínimo do capital social - 50 000 euros
para as sociedades anónimas e a partir de 1 euro para as sociedades por quotas – o que, por
certo, se revela insuficiente para tutelar os interesses dos credores. Por outro lado, ainda
que o capital social não possa descer abaixo do estipulado em virtude de distribuição aos
sócios (distribuíveis são os lucros), pode suceder que tal aconteça, em virtude de uma má
gestão (por exemplo), caso em que os sócios não ficam obrigados a repor os bens (cf. artigo
35º CSC). Nada garante que, caso a sociedade se confronte com uma situação destas, os
sócios façam o que quer que seja para alterar positivamente este panorama que,
principalmente para os credores sociais, não é favorável. As medidas que poderão ser
adotadas são as previstas no artigo 35º, nº3 CSC, sendo a última delas a que melhor se
coaduna com os interesses dos credores – podem, por unanimidade, os sócios deliberar
sobre a realização de “novas entradas” ou deliberar, através de maioria, a reintegração do
capital, vinculando quem vote em sentido favorável, atribuindo aos sócios que atuem nesse
sentido, um direito especial (mormente a participar nos lucros de forma não proporcional
com o seu capital social). E, neste contexto, não olvidemos a possibilidade de os sócios, por
meio de deliberação, constituírem prestações suplementares nas sociedades por quotas ou
de prestações acessórias nas sociedades anónimas, cujo regime já tivemos oportunidade de
analisar supra.

54
A legal e as estatutárias.

40
Direito da Atividade Comercial

O lucro é o ganho traduzível em incremento no património da sociedade. Este que poderá


ser lucro de balanço – acréscimo patrimonial, revelado em balanço, equivalente à diferença
entre, por um lado, o valor do património social líquido e, por outro lado, o valor do conjunto
do capital social e das reservas indisponíveis; lucro de exercício – o excedente do valor do
património social líquido no final do exercício sobre o valor do património social líquido no
início do mesmo período. Este que, em termos práticos, é o que mais releva, uma vez que é
o que servirá de base à determinação do valor que se deve afetar à constituição das reservas
indisponíveis e, por outro lado, à determinação do lucro distribuível; por fim, o lucro final
ou de liquidação, apurado na fase terminal da sociedade, correspondente ao excedente ao
património social líquido sobre o capital social.

Subcapítulo I – Direito dos sócios de quinhoar nos lucros

Anteriormente fizemos menção ao artigo 21º, nº1, alínea a) e, assim, ao direito de quinhoar
nos lucros cuja titularidade se encontra na esfera jurídica dos sócios, cujo alcance é o de
conceder a estes, por força da participação social que detêm e nesse proporção, a faculdade
de participarem nos lucros, quando sejam distribuíveis (cf. artigo 22º, nº1 CSC).
Com efeito, a lei proíbe expressamente os denominados pactos leoninos (artigo 22º, nº3),
isto é, toda e qualquer cláusula que exclua um sócio da comunhão nos lucros. Uma vez
estipulada, a cláusula é inválida – padecendo de nulidade -, aplicando-se, por conseguinte,
o disposto no artigo 22º, nº1 CSC55.
Se é certo que o normal é que a totalidade dos lucros distribuíveis são distribuídos pelos
sócios, não é de afastar a hipótese de, por vezes, parte dos lucros serem afetados a não-
sócios. É possível aos sócios, enquanto definidores da “aplicação dos resultados”,
deliberarem por maioria simples, a atribuição de parte dos lucros disponíveis aos
trabalhadores, enquanto parcela da remuneração a que têm direito (artigos 246º, nº1,
alínea e) e 376º, nº1, alínea b)). Esta possibilidade é, contudo, limitada pela capacidade
jurídica da sociedade (artigo 6º, nº1), sendo nulo os atos que sejam praticados fora deste
limite e, também, a deliberação que determine a distribuição de todos os lucros a não-
sócios, porquanto se violaria o disposto no artigo 21º, nº1, alínea a).
Os sócios não têm um direito ao lucro de balanço, isto é, que lhes seja distribuído no todo
ou em parte, mas apenas que a administração lhes apresente uma relatório de contas, o
qual deve conter uma proposta de aplicação dos resultados e que lhes seja concedido a
possibilidade de deliberar sobre essa aplicação (cf., entre outros, artigo 66º, nº5, alínea f)
CSC). Ainda assim, podemos apontar duas exceções (com especial relevância para a
segunda): os titulares de ações preferenciais sem voto têm direito a um dividendo prioritário
anual retirado do lucro de balanço (artigos 341º, nº2 e 342º); em princípio, os sócios de
sociedade anónimas e por quotas, têm direito a que lhes seja distribuído pelo menos
metade do lucro distribuível (artigos 217º, nº1 e 294º, nº1).

55
A norma constante do artigo 22º, nº1 possui natureza dispositiva. Com o que isso implica a
possibilidade de ser derrogada mediante convenção em contrário, nomeadamente quando se atribua
um direito especial ao lucro a algum(ns) sócio(s).

41
Direito da Atividade Comercial

Uma vez adotada a deliberação cujo objeto tenha sido a distribuição dos lucros, os sócios
ficam com um direito de crédito sobre a sociedade, traduzido na faculdade de exigir que o
seu quinhão nos lucros lhes seja distribuído. Este direito, nas sociedades anónimas e nas
sociedades por quotas, vence-se, em princípio, decorridos trinta dias sobre a deliberação de
atribuição de lucros (artigos 217º, nº2 e 294º, nº2).
Em algumas situações, a administração não deve executar a deliberação, nomeadamente
quando da distribuição dos lucros venha a resultar um cenário idêntico ao abstratamente
consagrado no artigo 31º, nº2, alínea a) CSC).
Quanto ao lucro de exercício, este que se há de compreender dentro do lucro de balanço,
os sócios têm direito a que lhes seja distribuída, nas sociedades anónimas e por quotas, pelo
menos metade do lucro apurado como distribuível (artigos 217º e 294º). Não podem, é
certo, ser distribuídos lucros que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados e os
que estão afetos, por lei ou por contrato, à constituição das reservas indisponíveis (artigos
218º e 295º). Querendo distribuir-se metade do lucro apurado como distribuível, tem a
deliberação correspetiva de ser adotada por maioria qualificada, cujas exigências serão
distintas conforme o tipo societário referido.
Adotada a deliberação, a sociedade deve, no prazo de 30 dias, atribuir o quinhão a cada um
dos sócios, sob pena de estes o poderem exigir judicialmente (artigo 817º do Código Civil).
Finalmente, relativamente à distribuição do lucro final: encontrada a sociedade numa
situação de liquidação, prima facie, devem ser satisfeitos os direitos dos credores sociais
(artigo 154º CSC); posteriormente, havendo remanescente, deve este ser distribuído pelos
sócios como reembolso pelo montante das entradas realizadas (artigo 156º, nº2) e, só
depois, sobrando algum ativo, este será distribuído segundo as regras gerais, i. é., segundo
a proporção das participações sociais no capital (cf. artigo 22º, nº1).

