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Este resumo – não passa precisamente disso – e, portanto, não dispensa a leitura da
bibliografia que abaixo indicarei e que fora recomendada pelo regente desta unidade
curricular. Assim, com o intuito de ajudar os demais estudantes, segue-se este documento
que poderá servir de auxílio ao vosso estudo.
O presente documento poderá conter erros ou imprecisões e, por isso, não me
responsabilizo por estes, sendo que, como referi, este deverá servir como complemento ao
estudo e nunca como base - base essa que deverá ser a leitura das obras recomendadas.
Bibliografia:
- Curso de Direito Comercial, Volume II, 5ª Edição, Jorge Manuel Coutinho de Abreu
3º Ano – 2º Semestre
Direito da Atividade Comercial
1
É nesta perspetiva que estudaremos, nesta unidade curricular, o vocábulo sociedade.
2
É, em todo o caso, preferível a designação de ato jurídico, uma vez que existem negócios constituintes
de sociedades sem natureza contratual (v.g., os constituintes de sociedades unipessoais).
3
Que têm correspondência com a sociedade enquanto entidade. É que, como dissemos, o Código Civil
refere-se à sociedade – ato jurídico.
2
Direito da Atividade Comercial
Posto isto, podemos apontar uma outra característica (que, desta feita, não consta do
artigo 980 CC): falamos da sujeição a perdas. É que os sócios, em vez de lucrarem, podem
perder e não conseguir recuperar, até que saiam da sociedade ou esta se extinga, o valor
das suas entradas e de outras prestações feitas à sociedade (cf. artigo 994º CC e 22º, nº3
CSC).
Em suma,
Sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (o(s) sócio(s)), tem um
património autónomo para o exercício de atividade económica, a fim de em regra obter
lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.
4
Conforme refere Coutinho de Abreu, não obstante a letra da lei, teria sido mais correto dizer que é a
própria sociedade que exerce a atividade (ou os sócios através dela).
3
Direito da Atividade Comercial
Consórcios – contrato pelo qual duas ou mais entidades (singulares ou coletivas), que
exerçam atividades económicas se obrigam a, de forma concertada, realizar certas
atividades ou efetuar determinadas contribuições, a fim de possibilitar a realização de atos
materiais ou jurídicos preparatórios de uma atividade5 que possam ser repartidos entre os
consorciados.
5
O seu objeto não se esgota aqui – vide página 47 do manual supracitado.
4
Direito da Atividade Comercial
O consórcio pode ser interno ou externo. Será interno quando as atividades ou os bens são
fornecidos a um dos consorciados pelo(s) outro(s) e só aquele estabelece relações com
terceiros, ou quando não haja expressão dessa qualidade; será externo quando as atividades
ou bens são diretamente fornecidos a terceiros por cada um dos membros do consórcio e
com expressão dessa qualidade.
No consórcio não existe uma atividade exercida em comum, mas sim contribuições e atos
praticados por cada consorciado, embora realizados de forma concertada. Donde, também
não existe um lucro em comum, não obstante o que possa advir individualmente para cada
consorciado, no contexto do próprio consórcio.
6
Aqui temos de remeter, necessariamente, para o que ficou dito a este propósito em sede de Direito
Comercial de Empresa. Falamos, essencialmente, dos atos objetivamente comerciais e dos atos
subjetivamente comerciais (e, ainda, se quisermos, dos atos comerciais por analogia) (cf. artigo 2º do
Código Comercial) – vide Apontamentos de Direito Comercial de Empresa; e, outrossim, Coutinho de
Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I.
5
Direito da Atividade Comercial
de comércio, ainda que não tenha adotado um qualquer dos tipos societários previstos no
artigo 1º, nº2 CSC é sociedade comercial, ainda que irregularmente constituída.
De facto, uma sociedade com objeto mercantil só pode (e deve) adotar um dos tipos
societários comerciais (nº3 do mesmo preceito). A não-adoção de um desses tipos, não
implica, nem pode implicar, que lhe seja atribuída forma civil. Por certo, e conforme o caso,
aplicar-se-á a estas situações outras consequências legalmente previstas (e que, mais tarde,
analisaremos), mas estas nunca se podem traduzir na atribuição de forma civil às sociedades
que pratiquem atos de comércio.
Ainda assim, e conforme dispõe o nº4 do artigo 1º CSC, as sociedades civis (as que praticam
exclusivamente atos de natureza não comercial) podem adotar um dos tipos societários
previstos no referido nº2 e, nesse caso, ser-lhes-á aplicável o Código das Sociedades
Comerciais.
Então, são civis as sociedades que não têm por objeto a prática de atos de comércio, isto é,
têm exclusivamente por objeto a prática de uma atividade não comercial (artigo 1º, nº3 e
nº4 CSC)7. E estas podem ser sociedades civis simples e sociedades civis de tipo comercial.
As primeiras são disciplinadas pelo Código Civil – artigos 980º e seguintes; às segundas,
ainda que civis, mas porque adotam forma comercial, é-lhes aplicável, conforme ficou dito,
o CSC (artigo 1º, nº4 CSC).
Neste contexto, surgem algumas exceções. Por um lado, existem sociedades que não
podem, de forma alguma adotar, um dos tipos de sociedade comercial (as sociedades de
advogados); outras só podem adotar alguns dos tipos previstos (as sociedades agrícolas só
podem adotar o tipo de sociedade por quotas); e, ainda, outras que, sendo civis, têm de
adotar um tipo de sociedade comercial (as sociedades de administradores de insolvência.
Neste capítulo, vamos abordar os tipos societários. Por outras palavras, os modelos
diferenciados de regulação de relações entre sócios, entre os sócios e as sociedades, entre
os sócios, a sociedade e terceiros.
Prima facie, parece-nos que os artigos 175º CSC (para as sociedades em nome coletivo),
197º CSC (para as sociedades por quotas), 271º (para as sociedades anónimas), 465º (para
as sociedades em comandita) vêm estabelecer as características fundamentais destes tipos
societários.
7
V.g., uma sociedade agrícola.
6
Direito da Atividade Comercial
com bens em espécie e estes não sejam avaliados em conformidade com o disposto no
artigo 28º CSC, os sócios têm de assumir expressamente no contrato social responsabilidade
solidária pelo valor que atribuam aos bens (artigo 179º CSC). Por outras palavras, caso os
sócios queiram substituir, nestas ocasiões, o procedimento previsto no artigo 28º CSC,
devem fazer constar expressamente do contrato social que assumem, no regime
responsabilidade solidária, o valor atribuído aos bens.
Nas sociedades por quotas, cada sócio responde não apenas pela própria entradas mas,
também, solidariamente com o(s) outro(s) sócio(s), por todas as entradas convencionadas
no contrato social (artigo 197º, nº1 CSC)8.
Nas sociedades anónimas, cada sócio só responde pela sua entrada, i. é., têm a sua
responsabilidade limitada ao valor das ações9 que subscreveu (artigo 271º CSC), sem
prejuízo do estatuto social poder estabelecer que um ou mais sócios fiquem obrigados a
prestações acessórias (artigo 287º CSC).
Nas sociedades em comandita simples ou em comandita por ações, tanto os sócios
comanditados como os sócios comanditários respondem somente pela respetiva entrada –
artigos 465º, nº1. Nota para o facto de os sócios comanditários não poderem entrar com
indústria e, por isso, só poderem fazê-lo com dinheiro ou em espécie e para o facto de,
quanto às sociedades em comandita simples, o direito subsidiariamente aplicável ser o
relativo às sociedade em nome coletivo (artigo 474º CSC) e, quanto às sociedades em
comandita por ações, aplicar-se subsidiariamente as normas relativas às sociedades
anónimas (artigo 478º CSC).
Ao que ficou dito acresce a possibilidade de alguns sócios responderem para com a
sociedade, solidariamente com membros do órgão de administração ou de fiscalização
(artigo 83º CSC).
8
Os sócios podem ainda ficar obrigados a prestações acessórias e suplementares, nos termos dos
artigos 197º, nº2, 209º, 210º e seguintes do CSC.
9
Cf. artigo 25º CSC
7
Direito da Atividade Comercial
As sociedades atuam através de órgãos que, por sua vez, são centros institucionalizados de
poderes funcionais a exercer por uma ou várias pessoas com o intuito de exprimir a vontade
juridicamente imputável às sociedades.
Neste sentido, importa distinguir os órgãos segundo a competência: os órgãos de formação
de vontade ou deliberativos-internos (expressam a vontade social, ainda que não a
manifestem para o exterior), órgãos de administração e representação (gerem as atividades
sociais e representam as sociedades perante terceiros, a quem fazem e de quem recebem
declaração de vontade) e órgãos de fiscalização ou controlo (fiscalizam a atuação dos
membros do órgão de administração). Ora, consoante o tipo societário, a instituição destes
órgãos ou de alguns deles pode ser obrigatória ou facultativo. É disso que agora daremos
conta.
O órgão deliberativo-interno10 é obrigatório para qualquer tipo societário, sendo composto
por um (nas sociedades unipessoais) ou por vários sócios em conjunto – cf. v.g., artigos 53º
ss., 189º, 246º ss., 270º-E, 373º, ss., 472º CSC.
O órgão de administração e representação também é obrigatório para todos os tipos de
sociedade. Nas sociedades em nome coletivo, este órgão é composto por todos os sócios11
(gerentes, dado que o órgão se designa gerência) – artigo 191º, nº1 CSC. Esta solução
compreende-se, tendo em conta que os sócios respondem ilimitadamente perante os
credores sociais e que este órgão, como dissemos, se dirige à direção das atividades sociais
e à representação das sociedades perante terceiros; nas sociedades por quotas, a gerência
é composta por um ou mais gerentes, que serão pessoas singulares com capacidade jurídica
plena, ainda que não sejam sócias (logo podem ser sócias ou não)12 – artigo 252º, nº1 CSC;
nas sociedades anónimas, nos termos do artigo 278º, nº1 CSC, pode optar-se por um
conselho de administração ou por um conselho de administração executivo. Ainda assim, e
10
Vulgarmente designado por assembleia geral, termo que, no entanto, não é o mais correto.
11
Quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente.
12
A gerência se, por contrato, atribuída a todos os sócios, não se considerada conferida aos que só
posteriormente adquirirem a qualidade de sócio (nº3, artigo 252º CSC).
8
Direito da Atividade Comercial
em relação às sociedades deste tipo cujo capital não exceda os 200 000 euros, pode
estabelecer-se, em vez do conselho, um só administrador. Nas sociedades com estrutura
monística, as sociedades têm de ser compostas por um conselho obrigatoriamente. Neste
contexto, os administradores não precisam de ser sócios (artigos 390º, nº3 CSC e 425º, nº6
CSC), mas têm, em princípio, de ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena;
finalmente, e no que concerne às sociedades em comandita, a administração é concedida
aos sócios comanditados, na medida em que estes respondem ilimitadamente perante os
credores sociais (artigos 470º, nº1, 474º e 478º). Isto sem prejuízo das hipóteses em que é
possível atribuir também a gerência aos sócios comanditários.
O órgão de fiscalização não existe nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em
comandita simples (os sócios fiscalizam diretamente a atuação da gerência); as sociedades
por quotas podem ter um conselho fiscal ou um fiscal único (artigos 262º, nº1 e 413º, nº1,
alínea a) CSC). No entanto, se ultrapassarem determinada dimensão devem ter um ou outro,
a menos que designem um revisor de contas oficial (artigo 262º, nº2 e nº3 CSC); as
sociedades anónimas devem ter órgão(s) de fiscalização; e as sociedades em comandita por
ações terão um conselho fiscal ou fiscal único, aplicando-se-lhes o disposto nos artigos 478º
e 413º e seguintes CSC.
Antes de mais, cumpre perceber o que é uma participação social – é um conjunto unitário
de direitos e obrigações atuais e potenciais do sócio.
Analisemos, agora, a possibilidade de estas, conforme o tipo societário, serem transmitidas
por morte ou através de ato inter vivos.
9
Direito da Atividade Comercial
13
As participações sociais são ações – cf. artigos 271º e 465º, nº3 CSC.
14
Manifestação do cariz capitalístico deste tipo societário.
10
Direito da Atividade Comercial
Quanto aos sócios comanditados – tanto nas sociedades em comandita simples, como nas
sociedades em comandita por ações -, é exigido, pelo artigo 469º, nº1 CSC, deliberação
autorizante dos sócios.
Neste sentido, parece que o artigo 7º, nº2 CSC vem estabelecer uma regra geral: a
sociedade deve se constituída, no mínimo, por dois sócios, admitindo, no entanto, algumas
exceções, ressalvando as hipóteses em que a lei imponha um número mínimo superior ou,
pelo contrário, admita a constituição de sociedades unipessoais – por um sócio.
No entanto, vejamos: nas sociedades em nome coletivo ou em comandita simples exige-se
um número mínimo de dois sócios (e, nessa medida, é verdade que opera o artigo 7º, nº2
CSC); mas assim já não é, nas sociedades por quotas que, por força do artigo 270º-A, nº1
CSC podem ser constituídas por apenas um sócio (unipessoais); as sociedades anónimas
podem, por seu turno, serem constituídas por apenas uma outra sociedade, nos termos dos
artigos 481º, nº1 e 488º, nº1 CSC, ou por dois sócios (artigo 273º, nº2 CSC). Neste registo, a
regra é, todavia, a de que estas devem ser constituídas por cinco sócios (artigo 273º, nº1
CSC); e, por fim, as sociedades em comandita por ações não podem ser constituídas com
menos de seis sócios (artigos 465º, nº1 e 479º CSC).
Por outro lado, a lei não fixa um número máximo de sócios para qualquer tipo societário.
O capital social é uma cifra representativa dos valores nominais das participações sociais
fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie, tendo estas um valor idêntico ou
superior àquelas (artigo 25º CSC).
Exceção feita às sociedades em nome coletivo, nos casos em que os sócios entrarem
somente com indústria (caso em que a sociedade não tem capital social – artigo 178º, nº1),
todos os restantes tipos societários possuem, nos termos do artigo 9º, alínea f) CSC, um
capital social. Assim sendo, muitas vezes, a lei fixa o capital mínimo obrigatório para que as
sociedades possam ser constituídas. Deste modo, estipula a lei, nos artigos 276º, nº5 e 478º
CSC, que o capital mínimo obrigatório é 50 000 euros para a constituição de sociedades
anónimas e para as sociedades em comandita por ações; para as sociedades por quotas o
valor mínimo15 pode ser livremente fixado pelos sócios, a partir de 1 euro (por cada sócio)
– artigo 201º e artigo 219º, nº3 CSC.
