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DIREITO COMERCIAL II
RESUMOS
BIBLIOGRAFIA:
• COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II;
• Apontamentos das aulas;
• Outra bibliografia complementar indicada nos Sumários.
O termo “sociedade” aparece utilizado na legislação com vários sentidos, podendo designar actos
jurídicos e entidades. Com efeito, o art. 980.º do CC oferece-nos a noção de contrato de sociedade,
enquanto que no CSC a sociedade aparece principalmente como entidade. Também na doutrina o termo
sociedade adquire vários sentidos.
O art. 1.º/2 do CSC não nos oferece uma noção de sociedade, apenas nos dizendo quando é que uma
sociedade é comercial. Assim, temos de ir buscar a noção de sociedade ao art. 980.º do CC; porém, a
noção do CC de sociedade é uma noção datada, e consagra o que tradicionalmente se designa dogma do
contrato – que esteve na base da solução adoptada na limitação da responsabilidade do EIRL. É
necessária uma leitura actualista do art. 980.º do CC, uma vez que são hoje admitidas sociedades que
não assentam em contratos ou negócios jurídicos pluripessoais – desde logo, as sociedades por quotas
unipessoais (art. 270.º-A e segs. do CSC). O CSC prevê também outro caso de unipessoalidade originária
no art. 488.º, que regula o regime das sociedades coligadas e que vem permitir constituir como sociedade
unipessoal uma sociedade anónima. Quanto à unipessoalidade superveniente, esta não determina a
extinção automática da sociedade, art. 142.º/1/a) (há um espaço de tempo que permite repor a
pluralidade); sendo que este regime conhece algumas excepções no art. 489.º/2.
Percebemos também, com COUTINHO DE ABREU, que é preferível estudar as sociedades da perspectiva da
sociedade-entidade, em vez de sociedade-acto: “existem actos constitutivos de sociedades sem natureza
contratual (v.g., negócios unilaterais constituintes de sociedades unipessoais) e sem natureza negocial
(v.g., decreto-lei constituinte de sociedade anónima de capitais públicos)”. Por outro lado, é preferível
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falar de “sociedade-entidade (em vez de colectividade, pessoa jurídica ou instituição), dada a existência e
sociedades unipessoais e de sociedades sem personalidade jurídica”.
Em suma: “a noção de sociedade deve começar por buscar-se no art. 980.º do CCiv. (direito privado
comum e subsidiário – v. art. 2.º do CSC). Mas não podemos ficar por aí”.
A sociedade é, desde logo, uma entidade composta, em regra, por dois ou mais sujeitos, os sócios (art.
980.º do CC e 7.º do CSC). Como vimos, existem excepções:
• Sociedades supervenientemente unipessoais: são em regra transitórias e são admitidas pelo art.
1007.º/d) do CC e 142.º/1/a), 270.º-A/2 e 464.º/3 do CSC.
• Sociedades originariamente unipessoais: a unipessoalidade originária está prevista no CSC para
as sociedades por quotas e anónimas (art. 270.º-A/1 e 488.º/1).
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A sociedade é constituída para desenvolver uma certa actividade, o objecto social. O objecto social é a
actividade económica que o sócio ou sócios se propõem exercer mediante a sociedades. Notas sobre o
objecto social (art. 980.º do CC):
• Tem de ser uma actividade económica: ou seja, uma actividade de produção de bens materiais e
imateriais ou serviços que exige a troca de bens. Porém, as actividades culturais, recreativas,
políticas, religiosas, etc. podem apresentar aspectos económicos, e como tal ser objecto de uma
sociedade.
• Não pode ser uma actividade de mera fruição: as sociedades não podem ter por objecto
actividades de mera percepção dos frutos, naturais ou civis, de bens. Porém, é necessário ter em
conta a figura da sociedade de simples administração de bens (art. 6.º/4/b) do CIRC). SOVERAL
MARTINS entende que a actividade de administração de bens é mais do que uma actividade de
fruição, não pondo em causa o regime do art. 980.º.
• Tem de ser certa: resulta do art. 980.º e do 11.º/2 do CSC. Esta não é uma nota essencial para o
conceito de sociedade, pois da não especificação do objecto social no acto constituinte não resulta
a não qualificação como sociedade. A consequência é a nulidade do acto constituinte (art. 280.º
CC).
• Tem de ser exercida em comum: isto resulta do art. 980.º, mas obriga a uma interpretação
actualista pois tal não sucede nas sociedades unipessoais. Para além disto, como nota COUTINHO
DE ABREU, mesmo para as sociedades pluripessoais a expressão não é adequada: é a própria
sociedade que exerce a actividade, e não os sócios; e o exercício em comum não significa que os
sócios intervenham directamente na actividade social (participam na condução ou no controlo).
De acordo com o art. 980.º do CC, o fim da sociedade é a obtenção de lucros e a sua repartição pelos
sócios – não basta a persecução de lucros (lucro objectivo), é ainda necessária a intenção de os dividir
pelos sócios (lucro subjectivo). O lucro pode definir-se como um ganho traduzível num incremento do
património da sociedade.
Isto é confirmado por vários preceitos do CSC: art. 2.º, 6.º, 10.º/5/a), 21.º/1/a), 22.º, 31.º, 217.º e 294.º. A
finalidade lucrativa protege os credores da sociedade, o que é importante para compreender o art. 6.º – a
capacidade de gozo da sociedade é limitada pelo seu fim.
Existem algumas excepções ao fim lucrativo, que encontramos nas figuras das sociedades de capitais
públicos e sociedades de economia mista. Já as sociedades unipessoais não constituem uma excepção – o
fim lucrativo não pressupõe a pluralidade de sócios.
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Este é um elemento que não consta da noção do art. 980.º, mas que deve integrar a noção de sociedade:
em vez de lucrarem, o sócio ou sócios podem perder, i.e., podem não recuperar o valor das entradas e de
outras prestações. A sujeição a perdas é um risco a que qualquer sócio está sujeito, e retira-se do art. 994.º
do CC e do art. 22.º/3 do CSC (proibição do pacto leonino).
Em suma, COUTINHO DE ABREU dá-nos a seguinte noção genérica de sociedade: “sociedade é a entidade
que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um património autónomo prta o exercício de
actividade económica, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s),
todavia, sujeito(s) a perdas”.
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1. A tipicidade societária
As sociedades comerciais aparecem na lei em tipos societários (art.º 1.º/2, 3 e 4). COUTINHO DE ABREU
define tipos societários como “modelos ou formas diferenciados de regulação de relações (entre sócios,
entre sócio(s) e sociedade, entre uns e outra com terceiros) ... determinados ... por conjuntos abertos de
notas características”. O facto de as sociedades comerciais se apresentarem em tipos tem uma razão de ser
– é um sinal para o exterior (credores, fornecedores, etc.) que atrás daquela sociedade vem um regime
jurídico típico.
O CSC caracteriza os diversos tipos societários nos arts. 175.º, 197.º, 271.º e 465.º, recorrendo à
delimitação da responsabilidade dos sócios e às espécies de participações sociais. Porém, estas duas notas
não são suficientes para caracterizar ou descrever os tipos societários.
• Sociedades em nome colectivo: cada sócio responde pela entrada a que se obrigou, art. 175.º/1
(em dinheiro, espécie e/ou indústria). Quando algum sócio entre com bens em espécie e os
mesmos não sejam verificados e avaliados nos termos do art. 28.º, têm os sócios de assumir
expressamente no contrato social responsabilidade solidária pelo valor que atribuam aos mesmos
bens (art. 179.º).
• Sociedades por quotas: cada sócio responde não apenas pela sua entrada (em dinheiro e/ou
espécie), mas também solidariamente pelas entradas dos outros sócios (nas sociedades
pluripessoais), art. 197.º/1. Os sócios podem ainda ficar obrigados perante a sociedade a
prestações acessórias e suplementares (arts. 197.º/2, 209.º, 210.º e segs.).
• Sociedades anónimas: cada sócio responde pela sua entrada (em dinheiro e/ou espécie), i.e.,
“limita a sua responsabilidade ao valor das acções que subscreveu” (art. 271.º). O valor das
acções é o valor por que foram postas à subscrição, que pode ser superior mas não inferior ao
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valor nominal ou de emissão (arts. 25.º/1, 2 e 3, 295.º/2/a) 2 3/a), 298.º). Pode também o estatuto
impor que um ou mais sócios fiquem obrigados a prestações acessórias (art. 287.º).
• Sociedades em comandita simples e por acções: tanto os sócios comanditados como os sócios
comanditários respondem perante a sociedade pelas respectivas entradas (em dinheiro, espécie
e/ou indústria para os comanditados e em dinheiro e/ou espécie para os comanditários), arts.
465.º/1, 474.º e 478.º.
• Sociedades por quotas: os sócios não respondem pelas obrigações sociais, apenas responde
com o seu património a sociedade, art. 179.º/3. Porém, o art. 198.º prevê que o estatuto social
pode estabelecer que um ou mais sócios respondem também limitadamente perante os credores
sociais.
• Sociedades anónimas: os sócios não respondem perante os credores sociais, art. 271.º.
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• Órgãos deliberativos-internos: tomam decisões expressando a vontade social, mas não tratam
com terceiros.
• Órgãos de administração e representação: gerem as actividades sociais e representam as
sociedades perante terceiros.