Nesta matéria, rege a regra da anualidade da distribuição dos lucros, o que de resto se
encontra patente no caráter anual do relatório de contas e na deliberação, também anual,
sobre a aplicação dos lucros.
Todavia, esta regra conhece uma exceção – o adiantamento sobre lucros (artigo 297º). Para
que tal possa suceder, impõe-se a verificação de vários pressupostos: o primeiro é a
autorização do contrato de sociedade; a deliberação ou autorização a adotar pelo órgão de
administração, há de ter o consentimento do órgão fiscalizador; tal adiantamento seja
certificado pelo revisor oficial de contas; seja efetuado um só adiantamento em cada
exercício e sempre na segunda metade deste; as importâncias adiantadas não devem
exceder metade das que seriam distribuíveis.
Havendo lugar ao adiantamento, as importâncias adiantadas serão deduzidas no montante
a distribuir.

Um sócio não pode ceder o seu direito a quinhoar nos lucros (artigo 21º, nº1, alínea a) CSC),
uma vez que se trata de um direito que se encontra alicerçado na participação social
correspondente, não podendo ser transmitido sem ela.
Contudo, pode um sócio ceder um (ou mais) quinhões de lucros a que tenha, futuramente,
direito. Tornando-se atual, o cessionário tem direito ao quinhão que lhe foi cedido pelo

42
Direito da Atividade Comercial

sócio (cedente); mas se o cedente já não for sócio na altura em que o crédito se tornar atual,
então o cessionário nada poderá exigir à sociedade, uma vez que o direito não chegou a
nascer na esfera jurídica do cedente.

Subcapítulo II – Reservas

Citando a noção de Coutinho de Abreu, a reserva societária é cifra representativa de valores


patrimoniais da sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou
não querem distribuir, que serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para
autofinanciamento.
Estas constituem-se através de lucros, estes que não podem ser distribuídos pelos sócios
quando estejam afetados à constituição de reservas legais ou estatutárias ou que, por outro
lado, os sócios não querem distribuir, destinando-os a reservas facultativas. Por isso, de uma
forma ou de outra, as reservas são mecanismos de autofinanciamento da sociedade.
Reserva legal – a constituição destas reservas é imposta por lei, devendo, para o efeito,
respeitar-se o disposto no artigo 218º e 295º, nº1. Assim, do lucro de exercício apurado,
uma percentagem de 5% deste deve destinar-se à sua constituição, até que ela corresponde
a 20% do capital social, a menos que outra(s) percentagem(ns) resultem dos estatutos. Nas
sociedades por quotas, porém, o valor da reserva não pode ser inferior a 2 500 euros (artigo
218º, nº2).
Esta só pode ter as aplicações a que se refere o artigo 296º, quais sejam: cobrir a parte do
prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser coberto pela utilização de outras
reservas; cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser
coberto pelo lucro de exercício nem pela utilização de outras reservas; para incorporação
do capital.
Dado o seu caráter imperativo, são nulas as deliberações que violem estas normas (artigos
56º, nº1, alínea d) CSC).
Reservas estatutárias – os sócios podem, no contrato social, acordar na constituição de
uma reserva estatutária, cuja fonte já não é a lei, mas um instrumento jurídico fundado na
vontade das partes (maxime sócios). Nele devem estipular o modo da sua constituição ou,
sendo caso disso, remeter para os termos da constituição das reservas legais (cf. artigos
295º e 218º).
Desrespeitas, por meio de deliberação, as regras estatutárias respeitantes à constituição e
aplicação da reserva, estas serão anuláveis56 (artigo 58º, nº1, alínea a) CSC).
Reservas livres e reservas ocultas57 – as primeiras são constituídas por deliberação dos
sócios, destinando-lhes parte ou a totalidade dos lucros de exercício distribuíveis; as
segundas.

56
Referimo-nos às deliberações.
57
Quanto a estas segundas – reservas ocultas – remetemos para Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 438-
439.

43
Direito da Atividade Comercial

Subcapítulo III - Perdas

Por força do artigo 20º, alínea b), é obrigação de todos os sócios quinhoar nas perdas, sendo
nula toda a cláusula que libere um qualquer sócio de nelas participar (artigo 22º, nº3)58. O
que esta obrigação quer significar é que todos os sócios correm o risco de perder o
investimento feito com vista ou como contrapartida da aquisição da sua participação social.

Capítulo VI – Deliberações Sociais

As deliberações sociais são, grosso modo, o meio através do qual os sócios, reunidos em
assembleia para o efeito, discutem e decidem sobre assuntos do interesse da sociedade.
Nessa assembleia, os sócios reúnem-se e expressam-se em relação à ordem de trabalhos;
nas sociedades comerciais, o direito a votar assume natureza corporativa, ainda que esse
direito tenha dimensões diferentes consoante a participação social de que se seja titular.
As formas de deliberação variam, também, conforme os assuntos que se pretendam decidir
ou votar, vigorando, em regra, a maioria simples; mas, noutros caso, impõe-se a maioria
absoluta ou a maioria qualificada.
No que ao que nos interessa concerne, nas sociedades por quotas, porque o capital não se
situa tão disperso, as maiorias impõem uma maior concordância do que nas sociedades
anónimas59.
Feito este introito, analisaremos, em particular, as deliberações nulas e anuláveis mas,
também, as deliberações ineficazes e inexistentes – começando por estas últimas.

Podemos perspetivar a inexistência de deliberações (isto é, deliberações inexistentes),


quando estejamos, nomeadamente, diante de um de dois cenários: não correspondência
dos factos a qualquer forma de deliberação dos sócios (por exemplo, as deliberações
tomadas por pessoas que não possuam a qualidade de sócios, como trabalhadores, quando
invocadas pelo órgão da administração das respetivas sociedades); não correspondência dos
factos à forma de deliberação invocada (por exemplo, uma ata redigida e assinada pelos
sócios, dela constando a aprovação de certas deliberações. No entanto, a respetiva
assembleia não se realizou)60.
As deliberações inexistentes não produzem quaisquer efeitos, podendo a inexistência ser
invocada a todo o tempo por qualquer interessado, não sendo necessária declaração
judicial.

58
A menos que se tenha entrado com indústria.
59
Típica sociedade de capitais; se se exigisse maiorias qualificadas ou absolutas, tal poderia levar à
cristalização da vida societária, porquanto o capital se situa muito disperso, isto é, distribuído por
inúmeros titulares (os sócios). Ou seja, formas de deliberação que exigissem um elevado nível de
concordância, impediria, não raro, a aprovação de deliberações.
60
Assinada um ata por todos os sócios, tal vale como deliberação unânime por escrito, em
conformidade com o disposto do artigo 54º, nº1 CSC (ainda que não se trate, naturalmente, de uma
deliberação de assembleia geral).