Nos restantes casos – maxime sociedades em nome coletivo e em comandita simples -, a lei
não se pronuncia e, por isso, não existe um capital mínimo legalmente fixado.
15
Que anteriormente se situava nos 5 000 euros.
11
Direito da Atividade Comercial
Ocupar-nos-emos, neste momento, dos tipos societários construídos pela doutrina que
permitem uma melhor compreensão dos tipos legais. Merecem destaque as “sociedades de
pessoas” e as “sociedades de capitais”.
Nas “sociedades das pessoas” sobressai o seu caráter intuitus personae, o que se reflete
nas suas características: a responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, a
impossibilidade ou dificuldade na transmissão das participações sociais e, por conseguinte,
a fraca mutação subjetiva (i. é., dos sócios) no seio societário; o peso manifesto dos sócios
na gestão das atividades sociais (a cada sócio corresponde, em regra, um voto); o dever de
informação alargados de que os sócios são titulares; entre outras. Encaixam nesta
construção doutrinária, nomeadamente, as sociedades em nome coletivo.
Nas “sociedades de capitais” sucede o inverso, ou seja, o intuitus personae não está
presente, importando, mais do que isso, o valor das contribuições patrimoniais dos sócios.
Na verdade, os sócios não intervêm ativamente na vida da sociedade, tanto na gestão das
atividades sociais como no âmbito deliberativo (ademais, os votos são atribuídos em função
do peso da participação social), e não respondem pelas dívidas sociais. Para além disto, não
se colocam grandes entraves à transmissão da posição de sócio, pelo que estes são
facilmente substituídos. Dito isto, depreendemos que as sociedades anónimas são as que
melhor se enquadram neste tipo doutrinal societário.
A classificação dos restantes tipos societários legais é dúbia, sendo inclusivamente objeto
de debate doutrinal, do qual não nos ocuparemos16.
Sumariamente, ainda podemos dar conta de uma outra distinção: falamos das “sociedades
abertas”, cujo melhor exemplo é traduzido pelas sociedades anónimas, e que tal como o
nome indica são as que se encontram mais abertas aos mercados de capitais, onde os sócios
e investidores vendem e adquirem ações; e das “sociedades fechadas” que são as que, pelo
contrário, não estão expostas à comercialidade das participações sociais, isto é, encontram-
se fechadas aos mercados de capitais e, nessa medida, a substituição dos sócios torna-se
difícil e só sucede em hipóteses reduzidas, estando estes perfeitamente imbuídos do
espírito e vida societária. E, como é de fácil conclusão, exemplo típico deste tipo doutrinal
são as sociedades em nome coletivo.
O elenco prescrito no artigo 1º, nº2 CSC é taxativo e, portanto, a lei comercial não admite
que sejam adotados outros tipos legais que não os previstos no preceito. Aliás, está vedada
aos sujeitos adotar, se pretenderem constituir uma sociedade comercial, um tipo diverso
dos previstos na lei. Este princípio da taxatividade reduz, claro está, a capacidade negocial
dos sujeitos, visando-se, sobretudo, prosseguir fins de segurança jurídica: dessa forma, os
credores sociais e os sócios podem confiar que as sociedades com quem se relacionam não
podem deixar de respeitar uma das formas exigidas e, outrossim, em larga medida, o regime
16
Remetemos, neste contexto para Curso de Direito Comercial, Volume II, 5ª Edição, Jorge Manuel
Coutinho de Abreu.
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Direito da Atividade Comercial
que subjaz a cada uma delas. É que, para além de se impor a adoção de um dos tipos
societários prescritos no artigo 1º, nº2 CSC, impõe-se que os estatutos não contrariem
características imprescindíveis dos tipos, sendo as cláusulas que as contrariem, nulas.
O processo formativo de uma sociedade deve ser visto de um ponto de vista dinâmico, uma
vez que se trata de um encadeamento de atos que, interligados, formam um processo. No
geral, e não obstante a realização de outros atos menos relevantes e a existência de outros
processos que gozam de outras particularidades, o processo constitutivo conhece três
momentos importantes: contrato de sociedade, registo (definitivo) do contrato e
publicação do contrato.
Nem sempre o processo constitutivo de sociedades segue os mesmos termos, até porque
não existe um regime unitário. Assim, e não obstante o processo normal que envolve o
caminho acima descrito, que passa, obrigatoriamente, por aqueles três atos, a própria lei
acaba por estabelecer a possibilidade de o trilho constitutivo ser diferenciado. Neste
contexto, o próprio artigo 18º CSC consagra a possibilidade de registo prévio,
acrescentando, então, um momento aos restantes; por outro lado, a constituição de
sociedades comerciais pode suceder em termos diversos aos regulados pelo CSC, isto é,
através de lei ou decreto-lei17. O CIRE consagra um exemplo dessa possibilidade quando se
refere a saneamento por transmissão – visa a constituição de uma ou mais sociedades para
a exploração de um ou mais estabelecimento adquiridos à massa insolvente.
Poderíamos falar de outros procedimentos, nomeadamente, dos que foram instituídos com
o intuito de tornar célere a constituição de sociedades por quotas ou anónimas, mas isso
seria descentrar a atenção do que realmente nos importa, que, em todo o caso, é o regime
que se encontra disposto no Código das Sociedades Comerciais. É dele que agora nos
ocuparemos.
17
O Estado tem constituído inúmeras sociedades anónimas através destes atos legislativos.
13
Direito da Atividade Comercial
Nas sociedades unipessoais, o ato constitutivo é um negócio jurídico unilateral (uma vez
que nele não intervêm várias partes); nas sociedades criadas por lei ou decreto-lei, o ato
constitutivo é o próprio ato legislativo; e nas sociedades constituídas mediante saneamento
por transmissão, o ato constitutivo deve considerar-se a decisão homologatório do plano de
insolvência.
Dito isto, importa perceber quem pode, efetivamente, constituir ou participar na
constituição de uma sociedade.
Prima facie, podemos destacar as pessoas singulares. As que tenham capacidade de
exercício podem ser sócios, mas também os incapazes podem sê-lo, desde que
representadas – v.g., os menores, desde que representados pelos pais. No entanto, em
alguns casos, a lei impõe que o Ministério Público autorize a entrada para uma sociedade, o
que sucede, por exemplo, relativamente às sociedades em nome coletivo; outros casos
haverá em que essa autorização não é precisa, nomeadamente, quando os pais, em
representação dos filhos, pretendam entrar para sociedades anónimas ou por quotas.
Excecionalmente, os menores – com mais de 16 ou 17 anos – têm capacidade para entrar
para uma sociedade: isto pode suceder quando entrem para estas com bens que provenham
do seu próprio trabalho e desse que a sua responsabilidade fique limitada à sua entrada.
Quanto aos cônjuges, e da conjugação do artigo 1714º, nº3 CC com o artigo 8º, nº1 CSC,
admite-se que estes possuam participação na mesma sociedade, desde que só um deles
assuma responsabilidade ilimitada (e, portanto, não poderão, em qualquer caso, ser sócios
da mesma sociedade quando se trate de sociedade em nome coletivo).
Por outro lado, as pessoas coletivas privadas também podem ser sujeitos dos atos
constituintes – falamos, essencialmente, das cooperativas e, de forma menos evidente, das
associações e fundações. Da mesma possibilidade gozam as pessoas coletivas públicas – no
entanto, porque aprofundarmos esta questão implicaria a análise de regimes que não nos
interessam, não nos alongaremos. Ainda assim, e conforme já se disse, os Estados podem
participar em atos constituintes de sociedades, o que se reflete, desde logo, na possibilidade
de criação por lei ou decreto-lei, bem como o podem os municípios e as regiões autónomas.
14
Direito da Atividade Comercial
desrespeito desta imposição leva à nulidade do ato constituinte ainda não registado (artigo
41º CSC e 280º CC); alínea e) – deve constar a sede da sociedade (cf. artigo 12º CSC). Esta
imposição releva, na medida em que as assembleias gerais, em princípio, serão realizadas
na sede da sociedade e para efeitos da competência internacional dos tribunais para
conhecerem de questões relativas às sociedades (artigo 63º CPC)18; alíneas f) e g) – o capital
social (esta imposição não se aplica às sociedades em nome coletivo em que todos tenham
contribuído somente com indústria), a quota de capital e a natureza de cada entrada –
impõe-se que indique a participação social correspondente ao valor da entrada e, também,
o tipo de entrada (se em dinheiro, espécie ou indústria); alíneas h) e i) – a especificação dos
bens que constituíram a entrada (quando não sejam dinheiro) e o valor de cada um deles, e
i) para efeitos de contagem do exercício anual quando não opere a regra geral de que um
exercício corresponda a um ano civil.
O elenco do artigo 9º, nº1 CSC não é taxativo, pelo que existem outras menções obrigatórias
gerais que devem constar do ato constituinte: destaca-se a indicação das vantagens
especiais e das despesas de contribuição (artigo 16º, nº2 CSC). As primeiras referem-se aos
benefícios (prémios) concedidos aos sócios pela iniciativa de formarem a sociedade,
enquanto que as despesas de contribuição compreendem, essencialmente, as despesas
efetuadas numa fase pré-constituinte como, por exemplo, os estudos feitos para aferir da
viabilidade da constituição da sociedade.
Analisadas as menções obrigatórias que valem para todos os tipos societários, cumpre
abordar as que apenas se impõem em relação a alguns tipos e, por isso, as menções
obrigatórias específicas.
Neste registo, sumariamente, vale o artigo 176º, nº1 CSC para as sociedades em nome
coletivo (na verdade, não acrescenta muito mais ao que resulta do artigo 9º, nº1 CSC); rege
o artigo 199º CSC para as sociedades por quotas; para as sociedades anónimas atente-se ao
disposto no artigo 272º CSC; relativamente às sociedades em comandita operam os artigos
466º CSC: devem indicar-se quais ou sócios comanditários e quais os sócios comanditados
e se se trata de uma sociedade em comandita simples ou por ações, bem como a atribuição
dos votos aos sócios, em função do capital.
18
Sede estatutária, que não se confunde com “sede principal e efetiva da administração” (cf. artigo 3º
CSC).
15
Direito da Atividade Comercial
Posto isto, o artigo 9º, nº3 CSC vem dizer que as normas dispositivas se aplicam às
sociedades, a menos que o contrato social as afaste ou, outrossim, este admita que estas
normas sejam derrogadas por meio de deliberação dos sócios (no entanto, esta última
possibilidade só é válida quando a lei o admita – artigos 151º, nº1, 191º, nº2, 217º, nº1,
294º, nº1 CSC). Exemplo destas normas são: 15º CSC (a menos que se estabeleça a duração
da sociedade, esta vigora por tempo indeterminado), 26º, nº3 CSC (o contrato pode prever
o diferimento da realização das entradas em dinheiro, caso contrário elas terão de ser
efetuadas no início), entre outros.
19
Só nos casos em que tal for exigido para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a
sociedade (artigos 939º e 875º CC).
16
Direito da Atividade Comercial
20
É preciso ter atenção que estes sócios não irão responder solidariamente com os sócios que, atuando
em nome da sociedade, participaram ou consentiram na celebração dos negócios. A ideia que subjaz a
esta premissa é apenas a de que os credores podem socorrer-se das obrigações de entrada dos sócios
para satisfazerem os seus créditos, exigindo-lhes que prestem as entradas a que se obrigaram. É
somente isto.
17
Direito da Atividade Comercial
desta (“em representação dela”). Não será abusivo, então, compreender, que a lei
pressupõe que a sociedade já existe e que, por isso, ainda que não tenha personalidade
jurídica, é sujeito suficiente de direitos e obrigações.
Em segundo, o silêncio da lei, ao contrário do que possa pensar ou deduzir, não implica que
respondam apenas os sócios (só porque só a eles esta se refere). Na verdade, lançando mão
de um argumento por maioria de razão, se a lei consagra a responsabilidade da sociedade
(cf. artigo 997º, nº1 CC ex vi artigo 36º, nº2 CSC) em relação às obrigações resultantes de
negócios anteriores à celebração do ato constituinte, então, por maioria de razão, também
esta deverá ser responsabilizada pelas obrigações decorrentes de contratos celebrados
depois desse momento.
Em terceiro, o artigo 19º CSC, é verdade, refere-se à “assunção” de direitos e obrigações
por virtude do registo. No entanto, isto não quer dizer que a sociedade não era sujeito
dessas relações jurídicas até esse momento (ao registo). Quer antes significar que,
anteriormente, a sociedade já era titular dessas posições jurídicas e que, com o registo, a
sua posição se consolidou, tornando-se, agora, a única responsável (em regra) pelas
obrigações contraídas antes do registo. Nada se transmitiu, consolidou-se.
Nos termos do artigo 40º, nº1 CSC os sócios que não hajam participado ou consentido na
realização do negócio, são responsabilizados por estes até à importância das entradas que
se obrigaram a realizar, pelo que aos credores pertence o direito de exigir que estes
efetuem as suas entradas, para que a sociedade fique com mais meios para cumprir as suas
obrigações. Por outro lado, os credores, uma vez que os negócios são celebrados em “nome”
da sociedade, confiam que o património que irá responder pelos seus créditos será o social.
A lei consagra, igualmente, a responsabilidade dos sócios, uma vez que no momento
anterior ao registo, ainda não existe uma situação de certeza quanto ao património que
poderá responder pelas dívidas (isto é, não sabem com o que podem contar). A
responsabilidade dos sócios é um meio para tutelar os interesses dos credores sociais, não
devendo ser visto como um meio que substitui a responsabilidade da sociedade.
Dito tudo isto, conclui-se que as sociedades também são responsáveis pelos negócios
celebrados antes do registo e depois da celebração do ato constituinte. Contudo, estamos
perante uma regra que conhece duas exceções: neste momento, a sociedade não se
responsabiliza por obrigações que não pudesse assumir depois do registo. Referimo-nos,
essencialmente, aos atos para os quais remete o artigo 19º, nº4 CSC21; por outro lado, salvo
autorização dos sócios, uma parte do património societário nas sociedades por ações (o
correspondente ao dinheiro das entradas em instituição de crédito) não pode ser mobilizado
para pagar aos credores (cf. artigos 277º, nº5, alínea b) e 478º CSC).