• Órgãos de fiscalização ou controlo: fiscalizam sobretudo a actuação dos membros do órgão de
administração.
Esta não é uma separação rígida – por ex., no caso das sociedades anónimas que adoptem a estrutura
tradicional, é o órgão de administração que delibera sobre um conjunto de matérias.
As sociedades de qualquer tipo têm um órgão deliberativo-interno, composto pelo sócio único ou pelos
sócios em conjunto, habitualmente designado assembleia geral (arts. 53.º e segs., 189.º, 246.º e segs.,
270.º-E, 373.º e segs. e 472.º). Em rigor, a assembleia geral é uma reunião de sócios, e uma vez que os
sócios podem deliberar fora de assembleia (arts. 54.º/1, 189.º/1, 247.º, 373.º/1 e 472.º/1), é preferível falar
de sócio(s) ou de órgão deliberativo-interno. Apenas nas sociedades anónimas é que se discute se existe
este órgão.
O órgão de administração e representação é designado por gerência – em regra, são gerentes todos os
sócios (art. 191.º/1), o que se compreende dada a responsabilidade ilimitada de cada um deles perante os
credores sociais. Notas:
• Não é assim quando o contrato social determine diversamente e quanto a sócios-entidades
colectivas (art. 191.º/1 e 3).
• Não-sócios podem ser gerentes no caso do art. 191.º/2.
• O art. 193.º estabelece a igualdade dos gerentes.
Não existe órgão de fiscalização e controlo – entende-se que o facto de haver sócios de responsabilidade
ilimitada é suficiente para garantir o bom funcionamento da sociedade.
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O órgão de administração e representação recebe igualmente o nome de gerência, que é composta por
um ou mais gerentes, pessoas singulares com capacidade jurídica plena que podem ser sócias ou não
(art. 252.º/1).
Quanto à estrutura da administração e fiscalização das sociedades anónimas, esta está prevista no
art. 278.º; porém, não basta o art. 278.º para compreendermos a sua estrutura. É possível adoptar um
dos três modelos previsto, mas estes modelos conhecem subdivisões possíveis.
Artigo 278.º
Estrutura da administração e da fiscalização
1 - A administração e a fiscalização da sociedade podem ser estruturadas segundo uma de três
modalidades:
a) Conselho de administração e conselho fiscal;
b) Conselho de administração, compreendendo uma comissão de auditoria, e revisor oficial de contas;
c) Conselho de administração executivo, conselho geral e de supervisão e revisor oficial de contas.
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também administradores. Na realidade, o que o legislador fez não foi criar um novo modelo, mas
acabou por enxertar algumas normas no modelo tradicional para o adaptar ao modelo anglo-
saxónico, o que causa problemas de articulação. Este modelo vai compreender ainda um ROC,
que tem funções muito distintas das que cabem ao próprio órgão de fiscalização, que é a
comissão de auditoria. A comissão tem funções muito mais vastas, o que se compreende
facilmente se olharmos para o art. 420.º e para o art. 423.º-F.
• Modelo dualista ou germânico, al. c): constituído por um conselho de administração
executivo, conselho geral e de supervisão e ROC. Se é um modelo dualista, porque é que temos
três estruturas? O termo “dualista” está pensado para a administração e não para a fiscalização.
Porém, mesmo assim não é muito adequada, porque o conselho geral não tem competências em
matéria de gestão: o art. 442.º diz expressamente que o conselho geral não tem poderes de gestão;
mas o contrato de sociedade pode prever que o conselho de administração precisa de obter
autorização do conselho geral (apenas para determinadas categorias de actos, para não limitar
excessivamente os poderes do conselho de administração – é preciso encontrar um equilíbrio). O
conselho de administração executivo, típico do modelo germânico, veio substituir a antiga
direcção.
! Modelo tradicional
Variações:
• Em vez do conselho de administração, podemos ter, em certos casos, um administrador único –
art. 890.º/2 (capital social não inferior a 200.000€).
• O art. 420.º começa por dizer que “compete ao fiscal único ou conselho fiscal...”. Com efeito, a
lei admite, no art. 413.º, que em vez do conselho fiscal tenhamos antes um fiscal único.
• O art. 413.º/2 diz que a fiscalização da sociedade nos termos previstos na al. d) do n.º 1 é
obrigatória – a al. d), por sua vez, diz que a fiscalização compete ao conselho fiscal e ROC,
estando o ROC fora do conselho fiscal (o art. 278.º apenas menciona a hipótese de o ROC
integrar o conselho fiscal). Isto é obrigatório em relação às sociedades do art. 413.º/2 –
sociedades cotadas e sociedades que ultrapassem certos patamares. Esta é uma estrutura
tradicional reforçada, estando em causa dar maiores garantias aos terceiros que se relacionam
com a sociedade.
o Porquê pôr o ROC fora do órgão? Por um lado, estando todos no mesmo órgão, é natural
que os membros ganhem empatia, e isto afrouxa as defesas; e, por outro, cada um dos
órgãos passa a olhar para as suas competências de outra forma – o conselho passa a olhar
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também para as funções do ROC, fiscalizando o seu trabalho, e o ROC não está tão
limitado na sua iniciativa de fiscalizar as contas.
o Porque é que se tornou esta estrutura obrigatória para certas sociedades? Em relação às
sociedades cotadas, estas são sociedades que tendencialmente aumentam o seu risco para
terceiros – se a sociedade tem acções no mercado, está em condições de se relacionar
com mais pessoas, envolvendo um risco acrescido para um número muito maior de
pessoas. No caso das sociedades que atinjam certos patamares, estas são sociedades que
na óptica do legislador têm uma dimensão considerável, e envolvem também um risco
acrescido, mais não seja o risco sistémico (por ex., muitos trabalhadores).
• Finalmente, existe a possibilidade de, no âmbito do conselho da administração, fazer a delegação
em sentido próprio – art. 207.º/3. A doutrina dominante considera que esta delegação acarreta a
criação de um novo órgão.
! Modelo monista
• O art. 278.º/5 diz que as sociedades com administrador único não podem seguir esta modalidade,
o que faz sentido – tanto mais que a comissão de auditoria, art. 423.º-B/2, é composta no mínimo
por 3 membros. Mas não faz sentido olhar para o art. 278.º/5 pensando apenas no administrador
único, pois o sentido útil do n.º 5 retira-se para a definição do número de membros mínimos do
conselho de administração que vai ter no seu seio uma comissão de auditoria: além dos
membros da comissão de auditoria, que são no mínimo 3, não podemos encontrar apenas mais
um administrador, temos de ter pelo menos mais 2.
• No caso das sociedades com estrutura anglo-saxónica, para as situações do art. 413.º/2 temos o
art. 423.º-B/4: nestes casos, a comissão de auditoria deve incluir pelo menos um membro com
curso superior adequado às suas funções. Entre o n.º 4 e 5 existe uma diferença: o n.º 5 refere-se
às sociedades que emitam acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, e exige
que os membros sejam, na sua maioria, independentes. Isto é criticado pela doutrina por ser um
regime demasiado ligeiro. Assim, nestas sociedades com importância acrescida não vamos ter
novos órgãos, o que surge aqui a mais é uma exigência em relação à composição dos órgãos.
! Modelo dualista
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matérias financeiras, que fiscaliza as contas das sociedades. Isto levanta muitos problemas.
Podemos discutir se esta comissão é também um órgão (a lei não o diz) – parece ser.
Administração Fiscalização
- Conselho fiscal (inclui um ROC não
- Conselho de administração sócio, arts. 413.º/1/a), 4, 414.º/1 e 2))
Modelo tradicional - Administrador único (apenas para - Fiscal único (art. 423.º e 420.º)
os casos do art. 890.º/2) - Conselho fiscal e ROC (obrigatório
para sociedades do art. 413.º/2)
- Comissão de auditoria (que integra o
- Conselho de administração (sempre
Modelo monista conselho de administração) e ROC
plural, art. 278.º/1/b) e 5)
(arts. 423.º-B, 446.º)
- Conselho de administração
- Conselho geral e de supervisão e
Modelo dualista executivo
ROC (não sócio, arts. 434.º e 446.º)
- Administrador único (art. 242.º/2)
Os administradores não têm de ser sócios (arts. 390.º/3 e 425.º/6), mas têm de ser pessoas singulares com
capacidade jurídica plena (art. 390.º/3 4 , 425.º/6/d) e 8), salvo se integrarem a comissão de auditoria (art.
423.º-B/6).
Quanto ao órgão de administração e fiscalização, também aqui recebe o nome de gerência. Salvo quando
o contrato social permita atribuir a gerência (também) a sócios comanditários, só os sócios comanditados
podem ser gerentes (art. 470.º/1, 474.º e 478.º). O contrato social pode autorizar a gerência a delegar os
seus poderes em sócio comanditário ou em pessoa estranha à sociedade, art. 470.º/2.
À semelhança do que sucede nas sociedades em nome colectivo, nas sociedades em comandita não há
órgão de fiscalização.
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No caso da transmissão por morte, se o contrato social não determinar diversamente, podem os sócios
supérstites optar por uma de três vias:
• Liquidação da parte do sócio falecido, com pagamento aos sucessores do respectivo valor;
• Dissolução da sociedade;
• Continuação da sociedade com o sucessor ou sucessores do falecido, quanto estes nisso
consintam expressamente.