44
Direito da Atividade Comercial

Dispostas no artigo 55º encontram-se as deliberações ineficazes. Dita o preceito que são,
em princípio, ineficazes todas aquelas que se debrucem sobre determinado assunto, para o
qual a lei exija o consentimento de determinado sócio, sem que este seja respeitado.
Ora, este consentimento pode ser dado de forma expressa ou tácita. Se, por exemplo, for
dado através da emissão de um voto favorável61 por parte do(s) sócio(s) que deve(m)
consentir, então será expresso; será tácito se o sócio, por exemplo, aceitar a execução das
deliberações.
Constituem exemplos de deliberações ineficazes as seguintes: aquelas que suprimem ou
coartam direitos especiais dos sócios sem o consentimento dos respetivos titulares (cf.
artigo 24º, nº5 e nº6); deliberação de alteração de estatutos de sociedades anónimas que
introduzam limites à transmissão das ações, sem o consentimento de todos os sócios cujas
ações sejam afetadas (cf. artigo 328, nº3)62.
Conforme resulta do preceito referido (de qualquer forma, o artigo 55º), a ineficácia é, em
regra, e salvo disposição legal em contrário, absoluta (ineficazes para todos). Pois, bem, os
exemplos até dados, traduzem casos em que a ineficácia é absoluta.
Exceções a esta regra, são os casos de ineficácia relativa, importando esta a ineficácia dos
atos apenas em relação aos sócios que não deram o seu consentimento. É o que sucede
quando uma deliberação introduza nos estatutos obrigações de prestações acessórias ou
suplementares e determinados sócios não hajam consentido; ora, é eficaz perante quem
aprove (ou consinta) tal deliberação, e ineficaz em relação aos que não tenham dado o seu
consentimento ou aprovação.
Tal como o próprio conceito sugere, as deliberações ineficazes não produzem os efeitos a
que tendiam. Contudo, pode ocorrer que os órgãos societários atuem em conformidade
com essas deliberações. Vislumbrando tal cenário, reconhece-se a todos os sócios ou
àqueles que não tenham dado o seu consentimento (consoante se trate de ineficácia
absoluta ou relativa, respetivamente), a possibilidade de intentarem uma ação de simples
apreciação com o fim de obter uma declaração judicial de ineficácia das deliberações,
aplicando-se analogicamente o vertido nos artigos 57º e 60º do CSC.

Aqui chegados, afigura-se relevante perceber se as atas são, afinal, condição de eficácia das
deliberações, ainda para mais porque se traduzem no documento escrito das deliberações
tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do
respetivo procedimento deliberativo63.
Do artigo 63º, nº1 resulta desde logo que as atas são uma formalidade ad probatum
(nomeadamente, uma função certificativa), isto é, se assinadas pela maioria dos sócios que
foram parte na assembleia, podem constituir prova dos atos que foram praticados na
referida assembleia. Tratamento diferente têm as deliberações que sejam tomadas por
escrito, fora da assembleia, caso em que a prova se faz mediante a apresentação do
documento onde elas constem.

61
É de notar que o entendimento é o de que, para este efeito, só valem os votos favoráveis. As
abstenções não traduzem o consentimento.
62
Para mais exemplos, vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., 445-446.
63
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 448.

45
Direito da Atividade Comercial

Da ata devem constar as formalidades previstas no nº2, devem ser assinadas pelo
presidente da mesa da assembleia e, sendo caso disso, pelo seu secretário e, outrossim,
elaboradas durante a assembleia ou, se tal não puder suceder, o mais rápido possível.
Em qualquer caso, e é este o atual entendimento da jurisprudência e da doutrina, a falta de
ata – ou porque não foi lavrada, ou porque não fez menção à deliberação – não afeta a
validade e eficácia das decisões (deliberações) tomadas na respetiva assembleia. Comporta
outras consequências negativas mas que, contudo, não passam pela ineficácia, pela
nulidade ou anulabilidade das deliberações, produzindo estas os seus efeitos logo depois de
adotadas.

Subcapítulo I – Deliberações nulas

Dada a relevância prática das deliberações nulas, daremos conta delas em separado, tal
como o faremos relativamente às deliberações anuláveis (infra).
Para que nos seja possível aferir se estamos perante uma deliberação nula ou anulável,
necessitamos de ter em conta o vício de que esta padece, bem como à natureza das normais
legais que, porventura, desrespeitaram.
Os vícios a que nos referimos são, essencialmente, de procedimento – relativos ao processo
pelo qual se formou a deliberação; ou de conteúdo – respeitantes ao conteúdo da
deliberação. E, assim, ao “como” se decidiu e ao “que” se decidiu, respetivamente64.
Conforme veremos, a violação de normas imperativas atinentes ao conteúdo das
deliberações leva, em princípio, à nulidade (artigo 56º, nº1, alínea d) CSC); mas a mesma
disciplina não vale para a violação de normas imperativas que respeitem ao procedimento
deliberativo (artigo 58º, nº1, als. a) e b) CSC), importando, em regra, a anulabilidade.
O artigo 56º CSC estabelece o elenco das causas de nulidade das deliberações e é tendo-o
como base que faremos as considerações seguintes.

Subtítulo I – Deliberações nulas por vício de procedimento

A alínea a) do nº1 (articulado com o nº2) e a alínea b) referem-se aos vícios de


procedimento que podem importar a nulidade da deliberação – as que sejam tomadas em
assembleia geral não convocada e as tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios
tenham sido convidados a exercer esse direito.
São consideradas não convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por
quem não tenha essa competência (aquela que, por exemplo, seja precedida de um aviso
convocatório assinado por sócio não gerente – cf. artigo 248º, nº3), as precedidas de aviso
convocatório onde não constem o dia, hora e local da reunião (v.g., de onde não conste o
local ou site da Internet onde a assembleia se vai (virtualmente) reunir), e as que reúnam
em dia hora ou local diversos dos constantes do aviso.
Mas, antes de mais, são nulas as deliberações que sejam tomadas em assembleia não
convocadas; isto é, não se procedeu sequer à convocação da assembleia (que incumbe ao
gerente nas sociedades por quotas – artigo 248º, nº3 CSC; e nas sociedades anónimas ao

64
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 458.

46
Direito da Atividade Comercial

presidente da mesa – artigo 377º, nº1 CSC), mas alguns sócios reuniram-se e adotaram
deliberações sobre determinados assuntos. Do mesmo modo, será nula a deliberação
tomada em assembleia para a qual um(ns) sócio(s) não fora(m) convocado(s), uma vez que
em qualquer uma das hipóteses, os sócios não notificados do aviso prévio ficaram
impedidos de exercer, para além dos outros, o seu direito fundamental: o direito de voto
(artigo 21º, nº1, alínea b) CSC).
Todavia, a nulidade das deliberações que provém da não convocação das assembleias
respetivas, é atípica. Isto porque pode ser objeto de sanação posterior, caso a vontade de
todos os sócios convirja nesse sentido (admite-o o nº3 do mesmo preceito) e o exprimam
por escrito.
Assinale-se que, conforme ressalva a alínea a), a nulidade não se estende às deliberações
que resultarem de assembleia não convocada, desde que “todos os sócios tenham estado
presentes ou representados”. Situamo-nos face às denominadas assembleias universais
(que já tivemos oportunidade de mencionar), dispostas no artigo 54º CSC: para que estas
funcionem validamente, é necessário que todos os sócios nela participem e que todos
acordem submeter um determinado assunto a deliberação. Se não for cumprido um destes
requisitos, a deliberação é anulável nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a), caindo na vala
comum deste preceito, uma vez que não cabe nas previsões normativas que estatuem a
nulidade (sendo, aliás, inclusivamente ressalvada pela alínea a), nº1 do artigo 56º).
A alínea b) do nº1 do artigo 56º refere-se a outras situações que podem, igualmente (como
já referimos), levar à nulidade das deliberações. A possibilidade de deliberar por escrito
encontra-se, de um modo geral, admitida para as sociedades por quotas (cf. artigo 247º
CSC), sendo para tal necessário que todos os sócios acordem nesse sentido, pelo que, para
este efeito, devem ser consultados; e, posteriormente, devem ser convidados a votar por
escrito. Assim sendo, a nulidade poderá atingir as deliberações quando nem todos os sócios
tenham sido convidados a votar por escrito; ao passo que a falta da consulta imposta pelo
nº3 leva apenas à anulabilidade da deliberação (artigo 58º, nº1, alínea a)).
Também esta nulidade é atípica, porquanto pode ser objeto de sanação se os sócios que
não foram convidados a votar por escrito derem o seu assentimento à deliberação (artigo
56º, nº3).
Por fim, e conforme é ressalvado pela 2ª parte da alínea b) (nº1 do artigo 56º), não existe
qualquer nulidade quando os sócios, ainda que informalmente informados, tenham votado
por escrito (isto é, não lhes foi dada oportunidade de votar mas, mesmo assim, porque
informados informalmente, conseguiram fazê-lo).