A afirmação da responsabilidade da sociedade, levanta uma outra questão: os sócios que
ao abrigo dos artigos referidos respondem solidariamente, também solidariamente
responderão com a sociedade. O entendimento deve ser o do artigo 997º CC, por remissão
do artigo 36º, nº2 CSC, donde a resposta é afirmativa: sócios e sociedade responderão
solidariamente, sem prejuízo da possibilidade de o sócio demandado exigir a excussão
prévia do património social (cf. artigo 30 CSC).
21
Vide nota de rodapé 260, pp. 127, Curso de Direito Comercial, 5ª Edição, Volume II, Jorge Manuel
Coutinho de Abreu.
18
Direito da Atividade Comercial
Os atos constituintes (e relembramos que não são atos constituintes apenas os contratos)
devem e têm!, todos eles, independentemente do tipo societário, ser registados.
A legitimidade para pedir o registo pertence aos membros do órgão de administração e os
que demais tenham interesse nisso (os sócios) – cf. artigo 29, nº1º CRCom22. Estes pedidos
podem ser efetuados em qualquer conservatória de registo comercial, devendo o pedido
ser acompanhado por documento que comprove a constituição da sociedade (escrito com
assinaturas reconhecidas ou documento mais solene). A entidade competente, salvo casos
urgentes23, deve proceder ao registo no prazo de dez dias.
E quais são os efeitos que resultam do registo?
A mais relevante das consequências ou, melhor dito, o efeito mais importante do registo
traduz-se na aquisição de personalidade jurídica pela sociedade, conforme preceitua o
artigo 5º CSC. Não quer isto dizer que o ato constituinte só produz efeitos com o registo; na
verdade, a sociedade já existe antes deste momento (conforme vimos).
Outro efeito importante prende-se com a assunção automática24 pela sociedade dos
direitos e obrigações previstos no artigo 19º, nº1 CSC – nomeadamente, dos direitos e
obrigações decorrentes dos negócios jurídicos previstos no artigo 16º CSC (i. é., os que
decorrerem de vantagens especiais ou despesas de constituição) (alínea a)); os direitos e
obrigações decorrentes da exploração normal de um estabelecimento que haja constituído
a entrada de um dos sócios para a sociedade ou que tenha sido adquirido por conta da
sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social (alínea b)); os que decorrerem
de negócios jurídicos concluídos antes do ato de constituição e que neste estejam
especificados e expressamente ratificados (alínea c)); os decorrentes de negócios jurídicos
celebrados pelos gerentes ou administradores ao abrigo da autorização dada por todos os
sócios no ato de constituição (alínea d)).
Estes são os direitos que são adquiridos de pleno direito, mas não são os únicos que podem
ser adquiridos pelo registo definitivo do contrato. Neste sentido, o nº2 do artigo 19º CSC
vem conceder a possibilidade de a sociedade assumir os direitos e obrigações decorrentes
de negócios celebrados em nome da sociedade e antes do registo do contrato, mediante
decisão de administração. Esta assunção deve ser comunicada à contraparte no prazo de 90
dias. Na decisão administrativa referida não podem participar os membros do órgão da
administração que tenham participado na conclusão dos negócios (cf. artigo 410º, nº6 CSC).
A assunção dos negócios celebrados no nº1 e nº2 retrotrai ao momento da sua celebração
e libera as pessoas indicada no artigo 40º da responsabilidade aí prevista, salvo as que por
lei continuem a ser responsáveis (artigo 19º, nº3 CSC). Deste modo, se um sujeito liberado
tiver cumprido alguma obrigação social, terá o direito a exigir da sociedade o equivalente
do que prestou (como que um direito de regresso). Se, porventura, for a sociedade a cumprir
com uma obrigação por ela não assumida, tomará a posição de credoras dos sujeitos
responsáveis nos termos prescritos nos artigos 38º a 40º CSC.
22
Código do Registo Comercial.
23
Nestes casos, o prazo é de um dia útil.
24
Ipso iure.
19
Direito da Atividade Comercial
Por último, e como ficou dito, a sociedade não pode assumir as obrigações previstas no nº4
do mencionado preceito.
Ao registo segue-se a sua publicação e será sobre esse momento que agora nos
interessaremos.
Esta formalidade, obrigatória para as sociedades por quotas, anónimas ou em comandita
por ações, são promovidas pela conservatória onde o registo foi efetuado (artigo 71º
25
CRCom.) e são feitas em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do
Ministério da Justiça (artigo 167º, nº1 CSC).
Quando obrigatória, o ato constituinte só é eficaz perante terceiros se publicado (artigo
168º, nº2 CSC), a menos que consiga provar que o ato estava registado e que o terceiro
tinha conhecimento dele.
Os estatutos são, em regra, negócios jurídicos que visam organizar a atividade da sociedade,
fundando-se na vontade dos sócios. Muitas das cláusulas que deles constam assumem uma
natureza normativa porquanto são gerais e abstratas e, nessa medida, são aplicáveis aos
sócios fundadores da sociedade (e que, portanto, participaram na elaboração dos estatutos)
mas, também, aos sócios que posteriormente adquirirem essa qualidade.
A sua interpretação deve ser feita segundo as orientações dos artigos 236º a 238º do Código
Civil, solução que se aceita e compreenda atento à natureza de negócios jurídico dos
estatutos. E, assim sendo, descura-se (ou não se atende) a subjetividade, ou seja, não se
procura a vontade real dos sujeitos do ato constituinte (os sócios).
Contudo, e quando estejamos perante sociedades de pessoas é normal que haja uma maior
consideração de elementos subjetivos, na medida em que é rara a substituição dos sócios
por outros e, por isso, pode existe mais espaço para ter em consideração em a sua vontade
e interesses. O contrário sucederá nas sociedades de capitais porquanto os sócios alienam
com facilidade as suas participações e, consequentemente, facilmente se fazem substituir
por outros – atende-se, nomeadamente, ao que consta objetivado no ato constituinte e ao
seu contexto.
No que concerne à atividade de integração de lacunas, atendendo ao disposto no artigo
239º CC (na falta de disposição especial), deve-se recorrer, prima facie, às normas
dispositivas do CSC26 e, na falta ou insuficiência destes preceitos, ter-se-á de ter em conta a
vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso (vontade hipotética
25
Imagine-se que nos estatutos de uma sociedade por quotas está prevista uma cláusula que estabelece
que, à morte de um dos sócios, a quota não se transmitirá aos seus sucessores (artigo 225º, nº1 CSC).
Entretanto, um sócio falece e deixa a sua quota a um amigo. Pretende, nos termos do nº2 do artigo 225º
CSC, a sociedade amortizar a quota contra a vontade do legatário, mas os estatutos não foram
publicados. Nesse caso, a falta de publicação implica que a sociedade não possa opor a cláusula que
consta dos estatutos (que, à morte de um dos sócios, a quota não se transmitirá aos seus sucessores) ao
legatário e, por conseguinte, que não possa amortizar a quota, conforme é sua vontade.
26
Neste sentido, cf. artigo 9º, nº3 do Código Civil.
20
Direito da Atividade Comercial
dos sócios) ou aos ditames da boa-fé se impuserem solução diversa da decorrente daquela
vontade.
Ao abordar esta matéria, precisamos de ter em conta dois momentos: o momento anterior
ao registo definitivo do ato constituinte e o momento posterior a este registo.
Reportando-nos, em primeiro lugar, ao momento anterior ao registo, às invalidades do
contrato aplicar-se-ão as normas relativas aos negócios jurídicos (cf. artigos 220º e 285º ss.
CC), sem prejuízo do artigo 52º CSC. É o que resulta do artigo 41º CSC.
Depois do registo, o regime aplicável às invalidades do ato constituinte é diverso. O artigo
42º CSC vem estabelecer no nº1 um elemento taxativo das causas de invalidade aplicável,
conforme dita a epígrafe, às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por ações.
Em traços gerais, as causas são as seguintes: falta do número mínimo de sócios fundadores
exigidos por lei (dois) (cf. artigo 7º, nº2 CSC), salvo quando esta permita a constituição da
sociedade por uma só pessoa (alínea a)); falta de menção da firma, da sede, do objeto ou
do capital social, bem como do valor da entrada de cada um dos sócios ou de prestações
realizadas por conta desta (alínea b)); menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem
pública (alínea c)); falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima
do capital social (artigos 201º, 202º, nº2, 276º, nº3, 277º, nº2 e 478º CSC) (alínea d)); o
desrespeito pela forma legalmente exigida para o contrato de sociedade (cf. artigo 7º, nº1
CSC) (alínea e))27.
Por seu turno, o artigo 43º, nº1 CSC consagra as causas de invalidade do ato constituinte
nas sociedades em comandita simples e em nome coletivo. Ora, deste preceito (e do nº2)
resulta que são causas de invalidade as dispostas no nº1 do artigo 42º CSC, a falta de menção
do nome ou firma de algum dos sócios com responsabilidade ilimitada e as causas gerais de
invalidade dos negócios jurídicos segundo a lei civil (v.g., a simulação – artigo 240º CC).
Tanto o artigo 42º, nº2 CSC como o artigo 43º, nº3 CSC admitem a possibilidade de algumas
invalidades serem sanadas. Assim, nos termos dos referidos preceitos, podem ser objeto de
sanação os vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma da sociedade, bem como do valor
da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta. A sanação opera
mediante deliberação dos sócios, tomada nos termos prescritos para as que se referem à
alteração do contrato (cf. artigos 194º, 265º, 386º, nº3 e nº4 e 476º CSC).
A ação para declaração de nulidade do ato constituinte deve ser intentada no prazo de três
anos, tendo legitimidade para tal, qualquer membro dos órgãos sociais, os sócios, os
terceiros que tenham interesse relevante e sério na procedência da ação e o Ministério
Público (este último a todo o tempo – nº2) – artigo 44º CSC. Contudo, quando os vícios sejam
sanáveis a ação não pode ser interposta antes de decorridos 90 dias sobre a interpelação à
sociedade para sanar o vício.
Posto isto, não podemos deixar de expor a possibilidade de liquidação da sociedade
mediante requerimento do Ministério Público, caso o contrato de sociedade não respeite a
27
Isto é muito difícil de ocorrer depois do registo, uma vez que as conservatórias de registo comercial
são competentes pelo controlo da legalidade do ato constituinte.
21
Direito da Atividade Comercial
forma legal exigida ou o seu objeto se tenha tornado ilícito ou contrário à ordem jurídico
(artigo 172º CSC). No entanto, antes de mais, o Ministério Público deve notificar por ofício
a sociedade para que, em prazo razoável, venha regularizar a situação que advenha da falta
de forma legal, já que tal não se aplica quando o objeto seja ilícito ou contrário à ordem
jurídica (artigo 173º, nº1 e nº3 CSC).
Falámos até aqui dos vícios que afetam, de forma imediata, todo o ato constituinte.
Contudo, há vícios que se referem e só afetam parte ou partes do ato – os vícios parciais.
Antes do registo, regem, mais uma vez, as disposições relativas às invalidades dos negócios
jurídicos em geral, dispostas no Código Civil, em conformidade com o preceituado pelo
artigo 41º, nº1 CSC. No entanto, a invalidade que se refere à incapacidade de um sócio
(porque é menor, por exemplo), tanto é oponível à sociedade e, nessa medida, poderá exigir
o que lhe prestou (nomeadamente, o objeto da sua entrada), como a terceiros, podendo,
por isso, eximir-se da responsabilidade que possa ter para como eles; outras invalidades
como os vícios de vontade ou a usura apenas são oponíveis à sociedade. Donde, ainda que
possa exigir à sociedade o que lhe houver prestado, não poderá o sócio coagido, o enganado
(por exemplo) eximir-se a da responsabilidade que tenha perante credores sociais28 (artigo
41º, nº2 CSC).
A declaração da anulabilidade ou nulidade das declarações negociais, não importa a
invalidade do contrato (artigo 292º CC), a menos que se prove que este não teria sido
concluído sem a parte viciada. Por outro lado, caso não possa operar a redução, os efeitos
do contrato inválido estão previstos no artigo 52º CSC.
Depois do registo, e no que respeita às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita
por ações, dispõe o artigo 45º, nº1 CSC o seguinte: o erro, o dolo, a coação e a usura podem
ser invocados como justa causa de exoneração pelo sócio atingido ou prejudicado, desde que
se verifiquem as circunstância, incluindo o tempo, que, segundo a lei civil, resultaria a sua
relevância para efeitos de anulação do negócio jurídico. Assim, o sócio que tenha sido
enganado, coagido ou vítima de usura tem o direito de exonerar-se, isto é, de sair da
sociedade e de receber o valor real da participação social, calculado à data da declaração da
intenção de sair da sociedade (artigo 240º CSC).
Ora, nos termos do nº2 do artigo 45º CSC o negócio jurídico (o ato constituinte) também é
anulável relativamente ao incapaz. Donde, ele poderá reaver o que prestou e não pode,
caso ainda não tenha cumprido, ser obrigado a completar a entrada (artigo 47º CSC).
No que tange às sociedades em nome coletivo e em comandita simples, o regime das
invalidades parciais é, em tudo (ou em quase tudo), idêntico ao que resulta da lei civil. Ao
abrigo do artigo 46º CSC, o dolo, a coação ou a usura determina a anulação do negócio em
relação àquele que sofreu o vício de vontade ou, sendo caso disso, em relação ao incapaz.
Caso não seja possível a redução às participações sociais dos restantes sócios (artigo 292º
CC), a anulação parcial poderá levar à anulação do negócio por inteiro. Por conseguinte,
quem haja obtido a anulação da sua declaração de vontade poderá exigir da sociedade o
que houver prestado e não pode ser obrigado a completar a sua entrada (artigo 47º CSC).
Ainda assim, se a anulação se fundar em vício de vontade ou usura, não ficará o (ex-)sócio
28
Esta contraída antes da anulação da declaração viciada.
22
Direito da Atividade Comercial
liberado de responder pelas obrigações contraídas pela sociedade antes do registo da ação
ou da sentença.
Esta doutrina aplica-se, igualmente, aos sócios que só posteriormente tenham adquirido
essa qualidade, desde que sejam incapazes ou tenham visto o seu consentimento viciado
(artigo 48º CSC).