“Este regime, que decorre do art. 184.º, 1 e 2, acautela em primeira linha os interesses dos sócios
supérstites – não se lhes impõe a entrada de estranhos na sociedade (os novos sócios também são, em
princípio, gerentes – art. 191.º, 1 – e são responsáveis perante os credores sociais – art. 175.º, 1 e 2) nem a
continuação na sociedade (o sócio falecido podia ter papel considerado essencial). Mas acautela também
os interesses dos sucessores do sócio falecido – não se lhes pode impor a entrada na sociedade (onde
ficariam com responsabilidade ilimitada pelas dívidas sociais)”, C. DE ABREU, p. 66.
No caso das sociedades por quotas, o regime-regra é o de que a quota se transmite por morte aos
herdeiros do sócio, sendo que este regime decorre do art. 225.º e segs. Porém, o contrato de sociedade
pode introduzir limitações a esta transmissão, subordinando-a à verificação de certos requisitos (art.
225.º). O art. 226.º diz que também é possível atribuir ao herdeiro do sócio o direito de exigir a
amortização.
Igual regime se aplica à transmissão por morte da parte de sócio comanditário de sociedade em comandita
simples (art. 475.º).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Nas sociedades anónimas e nas sociedades em comandita por acções (quanto aos sócios comanditários),
as participações sociais são acções (arts. 271.º e 465.º/3). As acções são transmissíveis por morte nos
termos gerais (arts. 2024.º e segs. do CC).
No caso das sociedades em nome colectivo, para a transmissão entre vivos, a lei exige o consentimento
dos restantes sócios, art. 182.º/1. Desta forma, defende-se o interesse dos restantes sócios em manter na
sociedade aquele sócio (que é gerente e responde ilimitadamente), bem como o de impedir a entrada na
sociedade de sujeitos indesejados.
Nas sociedades por quotas, encontramos mais uma vez um regime muito flexível, existindo um regime
supletivo que pode ser agravado ou aligeirado. Notas:
• O art. 228.º/2, 1ª parte diz que a cessão não produz efeitos em relação à sociedade sem o
consentimento desta – é um requisito de eficácia em relação à sociedade. A eficácia perante a
sociedade é muito importante, sendo necessária para que o adquirente exerça os seus direitos
sociais.
• Porém, não é necessário consentimento se se tratar de uma cessão de quotas entre cônjuges, entre
ascendentes e descendentes, ou entre sócios (art. 228.º/2, 2ª parte). Estes são casos de cessão a
pessoas que não são estranhas.
• Este é um regime flexível, sendo que estas regras podem ser derrogadas pelo estatuto social: o art.
229.º/2 diz que o consentimento pode ser dispensado, logo a cessão é livre (sendo que se pode,
por ex., dispensar o consentimento apenas a certas cessões). O n.º 3 diz que o contrato de
sociedade pode exigir o consentimento para as cessões do art. 228.º/2, parte final (cessões em
regre livres). Para além disto, o contrato de sociedade pode proibir a transmissão; porém, a lei
permite nestes casos que o sócio saia ao fim de 10 anos (direito de exoneração).
• O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisitos diferentes do
consentimento da sociedade. Porém, quando se trata de cláusulas que procuram subordinar os
efeitos da cessão a outros requisitos, isso já é possível – por ex., podemos ter uma cláusula de
preferência, desde que não afecte os efeitos da cessão que a violem.
! Sociedades anónimas
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Quanto às sociedades anónimas, o regime-regra é o da livre transmissibilidade das acções entre vivos, art.
328.º. O funcionamento de um mercado de valores mobiliários não é compatível com a limitação à
transmissão de acções, sendo que a livre transmissibilidade assegura um maior interesse na aquisição de
valores – saber que são livremente transmissíveis torna o investimento mais atraente.
Isto nas acções ao portador; nas acções nominativas, o estatuto pode estabelecer restrições à transmissão
(art. 328.º/2 e 329.º).
• Em primeiro lugar, ao contrário das sociedades por quotas, não é possível introduzir cláusulas
que proíbam a transmissibilidade das acções, e só é possível limitá-la nos termos da lei.
• Encontramos 3 espécies de restrições: exigência de consentimento da sociedade; cláusulas de
preferência; e subordinação a determinados requisitos objectivos e subjectivos (arts. 328.º/1 e 2,
329.º/1). Têm surgido muitos problemas na prática quanto a este último tipo de cláusulas. Por ex.,
pode interessar impedir que outras sociedades adquiram participações, pois estas podem ter em
vista uma aquisição potestativa, art. 490.º. Assim, a sociedade pode impor certos requisitos
quanto ao adquirente, nomeadamente quanto à sua natureza. Esta al. c) levanta alguns problemas
de interpretação com grande relevo prático – por ex., há contratos que prevêem a necessidade de
ser lançada uma OPA, sendo que SOVERAL MARTINS discorda com esta possibilidade, fazendo
aqui uma interpretação restritiva. Uma vez que se fala da “existência” de requisitos, estes têm de
existir antes da existência da transmissão.
! Sociedades em comandita
Em relação às sociedades em comandita, à transmissão das acções dos sócios comanditários (sociedades
em comandita por acções) aplica-se o regime das sociedades anónimas (art. 478.º); enquanto que a
transmissão das partes sociais dos sócios comanditários (sociedades em comandita simples ou por acções)
exige deliberação autorizante dos sócios (art. 469.º).
Quanto ao número mínimo de sócios de uma sociedade, rege o art. 7.º/2, que afirma que o número
mínimo de partes de um contrato de sociedade é de dois, excepto quando a lei exija número superior ou
permita que a sociedade seja constituída por um só sócio (C. DE ABREU critica esta última parte do
preceito legal, uma vez que não se trata de uma verdadeira excepção pois neste caso não temos contrato
social).
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Não há, na nossa lei, qualquer previsão quanto ao número máximo de sócios.
O capital social é “uma cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais
fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie”, entradas estas que devem ter um valor idêntico ou
superior ao atribuído às participações (art. 25.º/1 e 2). Analisando os diversos tipos societários:
• As sociedades em nome colectivo constituídas por sócios que entrem somente com a sua
indústria ou trabalho não têm capital social (arts. 9.º/1/f); 178.º/1). Todas as outras sociedades
têm capital.
• Quanto ao capital social mínimo:
o Sociedades anónimas e em comandita por acções: a lei fixa um valor mínimo de 50.000€
(arts. 276.º/5 e 478.º).
o Sociedades por quotas: a lei não exige um montante mínimo para o capital social (é
livremente fixado pelos sócios), estabelecendo um valor mínimo para o valor nominal da
quota (201.º e 219./3). Cada quota de uma sociedade por quotas tem necessariamente um
valor mínimo de 1€: se uma sociedade por quotas unipessoal tem o valor mínimo
nominal de 1€, sendo que tem apenas uma quota, tem um capital social de 1€. Esta é uma
garantia muito escassa.
o Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: também não está fixado
qualquer valor mínimo capital.
Para além dos tipos legais societários, encontramos também os tipos doutrinas. Nomeadamente, temos de
ter em conta a distinção entre sociedades de pessoas e sociedades de capitais.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Sociedades de pessoas: são aquelas em que a pessoa dos sócios assume um papel relevante. O
tipo paradigmático é a sociedade em nome colectivo. As suas principais características são:
o Responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais;
o Impossibilidade ou dificuldade dos sócios mudarem;
o Grande peso dos sócios nas deliberações e gestão das sociedades;
o Necessidade de a firma conter o nome ou firma dos sócios;
o Dever de os sócios não concorrerem com as respectivas sociedades;
o Direito alargado de cada sócio à informação sobre a vida da sociedade.
• Sociedades de capitais: é o capital que os sócios trazem que interessa, assentam principalmente
nas contribuições patrimoniais dos sócios. O tipo paradigmático é a sociedade anónima. As suas
principais características são:
o Não responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais;
o Fácil mudança ou substituição dos sócios;
o Peso dos sócios nas deliberações sociais e na gestão das sociedades determinado pela
importância das participações de capital;
o A firma social não tem de ter qualquer nome ou firma de sócios;
o Os sócios não-administradores podem concorrer com as respectivas sociedades;
o O direito à informação não é atribuído a todos os sócios.
E as sociedades por quotas e em comandita simples ou por acções? Não é fácil integrá-las nestes tipos
societários, uma vez que combinam características das sociedades de pessoas e de capitais, mas podemos
dizer o seguinte:
• Sociedades em comandita simples: prevalecem as notas personalísticas.
• Sociedades em comandita por acções: prevalecem as notas capitalísticas.
• Sociedades por quotas: relevam as características personalísticas (por ex., os sócios são
solidariamente responsáveis por todas as entradas, art. 197.º/1), embora também tenham
características capitalísticas (o património só responde para com os credores pelas dívidas da
sociedade, art. 197.º/1).
Também temos de ter em conta que as alternativas abertas pelas normas dispositivas tornam mais difícil
delimitar a fronteira entre estes dois tipos de sociedades.
Existe ainda uma outra distinção, entre sociedades abertas e sociedades fechadas – SOVERAL MARTINS
discorda com COUTINHO DE ABREU quando este classifica esta distinção como doutrinal, uma vez que já
existem manifestações desta distinção no regime legal.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Sociedades abertas: “são principalmente sociedades anónimas e em comandita por acções ...
especialmente abertas aos mercados de capitais, designadamente aos mercados de bolsa”.