Subtítulo II – Deliberações nulas por vícios de conteúdo

Reportam-se às deliberações nulas porque padecem de um vício de conteúdo as alíneas c)


e d) do nº1 do artigo 56º CSC. Falamos, portanto, das deliberações cujo conteúdo não esteja,
por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; e as que cujo conteúdo, diretamente ou por
atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de
preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos
sócios.

47
Direito da Atividade Comercial

Neste contexto, podemos vislumbrar várias causas que podem levar à nulidade das
deliberações: em primeiro, e conforme resulta da alínea d) 2ª parte, não podem ser
derrogados e, por isso, pela vontade dos sócios (ainda que unânime) os preceitos legais de
natureza imperativa; é a eles que a letra da lei se refere quando diz que são nulas as
deliberações que contrariem preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer
por vontade unânime dos sócios.
Poderíamos apontar inúmeros exemplos de normas imperativas mas, sob pena de sermos
cansativos, daremos apenas conta de algumas: artigos 32º, nº1, 218º, 248º, nº3, 377º, nº4
CSC.

Subtítulo III – Outras causas de nulidade das deliberações

Por outro lado, assumindo uma menor relevância prática, as deliberações podem ser nulas
porque ofensivas dos bons costumes; a elas também se refere a alínea d) do artigo 56º CSC.
O ser contrário ou ofensivo dos bons costumes é um conceito demasiadamente lato e pouco
esclarecedor, tanto mais se considerarmos que o que é “hoje” ofensivo dos bons costumes,
“amanhã” pode não o ser; varia consoante o tempo e lugar em que nos situamos. Ademais,
para que uma deliberação seja nula por ofensiva dos bons costumes é necessário que não
tão-só o fim seja ofensivo daqueles, mas que o próprio conteúdo da deliberação seja
também ele ofensivo65.
São nulas as deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos
sócios. Perante um cenário tão vago como este (artigo 56º, nº1, alínea c) CSC), tudo se
centra em saber qual é o conteúdo que, naturalmente, não está sujeito à deliberação dos
sócios. Muito se tem discutido e especulado sobre o conteúdo útil deste preceito, mas a
verdade é que, sem embargo dos esforços (nomeadamente, doutrinais) desenvolvidos
nesse sentido, parece que todas as situações que se poderiam subsumir nesta previsão
normativa, acabam, inevitavelmente, por cair na alínea d) do mesmo preceito. Posto que,
tendo isto em consideração, não iremos mais longe66.

Subtítulo IV – Ação de nulidade

Conforme sabemos, a nulidade tem de ser declarada judicialmente, através de uma ação
intentada com esse intuito. O artigo 57º CSC vem estabelecer especificidades ao regime da
ação de nulidade, sendo certo que enquanto negócios jurídicos, às deliberações nulas é
aplicável, grosso modo, o regime geral disposto no Código Civil – artigo 286º. Deste decorre,
desde logo, que a ação de nulidade pode ser intentada a todo o tempo por qualquer
interessado e pode ser declarada ex officio pelo tribunal.
Mas, para já, debruçando-nos sobre as especificidades previstas no CSC, cumpre referir que
cabe ao órgão de fiscalização a iniciativa quanto a deliberações nulas. Do nº1 do artigo 57º,

65
Para consultar exemplos destas situações (nomeadamente, acórdãos) – vide ob. cit., Jorge Manuel
Coutinho de Abreu, 474-477.
66
Para mais desenvolvimentos, ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 478-480.

48
Direito da Atividade Comercial

resulta que o órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral67, a
nulidade de qualquer deliberação anterior, a fim de eles a renovarem, sendo possível, ou de
promoverem, querendo a respetiva declaração judicial.
Se, volvidos dois meses, os sócios não renovarem a deliberação ou a sociedade não for
citada para a referida ação (cf. artigo 60º, nº1), o órgão de fiscalização deve promover sem
demora a declaração judicial de nulidade da mesma deliberação (nº2). Instaurando a ação,
deve propor-se logo a nomeação de um sócio para representar a sociedade.
Quando uma sociedade não tenha órgão de fiscalização (relembramos que nem sempre é
obrigatória a existência deste órgão), o que ficou dito é aplicável a qualquer gerente (nº4).
Voltando ao artigo 286º do Código Civil, diz este preceito que a ação pode ser intentada por
qualquer interessado. Considera-se interessado qualquer sócio (titular dessa qualidade
aquando da deliberação ou adquirindo-a apenas em momento posterior, com ou sem
direito de voto), os administradores das sociedades por ações (quando o órgão de
fiscalização não cumpra o dever que lhe é imposto pelo artigo 57º) e alguns terceiros (v.g.,
alguns trabalhadores quando a deliberação aprove a distribuição de lucros fictícios).
A sentença que declarar a nulidade de uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos
os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham
intervindo na ação (artigo 61º). No entanto, esta declaração não prejudica os direitos
adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da
deliberação68 (nº2 do mesmo preceito).
Terceiros de boa fé são os que não ignoravam a invalidade da deliberação ou dela não
deveriam ter conhecimento (in fine, nº2).
Importa, por fim, referir que em determinadas situações o vertido no nº2 do artigo 61º é
irrelevante, na medida em que os direitos adquiridos por terceiros de boa fé são sempre
prejudicados – é o caso das doações feitas fora da capacidade jurídica da sociedade. Estas,
tal como a deliberação que o autorize, são nulas.

Subcapítulo II – Deliberações anuláveis

São anuláveis as deliberações que, padecendo de um vício de procedimento ou de


conteúdo, não ficam feridas de nulidade; as que contrariem o vertido e estipulado no
contrato de sociedade (as designadas deliberações anti estatutárias); as deliberações
abusivas; e as que não sejam precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos
de informação.
O elenco das causas de anulabilidade encontra-se, desta feita, disposto no artigo 58º CSC.

Subtítulo I – Deliberações ilegais: por vício no procedimento ou por vício no conteúdo

Em regra, os vícios de procedimento importam apenas a anulabilidade como consequência,


excecionados os casos que se subsumam nas alíneas a) e b), do nº1 do artigo 56º. Assim,

67
Notamos que membros do órgão de fiscalização devem estar presentes nas assembleias gerais (artigo
379º, nº4).
68
São considerados atos praticados em execução da deliberação, os que a tenham como fundamento.