Caso um sócio se queira fazer dos direitos que lhes são conferidos pelos artigos 45º, 46º e
48º CSC, aplica-se o disposto nos artigos 49º a 51º CSC quanto ao procedimento.
As cláusulas que sejam nulas e que constem do ato constituinte devem considerar-se como
não escritas.
Os efeitos da invalidade estão, essencialmente, previstos no artigo 52º CSC. Em primeiro, e
conforme se mencionou acima, a declaração de nulidade ou anulação do contrato da
sociedade, importa a liquidação da mesma nos termos do artigo 165º CSC; em segundo, os
negócios que hajam sido concluídos anteriormente (i. é., antes da declaração de anulação
ou nulidade do contrato), não são afetados quanto à sua eficácia, sem prejuízo do disposto
no nº3 do artigo 52º CSC; os sócios não se poderão eximir do dever de realizar ou completar
as suas entradas nem exonerar-se da responsabilidade pessoal e solidária perante terceiro
(nos termos da lei) – nº4. Esta disposição não é, no entanto, aplicável ao sócio cuja
incapacidade determinou a anulação do contrato (nº5).
Aqui chegados, podemos concluir que antes e depois da declaração de invalidade (anulação
ou nulidade) do contrato social, a sociedade é tratada como válida. Antes da decisão, os
negócios jurídicos celebrados produziram todos os seus efeitos, preservando-se a
responsabilidade dos sócios (artigo 52º, nº4 CSC) e da sociedade, de modo a tutelar os
interesses de terceiros. Depois da decisão, o ato constituinte e a sociedade produzem
praticamente os mesmos efeitos, os mesmos de uma sociedade válida em fase de
liquidação. Ademais, a sociedade em fase de liquidação conserva a sua personalidade
jurídica (artigo 146º, nº2 CSC). Nesta fase, os órgãos de fiscalização e de deliberação (ou
órgão sócio) mantêm-se, mas o mesmo já não sucede com o órgão de administração e
representação que, por sua vez, será substituído pelo órgão de liquidação (é o que manda
o artigo 151º, nº1 CSC e o artigo 152º CSC). A atividade social mantém-se, mas dirige-se
essencialmente para o fim da liquidação, pelo que se afigura um bocado limitada (artigo
152º, nº2 e nº3 CSC). Finalmente, a sociedade só se considera extinta no momento do
registo do encerramento da liquidação.
Os acordos parassociais são contratos celebrados entre todos ou alguns sócios (ou entre
sócios e terceiros), produtores de efeitos atinentes à posição jurídica dos pactuantes sócios
e, eventualmente, atinentes também a outros pactuantes e à vida societária, mas que não
vinculam a própria sociedade.
Exemplos destes acordos são, por exemplo, votar em certas pessoas indiciados por
determinados sócios para membros do conselho de administração; não vender as respetivas
ações durante determinado período; atribuir preferência na aquisição de ações a algum(ns)
dos participantes no acordo; entre outros.
23
Direito da Atividade Comercial
Enquanto contrato, e ao contrário do que sucede em relação aos atos constituintes, estes
acordos estão sujeitos à disciplina dos negócios jurídicos em geral, que consta do Código
Civil e, também por isso, lhes é aplicável o princípio da liberdade de forma, consagrado no
artigo 219º daquele diploma.
Para concluirmos, cumpre referir que estes acordos só vinculam os sujeitos que tenham
participado neles, pelo que não vinculam a sociedade e, por isso, qualquer incumprimento
de uma obrigação parassocial não lhe é oponível. Imagine-se que o sócio que se obrigou a
não vender a sua participação num determinado período, em sede de acordo parassocial, a
vende ainda assim. Ora, a sociedade não pode deixar de reconhecer como sócio o
comprador da participação (artigo 17º, nº1 CSC – não podem ser impugnados (com base no
acordo parassocial) atos praticados pelos sócios para com a sociedade)29.
Terminando, tenha-se em consideração que os acordos parassociais não podem versar
sobre qualquer coisa, tendo algumas limitações quanto ao seu objeto – nomeadamente, em
sede de acordos de voto30.
29
O incumprimento dos acordos parassociais será uma questão que se deve resolver entre os sócios
parte nesse acordo. Daí que, estando sujeito à disciplina geral dos negócios jurídicos, se deve aplicar
nestas ocasiões o regime da responsabilidade civil contratual (artigos 798º e seguintes do Código Civil),
havendo lugar ao dever de indemnizar os restantes sócios (enquanto partes nesse acordo) – artigo 801º,
nº2 CC. Ademais, não raras vezes, a estes acordos são aditadas cláusulas penais para intimar as partes a
não incumprir com o acordado.
30
150-152, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.
24
Direito da Atividade Comercial
definitivo que, como vimos, poderão adquirir direitos e responsabilizar-se por obrigações
(cf. artigos 36º, nº2 CSC, 38º a 40º CSC, etc.). Têm, ademais, firma, sede, são responsáveis
ao nível contraordenacional, gozam de capacidade tributária. Enfim, algumas características
existem antes da referida personalização, isto é, antes do registo definitivo do ato
constituinte. Na verdade, também o património social já existe antes deste momento, sendo
constituído pelas entradas dos sócios e pelos direitos e obrigações resultantes da atividade
social.
Donde, não se deve conferir uma desmesurada importância a este conceito. É, na realidade,
importante, mas não assume o relevo que, certamente, tem noutros ramos do direito. A ela
costuma associar-se uma função consolidativa, na medida em que consolida o património
social (nomeadamente, nas sociedades anónimas e por quotas) e a carga subjetiva inerente
às sociedades31. Em breve trecho, do que se trata é da consolidação da sociedade enquanto
pessoa (coletiva) jurídica, centro autónomo de imputação, que se separa do elemento
subjetivo que a compõe (dos sócios).
A linha que separa os sócios da sociedade enquanto entidade é deveras ténue. É que, em
primeiro lugar, ainda que a sociedade esteja separada dos seus sócios (constitui-se como
centro autónomo), a sociedade não existe para si. Vale por dizer que a sociedade existe
pelos sócios e para os sócios, sendo o instrumento destes. Em segundo, o património social
não está à disposição da pessoa coletiva, mas antes à mercê dos sócios.
Dito isto, alguma doutrina tem vindo a alertar para que não se absolutize este conceito de
personalidade jurídica. Dissemos que a sociedade é um instrumento que os sócios utilizam
para a satisfação de interesses comuns (quando não sejam sociedades unipessoais) e
individuais (que, afinal, passa pela obtenção de lucro), pelo que, muitas vezes, é necessário
desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade. Vale por dizer que, para certos efeitos,
se deixa de considerar a referida “autonomia jurídico-subjetiva e/ou patrimonial da pessoa
coletiva em face dos seus membros”32. Fala-se, então, da desconsideração da
personalidade jurídica – i. é., a derrogação ou não observância da autonomia jurídica-
subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios33.
Este método desconsiderador “atua” em relação a dois grupos de casos: o grupo de casos
de imputação – determinados comportamentos, qualidades ou conhecimentos de sócios são
referidos ou imputados à sociedade e vice-versa; o grupo dos casos de responsabilidade – a
regra da responsabilidade limitada que beneficia certos sócios é quebrada34.
Em relação ao primeiro grupo atua, predominantemente, a figura da interpretação
teleológica, ao passo que, no que ao segundo grupo concerne, já atua a figura do abuso de
direito. Em determinados casos, a conduta dos sócios poderá levar a que a regra da
responsabilidade limitada seja quebrada, na medida em que continuar a aceitá-la,
31
Quanto à função ideológica, 164-165, ibidem.
32
Estudo de Direito das Sociedades, Pedro Maia, Maria Elisabete Ramos, Alexandre Soveral Martins,
Paulo de Tarso Domingues, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 8ª Edição, 105.
33
Quando nos socorremos da desconsideração da personalidade jurídica, a autonomia subjetiva da
sociedade em relação aos sócios esvai-se. Isto significa que se “levanta o véu” da personalidade,
derrogando-se, para certos efeitos, o “princípio da separação” (entre a sociedade e os sócios); não há
fronteira intransponível entre os sócios e a sociedade.
34
168, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ibidem.
25
Direito da Atividade Comercial
Casos de responsabilidade
a) O primeiro caso é o da descapitalização provocada (pelos sócios). Os sócios,
vislumbrando dificuldades futuras de liquidez da sociedade onde se inserem, deslocam
a produção desta para sociedade nova (ou para sociedade já existente de que eles sejam
sócios), cessando a primeira sociedade a sua atividade e impossibilitada de cumprir
obrigações para com terceiros. Ora, nestas situações, deverá desconsiderar-se a
personalidade jurídica da sociedade, fazendo responder os sócios (subsidiariamente)
perante os credores sociais35.
35
Não será muito difícil almejarem-se situações em que os sócios responderão, ainda que
subsidiariamente. É que a sociedade, tendo-lhe sido subtraída a sua produção e património, não terá
possibilidade de cumprir perante os credores. Excutido o seu património, facilmente se perceberá que a
sociedade não tem como cumprir, respondendo os seus sócios (autores da deslocação da produção para
nova sociedade).
26
Direito da Atividade Comercial
Ademais, verifica-se uma situação de abuso de direito. É verdade que a lei não impõe
que os sócios, vendo a sua sociedade onde detêm participações sociais com problemas
de liquidez, a (re)capitalizem, pelo que podem optar por um outro qualquer meio, como
é o da liquidação. Contudo, também não poderão utilizar a sociedade como
instrumento para infligir prejuízo e provocar danos a terceiros que com ela se
relacionem (os credores sociais). Em vez de deslocar a produção para nova sociedade
(ou para sociedade já constituída), podem investir na sociedade que, encontrando-se
financeiramente frágil, carece dessa intervenção, de modo a conseguir responder
perante os credores.
Estas situações podem, inclusivamente, verificados os demais pressupostos da
responsabilidade civil (culpa, dano e nexo de causalidade), levar os sócios a indemnizar
os respetivos credores (apesar de devedora ser a sociedade).
Dito isto, vislumbra-se a possibilidade de os credores acionarem diretamente os sócios
para efeitos de cobrimento das obrigações sociais e que esta não pode cumprir, em
resultado da descapitalização provocada por aqueles. A via que o permite é, então, a
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade.
b) Mistura de patrimónios. Muitas vezes, e quando sócios sejam unicamente cônjuges
(suponha-se A e B), sucede que se torna muito difícil perceber qual é o património da
sociedade e qual o património dos sócios. Isto porque se opera, abundantes vezes, à
transmissão do património dos sócios para a sociedade, sem registos contabilísticos (e
insuficientes). Numa situação de insolvência, e na impossibilidade de se identificar qual
o património social (e, assim, o património que cobrirá as dívidas), não poderão os
sócios opor a regra da responsabilidade social aos credores sociais, na medida em que
foram estes que provocaram toda a situação (de indefinição). Donde, estes últimos,
levantado o véu social, responderão pelas obrigações.
c) Subcapitalização material manifesta – retratam casos em que a sociedade não possui
capitais próprios (constituído, nomeadamente, pelos bens que lhe correspondem e
pelas reservas) suficientes para o exercício da atividade a que se dedica, com a
agravante de esta insuficiência não conseguir ser suprida pelos empréstimos dos sócios.
Esta subcapitalização é manifesta quando reconhecível pelos sócios e pode ser
originária – se a desproporção anormal entre o capital social e as exigências da atividade
que os sócios pretendem desenvolver por meio da sociedade é evidente desde o
momento em que esta nasce; ou superveniente – a falta de capital só se verifica em
momento posterior, derivando de perdas graves ou da ampliação da atividade.
Os sócios atuam por meio da sociedade, o que de per si constitui um risco, o de
perderem as suas entradas, mas que nunca importará a sua responsabilidade perante
credores, por dívidas sociais (atento às regras, em princípio, é apenas o património da
sociedade que responde). Ora, se assim fosse, significaria que na contratação de
terceiros com a sociedade, seriam os primeiros a comportar quase a totalidade do risco
negocial.
Não pode ver-se a sociedade como um meio que, através da atividade desempenhada,
vem apenas gerar benefícios aos sócios e gerar prejuízos (só, principalmente) aos
credores. Daí que se entenda que, através da desconsideração da personalidade jurídica
27
Direito da Atividade Comercial
36
Note-se que tal não operará quando os credores sociais (terceiros) tinham conhecimento da
subcapitalização da sociedade.
28
Direito da Atividade Comercial
aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
Posto isto, é necessário que façamos algumas considerações. A primeira delas é a que os
direitos que são inseparáveis da personalidade singular são, a título exemplificativo, os
fundados no casamento ou na adoção, e a de que os direitos vedados por lei são, v.g., o
direito de uso e habitação (artigos 1484º e seguintes CSC). A segunda é a que o fim da
sociedade37 é o lucro (finalidade lucrativa), entrando na capacidade jurídica da sociedade
todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à sua prossecução 38.
Os atos praticados fora do escopo societário (os que, portanto, não visem o lucro) são nulos,
porquanto a norma do artigo 6º, nº1 CSC é de caráter imperativo. Donde, esta disposição
não poderá ser derrogada, mesmo que fundada na vontade unânime dos sócios (perpetrada
nos estatutos ou através de deliberações – cf. artigo 9º, nº3 CSC). A nulidade destes atos
pode ser arguida a todo o tempo por qualquer interessado (sócios e credores sociais),
havendo a possibilidade de ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigos 286º e
seguintes ex vi artigo 2º CSC). No caso de uma qualquer deliberação autorizar a prática
desses atos, é nula (artigo 56º, nº1, alínea d) e artigo 411º, nº1, alínea c) CSC).
Note-se, no entanto, que nem sempre os atos gratuitos se encontram excluídos da
capacidade jurídica da sociedade. É que existem atos gratuitos que se afiguram necessários
para uma (futura) obtenção de lucros, devendo estes serem considerados válidos39.
O objeto social é, por sua vez, determinado no e pelo estatuto. O facto de se delimitar este
elemento (o objeto) e se proibirem a prática de certos atos não limita a capacidade jurídica
da sociedade (vale por dizer que a sociedade tem capacidade para praticar estes atos).
Donde, uma vez praticados atos que não se enquadrem no escopo (do objeto) social, a sua
consequência não será a aplicável à falta de capacidade (quer dizer, pelo menos, não à
partida).