• Sociedades fechadas: “as respectivas participações sociais não são negociáveis em mercados
públicos (e a sua transmissão está frequentemente sujeita a restrições), sendo pois natural que os
sócios sejam em número reduzido e estejam envolvidos na vida societária”.
Note-se que não é correcto dizer que as sociedades que não são fechadas são abertas, pois falta entre nós,
a propósito das sociedades anónimas, um subtipo – sociedades abertas, tout court e fechadas.
Porém, existe uma margem de conformação do regime das sociedades, não estando afastada a
possibilidade de introdução de cláusulas atípicas – cláusulas que, respeitando o núcleo essencial do tipo,
se desviam das características típicas. Por ex., pode-se criar nas sociedades órgãos não previstos na lei,
mas é preciso que as competências desses órgãos não vão contra as competências dos órgãos necessários;
ou pode-se prever numa sociedade por quotas que determinado sócio responde até certo montante perante
credores sociais (art. 198.º), mas não que responde ilimitadamente. As cláusulas atípicas que contrariem
notas essenciais são nulas, a menos que se conclua que essas cláusulas configuram um tipo de sociedade
diferente.
Esta taxatividade dos tipos legais justifica-se por razões de segurança jurídica: “os credores sociais, o
público em geral e até os sócios (sobretudo das sociedades de massas), mesmo desconhecendo os
estatutos sociais, podem confiar que as sociedades de certo tipo não podem deixar de obedecer a
determinado quadro regulativo” (C. DE ABREU, p. 77).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
A constituição das sociedades constitui um processo, uma série de actos e formalidades. Vamos atender à
constituição de acordo com os regimes previstos no CSC e com outros dois regimes hoje muito
divulgados – regime da empresa na hora e da constituição online.
! Algumas notas sobre a constituição das sociedades através do regime da empresa na hora e on-line
“Em 2005 e 2006, para simplificar e tornar mais célere a constituição de sociedades (unipessoais ou
pluripessoais) por quotas ou anónimas, o legislador introduziu o ‘regime especial de constituição imediata
de sociedades’ (empresa na hora) – DL 111/2005, de 8 de Junho – e o ‘regime especial de constituição
on-line de sociedades (empresa on-line) – DL 125/2006, de 29 de Junho (ambos os DL foram alterados,
por último, pelo DL 33/2011, de 7 de Março)” (C. DE ABREU, p. 92).
1) Empresa na hora: este regime tem sido bem sucedido, servindo apenas para constituir sociedades por
quotas ou anónimas. Está previsto no DL 111/2005 e não pode ser utilizado para constituir as sociedades
anónimas europeias.
Notas:
• É necessário aderir a um de vários modelos que são disponibilizados pelo IRN, art. 3.º/1/a), não
se pode utilizar um contrato de sociedade livremente conformado pelas partes.
• No art. 8.º/1/d), diz-se que o serviço competente procede ao preenchimento do modelo, i.e., temos
aqui um documento particular, mas quem preenche os espaços em branco é o serviço competente.
Esta é uma nova figura não prevista no CC.
• No que diz respeito à firma, está prevista a possibilidade de recorrer à base de firmas reservadas a
favor do Estado (art. 15.º). Trata-se de uma base de dados que contém aquilo a que a lei chama
uma “bolsa de firmas”, que na realidade não são firmas – o que está reservado a favor do Estado
são expressões de fantasia. A alternativa é a tradicional, de apresentação do certificado de
admissibilidade de firma – claro que isto acarreta um procedimento mais trabalhoso.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
2) Empresa on-line: outro regime muito útil é o da constituição on-line, que resulta do DL 125/2006. O
processo de constituição é mais demorado, uma vez que se tem de fazer um controlo de legalidade que
não é necessário no regime da empresa da hora. O art. 5.º exige meios de autenticação electrónica;
podendo utilizar-se serviços de advogados para sujeitar o regime à necessária aprovação e ao registo (art.
7.º).
2. Acto constituinte
2.1.1 Espécies
O acto constituinte das sociedades é geralmente um contrato. Porém, podemos ter outros actos
constituintes:
• Sociedades cuja formação é feita com apelo a subscrição pública: para COUTINHO DE ABREU,
temos dois actos constituintes, o contrato de sociedade e a deliberação da assembleia constitutiva.
(temos um acto de constituição sucessiva, integrado por vários momentos). SOVERAL MARTINS
discorda por causa do art. 283.º, que prevê que no contrato de sociedade não intervêm todos os
sócios, mais sim os produtores e subscritores que entrem com dinheiro. O que a lei está a dizer é
que estes sujeitos têm poderes reais de representação dos outros sócios, não deixa de ser este o
acto constitutivo das sociedades.
• Sociedades unipessoais: o acto constitutivo é um negócio jurídico unilateral.
• Sociedades constituídas por decreto-lei: o acto constitutivo é o respectivo acto legislativo.
• Sociedades resultantes de “saneamento por transmissão”: o acto constitutivo é a decisão judicial
homologatória do plano de insolvência (arts. 199.º e 217.º/3/a)).
Qual a forma do acto constituinte? Hoje, basta a forma escrita com reconhecimento presencial das
assinaturas dos subscritores, não sendo necessária escritura pública (art. 7.º/1); porém, a escritura
pública ou documento particular autenticado são exigidos quando sejam necessários para a
transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
! Regime geral
Em regra, todas as pessoas físicas podem constituir pessoas colectivas (mas não em todos os casos, como
é o caso das SAE). Podem ser sócios as pessoas humanas com capacidade de exercício. Notas:
• Os menores, interditos e inabilitados podem participar na constituição devidamente representados
assistidos, com a necessidade de autorização do MP em certos casos.
• Em relação às sociedades constituídas entre cônjuges, é necessário atentar no art. 8.º: estes são
casos muito frequentes, e o art. 8.º vem resolver as dificuldades postas pela imutabilidade dos
regimes de bens e das convenções (art. 1714.º do CC). Este preceito diz que é permitida a
constituição de sociedades entre os cônjuges, desde que só um deles assuma responsabilidade
ilimitada – i.e., se for de assumir esta responsabilidade, só um deles a pode assumir. Este não é
um regime muito claro, sendo necessário articular a participação na sociedade com o regime de
bens do casamento (se é bem comum ou próprio, etc.). O art. 8.º/2 diz que, quando a participação
social for comum aos dois sócios, será considerado sócio aquele que tiver celebrado o contrato de
sociedade.
• O art. 270.º-C/1 diz que uma pessoa singular só pode ser sócia de uma sociedade por quotas, e a
partir daí não pode ser sócia de mais sociedades.
Em regra, também as pessoas colectivas privadas podem ser sujeitos dos actos constituintes de
sociedades. As sociedades comerciais podem participar na constituição de outras sociedades comerciais,
(arts. 6.º/1, 11.º/4, 5, 6 e 6, 270.º-A/1 CSC); o que acontece, porém, é que vamos encontrar algumas
restrições, como a do art. 488.º e a do art. 270.º-C/2 (uma sociedade por quotas unipessoal não pode ter
por sócia outra sociedade por quotas unilateral). Com isto, quer-se evitar uma diluição dos bens que
foram usados para a constituição da primeira sociedade por quotas, evitar que o mesmo acervo
patrimonial sirva para a constituição de ambas as sociedades. Note-se que COUTINHO DE ABREU não faz
esta leitura.
Existem casos de actos constituintes nos quais apenas podem intervir sociedades:
• Na fusão (art. 97.º/1), cisão (118.º/1), transformação (130.º) e constituição de sociedade anónima
unipessoal.
• Cooperativas (art. 8.º/1 e 3 e 9.º do CCoop.).
• Agrupamentos europeus de interesse económico (Reg. 2137/85, art. 3.º/2/b), 2ª parte).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Quanto às associações e fundações, a questão é mais complexa: para COUTINHO DE ABREU, podem
participar na constituição de sociedades, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente à
prossecução dos seus fins. SOVERAL MARTINS tem uma opinião distinta.
Finalmente, podem ainda ser sujeitos as pessoas colectivas públicas (Estado, entidades públicas
estaduais, regiões autónomas e municípios e associações de municípios); e ainda as entidades colectivas
sem personalidade jurídica (estas “têm suficiente capacidade de gozo e de exercício de direitos para o
efeito”), como é o caso das sociedades civis e comerciais sem registo definitivo.
Para além disto, temos vários regimes especiais, como o das sociedades anónimas europeias.
As sociedades anónimas europeias estão previstas no Reg. 2157/2001, sendo que o regime da empresa na
hora e o regime de constituição on-line não podem ser utilizadas para a constituição destas sociedades.
O regime das SAE coloca exigências quanto a quem pode participar na constituição e ao número de
sócios. O art. 2.º e 3.º mostra que só sociedades podem intervir, e nem sequer são todos os tipos de
sociedades para todas as modalidades de constituição; sendo necessário que exista ligação com pelo
menos dois EM da UE, por diversas vias. Em que é que consiste o regime?