49
Direito da Atividade Comercial

porque violam uma formalidade imposta por lei, são à partida anuláveis, por exemplo, as
seguintes deliberações: as assembleias convocadas, não por carta registada (artigo 248º,
nº3), mas mediante publicação no jornal da localidade da sede social; as deliberações
adotadas em assembleia convocada sem a antecedência exigida (artigos 248º, nº3 e 377º,
nº4), as deliberações de distribuição de menos de metade do lucro de exercício distribuível,
aprovadas por menos de três quartos dos votos correspondentes ao capital social (artigos
217º, nº1 e 294º, nº1 CSC).
Por outro lado, são também anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do
fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação (alínea c) do nº1 do artigo 58º).
Ora, e para efeitos de elementos mínimos de informação devemos considerar, conforme
alude o nº4, as menções exigidas pelo artigo 377º, nº8 e a colocação de documentos para
exames dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato. Contudo,
refere Coutinho de Abreu, esta anulabilidade já se encontrava de certa forma prevista na
alínea a) do nº1 do artigo 58º, uma vez que tal desrespeito pode traduzir (e traduz-se
mesmo) na violação de disposição legal ou estatutária sobre essa matéria.
Por outro lado, e seguindo a linha deste autor, também o nº4 do artigo 58º não esgota os
elementos informativos cuja falta pode resultar na anulabilidade das deliberações, devendo
ver-se a este respeito o preceituado nos artigos 377º, nº5, 94º, 100º, nº3 (entre outros).
Alguns vícios podem ser relevantes, enquanto outros podem ser irrelevantes; a
relevância/irrelevância dos vícios deve ser averiguada em relação a casos concretos,
porquanto um dado vício pode ser relevante e levar à anulabilidade num caso, mas pode
afigurar-se irrelevante noutras situações. Para demonstrar a veracidade desta afirmação,
recorreremos a um exemplo de Coutinho de Abreu69: a participação em assembleia geral
da pessoa para tal não legitimada é vício relevante se a presença dessa pessoa foi
determinante para a obtenção do quórum constitutivo. / Não é relevante se, mesmo sem
essa participação, o quórum foi conseguido.
A par do que dissemos sobre as deliberações nulas, também os vícios de conteúdo poderão
ditar a anulabilidade das deliberações. Está em causa a violação de preceitos dispositivos
que, na falta de estipulação estatutária que os afaste, continuam a aplicar-se. Daí que,
quando não exista uma cláusula que estabeleça a derrogação daquelas normas, as
deliberações que as violem são anuláveis.
O artigo 58º, nº1, alínea a) CSC não cobre apenas a violação de normas legais, mas também
as situações em que se desrespeite o vertido por princípios normativos cuja eficácia é,
indubitavelmente, equivalente à da lei – tal como o princípio da igualdade entre os sócios
ou o dever de lealdade pelo qual se deve pautar a conduta daqueles, pelo que uma
deliberação que o viole é, pois claro, anulável.

Subtítulo II – Deliberações anti estatutárias

Como a própria designação indica, estão em causa deliberações que não respeitam o
disposto no contrato de sociedade e, portanto, se afiguram contrárias às disposições que
dele constam. Existem, pois, deliberações que, não obstante se situarem em conformidade

69
Que dá outros – ob cit., 493-496.

50
Direito da Atividade Comercial

com a lei, não a desrespeitando, colidem, ainda assim, com as cláusulas consagradas nos
estatutos, uma vez que as violam – daí que se fale em deliberações anti-estatutárias.
Imagine-se, a título exemplificativo, que o estatuto prevê que a convocatória de uma
assembleia, para além de ter de ser publicada em sítio de Internet de acesso público (artigo
167º, nº1), deve ser feita, também, com o recurso ao envio de cartas registadas. Assim
sendo, a deliberação que seja precedida de convocação que não respeite esta imposição, é
anulável porquanto viola uma disposição estatutária (ainda que obedeça e respeite as
formalidades impostas por lei) – vício de procedimento.

Subtítulo III – Deliberações abusivas

As deliberações abusivas pressupõem a não violação de qualquer norma legal, caso em que
estaria abrangida pela alínea a) do nº1 do artigo 58º CSC. Previstas na alínea b) deste
preceito, o seu alcance abrange dois grupos de casos: as que sejam apropriadas para
satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir através do exercício do direito de voto,
vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios;
e as apropriadas simplesmente para prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Ambos tipos de deliberação pressupõe a existência de voto de um ou mais sócios
(pressupostos subjetivos) e ser apropriada a alcançar um determinado propósito
(pressupostos objetivos).
Na primeira espécie de deliberações abrangidas por aquele preceito o intuito é o de
proporcionar vantagens especiais (proveitos patrimoniais que o contemplem
especialmente, aos quais outros sócios nas mesmas circunstâncias não têm direito) para si
ou para terceiro e, com isso, prejudicar a sociedade ou outros sócios (trata-se de um prejuízo
que advém da concessão de vantagens especiais, sendo como que uma sua consequência);
por outro lado, no concernente à segunda espécie de deliberações (deliberações
emulativas) o intuito é diretamente o de provocar prejuízos para a sociedade ou para outros
sócios.
Quem impugne a deliberação, alegando que um ou mais votos tiveram propósito abusiva,
deve provar o dolo dos titulares desses votos – bastando que este seja eventual. Todavia, e
conforme refere Coutinho de Abreu, por vezes torna-se difícil decifrar quais os votos que
estão inquinados por intuitos abusivos, quando todos os que votaram (ou, pelo menos, a
sua grande maioria) expressaram a sua vontade num mesmo sentido.
A parte final da alínea b) consagra a “prova da resistência”, ou seja, a deliberação não é
anulável se mesmo descontados os votos inquinados, se prove que as deliberações teriam,
ainda assim, sido tomadas. Donde, não basta provar o intuito abusivo de um sócio e o
prejuízo que dele resulta para a sociedade; é, ainda, fundamental que a deliberação sem os
votos inquinados não tivesse sido tomada.
Os sócios cujo voto seja a manifestação de um intuito abusivo, e se esses formarem maioria
são solidariamente responsabilizados para com a sociedade ou para com outros sócios pelos
prejuízos que lhes causem (nº3, do artigo 58º). A redação deste preceito não é, de todo,
esclarecedora; num primeiro impacto, poder-se-ia colocar a hipótese de todos os votantes
– abusivos ou não abusivos – que tenham formado a maioria serem responsabilizados.

51
Direito da Atividade Comercial

Como facilmente se depreende, aceitar uma tal solução não seria razoável, porquanto os
votantes não abusivos não praticaram factos ilícitos70. Por isso, neste contexto, respondem
tão-só os votantes abusivos cujos votos tenham constituído uma maioria.
Neste cenário, é possível que numa mesma ação possa ser pedida a anulação da
deliberação (proposta contra a sociedade nos termos do artigo 60º, nº1) e,
simultaneamente, a indemnização referida (a favor da sociedade ou dos sócios, contra os
votantes abusivos).