Um ato considera-se praticado fora do âmbito delimitado pelo objeto societário quando,
de forma irreversível, este não se venha a enquadrar, em conformidade com o preceituado
nos estatutos, na(s) atividade(s) que a sociedade pode exercer (cf. artigo 11º, nº2 CSC).
Conforme o tipo societário, o tratamento dos atos praticados com desrespeito pelo objeto
social (i. é., fora do seu escopo) será diferente. E, diga-se que os órgãos societários têm o
dever de não exceder esse mesmo objeto (artigo 6º, nº4 CSC). Analisemos, então, as
consequências.
No que às sociedades em nome coletivo e em comandita simples concerne, os gerentes não
têm competência para praticar atos que não se subsumam no objeto social (artigo 192º, nº2
e nº3 CSC). Consequentemente, os atos praticados fora do objeto são ineficazes em relação
à sociedade (artigo 268º, nº1 CC), e só assim não o será se estes forem objeto de ratificação
em sede de deliberação unânime, expressa ou tácita, dos sócios (artigo 192º, nº3 CSC).
37
Já o dissemos supra.
38
Donde, parecem estar excluídas, porque não prosseguem a finalidade lucrativa, as prestações
societárias a favor de outrem, sem contrapartida.
39
A sociedade A subscreve uma letra de câmbio para que a sociedade B consiga ser financiada por um
banco. – Para mais exemplos, 180, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.
29
Direito da Atividade Comercial
Posto isto, interessar-nos-emos sobre o artigo 6º CSC, nomeadamente, sobre o seu nº1 e
sobre o nº2. Em causa, neste momento, estão as liberalidades e garantias concedidas por
sociedades a terceiros.
30
Direito da Atividade Comercial
31
Direito da Atividade Comercial
As sociedades têm capacidade para agir de per si, sendo titulares de aptidão para atuar
juridicamente, exercendo os seus direitos e cumprindo obrigações. Isto pode suceder de
uma forma direta (através dos órgãos, nomeadamente, de administração e representação)
ou indireta (através de representantes voluntários).
40
O ónus de provar vincular quem tem interesse em afirmar a validade da garantia (logo, as sociedades
garantidas). - Estudo de Direito das Sociedades, Pedro Maia, Maria Elisabete Ramos, Alexandre Soveral
Martins, Paulo de Tarso Domingues, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 8ª Edição, 114.
41
A justificação desta possibilidade prende-se como o interesse comum (ou solidariedade de interesses)
partilhados pelas sociedades que se encontrem nestas situações.
42
Para mais desenvolvimentos, 190-195, ibidem, Jorge Manuel Coutinho de Abreu.
32
Direito da Atividade Comercial
Estas entidades podem, então, formular a sua vontade e manifestá-la para o seu exterior,
através dos ditos órgãos de administração e representação. Entre estes e a sociedade existe
um nexo de organicidade, o que quer significar que, sendo estes partes componentes das
sociedades, os seus atos exprimem a vontade daquela, imputando-se-lhes os atos que por
estes sejam praticados43; ou através de representantes voluntários nomeados pela
sociedade que, através dos poderes de representação (conferidos por uma procuração),
poderão encontrar-se legitimados à prática de determinados atos (cf. artigo 252º, nº6 – para
as sociedades por quotas; artigo 391º, nº7 – para as sociedades anónimas).
43
Representação orgânica.
44
Coutinho de Abreu, ob. cit., p. 197.
33
Direito da Atividade Comercial
A verdade é que, como qualquer posição jurídica, a titularidade de uma participação social
não concede aos sócios apenas direitos, adstringindo-o igualmente a obrigações.
De entre estas, remetemos naturalmente para o disposto no artigo 20º CSC (elenco
exemplificativo): entrar para a sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, sendo
admitido, com indústria; a quinhoar nas perdas. Mas outras obrigações haverá,46 como
sejam o dever de atuar no interesse da sociedade e a de respeitar os estatutos e a lei.
45
Em alguns casos, poderá bastar a maioria qualificada, desde que se tutele o interesse social na
respetiva deliberação. Outros casos haverá em que, tendo em conta o Princípio de Igualdade de
Tratamento dos Sócios, se impõe que a deliberação que vise atribuir um direito especial seja adotada
por unanimidade – neste sentido, Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 199-202.
46
Esta que é, então, uma unitária posição jurídica, constituída por um acervo de direitos e obrigações
dos sócios.
34
Direito da Atividade Comercial
47
Estas duas são as que assumem maior relevância.
48
Não é admitida nas sociedades anónimas (artigo 373º CSC).
35
Direito da Atividade Comercial
Outros direitos são o de obter informações sobre a vida da sociedade, o qual se desdobra
em três vetores: direito à informação em sentido estrito – de formular perguntas à
sociedade sobre a vida social, cuja resposta deve ser verdadeira; direito de consulta – de
certos documentos, mormente para o adequado exercício do seu direito de voto (sendo
caso disso); direito de inspeção – de exigir que se vistorie os bens sociais (cf. artigos 290º,
181º, 214º, 291º).
De um modo geral, este direito dos sócios só – em qualquer das suas vertentes – só pode
ser recusado em casos excecionais, designadamente quando haja um motivo justificativo,
este entendido em sentido amplo por forma a abranger as hipóteses consagradas na lei
(para o efeito, vide (v.g.) artigos 288º e seguintes, 214º CSC). A recusa, quando não
devidamente justificada, poderá acarretar a anulabilidade da deliberação correspetiva
(artigo 290º, nº3) e, inclusive, a responsabilidade civil ou penal (artigo 58º, nº1, alínea c) e
alínea b) do nº4).
No que ao direito à designação para os órgãos sociais (artigo 21º, nº1, alínea d) CSC)
concerne, não há muito a acrescentar. Trata-se de um direito a não ser excluído da
possibilidade de ser designado para um qualquer órgão societário.
36
Direito da Atividade Comercial
Nesta matéria, o contrato social pode regular, em parte, a disciplina do deferimento (artigos
203º, nº1 e 277º, nº2). Ora, nas sociedades por quotas, todo o montante em que se
concretiza a entrada, salvo o disposto no artigo 199º, alínea b) CSC, pode ser diferido para
momento posterior; nas sociedades anónimas a limitação é maior, podendo apenas ser
diferido até 70% do valor nominal ou do valor de emissão das ações (artigo 277º, nº2)49.
Note-se que nas sociedades por quotas, as entradas não podem ser diferidas por um
período superior a cinco anos (artigo 285º, nº1 CSC).
As entradas em indústria têm uma natureza duradoura, pelo que o sócio cumpri-la-á (se
assim podemos dizê-lo) ao longo da vida societária.
Ainda que a lei admita a possibilidade de diferir as entradas, consagra simultaneamente
meios que visam o seu cumprimento. Quais sejam: o estatuto social pode estabelecer
penalidades para a falta de cumprimento; a falta de realização pontual de uma prestação
relativa à entrada importa o vencimento das demais; os credores podem sub-rogar-se nos
direitos da sociedade relativos às entradas ainda não realizadas, desde que, em princípio,
sejam exigíveis (artigo 30º CSC); a estes (e outros) mecanismos, acrescem os que se
encontram previstos para cada tipo societário – no que nos interessa, relevam os atinentes
às sociedades anónimas e por quotas (artigos 285º e seguintes e artigos 204º e seguintes,
respetivamente).
A obrigação de quinhoar nas perdas abordaremos em sede devida. Por ora, fica também a
nota de que os sócios estão obrigados a atuar de forma compatível com o interesse social –
dever de lealdade50 (para com a sociedade, bem como para com os outros sócios).
Todas as obrigações que até aqui foram por nós analisadas, dizem respeito a todos os
sócios. Vale por dizer que à qualidade de sócio estão associadas as obrigações referidas. No
entanto, existem aquelas que têm um caráter meramente eventual e que, existindo, só
vinculam determinados sócios.
O seu caráter eventual resulta do facto de estas resultarem de cláusula aposta no contrato
social ou de deliberação – cf. artigos 209º para as sociedades por quotas e 287º para as
sociedades anónimas (a redação destes preceitos é, em tudo, idêntica), no que tange às
obrigações acessórias. Estas são, em regra, transmissíveis com a participação social
respetiva (sem prejuízo dos casos em que assuma um caráter infungível) e a falta do seu
cumprimento não afeta a situação do sócio como tal (nº4 dos artigos 209º e 287º). Ao
incumprimento, aplica-se as regras gerais do direito das obrigações (artigos 790º e seguintes
do Código Civil) ou, sendo caso disso, as cláusulas contratuais que disciplinem essa matéria.
Por outro lado, poderá haver lugar à existência de obrigações suplementares, contanto que
se verifiquem alguns requisitos que passamos a enunciar (artigo 210º CSC): em primeiro,
têm de estar previstas no estatuto. E, quando resultem de alteração contratual, impõe-se
49
O artigo 277º, nº2 não é conclusivo, pelo que nos importa fazer um esclarecimento. A questão que se
apõe é a de saber se os 70% diferíveis devem ser analisados de uma forma abstrata (em relação a todas
as participações consideradas) ou se cada um dos sócios deve, até ao momento da celebração do
contrato, realizar 30% da sua entrada. A resposta é a de que todos os sócios, individualmente
considerados, devem concretizar, no mínimo, 30% do valor da sua entrada até à celebração do contrato.
50
Sobre este tema, Coutinho de Abreu, ob. cit., 263-296. Não tecerei considerações quanto a este dever,
já que facilmente se almeja o seu conteúdo e, apesar das linhas que lhe são dedicadas por este autor, foi
apenas alvo de uma análise relativamente superficial ao longo do semestre.
37
Direito da Atividade Comercial
que seja respeitada a maioria exigida (normalmente, a maioria qualificada – artigo 265º,
nº151), podendo apenas ser exigidas aos sócios que tenham aprovada a alteração estatutária
(artigo 86º, nº2); em segundo, é necessário que sejam prestadas em dinheiro e que os sócios
deliberem nesse sentido (artigo 211º). Não poderão, contudo, ser deliberadas obrigações
suplementares se, por essa altura, ainda não houverem sido realizadas todas as entradas,
sendo exigíveis (artigo 211º, nº2 e nº3) e os sócios não terem sido notificados para efetuar
o pagamento. Estas prestações podem ser objeto de restituição, de forma parcial ou total,
desde que uma deliberação dos sócios o autorize (artigo 213º, nº1 e nº2).
51
Note-se que só são admitidas nas sociedades por quotas.
52
Sobre este tema, Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 304-322.
38
Direito da Atividade Comercial
O pedido de consentimento deve ser efetuado por escrito, com indicação do cessionário e
de todas as condições da cessão (artigo 230º, nº1), sendo dado por deliberação dos sócios
nos 60 dias subsequentes à receção do pedido, operando a regra disposta no nº3 do artigo
250º (bastando a maioria simples) – artigo 230º, nº2 e nº4.
Em caso de recusa, esta deve ser comunicada ao sócio, com uma proposta de amortização
ou aquisição da quota. Preterindo-se esta imposição, a cessão torna-se livre (artigo 231º,
nº1 e nº2, alínea a)).
O contrato de sociedade pode conter cláusulas que, inclusivamente, proíbam a cessão de
quotas, tendo os sócios, nesse caso, direito a exonerar-se decorridos 10 anos sobre o seu
ingresso na sociedade (artigo 229º, nº1). Pelo contrário, pode também dispensar o
consentimento da sociedade (artigo 229º, nº2) ou, inversamente, restringir ainda mais as
cessões ao seu aval, designadamente nos casos em que, em princípio, este é legalmente
dispensado (artigo 229º, nº3).
Impõe-se, então, a verificação dois requisitos para que a cessão seja eficaz perante a
sociedade: o consentimento da sociedade e a comunicação da transmissão à sociedade
(artigo 228º, nº3).
Será normal que o contrato social estipule cláusulas que obriguem os sócios, aquando da
cessão a dar preferência, a outros sócios. Nesse caso, o sócio cedente deve, antes de tudo,
a par do consentimento (quando este seja exigido) dar preferência àqueles que sejam
titulares desse direito. Uma vez desrespeitado este direito, a cessão é ineficaz para com os
preferentes, pelo que estes, querendo preferir, poderão intentar uma ação de preferência
de forma a conseguirem exercer esse seu direito.
Uma característica própria das ações é a sua transmissibilidade, ideia que, de resto, é a
imagem das sociedades capitalísticas – no caso, das sociedades anónimas. Assim sendo, o
contrato de sociedade não pode excluir a transmissão de ações, podendo apenas limitá-la,
dentro de certos limites legais (artigo 328º, nº1). Pode subordinar a transmissão ao
consentimento da sociedade (artigo 328º, nº2, alínea a) CSC) – nesta hipótese, a concessão
ou recusa do consentimento compete, em princípio, à assembleia geral (artigo 329º, nº1
CSC). Ainda assim, para que a cláusula que exija o consentimento seja válida, é imperioso
que: fixe um prazo, não superior a 60 dias, para a sociedade se pronunciar sobre o pedido;
estipule que é livre a transmissão das ações, se a sociedade não se pronunciar dentro do
prazo referido na alínea anterior; que determine a obrigação de a sociedade, no caso de
recusa lícita, fazer adquirir as ações por outra pessoa nas condições de preço e pagamento
do negócio para que foi solicitado o consentimento (artigo 329º, nº3)53. Pode o contrato
estabelecer um direito de preferência de outros acionistas ou subordinar a transmissão de
ações nominativas à existência de determinados requisitos, subjetivos ou objetivos, que
estejam de acordo com o interesse social (artigo 328º, nº2, alíneas b) e c) CSC).
53
A cláusula pode abranger hipóteses de transmissão inter vivos como mortis causa.
39
Direito da Atividade Comercial
O capital social é, nas palavras de Coutinho de Abreu, a cifra representativa da soma dos
valores nominais das participações sociais fundadas em entras em dinheiro e/ou espécie
(este que deve constar do contrato de sociedade – artigo 9º, n1, alínea f) CSC).
Este conceito não se confunde, em nada, com o património social – num sentido amplo, o
conjunto de todos os direitos e obrigações suscetíveis de avaliação pecuniária de que a
sociedade é titular em certo momento. Se nem todas as sociedades têm capital social – como
as sociedades em que todas as entradas são realizadas em indústria -, todas elas têm de ter
um património, este que numa fase inicial poderá coincidir com o valor das entradas mas
que, à medida que se adquirem e alienam direitos ou bens (e obrigações), se vai alterando.