• Nos casos em que a sociedade é constituída com um substrato pessoa plural (sociedade anónima
europeia unipessoal), tem de haver pelos menos dois sócios, duas sociedades-sócias. Existe um
caso em que a SAE pode ser unipessoal – a SAE pode constituir uma SAE unipessoal de que seja
sócia.
• Quanto ao capital social mínimo, o art. 4.º/2 exige que esse capital seja pelo menos de 120.000€.
Outra vantagem deste regime é o art. 8.º/1: a sede da SAE pode ser transferida para outro EM.
Os actos constitutivos têm de conter certas menções (menções obrigatórias), e podem conter outras
(menções facultativas). O art. 9.º contém uma lista das menções obrigatórias gerais, sendo que deve
constar do acto constituinte:
• Nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes.
• Tipo de sociedade.
• Firma da sociedade.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Objecto da sociedade: o objecto tem de ser uma actividade certa ou determinada (art. 11.º/2
CSC). Isto justifica-se em nome da tutela dos interesses de vários sujeitos (sócios,
administradores e terceiros): interesses dos sócios em conhecer a actividade em que arriscam
capitais e trabalho; certas obrigações de não concorrência dos sócios e administradores são
delimitadas pelo objecto (arts. 180.º, 254.º, 398.º/3 e 4); os órgãos sociais têm o dever de não
praticarem actos que extravasem o objecto (art. 6.º/4); várias causas de dissolução da sociedade
prendem-se com o objecto (arts. 141.º/1/c), d) e 142.º/1/b), c) e d)). Para além disto, a natureza
comercial ou civil das sociedades é determinada pelo objecto (art. 1.º).
Quais as consequências da falta de especificação do objecto? Como vimos, esta não é uma nota
essencial para o conceito de sociedade, logo da não especificação do objecto social no acto
constituinte não resulta a não qualificação como sociedade; porém, a falta de determinação do
objecto provoca a nulidade do acto constituinte ainda não registado (art. 41.º CSC e 280.º
CCiv.).
• Sede da sociedade: está prevista no art. 12.º do CSC e consiste no “lugar concretamente definido
onde a sociedade se considera situada para a generalidade dos efeitos jurídicos em que a
localização seja relevante.
• Capital social.
• Quota de capital e natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efectuados por
conta de cada quota.
• Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação dos
respectivos valores.
• Quando o exercício anual for diferente do ano civil, a data do respectivo encerramento.
A al. g) levanta muitos problemas em relação às sociedades anónimas, uma vez que existe uma prática notarial no
sentido de não se aplicar a este caso. Se o sócio subscrever uma quota num determinado valor do capital social, é
necessário dizer o valor e quanto pagou por conta dessa quota (podendo ficar a dever). O termo “quota” é aqui
utilizado enquanto parte do capital social, e não em sentido estrito – tem sentido para qualquer tipo de sociedade.
Este é um problema no caso das sociedades anónimas porque existe uma prática notarial no sentido de permitir a
constituição destas sociedades sem que se diga quantas acções é que subscreve cada accionista, logo ficamos sem
saber qual a fracção do capital que subscreve cada sócio. Se esta sociedade emite acções ao portador, isto cria
espaço para grandes conluios entre os accionistas e os órgãos de administração. Por ex.: pode suceder que um
accionista apenas subscreva 10% do capital social, mas o órgão da administração lhe entregue títulos ao portador no
valor do 70%: depois, o accionista pode ir ao banco e pedir um empréstimo, constituindo um penhor sobre as acções
que representam 70%. Temos uma garantia constituída por acções sobre as quais o sócio não tinha poder para
dispor.
Para além dos elementos previstos no art. 9.º, existem outros elementos que também devem ser
mencionados:
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Para além das menções obrigatórias, temos menções facultativas: “além de espaços não ocupados por lei
poderem ser preenchidos por cláusulas estatutárias, é a própria lei que em certos casos habilita os
estatutos a estabelecerem determinada disciplina, permitindo inclusivamente às vezes que tal disciplina se
afaste da prevista – supletivamente – nela” (p. 113). Assim, temos normas legais habilitantes não
dispositivas e normas legais habilitantes dispositivas.
• Não dispositivas: são exemplos o art. 27.º/3, 146.º/5, 148.º, etc.
• Dispositivas: o art. 9.º/3 diz que as normas dispositivas só podem ser afastadas pelo contrato de
sociedade, a não ser que este admita expressamente a derrogação por deliberação dos sócios. Ou
seja, se a norma for imperativa, não é possível afastá-la; se se tratar de uma norma dispositiva,
para que os sócios a possam afastar por deliberação é necessário que o contrato de sociedade
expressamente preveja esta possibilidade. Para além disto, a derrogação pode efectivar-se
através de deliberações quando a lei o admita (ex: arts. 151.º/1, 191.º/2, 294.º/1). É necessário
fazer, assim, um trabalho de interpretação legal, podendo ser necessário recorrer aos interesses
subjacente às normas – se identificamos um preceito que visa proteger interesses de terceiros, em
particular de credores; interesses de sócios futuros; ou interesses dos sócios actuais, mas que o
legislador considera indisponíveis, será em regra uma norma de carácter imperativo.
o Exemplos de normas habilitantes dispositivas para as sociedades em geral: art. 15.º,
22.º/1, 26.º/3, 151.º/1, etc.
O regime tradicional pressupõe um acto constitutivo, o seu registo, e ainda uma fase de publicação
obrigatória quando a lei o exija.
Porém, podem surgir actuações em nome da sociedade antes de se encontrar formalizado o acto
constitutivo; entre este e o registo; e após o registo. Além do mais, pode ser necessário tratar das
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
questões das relações internas entre os sócios e entre esta e o sócio, supondo que pode haver sociedade
antes do registo. O regime não é claro.
“Concluído um contrato de sociedade – e antes mesmo de lhe ser dada forma legal ... pode acontecer que
os sócios realizem logo negócios em nome dela (...) A lei não proíbe uma tal prática”. “Contudo, sem a
forma exigida (para já não falar do registo), a sociedade não está perfeitamente constituída, está em
situação irregular. É pois preciso disciplinar a vida societária nessa situação” (C. DE ABREU, p. 117).
O art. 36.º/2 disciplina o regime do período anterior à celebração do acto constitutivo pela forma
legalmente exigida, afirmando que são aplicáveis às relações entre os sócios e entre estes e os terceiros
as normas sobre sociedades civis. Isto não implica uma conversão em sociedade civil, a sociedade é
comercial (assim, aplicam-se outras normas do CSC, por ex. o art. 41.º e 52.º).
Note-se que, na prática, há hoje um recurso considerável ao regime da empresa na hora, e por isso estes
problemas não se colocam tanto. Os casos que aparecem na jurisprudência são raros.
2.3.2 Regime das relações societárias depois da celebração do acto constituinte e antes do registo
As actuações ocorridas antes do registo colocam problemas mais graves, embora não sejam – também
pelo mesmo motivo – muito frequentes.
! Relações internas
O art. 37.º preocupa-se com as actuações dos sócios antes do registo: do n.º 1 resulta que as regras
estabelecidas no estatuto e no CSC se aplicam, salvo aquelas que pressuponham o contrato
definitivamente registado. Porém, o n.º 2 apresenta duas excepções: seja qual for o tipo visado de
sociedade, a transmissão entre vivos de participações e a modificação do contrato requerem sempre o
consentimento unânime dos sócios. Este preceito mostra-nos que há participações sociais antes do
registo, podendo haver transmissões de participações.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
! Relações externas
Questão diferente é a das relações externas antes do registo, prevista no art. 38.º a 40.º (C. DE ABREU, p.
121):.
• Art. 38.º, sociedades em nome colectivo: pelos negócios realizados em nome de uma sociedade
em nome colectivo, com o acordo de todos os sócios, respondem solidária e ilimitadamente todos
esses sócios (n.º 1); pelos negócios não autorizados por todos, os sócios respondem pessoal e
solidariamente (os que realizaram e autorizaram).
• Art. 39.º, sociedades em comandita simples: pelos negócios realizados em nome de uma
sociedade em comandita simples, com o acordo de todos os sócios comanditados, respondem
todos os sócios, pessoal e solidariamente (n.º1); responde também o sócio comanditário que
consinta no começo das actividades sociais, salvo se provar que o credor conhecia essa sua
qualidade (n.º 2); pelos negócios não autorizados por todos os sócios comanditados respondem
pessoal e solidariamente quem os tenha realizado e os sócios comanditados que os tenham
autorizado (n.º 3).
• Art. 40.º, sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções: pelos negócios realizados
em nome de uma sociedade por quotas, anónima ou em comandita por acções respondem
ilimitada e solidariamente todos os que, no negócio, agirem em representação dela; bem como
todos os sócios que autorizarem os negócios. Já os restantes sócios, que não autorizaram,
respondem limitadamente até às importâncias das entradas a que se obrigaram (se,
eventualmente, ainda não cumprirem essa obrigação – trata-se de constituir o património que a
sociedade garantiu), e pelas importâncias que receberem a título de lucros e reservas (o que
pressupõe que a sociedade tenha estado não registada durante um período longo de tempo).
Uma questão que se coloca é se, além dos sócios e pessoas indicadas nos arts. 38.º a 40.º, as sociedades
respondem com os respectivos patrimónios pelos negócios realizados em seu nome. COUTINHO DE
ABREU entende que sim – “também as sociedades respondem pelos actos em seu nome realizados no
período compreendido entre a celebração do acto constituinte e o seu registo definitivo” (p. 127). Para
tal, apresenta os seguintes argumentos:
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Ainda que sem personalidade jurídica, a sociedade já existe, pode participar no tráfico jurídico
(como se retira dos arts. 38.º a 40.º).