Subtítulo IV – Ação de anulação

Tem legitimidade para propor a ação de anulação, o órgão de fiscalização da sociedade ou


qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente
tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente – é o que resulta do artigo 59º, nº1
CSC.
Não ter votado no sentido que fez vencimento exclui, é claro, os sócios que tenham votado
nesse sentido, conferindo legitimidade àqueles que votaram em sentido diverso ou, então,
nem sequer votaram. Neste seio, podemos vislumbrar algumas hipóteses: ou o sócio não
emitiu votos – porque não participou na assembleia, ou tendo participado, não era titular
de direito de voto ou estava impedido de o exercer, ou porque se absteve; ou emitiu voto
no sentido contrário à proposta acusada; ou a favor da proposta recusada.
Quando o voto seja secreto, considera-se que votaram em sentido contrário ao que fez
vencimento, apenas aqueles que, na própria assembleia ou perante notário, nos cinco
seguintes à assembleia tenham feito consignar que votaram contra a deliberação tomada –
é o que preceitua ipsis verbis o nº6 do artigo 59º. Obviamente que, também aqui, se devem
considerar aqueles que não tenham emitido qualquer voto.
Apesar da letra dos nº1 e nº6 não ser esclarecedora, a verdade é que não se afigura
necessário que, para se poder arguir a anulabilidade, se seja sócio à data da deliberação.
Pode, por exemplo, através de uma cessão de quotas, vir-se a adquirir a respetiva
participação social, ficando o adquirente (novo sócio) com a possibilidade de intentar a ação
de anulação no prazo que vigorava para o alienante.
Outra questão que se levanta é a de saber se, uma vez intentada uma ação anulatória, e o
autor (um qualquer sócio) dispuser da sua participação social, esta pode prosseguir ou se
extingue por inutilidade superveniente da lide. Se o alienante continuar a ter interesse no
prosseguimento da ação (qual seja o motivo, desde que fundado), é de se aceitar que a ação
não só possa mas deva prosseguir. E, por outro lado, também não é de descartar a
possibilidade do adquirente se vir substituir ao alienante na posição processual ocupada por
este.
Por vezes, e ainda que o artigo 59º não os mencione, admite-se que não-sócios proponham
a ação anulatória, como, por exemplo, o locatário financeiro das participações sociais.
É, também, reconhecida legitimidade ao órgão de fiscalização para intentar a ação de
anulação. A questão passa por saber se tal se traduz sempre numa possibilidade (uma
faculdade) ou se, pelo contrário, vezes haverá em que se trate de um dever. Atentando ao

70
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 510.

52
Direito da Atividade Comercial

disposto no artigo 64º, nº2 CSC, a verdade é que é dever deste órgão propor a ação
anulatória quando a deliberação se afigure prejudicial para a sociedade e, outrossim,
quando nenhum dos sócios (porque a deliberação foi aprovada por unanimidade) tenha
legitimidade para tal.
Não havendo órgão de fiscalização, deve, de um modo geral, admitir-se a legitimidade dos
gerentes para intentarem a referida ação – posição suportada pelo artigo 64º, nº1, alínea b)
e, fundamentalmente, pela aplicação analógica do artigo 57º, nº4.
No que ao prazo concerne, a ação deve ser intentada nos 30 dias subsequentes à verificação
de uma das três hipóteses prescritas no nº2 do artigo 59º, sendo certo que, entre nós, à
partida, tem mais relevância prática a disposta na alínea a): 30 dias após o encerramento da
assembleia geral. Neste momento, importa, contudo, fazer uma consideração: é que as
assembleias gerais podem protelar-se por mais de um dia, ou seja, iniciar-se num
determinado dia e encerrar-se num outro, suspendendo-se os trabalhos durante o período
que medie entre esse período. Ora, nestas hipóteses, importa atentar ao disposto no nº3
do artigo 59º e ter em consideração que reunindo-se os sócios em dias distintos, em cada
um deles poderão ser adotadas deliberações; assim, caso uma assembleia geral seja
interrompida por menos de 15 dias, os interessados podem impugnar a deliberação após o
encerramento da assembleia, ao abrigo do nº2, alínea a); a solução será necessariamente
diferente, quando a suspensão se arraste por mais de 15 dias, caso em que, quando se
pretenda anular deliberações tomadas no primeiro dia, a respetiva ação deve ser intentada
nos 30 dias subsequentes àquele em que a deliberação tenha sido tomada (nº3).
A ação de anulação de uma deliberação não depende da apresentação da respetiva ata; no
entanto, caso o sócio (impugnante) invoque a impossibilidade de a obter, o juiz mandará
notificar as pessoas que devem assinar a ata, para que a apresentem num prazo por ele
fixado, até 60 dias, suspendendo a instância até essa apresentação (nº4).
Vale, também aqui, as considerações que foram feitas acerca do artigo 61º - caso julgado -
, aquando da análise dos efeitos da ação de nulidade e, por isso, para lá remetemos.
Finalmente, cumpre-nos dizer que a possibilidade de impugnação das deliberações sociais
pode levar a que sejam cometidos (ou, pelo menos, tentados) alguns abusos. Donde, e de
forma a evitar estas situações, quando tal suceda, deve o tribunal julgar a ação
improcedente, invocando o abuso de direito – artigo 334º do Código Civil -, condenando (se
for o caso) o impugnante a indemnizar a sociedade e/ou outros sócios.

Note-se que o Código de Processo Civil admite a suspensão das deliberações sociais,
enquanto procedimento cautelar especificado, previsto nos artigos 380º a 382º.

Subcapítulo III – Renovação das deliberações sociais

As deliberações são, tal como qualquer negócio jurídico, um instrumento através do qual
as partes querem ver produzidos determinados efeitos jurídicos. No entanto, e em
conformidade com o que já dissemos até aqui, pode suceder que estas sejam inválidas –
nulas ou anuláveis – ou, outrossim, ineficazes. Ora, porque a demora associada aos
processos judiciais pode infligir prejuízo aos sócios e à sociedade, admite-se que estes, em

53
Direito da Atividade Comercial

determinadas circunstâncias, renovem as deliberações (inválidas), substituindo-as por


outras com conteúdo idêntico mas que, desta feita, não padeçam dos vícios das
deliberações substituídas – renovação das deliberações sociais.
Podem ser objeto de renovação as deliberações nulas, desde que a nulidade derive de vícios
de procedimento; donde, a renovação não é admitida quanto às deliberações nulas em
virtude de um vício de conteúdo. A razão de ser desta limitação prende-se com o facto de
se exigir que o conteúdo da deliberação renovadora, se mantenha, de um modo geral,
idêntico ao da deliberação renovada, o que não poderia suceder se se admitisse a renovação
quanto às deliberações nulas por vício de conteúdo (se a enfermidade deriva da
substanciada deliberação, este teria de ser renovado e, por isso, seria necessariamente
diferente) – artigo 62º, nº1. À deliberação renovadora pode ser atribuída eficácia retroativa,
ficando ressalvados os direitos de terceiros.
Também as deliberações anuláveis podem ser alvo de renovação, o que implica que,
adotada a deliberação renovadora, aquela deixa de poder ser anulada. Mas, também aqui,
parece que só podem ser objeto de renovação, as deliberações anuláveis que padeçam de
um vício de procedimento, valendo, neste contexto, o que ficou dito em relação à renovação
das deliberações nulas. Vale também como regra a eficácia retroativa da deliberação
renovadora, podendo, no entanto, ser requerida por sócio com interesse atendível a
anulação da primeira deliberação, caso em que a nova deliberação apenas produzirá efeitos
ex nunc. Tendo sido instaurada uma ação de anulação, o tribunal pode fixar um prazo para
que a sociedade, a requerimento desta, proceda à renovação da deliberação (artigo 62º,
nº3).