Não se pense, contudo, que o capital social não assume um papel preponderante na
determinação de certos direitos (ou obrigações) e, bem assim, de formalidades – é o caso
do direito de quinhoar nos lucros, o que se fará com respeito pela “proporção dos valores
das respetivas participações no capital social”; da possibilidade de exigir que seja facultadas
certas informações (cf., v.g., artigos 288º e 291º); e da maioria exigida para que seja tomada
validamente um deliberação (“três quartos dos votos correspondentes ao capital social” –
artigo 265º, nº1 CSC) – vide também o artigo 383º, nº2 CSC.
Deve o capital social constar do contrato de sociedade (nos termos referidos) porque é
precisamente, em primeiro turno, uma garantia para os credores sociais que se relacionem
com a sociedade. Esta função garantística é salvaguardada pelo Princípio da Intangibilidade
do Capital Social, segundo o qual não podem ser distribuídos aos sócios bens necessários à
cobertura do capital social e reservas indisponíveis54 (artigos 32º, nº1, 31º, nº2 e 33º, nº1).
A lei estipula para alguns tipos societários um limite mínimo do capital social - 50 000 euros
para as sociedades anónimas e a partir de 1 euro para as sociedades por quotas – o que, por
certo, se revela insuficiente para tutelar os interesses dos credores. Por outro lado, ainda
que o capital social não possa descer abaixo do estipulado em virtude de distribuição aos
sócios (distribuíveis são os lucros), pode suceder que tal aconteça, em virtude de uma má
gestão (por exemplo), caso em que os sócios não ficam obrigados a repor os bens (cf. artigo
35º CSC). Nada garante que, caso a sociedade se confronte com uma situação destas, os
sócios façam o que quer que seja para alterar positivamente este panorama que,
principalmente para os credores sociais, não é favorável. As medidas que poderão ser
adotadas são as previstas no artigo 35º, nº3 CSC, sendo a última delas a que melhor se
coaduna com os interesses dos credores – podem, por unanimidade, os sócios deliberar
sobre a realização de “novas entradas” ou deliberar, através de maioria, a reintegração do
capital, vinculando quem vote em sentido favorável, atribuindo aos sócios que atuem nesse
sentido, um direito especial (mormente a participar nos lucros de forma não proporcional
com o seu capital social). E, neste contexto, não olvidemos a possibilidade de os sócios, por
meio de deliberação, constituírem prestações suplementares nas sociedades por quotas ou
de prestações acessórias nas sociedades anónimas, cujo regime já tivemos oportunidade de
analisar supra.
54
A legal e as estatutárias.
40
Direito da Atividade Comercial
Anteriormente fizemos menção ao artigo 21º, nº1, alínea a) e, assim, ao direito de quinhoar
nos lucros cuja titularidade se encontra na esfera jurídica dos sócios, cujo alcance é o de
conceder a estes, por força da participação social que detêm e nesse proporção, a faculdade
de participarem nos lucros, quando sejam distribuíveis (cf. artigo 22º, nº1 CSC).
Com efeito, a lei proíbe expressamente os denominados pactos leoninos (artigo 22º, nº3),
isto é, toda e qualquer cláusula que exclua um sócio da comunhão nos lucros. Uma vez
estipulada, a cláusula é inválida – padecendo de nulidade -, aplicando-se, por conseguinte,
o disposto no artigo 22º, nº1 CSC55.
Se é certo que o normal é que a totalidade dos lucros distribuíveis são distribuídos pelos
sócios, não é de afastar a hipótese de, por vezes, parte dos lucros serem afetados a não-
sócios. É possível aos sócios, enquanto definidores da “aplicação dos resultados”,
deliberarem por maioria simples, a atribuição de parte dos lucros disponíveis aos
trabalhadores, enquanto parcela da remuneração a que têm direito (artigos 246º, nº1,
alínea e) e 376º, nº1, alínea b)). Esta possibilidade é, contudo, limitada pela capacidade
jurídica da sociedade (artigo 6º, nº1), sendo nulo os atos que sejam praticados fora deste
limite e, também, a deliberação que determine a distribuição de todos os lucros a não-
sócios, porquanto se violaria o disposto no artigo 21º, nº1, alínea a).
Os sócios não têm um direito ao lucro de balanço, isto é, que lhes seja distribuído no todo
ou em parte, mas apenas que a administração lhes apresente uma relatório de contas, o
qual deve conter uma proposta de aplicação dos resultados e que lhes seja concedido a
possibilidade de deliberar sobre essa aplicação (cf., entre outros, artigo 66º, nº5, alínea f)
CSC). Ainda assim, podemos apontar duas exceções (com especial relevância para a
segunda): os titulares de ações preferenciais sem voto têm direito a um dividendo prioritário
anual retirado do lucro de balanço (artigos 341º, nº2 e 342º); em princípio, os sócios de
sociedade anónimas e por quotas, têm direito a que lhes seja distribuído pelo menos
metade do lucro distribuível (artigos 217º, nº1 e 294º, nº1).
55
A norma constante do artigo 22º, nº1 possui natureza dispositiva. Com o que isso implica a
possibilidade de ser derrogada mediante convenção em contrário, nomeadamente quando se atribua
um direito especial ao lucro a algum(ns) sócio(s).
41
Direito da Atividade Comercial
Uma vez adotada a deliberação cujo objeto tenha sido a distribuição dos lucros, os sócios
ficam com um direito de crédito sobre a sociedade, traduzido na faculdade de exigir que o
seu quinhão nos lucros lhes seja distribuído. Este direito, nas sociedades anónimas e nas
sociedades por quotas, vence-se, em princípio, decorridos trinta dias sobre a deliberação de
atribuição de lucros (artigos 217º, nº2 e 294º, nº2).
Em algumas situações, a administração não deve executar a deliberação, nomeadamente
quando da distribuição dos lucros venha a resultar um cenário idêntico ao abstratamente
consagrado no artigo 31º, nº2, alínea a) CSC).
Quanto ao lucro de exercício, este que se há de compreender dentro do lucro de balanço,
os sócios têm direito a que lhes seja distribuída, nas sociedades anónimas e por quotas, pelo
menos metade do lucro apurado como distribuível (artigos 217º e 294º). Não podem, é
certo, ser distribuídos lucros que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados e os
que estão afetos, por lei ou por contrato, à constituição das reservas indisponíveis (artigos
218º e 295º). Querendo distribuir-se metade do lucro apurado como distribuível, tem a
deliberação correspetiva de ser adotada por maioria qualificada, cujas exigências serão
distintas conforme o tipo societário referido.
Adotada a deliberação, a sociedade deve, no prazo de 30 dias, atribuir o quinhão a cada um
dos sócios, sob pena de estes o poderem exigir judicialmente (artigo 817º do Código Civil).
Finalmente, relativamente à distribuição do lucro final: encontrada a sociedade numa
situação de liquidação, prima facie, devem ser satisfeitos os direitos dos credores sociais
(artigo 154º CSC); posteriormente, havendo remanescente, deve este ser distribuído pelos
sócios como reembolso pelo montante das entradas realizadas (artigo 156º, nº2) e, só
depois, sobrando algum ativo, este será distribuído segundo as regras gerais, i. é., segundo
a proporção das participações sociais no capital (cf. artigo 22º, nº1).
Nesta matéria, rege a regra da anualidade da distribuição dos lucros, o que de resto se
encontra patente no caráter anual do relatório de contas e na deliberação, também anual,
sobre a aplicação dos lucros.
Todavia, esta regra conhece uma exceção – o adiantamento sobre lucros (artigo 297º). Para
que tal possa suceder, impõe-se a verificação de vários pressupostos: o primeiro é a
autorização do contrato de sociedade; a deliberação ou autorização a adotar pelo órgão de
administração, há de ter o consentimento do órgão fiscalizador; tal adiantamento seja
certificado pelo revisor oficial de contas; seja efetuado um só adiantamento em cada
exercício e sempre na segunda metade deste; as importâncias adiantadas não devem
exceder metade das que seriam distribuíveis.
Havendo lugar ao adiantamento, as importâncias adiantadas serão deduzidas no montante
a distribuir.
Um sócio não pode ceder o seu direito a quinhoar nos lucros (artigo 21º, nº1, alínea a) CSC),
uma vez que se trata de um direito que se encontra alicerçado na participação social
correspondente, não podendo ser transmitido sem ela.
Contudo, pode um sócio ceder um (ou mais) quinhões de lucros a que tenha, futuramente,
direito. Tornando-se atual, o cessionário tem direito ao quinhão que lhe foi cedido pelo
42
Direito da Atividade Comercial
sócio (cedente); mas se o cedente já não for sócio na altura em que o crédito se tornar atual,
então o cessionário nada poderá exigir à sociedade, uma vez que o direito não chegou a
nascer na esfera jurídica do cedente.
Subcapítulo II – Reservas
56
Referimo-nos às deliberações.
57
Quanto a estas segundas – reservas ocultas – remetemos para Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 438-
439.
43
Direito da Atividade Comercial
Por força do artigo 20º, alínea b), é obrigação de todos os sócios quinhoar nas perdas, sendo
nula toda a cláusula que libere um qualquer sócio de nelas participar (artigo 22º, nº3)58. O
que esta obrigação quer significar é que todos os sócios correm o risco de perder o
investimento feito com vista ou como contrapartida da aquisição da sua participação social.
As deliberações sociais são, grosso modo, o meio através do qual os sócios, reunidos em
assembleia para o efeito, discutem e decidem sobre assuntos do interesse da sociedade.
Nessa assembleia, os sócios reúnem-se e expressam-se em relação à ordem de trabalhos;
nas sociedades comerciais, o direito a votar assume natureza corporativa, ainda que esse
direito tenha dimensões diferentes consoante a participação social de que se seja titular.
As formas de deliberação variam, também, conforme os assuntos que se pretendam decidir
ou votar, vigorando, em regra, a maioria simples; mas, noutros caso, impõe-se a maioria
absoluta ou a maioria qualificada.
No que ao que nos interessa concerne, nas sociedades por quotas, porque o capital não se
situa tão disperso, as maiorias impõem uma maior concordância do que nas sociedades
anónimas59.
Feito este introito, analisaremos, em particular, as deliberações nulas e anuláveis mas,
também, as deliberações ineficazes e inexistentes – começando por estas últimas.
58
A menos que se tenha entrado com indústria.
59
Típica sociedade de capitais; se se exigisse maiorias qualificadas ou absolutas, tal poderia levar à
cristalização da vida societária, porquanto o capital se situa muito disperso, isto é, distribuído por
inúmeros titulares (os sócios). Ou seja, formas de deliberação que exigissem um elevado nível de
concordância, impediria, não raro, a aprovação de deliberações.
60
Assinada um ata por todos os sócios, tal vale como deliberação unânime por escrito, em
conformidade com o disposto do artigo 54º, nº1 CSC (ainda que não se trate, naturalmente, de uma
deliberação de assembleia geral).
44
Direito da Atividade Comercial
Dispostas no artigo 55º encontram-se as deliberações ineficazes. Dita o preceito que são,
em princípio, ineficazes todas aquelas que se debrucem sobre determinado assunto, para o
qual a lei exija o consentimento de determinado sócio, sem que este seja respeitado.
Ora, este consentimento pode ser dado de forma expressa ou tácita. Se, por exemplo, for
dado através da emissão de um voto favorável61 por parte do(s) sócio(s) que deve(m)
consentir, então será expresso; será tácito se o sócio, por exemplo, aceitar a execução das
deliberações.
Constituem exemplos de deliberações ineficazes as seguintes: aquelas que suprimem ou
coartam direitos especiais dos sócios sem o consentimento dos respetivos titulares (cf.
artigo 24º, nº5 e nº6); deliberação de alteração de estatutos de sociedades anónimas que
introduzam limites à transmissão das ações, sem o consentimento de todos os sócios cujas
ações sejam afetadas (cf. artigo 328, nº3)62.
Conforme resulta do preceito referido (de qualquer forma, o artigo 55º), a ineficácia é, em
regra, e salvo disposição legal em contrário, absoluta (ineficazes para todos). Pois, bem, os
exemplos até dados, traduzem casos em que a ineficácia é absoluta.
Exceções a esta regra, são os casos de ineficácia relativa, importando esta a ineficácia dos
atos apenas em relação aos sócios que não deram o seu consentimento. É o que sucede
quando uma deliberação introduza nos estatutos obrigações de prestações acessórias ou
suplementares e determinados sócios não hajam consentido; ora, é eficaz perante quem
aprove (ou consinta) tal deliberação, e ineficaz em relação aos que não tenham dado o seu
consentimento ou aprovação.
Tal como o próprio conceito sugere, as deliberações ineficazes não produzem os efeitos a
que tendiam. Contudo, pode ocorrer que os órgãos societários atuem em conformidade
com essas deliberações. Vislumbrando tal cenário, reconhece-se a todos os sócios ou
àqueles que não tenham dado o seu consentimento (consoante se trate de ineficácia
absoluta ou relativa, respetivamente), a possibilidade de intentarem uma ação de simples
apreciação com o fim de obter uma declaração judicial de ineficácia das deliberações,
aplicando-se analogicamente o vertido nos artigos 57º e 60º do CSC.
Aqui chegados, afigura-se relevante perceber se as atas são, afinal, condição de eficácia das
deliberações, ainda para mais porque se traduzem no documento escrito das deliberações
tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do
respetivo procedimento deliberativo63.
Do artigo 63º, nº1 resulta desde logo que as atas são uma formalidade ad probatum
(nomeadamente, uma função certificativa), isto é, se assinadas pela maioria dos sócios que
foram parte na assembleia, podem constituir prova dos atos que foram praticados na
referida assembleia. Tratamento diferente têm as deliberações que sejam tomadas por
escrito, fora da assembleia, caso em que a prova se faz mediante a apresentação do
documento onde elas constem.
61
É de notar que o entendimento é o de que, para este efeito, só valem os votos favoráveis. As
abstenções não traduzem o consentimento.
62
Para mais exemplos, vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., 445-446.
63
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 448.
45
Direito da Atividade Comercial
Da ata devem constar as formalidades previstas no nº2, devem ser assinadas pelo
presidente da mesa da assembleia e, sendo caso disso, pelo seu secretário e, outrossim,
elaboradas durante a assembleia ou, se tal não puder suceder, o mais rápido possível.