• O silêncio da lei não significa exclusão da responsabilidade social – “se a sociedade já responde
antes da celebração do contrato social (e registo) – art. 36.º, 2 – por identidade ou (melhor)
maioria de razão ela responderá depois dessa celebração”.
• “O nosso actual direito não consagra ... a proibição de pré-endividamento ou oneração do
património social”, i.e., a sociedade não precisa de nascer (no registo) com um património
correspondente ao capital nominal. No registo, o conservador não tem de verificar se o
património corresponde ao capital.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Mas os sócios respondem solidariamente com a sociedade? Deve entender-se que sim, aplicando-se
por analogia o art. 36.º/2, que remete para o regime das sociedades civis (art. 997.º/1 e 2 do CC). “No
entanto, esta solidariedade não funciona plenamente, pois, ainda segundo aquelas normas, os referidos
sócios e actuantes em nome da sociedade são responsáveis subsidiários – podem, quando demandados,
exigir a prévia excussão do património social” (p. 128).
Finalmente, coloca-se ainda a questão de saber se os sócios referidos no art. 40.º/1, 2ª parte (não agem
nos negócios nem os autorizam) respondem solidariamente com os que restantes. A resposta é
negativa – não só a responsabilidade é limitada, mas também “a ideia que subjaz a tal responsabilidade
será a de permitir aos credores fazerem-se pagar também com bens que ainda não entraram na sociedade
... ou que dela saíram”.
Devem ser inscritos no registo comercial os actos constituintes das sociedades comerciais e civis de tipo
comercial (art. 18.º/5 CSC e 3.º/1/a) CRCom.). Notas:
• Têm legitimidade para pedir o registo os membros dos órgãos de administração e representação
da sociedade e todas as demais pessoas que nisso tenham interesse, art. 29.º/1 CRCom. O pedido
deve ser feito no prazo de dois meses a contar da data do título de constituição da sociedade (art
15.º/2).
• A viabilidade do pedido de registo a efectuar por transcrição deve ser apreciada nos termos do
art. 47.º do CRCom., sendo que o registo só deve ser recusado quando for manifesta a nulidade
do facto (art. 48.º/1/d)).
• Não havendo motivo legal de recusa do registo, deve este ser efectuado no prazo de 10 dias (art.
54.º/1 e 2).
• O incumprimento da obrigação de registo sujeita as sociedades à aplicação de coimas (art. 17.º).
Outro efeito muito importante do registo é a (2) assunção automática pela sociedade de direitos e
obrigações decorrentes de actos realizados em nome dela antes do registo, e a possibilidade de
assunção de outros (art. 19.º).
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• Assunção automática (ou de pleno direito), n.º 1: não depende de qualquer acto da sociedade
ou dos sócios, abrangendo hipóteses que de alguma forma já foram objecto de referência no acto
de constituição de sociedade (já houve alguma publicidade). Assim, com o registo definitivo, a
sociedade assume de pleno direito os direitos e obrigações emergentes de:
o Vantagens especiais e despesas de constituição.
o Exploração de estabelecimento objecto de entrada de sócios.
o Negócios jurídicos concluídos antes da celebração do acto constituinte e que neste sejam
especificados e expressamente ratificados.
o Negócios jurídicos celebrados pelos gerentes ou administradores ao abrigo de autorização
dada por todos os sócios no acto de constituição.
• Possibilidade de assunção, n.º 2: nestas hipóteses, a sociedade assume, mediante decisão da
administração, a responsabilidade por certos negócios praticados, não podendo estar em causa
actos do art. 19.º/4. A assunção libera as pessoas indicadas no art. 40.º, art. 19.º/3 (com algumas
excepções). Assim, surge aqui um problema claro de conflitos de interesses, e por isso é que se
deve considerar que o membro da administração que vai deliberar assumir ou não a
responsabilidade não pode ter sido aquele que praticou/autorizou o acto (aplicação analógica do
art. 410.º/6). Não existe libertação da responsabilidade do art. 40.º se a responsabilidade resultar
da lei (ex: sócio comanditado).
Outro efeito do registo é o (3) regime das invalidades relativas ao acto constituinte, que veremos mais
à frente.
A lei estabelece a publicação obrigatória dos actos constituintes das sociedades por quotas, anónimas e
em comandita por acções (art. 166.º CSC e 70.º/1/a) CRCom.). A publicação deve hoje ser feita on-line
(art. 167.º/1 CSC, 70.º/2 CRCom. e DL 111/2005), e é promovida pela conservatória (art. 71.º CRCom.).
A publicação obrigatória do acto constituinte é condição de oponibilidade a terceiros, art. 168.º/2 CSC.
Notas:
• O n.º 3 vem restringir o âmbito do n.º 2 – se uma sociedade realiza um negócio no período
compreendido entre o registo e a publicação, ou até 16 dias depois da publicação, os respectivos
credores não podem invocar não lhe ser oponível o contrato de sociedade e fazer responder os
sujeitos do art. 40.º/1. É discutível se o prazo de 16 dias não será excessivo.
• Se se tratar de um acto apenas sujeito a registo, o n.º 4 estabelece a regra de que os actos passam
a ser oponíveis com o registo.
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O acto constituinte é um “negócio jurídico de organização, que releva não apenas para os sócios iniciais
mas também para futuros sócios e terceiros”. Sendo um negócio jurídico, o estatuto deve ser
interpretado de acordo com as regras gerais dos art. 236.º a 238.º CC; porém, é necessário fazer certas
diferenciações.
• Interpretação de cláusulas de organização e funcionamento relevantes também para futuros sócios
e terceiros: a interpretação deve ser objectivista, não se podendo atender às circunstâncias
exteriores ao estatuto que revelem a vontade real dos sócios fundadores.
• Interpretação de cláusulas que regulam as relações de um ou mais sócios entre si ou com a
sociedade: devem ser observadas as regras aplicáveis à interpretação dos negócios jurídicos em
geral e podemos dar atenção aos elementos externos.
As lacunas dos estatutos devem ser preenchidas de acordo com o critério do art. 239.º CC.
6. Acordos parassociais
Os acordos parassociais são “contratos celebrados entre todos ou alguns sócios (ou entre sócios e
terceiros), produtores de efeitos atinentes à posição jurídica dos pactuantes sócios (enquanto tais) e,
eventualmente, atinentes também a outros pactuantes (terceiros) e à vida societária, mas que não
vinculam a própria sociedade” (p. 148). Os acordos parassociais distinguem-se dos estatutos (p. 148 e
149):
• Existem certas matérias que devem constar dos estatutos e que não podem ser reguladas por
acordos parassociais; bem como matérias que podem ser disciplinadas pelo estatuto mas não por
acordos parassociais (por ex., regulação da conduta de titulares de órgãos de administração ou de
fiscalização, art. 17.º/2). Certas matérias que podem ser reguladas pelo contrato social podem
também ser objecto de acordo parassocial (por ex., autorização para cessão de quotas, direito de
preferência na alienação de participações sociais). O acordo parassocial só pode ser modificado
por unanimidade, e assim reforça-se a regulação daquele dado aspecto
• Enquanto que os acordos parassociais estão em regra sujeitos à disciplina comum civil dos
contratos, os actos constituintes das sociedades estão principalmente sujeitos à disciplina
específica do CSC.
• A diferença mais importante reside na sua eficácia: o estatuto social vincula a sociedade (os seus
órgãos) e os sócios e é oponível a terceiros; já os acordos parassociais apenas produzem efeitos
entre os intervenientes, são inoponíveis à sociedade, e o seu incumprimento não se reflecte
societariamente (art. 17.º/1). não se pode impugnar uma deliberação que vá contra o acordo, o
que não dizer que estes acordos tenham sempre eficácia obrigacional (COUTINHO DE ABREU
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
entende o contrário). Estes acordos podem ter mais eficácia para além dos efeitos entre as partes,
sendo que podemos ter cláusulas em benefício de terceiros – por ex., é admitido por lei que se
estabeleça um pacto de preferência com eficácia real.
• O acordo parassocial não está sujeito a forma, vale o princípio da legalidade de forma. O art. 17.º
estabelece limitações, em que está em causa garantir uma certa repartição de competências. A al.
c) do n.º 3 pretende evitar que o sócio venda o seu direito de voto, em contrapartida de certos
benefícios (seria contrário aos bons costumes).
Esta é uma figura cada vez mais utilizada, e está ligada a uma fuga cada vez mais acentuada para o direito
dos contratos, que permite fugir às normas de carácter imperativo do regime das sociedades comerciais,
bem como à publicidade que este acarreta, garantindo-se um certo sigilo. Quando o acordo parassocial
tem este objectivo, podemos ter casos de fraude à lei que levam à sua nulidade.
O CSC admite expressamente os acordos parassociais no art. 17.º; porém, estes têm eficácia limitada e
não são sempre admitidos. O art. 17.º estabelece os seguintes limites:
• São nulos os acordos parassociais que violem a lei ou conduzam à tomada de deliberações nulas
ou anuláveis (art. 17.º/1).