Capítulo VII – Vinculação

Neste capítulo, debruçar-nos-emos sobre a vinculação dos atos praticados pelos órgãos de
administração e representação das sociedades. Isto porque, na sua essência, e atento à
vertente prática, é a matéria que mais preponderância e relevância pode assumir, pelo que
apenas a espaços faremos referência a outros matérias.
As sociedades atuam através de atos jurídicos, aos quais se vinculam mediante a
intervenção e atuação dos órgãos que a compõem – órgãos de administração e de
representação71. Neste sentido, fala a doutrina em representação orgânica, porquanto os
órgãos não atuam enquanto terceiros, mas antes como parte componente das sociedades
a que respeitam.
Por outro lado, e de resto como dissemos anteriormente, as sociedades podem também
vincular-se mediante a atuação de representantes voluntários (artigos 252º, nº6 e 391º,
nº7). Assim sendo, a sociedade pode vincular-se através de uma de duas formas:
representação orgânica, através dos órgãos que a integram; representação voluntária,
através de mandatários ou procuradores nomeados.

71
Não só estes órgãos têm uma competência de representação da sociedade, tendo-a outros órgãos
como, por exemplo, o órgão deliberativo-interno ou o conselho fiscal, ainda que em situações
devidamente identificadas na lei.

54
Direito da Atividade Comercial

Para que os atos dos administradores vinculem a sociedade, é necessário que, antes de
mais, estes atuem nessa qualidade, e não em nome próprio, devendo indicar a sociedade
que, nessa sede, está a atuar através da sua intermediação.
De um modo geral, o que se impõe é que a contraparte – que se relaciona com a sociedade,
por intermédio dos seus representantes ou administradores -, consiga deduzir que o ato a
praticar é imputável à sociedade (por, de resto, estar devidamente representada) – cf., entre
outros, artigo 260º, nº4.
Tratando-se de órgãos de representação plurais, no que tange à representação passiva, a
regra que vigora é a da disjunção, isto é, as declarações de terceiros dirigidas à sociedade,
podem ser dirigidas a qualquer um dos administradores (artigos 261º, nº3 e 408º, nº372).
Relativamente à representação ativa, convoca-se a regra – quanto aos tipos societários que
mais nos interessam: sociedades por quotas e anónimas – da conjunção maioritária, com o
que isso importa que, para que a sociedade fique vinculada é necessário que os negócios
sejam concluídos pela maioria dos gerentes ou administradores (artigos 261º, nº1 e 408º,
nº1), havendo ainda a possibilidade de ratificação.
A regra da conjunção maioritária tem assento legal em normas dispositivas, pelo que só
vigoram se o estatuto social não dispuser disciplina diverso, caso em que se terá de aplicar
o que nele estiver vertido – cf. artigos 261º, nº1 e 408º, nº1.

Poder-se-ão, neste contexto, vislumbrar vários cenários. Vejamos:


- Se uma cláusula constante dos estatutos sociais – nas sociedades anónimas ou nas
sociedades por quotas – estabelecer que a vinculação se basta com um número inferior de
administradores, atuando conjuntamente, afastando, por conseguinte, a regra da conjunção
maioritária, esta cláusula é oponível a terceiros e, atuando no âmbito os seus poderes de
representação, os administradores ou gerentes vinculam a sociedade;
- Se dos estatutos sociais constar uma cláusula cujo conteúdo impõe que é necessário um
número superior à maioria intervenha para a sociedade vincular, esta cláusula é ineficaz
perante os terceiros com os quais a sociedade se relacione. Contudo, praticado um ato pela
maioria dos administradores (por respeito à conjunção maioritária), a sociedade fica
vinculada, não obstante a cláusula. O desrespeito por tal cláusula contratual poderá levar,
quando muito, à responsabilização dos administradores que a contrariaram;
- Se uma cláusula similar à referida no ponto anterior constar dos estatutos de uma
sociedade por quotas, ela é plenamente eficaz e, portanto, oponível a terceiros. Assim, para
que possam atuar por forma a vincular a sociedade, é fundamental que respeitem a cláusula
estatutária, não bastando o respeito pela regra da conjunção maioritária73.
- Imagine-se, agora, que uma cláusula estatutária impõe que, para que a sociedade se
considere vinculada, é necessária a atuação de um determinado gerente ou administrador
(por exemplo, o administrador A). Neste caso, a cláusula é oponível a terceiros, tanto nas

72
Estas normas têm caráter imperativo e, por isso, são insuscetíveis de ser derrogadas por cláusula
aposta nos estatutos.
73
Ainda assim, para que tal cláusula seja oponível a terceiros é imperioso que se façam cumprir as
correspondentes formalidades publicitárias impostas por lei.

55
Direito da Atividade Comercial

sociedades anónimas como nas sociedades por quotas. Vale por dizer, que a sociedade só
fica vinculada se o sócio cuja atuação é exigida, tiver participado no negócio jurídico.
- Pode o estatuto social, nas sociedades anónimas, autorizar o conselho de administração a
delegar em um ou alguns administradores a gestão corrente da sociedade. Quando assim
seja, os negócios celebrados pelos administradores-delegados vinculam a sociedade (artigos
407º, nº4 e 408º, nº2). E ficará também vinculada, mesmo que os administradores-legados
extravasem os limites inerentes à delegação, porquanto a cláusula tem eficácia meramente
interna (artigo 409º, nº1)74.

Vigorando a regra da conjunção maioritária em relação a determinada sociedade, se um


ato for praticado apenas por um administrador, a sociedade fica vinculada? Pois bem, se a
lei exige, supletivamente, que os atos sejam praticados pela maioria simples do número de
administradores, parece que a violação de tal imposição resulta na ineficácia do ato perante
a sociedade, não a vinculando. Contudo, o entendimento jurisprudencial neste campo tem
sido diverso e, de resto, contrário ao de Coutinho de Abreu. Tem a jurisprudência defendido
que basta que os negócios sejam praticados por um administrador, ainda que isso
represente a violação das normas legais dispositivas vigentes neste contexto. E tem
entendido ser esta a solução, uma vez que pretende salvaguardar os interesses e
expetativas dos terceiros que, de boa fé, se relacionam com a sociedade.
Coutinho de Abreu entende que tal fundamento é insuficiente. Isto porque, de entre os
outros fundamentos que invoca, diz que não é tarefa difícil para os terceiros saber quem
pode vincular a sociedade (através do registo). E, dessa forma, conclui que, vigorando a
conjunção, a sociedade não fica vinculada pelos atos jurídicos praticados por um só
administrador; tais atos são ineficazes relativamente à sociedade75.

Assim sendo, quando a representação deva ser exercida de forma conjunta, o ato praticado
por um número insuficiente de administradores não vincula a sociedade (v.g., é necessária
intervenção de três administradores, mas apenas intervêm em dois. O negócio jurídico é
ineficaz perante a sociedade). Contudo, tal não prejudica a possibilidade de ratificação dos
atos praticados, ressalvando-a os artigos 408º, nº1 e 261º, nº1. Ora, se no exemplo dado
um outro administrador venha ratificar o ato praticado, a sociedade ficará vinculada (quanto
aos efeitos da ratificação, cf. artigo 268º, nº2 do Código Civil).