Em qualquer caso, e é este o atual entendimento da jurisprudência e da doutrina, a falta de
ata – ou porque não foi lavrada, ou porque não fez menção à deliberação – não afeta a
validade e eficácia das decisões (deliberações) tomadas na respetiva assembleia. Comporta
outras consequências negativas mas que, contudo, não passam pela ineficácia, pela
nulidade ou anulabilidade das deliberações, produzindo estas os seus efeitos logo depois de
adotadas.
Dada a relevância prática das deliberações nulas, daremos conta delas em separado, tal
como o faremos relativamente às deliberações anuláveis (infra).
Para que nos seja possível aferir se estamos perante uma deliberação nula ou anulável,
necessitamos de ter em conta o vício de que esta padece, bem como à natureza das normais
legais que, porventura, desrespeitaram.
Os vícios a que nos referimos são, essencialmente, de procedimento – relativos ao processo
pelo qual se formou a deliberação; ou de conteúdo – respeitantes ao conteúdo da
deliberação. E, assim, ao “como” se decidiu e ao “que” se decidiu, respetivamente64.
Conforme veremos, a violação de normas imperativas atinentes ao conteúdo das
deliberações leva, em princípio, à nulidade (artigo 56º, nº1, alínea d) CSC); mas a mesma
disciplina não vale para a violação de normas imperativas que respeitem ao procedimento
deliberativo (artigo 58º, nº1, als. a) e b) CSC), importando, em regra, a anulabilidade.
O artigo 56º CSC estabelece o elenco das causas de nulidade das deliberações e é tendo-o
como base que faremos as considerações seguintes.
64
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 458.
46
Direito da Atividade Comercial
presidente da mesa – artigo 377º, nº1 CSC), mas alguns sócios reuniram-se e adotaram
deliberações sobre determinados assuntos. Do mesmo modo, será nula a deliberação
tomada em assembleia para a qual um(ns) sócio(s) não fora(m) convocado(s), uma vez que
em qualquer uma das hipóteses, os sócios não notificados do aviso prévio ficaram
impedidos de exercer, para além dos outros, o seu direito fundamental: o direito de voto
(artigo 21º, nº1, alínea b) CSC).
Todavia, a nulidade das deliberações que provém da não convocação das assembleias
respetivas, é atípica. Isto porque pode ser objeto de sanação posterior, caso a vontade de
todos os sócios convirja nesse sentido (admite-o o nº3 do mesmo preceito) e o exprimam
por escrito.
Assinale-se que, conforme ressalva a alínea a), a nulidade não se estende às deliberações
que resultarem de assembleia não convocada, desde que “todos os sócios tenham estado
presentes ou representados”. Situamo-nos face às denominadas assembleias universais
(que já tivemos oportunidade de mencionar), dispostas no artigo 54º CSC: para que estas
funcionem validamente, é necessário que todos os sócios nela participem e que todos
acordem submeter um determinado assunto a deliberação. Se não for cumprido um destes
requisitos, a deliberação é anulável nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a), caindo na vala
comum deste preceito, uma vez que não cabe nas previsões normativas que estatuem a
nulidade (sendo, aliás, inclusivamente ressalvada pela alínea a), nº1 do artigo 56º).
A alínea b) do nº1 do artigo 56º refere-se a outras situações que podem, igualmente (como
já referimos), levar à nulidade das deliberações. A possibilidade de deliberar por escrito
encontra-se, de um modo geral, admitida para as sociedades por quotas (cf. artigo 247º
CSC), sendo para tal necessário que todos os sócios acordem nesse sentido, pelo que, para
este efeito, devem ser consultados; e, posteriormente, devem ser convidados a votar por
escrito. Assim sendo, a nulidade poderá atingir as deliberações quando nem todos os sócios
tenham sido convidados a votar por escrito; ao passo que a falta da consulta imposta pelo
nº3 leva apenas à anulabilidade da deliberação (artigo 58º, nº1, alínea a)).
Também esta nulidade é atípica, porquanto pode ser objeto de sanação se os sócios que
não foram convidados a votar por escrito derem o seu assentimento à deliberação (artigo
56º, nº3).
Por fim, e conforme é ressalvado pela 2ª parte da alínea b) (nº1 do artigo 56º), não existe
qualquer nulidade quando os sócios, ainda que informalmente informados, tenham votado
por escrito (isto é, não lhes foi dada oportunidade de votar mas, mesmo assim, porque
informados informalmente, conseguiram fazê-lo).
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Direito da Atividade Comercial
Neste contexto, podemos vislumbrar várias causas que podem levar à nulidade das
deliberações: em primeiro, e conforme resulta da alínea d) 2ª parte, não podem ser
derrogados e, por isso, pela vontade dos sócios (ainda que unânime) os preceitos legais de
natureza imperativa; é a eles que a letra da lei se refere quando diz que são nulas as
deliberações que contrariem preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer
por vontade unânime dos sócios.
Poderíamos apontar inúmeros exemplos de normas imperativas mas, sob pena de sermos
cansativos, daremos apenas conta de algumas: artigos 32º, nº1, 218º, 248º, nº3, 377º, nº4
CSC.
Por outro lado, assumindo uma menor relevância prática, as deliberações podem ser nulas
porque ofensivas dos bons costumes; a elas também se refere a alínea d) do artigo 56º CSC.
O ser contrário ou ofensivo dos bons costumes é um conceito demasiadamente lato e pouco
esclarecedor, tanto mais se considerarmos que o que é “hoje” ofensivo dos bons costumes,
“amanhã” pode não o ser; varia consoante o tempo e lugar em que nos situamos. Ademais,
para que uma deliberação seja nula por ofensiva dos bons costumes é necessário que não
tão-só o fim seja ofensivo daqueles, mas que o próprio conteúdo da deliberação seja
também ele ofensivo65.
São nulas as deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos
sócios. Perante um cenário tão vago como este (artigo 56º, nº1, alínea c) CSC), tudo se
centra em saber qual é o conteúdo que, naturalmente, não está sujeito à deliberação dos
sócios. Muito se tem discutido e especulado sobre o conteúdo útil deste preceito, mas a
verdade é que, sem embargo dos esforços (nomeadamente, doutrinais) desenvolvidos
nesse sentido, parece que todas as situações que se poderiam subsumir nesta previsão
normativa, acabam, inevitavelmente, por cair na alínea d) do mesmo preceito. Posto que,
tendo isto em consideração, não iremos mais longe66.
Conforme sabemos, a nulidade tem de ser declarada judicialmente, através de uma ação
intentada com esse intuito. O artigo 57º CSC vem estabelecer especificidades ao regime da
ação de nulidade, sendo certo que enquanto negócios jurídicos, às deliberações nulas é
aplicável, grosso modo, o regime geral disposto no Código Civil – artigo 286º. Deste decorre,
desde logo, que a ação de nulidade pode ser intentada a todo o tempo por qualquer
interessado e pode ser declarada ex officio pelo tribunal.
Mas, para já, debruçando-nos sobre as especificidades previstas no CSC, cumpre referir que
cabe ao órgão de fiscalização a iniciativa quanto a deliberações nulas. Do nº1 do artigo 57º,
65
Para consultar exemplos destas situações (nomeadamente, acórdãos) – vide ob. cit., Jorge Manuel
Coutinho de Abreu, 474-477.
66
Para mais desenvolvimentos, ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 478-480.
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Direito da Atividade Comercial
resulta que o órgão de fiscalização deve dar a conhecer aos sócios, em assembleia geral67, a
nulidade de qualquer deliberação anterior, a fim de eles a renovarem, sendo possível, ou de
promoverem, querendo a respetiva declaração judicial.
Se, volvidos dois meses, os sócios não renovarem a deliberação ou a sociedade não for
citada para a referida ação (cf. artigo 60º, nº1), o órgão de fiscalização deve promover sem
demora a declaração judicial de nulidade da mesma deliberação (nº2). Instaurando a ação,
deve propor-se logo a nomeação de um sócio para representar a sociedade.
Quando uma sociedade não tenha órgão de fiscalização (relembramos que nem sempre é
obrigatória a existência deste órgão), o que ficou dito é aplicável a qualquer gerente (nº4).
Voltando ao artigo 286º do Código Civil, diz este preceito que a ação pode ser intentada por
qualquer interessado. Considera-se interessado qualquer sócio (titular dessa qualidade
aquando da deliberação ou adquirindo-a apenas em momento posterior, com ou sem
direito de voto), os administradores das sociedades por ações (quando o órgão de
fiscalização não cumpra o dever que lhe é imposto pelo artigo 57º) e alguns terceiros (v.g.,
alguns trabalhadores quando a deliberação aprove a distribuição de lucros fictícios).
A sentença que declarar a nulidade de uma deliberação é eficaz contra e a favor de todos
os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não tenham
intervindo na ação (artigo 61º). No entanto, esta declaração não prejudica os direitos
adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em atos praticados em execução da
deliberação68 (nº2 do mesmo preceito).
Terceiros de boa fé são os que não ignoravam a invalidade da deliberação ou dela não
deveriam ter conhecimento (in fine, nº2).
Importa, por fim, referir que em determinadas situações o vertido no nº2 do artigo 61º é
irrelevante, na medida em que os direitos adquiridos por terceiros de boa fé são sempre
prejudicados – é o caso das doações feitas fora da capacidade jurídica da sociedade. Estas,
tal como a deliberação que o autorize, são nulas.
67
Notamos que membros do órgão de fiscalização devem estar presentes nas assembleias gerais (artigo
379º, nº4).
68
São considerados atos praticados em execução da deliberação, os que a tenham como fundamento.
49
Direito da Atividade Comercial
porque violam uma formalidade imposta por lei, são à partida anuláveis, por exemplo, as
seguintes deliberações: as assembleias convocadas, não por carta registada (artigo 248º,
nº3), mas mediante publicação no jornal da localidade da sede social; as deliberações
adotadas em assembleia convocada sem a antecedência exigida (artigos 248º, nº3 e 377º,
nº4), as deliberações de distribuição de menos de metade do lucro de exercício distribuível,
aprovadas por menos de três quartos dos votos correspondentes ao capital social (artigos
217º, nº1 e 294º, nº1 CSC).
Por outro lado, são também anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do
fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação (alínea c) do nº1 do artigo 58º).
Ora, e para efeitos de elementos mínimos de informação devemos considerar, conforme
alude o nº4, as menções exigidas pelo artigo 377º, nº8 e a colocação de documentos para
exames dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato. Contudo,
refere Coutinho de Abreu, esta anulabilidade já se encontrava de certa forma prevista na
alínea a) do nº1 do artigo 58º, uma vez que tal desrespeito pode traduzir (e traduz-se
mesmo) na violação de disposição legal ou estatutária sobre essa matéria.
Por outro lado, e seguindo a linha deste autor, também o nº4 do artigo 58º não esgota os
elementos informativos cuja falta pode resultar na anulabilidade das deliberações, devendo
ver-se a este respeito o preceituado nos artigos 377º, nº5, 94º, 100º, nº3 (entre outros).
Alguns vícios podem ser relevantes, enquanto outros podem ser irrelevantes; a
relevância/irrelevância dos vícios deve ser averiguada em relação a casos concretos,
porquanto um dado vício pode ser relevante e levar à anulabilidade num caso, mas pode
afigurar-se irrelevante noutras situações. Para demonstrar a veracidade desta afirmação,
recorreremos a um exemplo de Coutinho de Abreu69: a participação em assembleia geral
da pessoa para tal não legitimada é vício relevante se a presença dessa pessoa foi
determinante para a obtenção do quórum constitutivo. / Não é relevante se, mesmo sem
essa participação, o quórum foi conseguido.
A par do que dissemos sobre as deliberações nulas, também os vícios de conteúdo poderão
ditar a anulabilidade das deliberações. Está em causa a violação de preceitos dispositivos
que, na falta de estipulação estatutária que os afaste, continuam a aplicar-se. Daí que,
quando não exista uma cláusula que estabeleça a derrogação daquelas normas, as
deliberações que as violem são anuláveis.
O artigo 58º, nº1, alínea a) CSC não cobre apenas a violação de normas legais, mas também
as situações em que se desrespeite o vertido por princípios normativos cuja eficácia é,
indubitavelmente, equivalente à da lei – tal como o princípio da igualdade entre os sócios
ou o dever de lealdade pelo qual se deve pautar a conduta daqueles, pelo que uma
deliberação que o viole é, pois claro, anulável.
Como a própria designação indica, estão em causa deliberações que não respeitam o
disposto no contrato de sociedade e, portanto, se afiguram contrárias às disposições que
dele constam. Existem, pois, deliberações que, não obstante se situarem em conformidade
69
Que dá outros – ob cit., 493-496.
50
Direito da Atividade Comercial
com a lei, não a desrespeitando, colidem, ainda assim, com as cláusulas consagradas nos
estatutos, uma vez que as violam – daí que se fale em deliberações anti-estatutárias.
Imagine-se, a título exemplificativo, que o estatuto prevê que a convocatória de uma
assembleia, para além de ter de ser publicada em sítio de Internet de acesso público (artigo
167º, nº1), deve ser feita, também, com o recurso ao envio de cartas registadas. Assim
sendo, a deliberação que seja precedida de convocação que não respeite esta imposição, é
anulável porquanto viola uma disposição estatutária (ainda que obedeça e respeite as
formalidades impostas por lei) – vício de procedimento.
As deliberações abusivas pressupõem a não violação de qualquer norma legal, caso em que
estaria abrangida pela alínea a) do nº1 do artigo 58º CSC. Previstas na alínea b) deste
preceito, o seu alcance abrange dois grupos de casos: as que sejam apropriadas para
satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir através do exercício do direito de voto,
vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios;
e as apropriadas simplesmente para prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Ambos tipos de deliberação pressupõe a existência de voto de um ou mais sócios
(pressupostos subjetivos) e ser apropriada a alcançar um determinado propósito
(pressupostos objetivos).
Na primeira espécie de deliberações abrangidas por aquele preceito o intuito é o de
proporcionar vantagens especiais (proveitos patrimoniais que o contemplem
especialmente, aos quais outros sócios nas mesmas circunstâncias não têm direito) para si
ou para terceiro e, com isso, prejudicar a sociedade ou outros sócios (trata-se de um prejuízo
que advém da concessão de vantagens especiais, sendo como que uma sua consequência);
por outro lado, no concernente à segunda espécie de deliberações (deliberações
emulativas) o intuito é diretamente o de provocar prejuízos para a sociedade ou para outros
sócios.