• São nulos os acordos parassociais que visem permitir dar instruções aos membros dos órgãos de
administração e fiscalização (art. 17.º/2).
• Finalmente, o art. 17.º/3 prevê 3 hipóteses de nulidade para o caso dos acordos de voto.
Estes acordos têm importância a muitos níveis – designadamente, o art. 83.º refere-se à responsabilidade
dos sócios perante outros sócios, e podem haver acordos relevantes para esta responsabilidade. Estes
acordos são utilizados também para resolver casos de impasse, de bloqueio, como quando as sociedades
têm participações divididas entre dois sócios com o mesmo valor – por ex., nas sociedades por quotas, se
um sócio tem 50% e outro 50%, podemos ter uma situação que pode ser de impasse. Isto pode ser
resolvido através de um acordo parassocial, por ex. prevendo um regime especial de transmissão das
participações (“ou sais, ou compras”).
! 30
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
É a subjectividade jurídica que permite às sociedades comerciais antes do registo ter estes atributos.
Com efeito, devemos afirmar “a subjectividade jurídica de grupos sociais e de outros entes organizados
mas desprovidos de personalidade colectiva; infirmando a doutrina tradicional, deve negar-se que os
sujeitos de direitos e deveres ou de relações jurídicas têm de ser pessoas ... Em suma, a personalidade
! 31
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
colectiva, enquanto conceito expressivo de autónoma subjectividade, não deve ser ser absolutizada” (p.
161).
! 32
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
! Imaginemos que o trespassante constitui uma sociedade unipessoal de objecto idêntico ou similar ao
do estabelecimento alienado, ou passa a exercer funções de administração/deter posição maioritária
numa sociedade concorrente. Neste caso, não devemos ver a sociedade a concorrer com o trespassário,
mas sim o sócio – imputa-se substancialmente esta conduta ao sócio. Assim, podemos afirmar que está a
violar a obrigação de não concorrência.
! A venda da totalidade ou maioria das participações sociais deve ser equiparada à venda da empresa
explorada pela sociedade para certos efeitos – nomeadamente, para efeitos de aplicação do regime da
venda de bens onerados e coisas defeituosas, e do regime da obrigação de não concorrência. Por ex., A e
B são sócios da sociedade X, Lda., e transmitem as suas quotas para C e D – formalmente não há
trespasse pois o estabelecimento continua a ser da titularidade de X, mas através da desconsideração
podemos ver a venda da totalidade ou maioria das participações como a venda do estabelecimento,
vinculando A e B à obrigação de não concorrência. Isto é conseguido através de uma interpretação
teleológica do contrato de compra e venda das participações sociais.
! É anulável a venda feita pelos pais a uma sociedade constituída por um ou mais filhos/netos sem
que os restantes filhos/netos consintam nessa venda. Levantando o véu da personalidade societária,
vêem-se os filhos ou netos a adquirir indirectamente dos pais e aplicamos o art. 877.º do CC.
! Quando haja um sócio-único que adquira da sociedade uma letra de câmbio, dada a sua ligação íntima,
não pode invocar legitimamente as inoponibilidades com base na boa fé (previstas no art. 291.º do CC e
17.º da LULL).
! Se um determinado sujeito e a sociedade que ele domina sócios de outra sociedade, o impedimento de
voto que recaia sobre o primeiro estende-se à segunda e vice-versa (os impedimentos de votos estão
previstos nos arts. 251.º e 384.º/6 CSC). Se o sócio está impedido, a sociedade por ele dominada também
o está.
! 33
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Note-se que os sócios não têm o dever de recapitalizar a sociedade, podendo, por ex., dissolvê-la: o que
está aqui a ser censurado é o facto de os sócios agravarem a situação patrimonial da sociedade, acrescido
de um comportamento fraudulento (investir noutra sociedade com o património que a primeira tinha).
Nestes casos, são frequentes as transmissões gratuitas (ou a preço inferior ao preço corrente, doação
mista) dos bens das sociedades velhas para as novas – vamos ter aqui um caso de acto que excede o
objecto social (art. 6.º/1). Se tiver havido uma deliberação, esta é nula (art. 6.º/1 e 56.º/1/d)), e vamos
ainda ter aqui a responsabilidade dos administradores (art. 78.º). Porém, isto não é essencial para a
caracterização da descapitalização provocada.
Qual o fundamento para a responsabilização dos sócios? Para COUTINHO DE ABREU, é a ideia do abuso
institucional, o abuso da personalidade colectiva (art. 334.º CC), associado à derrogação da autonomia
patrimonial da sociedade devedora. Independentemente da personalidade, havendo abuso de direito e
verificando-se os restantes pressupostos (culpa, dano e nexo de causalidade), é possível responsabilizar
subsidiariamente os sócios perante os credores sociais.
Desta forma, COUTINHO DE ABREU afasta as hipóteses do abuso do direito por violação dos bons
costumes e ainda a da violação do dever de lealdade: os sócios causam mais danos aos credores do que à
sociedade; seria inverosímil que a sociedade ou qualquer sócio intentasse a acção de responsabilidade
contra os sócios desleais; e ainda os credores poderiam exercer em acção sub-rogatória contra os sócios o
direito de indemnização a favor da sociedade, mas tal seria complexo e custoso (os credores fazem entrar
bens na sociedade para depois os atacar).
RICARDO COSTA vai mais longe no grupo de casos – na descapitalização provocada ou intencional, está
em causa a falta de interesse patrimonial censurável. A descapitalização é um subgrupo do grupo de casos
de desinteresse patrimonial censurável, que inclui também:
• Desvio ou apropriação dos bens da sociedade;
• Abdicação de trabalhadores ou sujeitos qualificados essenciais;
• Privação de oportunidades de negócios e outras posições jurídicas fundamentais.
! 34
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Caindo a sociedade em situação de insolvência, os sócios não podem opor aos credores a
responsabilidade limitada e responderão perante eles.
3) Subcapitalização material manifesta: ocorre quando a sociedade não dispõe dos meios necessários e
suficientes para o exercício da sua actividade e essa insuficiência não é suprida (por ex., através de
empréstimos ou de um aumento de capital). A subcapitalização é material ou manifesta ou qualificada
quando é evidente, reconhecível pelos sócios. Temos dois tipos de subcapitalização (p. 175):
• Originária: “a desproporção anormal entre o capital e as exigências da actividade que os sócios
se propõem desenvolver por meio da sociedade é evidente logo quando nasce”.
• Superveniente: “a falta de capitais próprios manifesta-se em momento posterior, decorrente, por
exemplo, de perdas graves ou de ampliação da actividade social”.
Nestes casos, a transferência do risco negocial para terceiros não pode ir ao ponto de a actividade social
gerar benefícios para os sócios e gerar prejuízos para os credores sociais. Assim, se a sociedade, porque
subcapitalizada, cai numa situação de insolvência, os sócios são chamados a responder
subsidiariamente perante os credores sociais:
• Todos os sócios, no caso de subcapitalização subsidiária;
• O sócio ou sócios controladores, no caso de subcapitalização superveniente.
COUTINHO DE ABREU entende que nestes casos não devem beneficiar da subcapitalização os credores
fortes (ex: sociedades bancárias ou grandes fornecedores), porque em função da dimensão dos seus
créditos conheciam a situação ou então, conhecendo essa situação, assumiram o risco. Apenas podem
recorrer à responsabilidade dos sócios os credores fracos. Para RICARDO COSTA, esta teoria é muito
contestável, uma vez que em contrário poderá dizer-se que, pelo menos nas situações de conhecimento da
situação patrimonial da sociedade, mesmo os credores fortes só não devem recorrer à responsabilização
se eles próprios tiverem incorrido em comportamentos abusivos (ex: empréstimo com taxa de juro mais
elevada).
Por outro lado, certos autores rejeitam esta responsabilização, uma vez que a lei só exige um capital
mínimo – porém, COUTINHO DE ABREU contrapõe que “a observância da exigência legal do capital social
mínimo ... não impede o abuso da personalidade”.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
4) Domínio qualificado de sócios ou sociedades sobre a sociedade: não aparece nas Lições, C. DE
ABREU não defende que é uma situação de desconsideração. Se temos uma sociedade dominante de outra
sociedade, que a instrumentaliza em função dos seus interesses, a sociedade dominante vai responder.
Em todos estes grupos, o fundamento jurídico da ilicitude é o abuso do direito, que pode ser
institucional ou individual. O abuso institucional decorre da violação do fim económico-social; e o
individual, dos limites impostos pela boa fé – nas situações em que os sócios desrespeitam notoriamente
as expectativas criadas junto do credor ou vão contra a confiança intersubjectiva depositada na solvência
da sociedade e na manutenção de uma postura de lealdade para com o credor. O abuso do direito
individual ocorre nesta relação com os credores, sendo que o fundamento legal é em ambos os casos o art.
334.º.
Para RICARDO COSTA, a responsabilidade extracontratual dos sócios é um caminho cumulativo e não
alternativo. Para além disto, o abuso deve ser sempre assistido pela determinação de uma actuação em
fraude à lei, a lei atributiva do privilégio da irresponsabilidade. O abuso consubstancia-se numa
combinação de actos formalmente lícitos mas materialmente ilegítimos, que se traduzem num resultado
danoso em relação aos credores. Temos comportamento abusivo e fraudulento.