Se até agora abordámos, sumariamente, os requisitos subjetivos que se devem verificar


para que um ato seja idóneo a vincular a sociedade, a partir daqui debruçar-nos-emos sobre
os requisitos objetivos (legais ou estatutários) aos poderes de vinculação – é que, uma vez
extravasados os limites legalmente impostos, os atos praticados não vinculam a sociedade.
Relativamente às sociedades por quotas e às sociedades anónimas, os atos praticados pelos
administradores, “em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere,
vinculam-na para com terceiros” (artigos 409º, nº1 e 260º, nº1). Através de uma
interpretação a contrario dos referidos preceitos, resulta que os atos praticados pelos

74
Para as sociedades por quotas, cf. artigo 261º, nº2 CSC,
75
Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 549-551.

56
Direito da Atividade Comercial

administradores, em nome da sociedade e fora dos poderes que a lei lhes confere, não a
vinculam com terceiros. E, naturalmente, age fora dos poderes que a lei lhes confere, os
administradores que pratiquem atos para os quais a sociedade não tenha capacidade
jurídica.
Mas nem todos os atos que sejam praticados dentro da capacidade societária, vinculam a
sociedade. Assim, por exemplo: existem atos que só podem ser adotados mediante
deliberação dos sócios, sem a qual os sócios não se encontram legitimados a intervir (cf.,
v.g., artigo 246º, nº1, alínea b) CSC). Ora, se os administradores alienarem quotas própria,
sem que a sua intervenção seja precedida da intervenção dos sócios, o ato não vincula a
sociedade, sendo em relação a ela ineficaz.
O ato que seja praticado dentro dos poderes que a lei confere aos administradores ou
gerentes, mas que seja desconforme com as limitações impostas pelos estatutos76, vincula,
ainda assim, a sociedade (artigos 260º, nº1 e 409º, nº1).
Por outro lado, também os atos praticados em desconformidade com uma limitação
imposta por deliberação dos sócios, não importa a sua ineficácia perante a sociedade,
vinculando-a (mais uma vez, cf. artigos 260º, nº1 e 409º, nº1). Os administradores devem
agir em conformidade com as limitações resultantes das deliberações77, desde que
validamente adotadas.

Temos vindo a fazer referência à possibilidade de os administradores virem a ser


responsabilizados pelos atos que pratiquem em desconformidade com as limitações
impostas pelos estatutos ou resultantes de deliberações dos sócios78. Os atos por eles
praticados, desde que dentro dos poderes legalmente fixados vinculam, em princípio, a
sociedade, porquanto as cláusulas limitativas têm uma eficácia meramente interna, não
podendo ser opostas a terceiros79.
Este regime é, não raras vezes, muito oneroso para a sociedade, podendo provocar-lhe
graves prejuízos. E, também por isto, não se pense que o administrador que tenha agido em
desconformidade com as limitações referidas passará incólume, sem que seja
responsabilizado pelo ato praticado (vinculativo da sociedade). As sanções são várias e delas
não nos ocuparemos, deixando apenas a nota de que estas poderão, inclusive, determinar
a destituição do administrador ou do gerente (mormente por justa causa).

76
As cláusulas não são oponíveis a terceiros.
77
Estas que não são oponíveis a terceiros – eficácia meramente interna.
78
Já o referimos em momento anterior, mormente aquando do estudo da Capacidade Jurídica.
79
O que denota a clara preocupação do legislador com a proteção de terceiros de boa fé (artigos 260º,
nº2 e nº3, artigo 409º, nº2 e nº3); se o terceiro tiver conhecimento da desconformidade da atuação dos
administradores com as cláusulas estatutárias ou com limitações derivadas de deliberação dos sócios,
poderemos estar, hipoteticamente, perante um caso de abuso do poder de vinculação.

57
Direito da Atividade Comercial

Índice
Capítulo I – Noção de Sociedade e Figuras Afins ......................................................................... 2
Subcapítulo I – Figuras Afins ........................................................................................................ 4
Subcapítulo II – Noção de sociedade comercial .......................................................................... 5
Capítulo II – Tipos de Sociedades Comerciais .............................................................................. 6
Subcapítulo I – Responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os credores
sociais ............................................................................................................................................ 6
Subcapítulo II – Estrutura Organizatória...................................................................................... 8
Subcapítulo III – Transmissão das participações sociais ............................................................. 9
Subcapítulo IV – Número mínimo de sócios .............................................................................. 11
Subcapítulo V – Capital Social .................................................................................................... 11
Subcapítulo VI – Tipos doutrinais societários ............................................................................ 12
Subcapítulo VII – Taxatividade dos tipos legais de sociedade .................................................. 12
Capítulo II – Constituição das Sociedades Comerciais .............................................................. 13
Subcapítulo I – Ato constituinte (o contrato de sociedade) ..................................................... 13
Subcapítulo II – Registo do ato constituinte .............................................................................. 19
Subcapítulo III – Publicação do ato ............................................................................................ 20
Subcapítulo IV – Interpretação e integração dos estatutos ...................................................... 20
Subcapítulo V – Invalidades do ato constituinte ....................................................................... 21
Subcapítulo VI – Acordos parassociais....................................................................................... 23
Capítulo III – Da Personalidade e Capacidade das Sociedades Comerciais .............................. 24
Subcapítulo I – Personalidade Jurídica ...................................................................................... 24
Subcapítulo II – Capacidade Jurídica .......................................................................................... 28
Subcapítulo III – Capacidade de Exercício das Sociedades........................................................ 32
Capítulo IV – Participações Sociais............................................................................................. 33
Subcapítulo I – Principais direitos e obrigações ........................................................................ 35
Subcapítulo II – Transmissão de quotas .................................................................................... 38
Subcapítulo III – Transmissão de ações ..................................................................................... 39
Capítulo V – Capital e Património Sociais, Lucros, Reservas e Perdas ...................................... 40
Subcapítulo I – Direito dos sócios de quinhoar nos lucros........................................................ 41
Subcapítulo II – Reservas............................................................................................................ 43
Subcapítulo III - Perdas ............................................................................................................... 44
Capítulo VI – Deliberações Sociais ............................................................................................. 44
Subcapítulo I – Deliberações nulas ............................................................................................ 46
Subtítulo I – Deliberações nulas por vício de procedimento .................................................... 46
Subtítulo II – Deliberações nulas por vícios de conteúdo ......................................................... 47

58
Direito da Atividade Comercial

Subtítulo III – Outras causas de nulidade das deliberações ...................................................... 48


Subtítulo IV – Ação de nulidade ................................................................................................. 48
Subcapítulo II – Deliberações anuláveis .................................................................................... 49
Subtítulo I – Deliberações ilegais: por vício no procedimento ou por vício no conteúdo ....... 49
Subtítulo II – Deliberações anti estatutárias ............................................................................. 50
Subtítulo III – Deliberações abusivas ......................................................................................... 51
Subtítulo IV – Ação de anulação ................................................................................................ 52
Subcapítulo III – Renovação das deliberações sociais ............................................................... 53
Capítulo VII – Vinculação ............................................................................................................ 54

59

Você também pode gostar