Quem impugne a deliberação, alegando que um ou mais votos tiveram propósito abusiva,
deve provar o dolo dos titulares desses votos – bastando que este seja eventual. Todavia, e
conforme refere Coutinho de Abreu, por vezes torna-se difícil decifrar quais os votos que
estão inquinados por intuitos abusivos, quando todos os que votaram (ou, pelo menos, a
sua grande maioria) expressaram a sua vontade num mesmo sentido.
A parte final da alínea b) consagra a “prova da resistência”, ou seja, a deliberação não é
anulável se mesmo descontados os votos inquinados, se prove que as deliberações teriam,
ainda assim, sido tomadas. Donde, não basta provar o intuito abusivo de um sócio e o
prejuízo que dele resulta para a sociedade; é, ainda, fundamental que a deliberação sem os
votos inquinados não tivesse sido tomada.
Os sócios cujo voto seja a manifestação de um intuito abusivo, e se esses formarem maioria
são solidariamente responsabilizados para com a sociedade ou para com outros sócios pelos
prejuízos que lhes causem (nº3, do artigo 58º). A redação deste preceito não é, de todo,
esclarecedora; num primeiro impacto, poder-se-ia colocar a hipótese de todos os votantes
– abusivos ou não abusivos – que tenham formado a maioria serem responsabilizados.
51
Direito da Atividade Comercial
Como facilmente se depreende, aceitar uma tal solução não seria razoável, porquanto os
votantes não abusivos não praticaram factos ilícitos70. Por isso, neste contexto, respondem
tão-só os votantes abusivos cujos votos tenham constituído uma maioria.
Neste cenário, é possível que numa mesma ação possa ser pedida a anulação da
deliberação (proposta contra a sociedade nos termos do artigo 60º, nº1) e,
simultaneamente, a indemnização referida (a favor da sociedade ou dos sócios, contra os
votantes abusivos).
70
Ob. cit., Jorge Manuel Coutinho de Abreu, 510.
52
Direito da Atividade Comercial
disposto no artigo 64º, nº2 CSC, a verdade é que é dever deste órgão propor a ação
anulatória quando a deliberação se afigure prejudicial para a sociedade e, outrossim,
quando nenhum dos sócios (porque a deliberação foi aprovada por unanimidade) tenha
legitimidade para tal.
Não havendo órgão de fiscalização, deve, de um modo geral, admitir-se a legitimidade dos
gerentes para intentarem a referida ação – posição suportada pelo artigo 64º, nº1, alínea b)
e, fundamentalmente, pela aplicação analógica do artigo 57º, nº4.
No que ao prazo concerne, a ação deve ser intentada nos 30 dias subsequentes à verificação
de uma das três hipóteses prescritas no nº2 do artigo 59º, sendo certo que, entre nós, à
partida, tem mais relevância prática a disposta na alínea a): 30 dias após o encerramento da
assembleia geral. Neste momento, importa, contudo, fazer uma consideração: é que as
assembleias gerais podem protelar-se por mais de um dia, ou seja, iniciar-se num
determinado dia e encerrar-se num outro, suspendendo-se os trabalhos durante o período
que medie entre esse período. Ora, nestas hipóteses, importa atentar ao disposto no nº3
do artigo 59º e ter em consideração que reunindo-se os sócios em dias distintos, em cada
um deles poderão ser adotadas deliberações; assim, caso uma assembleia geral seja
interrompida por menos de 15 dias, os interessados podem impugnar a deliberação após o
encerramento da assembleia, ao abrigo do nº2, alínea a); a solução será necessariamente
diferente, quando a suspensão se arraste por mais de 15 dias, caso em que, quando se
pretenda anular deliberações tomadas no primeiro dia, a respetiva ação deve ser intentada
nos 30 dias subsequentes àquele em que a deliberação tenha sido tomada (nº3).
A ação de anulação de uma deliberação não depende da apresentação da respetiva ata; no
entanto, caso o sócio (impugnante) invoque a impossibilidade de a obter, o juiz mandará
notificar as pessoas que devem assinar a ata, para que a apresentem num prazo por ele
fixado, até 60 dias, suspendendo a instância até essa apresentação (nº4).
Vale, também aqui, as considerações que foram feitas acerca do artigo 61º - caso julgado -
, aquando da análise dos efeitos da ação de nulidade e, por isso, para lá remetemos.
Finalmente, cumpre-nos dizer que a possibilidade de impugnação das deliberações sociais
pode levar a que sejam cometidos (ou, pelo menos, tentados) alguns abusos. Donde, e de
forma a evitar estas situações, quando tal suceda, deve o tribunal julgar a ação
improcedente, invocando o abuso de direito – artigo 334º do Código Civil -, condenando (se
for o caso) o impugnante a indemnizar a sociedade e/ou outros sócios.
Note-se que o Código de Processo Civil admite a suspensão das deliberações sociais,
enquanto procedimento cautelar especificado, previsto nos artigos 380º a 382º.
As deliberações são, tal como qualquer negócio jurídico, um instrumento através do qual
as partes querem ver produzidos determinados efeitos jurídicos. No entanto, e em
conformidade com o que já dissemos até aqui, pode suceder que estas sejam inválidas –
nulas ou anuláveis – ou, outrossim, ineficazes. Ora, porque a demora associada aos
processos judiciais pode infligir prejuízo aos sócios e à sociedade, admite-se que estes, em
53
Direito da Atividade Comercial
Neste capítulo, debruçar-nos-emos sobre a vinculação dos atos praticados pelos órgãos de
administração e representação das sociedades. Isto porque, na sua essência, e atento à
vertente prática, é a matéria que mais preponderância e relevância pode assumir, pelo que
apenas a espaços faremos referência a outros matérias.
As sociedades atuam através de atos jurídicos, aos quais se vinculam mediante a
intervenção e atuação dos órgãos que a compõem – órgãos de administração e de
representação71. Neste sentido, fala a doutrina em representação orgânica, porquanto os
órgãos não atuam enquanto terceiros, mas antes como parte componente das sociedades
a que respeitam.
Por outro lado, e de resto como dissemos anteriormente, as sociedades podem também
vincular-se mediante a atuação de representantes voluntários (artigos 252º, nº6 e 391º,
nº7). Assim sendo, a sociedade pode vincular-se através de uma de duas formas:
representação orgânica, através dos órgãos que a integram; representação voluntária,
através de mandatários ou procuradores nomeados.
71
Não só estes órgãos têm uma competência de representação da sociedade, tendo-a outros órgãos
como, por exemplo, o órgão deliberativo-interno ou o conselho fiscal, ainda que em situações
devidamente identificadas na lei.
54
Direito da Atividade Comercial
Para que os atos dos administradores vinculem a sociedade, é necessário que, antes de
mais, estes atuem nessa qualidade, e não em nome próprio, devendo indicar a sociedade
que, nessa sede, está a atuar através da sua intermediação.
De um modo geral, o que se impõe é que a contraparte – que se relaciona com a sociedade,
por intermédio dos seus representantes ou administradores -, consiga deduzir que o ato a
praticar é imputável à sociedade (por, de resto, estar devidamente representada) – cf., entre
outros, artigo 260º, nº4.
Tratando-se de órgãos de representação plurais, no que tange à representação passiva, a
regra que vigora é a da disjunção, isto é, as declarações de terceiros dirigidas à sociedade,
podem ser dirigidas a qualquer um dos administradores (artigos 261º, nº3 e 408º, nº372).
Relativamente à representação ativa, convoca-se a regra – quanto aos tipos societários que
mais nos interessam: sociedades por quotas e anónimas – da conjunção maioritária, com o
que isso importa que, para que a sociedade fique vinculada é necessário que os negócios
sejam concluídos pela maioria dos gerentes ou administradores (artigos 261º, nº1 e 408º,
nº1), havendo ainda a possibilidade de ratificação.
A regra da conjunção maioritária tem assento legal em normas dispositivas, pelo que só
vigoram se o estatuto social não dispuser disciplina diverso, caso em que se terá de aplicar
o que nele estiver vertido – cf. artigos 261º, nº1 e 408º, nº1.
72
Estas normas têm caráter imperativo e, por isso, são insuscetíveis de ser derrogadas por cláusula
aposta nos estatutos.
73
Ainda assim, para que tal cláusula seja oponível a terceiros é imperioso que se façam cumprir as
correspondentes formalidades publicitárias impostas por lei.
55
Direito da Atividade Comercial
sociedades anónimas como nas sociedades por quotas. Vale por dizer, que a sociedade só
fica vinculada se o sócio cuja atuação é exigida, tiver participado no negócio jurídico.
- Pode o estatuto social, nas sociedades anónimas, autorizar o conselho de administração a
delegar em um ou alguns administradores a gestão corrente da sociedade. Quando assim
seja, os negócios celebrados pelos administradores-delegados vinculam a sociedade (artigos
407º, nº4 e 408º, nº2). E ficará também vinculada, mesmo que os administradores-legados
extravasem os limites inerentes à delegação, porquanto a cláusula tem eficácia meramente
interna (artigo 409º, nº1)74.
Assim sendo, quando a representação deva ser exercida de forma conjunta, o ato praticado
por um número insuficiente de administradores não vincula a sociedade (v.g., é necessária
intervenção de três administradores, mas apenas intervêm em dois. O negócio jurídico é
ineficaz perante a sociedade). Contudo, tal não prejudica a possibilidade de ratificação dos
atos praticados, ressalvando-a os artigos 408º, nº1 e 261º, nº1. Ora, se no exemplo dado
um outro administrador venha ratificar o ato praticado, a sociedade ficará vinculada (quanto
aos efeitos da ratificação, cf. artigo 268º, nº2 do Código Civil).
74
Para as sociedades por quotas, cf. artigo 261º, nº2 CSC,
75
Coutinho de Abreu, ob. cit., pp. 549-551.
56
Direito da Atividade Comercial
administradores, em nome da sociedade e fora dos poderes que a lei lhes confere, não a
vinculam com terceiros. E, naturalmente, age fora dos poderes que a lei lhes confere, os
administradores que pratiquem atos para os quais a sociedade não tenha capacidade
jurídica.
Mas nem todos os atos que sejam praticados dentro da capacidade societária, vinculam a
sociedade. Assim, por exemplo: existem atos que só podem ser adotados mediante
deliberação dos sócios, sem a qual os sócios não se encontram legitimados a intervir (cf.,
v.g., artigo 246º, nº1, alínea b) CSC). Ora, se os administradores alienarem quotas própria,
sem que a sua intervenção seja precedida da intervenção dos sócios, o ato não vincula a
sociedade, sendo em relação a ela ineficaz.
O ato que seja praticado dentro dos poderes que a lei confere aos administradores ou
gerentes, mas que seja desconforme com as limitações impostas pelos estatutos76, vincula,
ainda assim, a sociedade (artigos 260º, nº1 e 409º, nº1).
Por outro lado, também os atos praticados em desconformidade com uma limitação
imposta por deliberação dos sócios, não importa a sua ineficácia perante a sociedade,
vinculando-a (mais uma vez, cf. artigos 260º, nº1 e 409º, nº1). Os administradores devem
agir em conformidade com as limitações resultantes das deliberações77, desde que
validamente adotadas.
76
As cláusulas não são oponíveis a terceiros.
77
Estas que não são oponíveis a terceiros – eficácia meramente interna.
78
Já o referimos em momento anterior, mormente aquando do estudo da Capacidade Jurídica.
79
O que denota a clara preocupação do legislador com a proteção de terceiros de boa fé (artigos 260º,
nº2 e nº3, artigo 409º, nº2 e nº3); se o terceiro tiver conhecimento da desconformidade da atuação dos
administradores com as cláusulas estatutárias ou com limitações derivadas de deliberação dos sócios,
poderemos estar, hipoteticamente, perante um caso de abuso do poder de vinculação.
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Direito da Atividade Comercial
Índice
Capítulo I – Noção de Sociedade e Figuras Afins ......................................................................... 2
Subcapítulo I – Figuras Afins ........................................................................................................ 4
Subcapítulo II – Noção de sociedade comercial .......................................................................... 5
Capítulo II – Tipos de Sociedades Comerciais .............................................................................. 6
Subcapítulo I – Responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os credores
sociais ............................................................................................................................................ 6
Subcapítulo II – Estrutura Organizatória...................................................................................... 8
Subcapítulo III – Transmissão das participações sociais ............................................................. 9
Subcapítulo IV – Número mínimo de sócios .............................................................................. 11
Subcapítulo V – Capital Social .................................................................................................... 11
Subcapítulo VI – Tipos doutrinais societários ............................................................................ 12
Subcapítulo VII – Taxatividade dos tipos legais de sociedade .................................................. 12
Capítulo II – Constituição das Sociedades Comerciais .............................................................. 13
Subcapítulo I – Ato constituinte (o contrato de sociedade) ..................................................... 13
Subcapítulo II – Registo do ato constituinte .............................................................................. 19
Subcapítulo III – Publicação do ato ............................................................................................ 20
Subcapítulo IV – Interpretação e integração dos estatutos ...................................................... 20
Subcapítulo V – Invalidades do ato constituinte ....................................................................... 21
Subcapítulo VI – Acordos parassociais....................................................................................... 23
Capítulo III – Da Personalidade e Capacidade das Sociedades Comerciais .............................. 24
Subcapítulo I – Personalidade Jurídica ...................................................................................... 24
Subcapítulo II – Capacidade Jurídica .......................................................................................... 28
Subcapítulo III – Capacidade de Exercício das Sociedades........................................................ 32
Capítulo IV – Participações Sociais............................................................................................. 33
Subcapítulo I – Principais direitos e obrigações ........................................................................ 35
Subcapítulo II – Transmissão de quotas .................................................................................... 38
Subcapítulo III – Transmissão de ações ..................................................................................... 39
Capítulo V – Capital e Património Sociais, Lucros, Reservas e Perdas ...................................... 40
Subcapítulo I – Direito dos sócios de quinhoar nos lucros........................................................ 41
Subcapítulo II – Reservas............................................................................................................ 43
Subcapítulo III - Perdas ............................................................................................................... 44
Capítulo VI – Deliberações Sociais ............................................................................................. 44
Subcapítulo I – Deliberações nulas ............................................................................................ 46
Subtítulo I – Deliberações nulas por vício de procedimento .................................................... 46
Subtítulo II – Deliberações nulas por vícios de conteúdo ......................................................... 47
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