A capacidade jurídica das sociedades está prevista no art. 6.º/1 CSC: “a capacidade da sociedade
compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim,
exceptuados aqueles que lhe seja vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”. Este
preceito vem confirmar o disposto no art. 160.º CC, que consagra o princípio da especialidade do fim: a
capacidade de gozo é limitada pelo fim social, que é o escopo lucrativo, o intuito de obter lucros
para atribuir aos sócios. A lei exceptua, no entanto, os direitos e obrigações vedados por lei e os
inseparáveis da personalidade singular.
O nosso sistema rejeita, como tal, a regra da capacidade jurídica ilimitada, que tutela mais a segurança e
rapidez do comércio jurídico (é o sistema adoptado, por ex., em Itália e na Alemanha). Já os sistemas de
capacidade limitada tutelam mais os interesses dos sócios e, quando os limites sejam impostos pelo fim
lucrativo, os credores sociais.
! 36
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Os actos que excedam a capacidade societária são nulos, uma vez que o art. 6.º/1 é uma regra
imperativa (art. 294.º CCiv.), que não pode ser derrogada por vontade dos sócios (art. 9.º/3).
Os actos gratuitos, os actos pelos quais uma sociedade dá a outrem uma prestação ou vantagem sem
contrapartida estão em regra fora da capacidade societária. São exemplos de actos gratuitos: doações,
comodatos, mútuos gratuitos, prestações gratuitas, assunções de dívidas de terceiros, etc. A falta de
contrapartidas nas atribuições patrimoniais tornam-nas contrárias ao fim social, ao ganho e distribuição de
lucro. Porém, existem actos gratuitos que podem entrar na capacidade social, i.e., não basta a simples
gratuidade dos actos para que estes estejam fora da capacidade e sejam nulos: as sociedades podem
praticar actos gratuitos quando se revelem necessários ou, pelo menos, convenientes à consecução de
lucros (C. DE ABREU).
Nesta linha, o n.º 2 e 3 do art. 6.º prevêem excepções à regra do n.º 1, relativas às liberalidades e às
prestações de garantias.
! Liberalidades
O art. 6.º/2 estabelece que as liberalidades são válidas, desde que sejam consideradas usuais segundo
as circunstâncias da época e as condições da sociedade. Esta é uma norma essencialmente dirigida a
doações. As liberalidades interessadas são consideradas usuais, e por isso são válidas nos termos do
art. 6.º/2; porém, mesmo que não existisse esta norma, incluir-se-iam na capacidade societária, uma
vez que se mostram convenientes à prossecução do fim social (art. 6.º/1). As liberalidades interessadas
entram no n.º 1 e 2 do art. 6.º. O art. 6.º/2 revela a sua plena utilidade no campo das liberalidades
! 37
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
altruísticas – por ex., se uma sociedade financeiramente próspera doa anonimamente 100.000€ para apoio
a refugiados de guerra, este acto deve ser considerado válido.
Já o art. 6.º/3, 2ª parte, prevê duas excepções em que as prestações gratuitas de garantias são
consideradas válidas, que estão em consonância com o art. 6.º/1 (a prestação de garantias mostrar-se-á
necessária ou conveniente à prossecução do escopo lucrativo). Note-se que este preceito se refere às
prestações de garantias gratuitas, pois podemos ter prestações de garantias remuneradas, que se mostram
aptas a obter lucros.
1) Existência de interesse próprio da sociedade garante: existe interesse próprio sempre que a
prestação se mostre objectivamente apta a obter lucro. Por ex., uma sociedade A tem capacidade para
constituir uma hipoteca a favor do banco B, destinada a garantir um mútuo com uma sociedade C, que é
um cliente importantíssimo de A. Esta é uma prestação de garantia interesseira, pois ao beneficiar C a
sociedade A está-se a beneficiar a si própria.
Quem tem o ónus de alegar e provar a falta de interesse e a nulidade é o credor da entidade cuja dívida
foi garantida, e não a sociedade garante, sendo que os autores divergem quanto à prova: uns entendem
que para esta prova basta que a sociedade declare a existência de interesse próprio; outros entendem que
não chega (C. DE ABREU).
2) Relação de domínio simples ou de grupo: também aqui existe uma divergência – há quem entenda
que as garantias válidas pelo n.º 3 são válidas tanto da sociedade dominada para a dominante, e vice-
versa, com base numa solidariedade de interesses, na existência de um interesse de grupo. Porém, C. DE
ABREU faz uma restrição teleológica, segundo a qual a prestação de garantia só é válida quando da
sociedade dominante para a dominada.
• Desde logo, não podemos falar nas sociedades em relação de grupo ou de domínio num interesse
comum, que prevaleça sobre o interesse de cada uma delas. Um grupo de sociedades baseia-se,
não numa coordenação de fins, mas numa subordinação para fins unilaterais – a sociedade
directora tem o direito de denegar o interesse social das subordinadas, se com isso forem
satisfeitos os seus próprios interesses. Existem dois tipos de grupo: grupo de facto (art. 486.º), no
qual a sociedade dominante não pode dar ordens à dominada; e grupo em sentido estrito ou de
direito (art. 488.º e segs.), que tem um regime específico na lei. Relativamente às sociedades de
domínio, justifica-se ainda menos falar de interesse de grupo – nem as sociedades dominantes
! 38
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
têm o direito de sacrificar o interesse das dependentes, nem estas têm o direito de se guiarem por
finalidades extra-sociais.
• O art. 6.º/3, ao permitir que uma sociedade preste garantias a dívidas de outra sociedade em
relação de domínio ou de grupo, fá-lo com fundamento na ideia de que a sociedade garante
não descura com isso o seu próprio interesse e o interesse dos seus credores. Porém, esta ideia
só vale, nas relações de domínio, para a sociedade dominante, e nas relações de grupo para a
sociedade totalmente dominante ou directora. A sociedade dominante, no primeiro caso, tem
interesse no bom andamento da sociedade dominada, enquanto sua sócia; nas relações de grupo,
as sociedades dominantes dirigem as dominadas no seu interesse. Assim, a parte final deve ser
interpretada restritivo-teleologicamente.
Porém, uma sociedade dominada pode prestar garantias quando haja interesse próprio – por ex., se a
sociedade dominante for sua uma fornecedora importante.
Existem dois tipos de grupo: grupo de facto (art. 486.º), no qual a sociedade dominante não pode dar
ordens à dominada; e grupo em sentido estrito ou de direito (art. 488.º e segs.), que tem um regime
específico na lei.
As liberalidades e garantias permitidas pelo art. 6.º serão muitas vezes estranhas ao objecto social (ver
abaixo), mas não se aplicam aqui as sanções previstas para os actos que excedam o objecto.
1
2
O círculo maior (1) refere-se à medida da capacidade, o círculo menor (2) à medida da vinculação. A
sociedade, através do órgão representativo, não se pode vincular perante terceiros (estão em causa as
relações externas) por actos fora do círculo da capacidade jurídica. “O círculo da vinculação não pode
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
estar fora do da capacidade, tem de estar dentro e há-de ocupar um espaço mais restrito (respeitante
tão-só às ‘relações externas’). Por outro lado, o menor perímetro do círculo da vinculação é imposto
também pelo facto de a sociedade não ficar obrigada por todo e qualquer acto com relevo externo para
cuja prática ela tenha capacidade – os poderes de vinculação do órgão representativo são limitados por
disposições legais e, nalguns casos, por disposições do contrato social (arts. 192.º/2, 260.º/1, 409.º/1)” (C.
DE ABREU, p. 181).
Enquanto que um acto fora da capacidade jurídica é um acto nulo, um acto que não vincula a sociedade é
um acto ineficaz. Assim, quanto ao valor dos actos:
• Acto fora do círculo da capacidade – acto nulo;
• Acto dentro do círculo da capacidade mas fora do da vinculação – acto válido mas ineficaz;
• Acto dentro do círculo da vinculação – acto válido e eficaz.
O art. 6.º/4 estabelece que o objecto social não limita a capacidade jurídica; porém, constitui os órgãos
da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou não praticarem esses actos. Um acto é alheio
ao objecto quando, atendendo ao momento da sua prática, se revele inútil para a realização das
actividades que a sociedade pode exercer (art. 11.º/2), i.e., quando não exista entre ele e o objecto uma
“relação de potencial instrumentalidade (meio-fim)”.
Existe, como tal, um dever de os órgãos sociais não excederem o objecto, cuja violação acarreta sanções
diferentes da nulidade. A solução é diferente consoante se trate de sociedades em nome colectivo e em
comandita simples, por um lado, e sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções, por
outro:
• Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: o acto alheio ao objecto é ineficaz
(art. 268.º/1), salvo se for ratificado por deliberação unânime (art. 192.º/3). Isto é assim porque os
gerentes não têm poderes de representação para a prática de actos fora dos limites do objecto (art.
192.º/2 e 3).
• Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções: em regra, o acto é eficaz, uma
vez que os gerentes e administradores têm poderes de representação suficientes para vincularem
as sociedades por actos alheios ao objecto (arts. 260.º/1, 409.º/1, 431.º/3 e 478.º). Porém, a
sociedade pode opor a terceiros as limitações decorrentes do objecto, i.e., pode invocar a
ineficácia, desde que se verifiquem dois requisitos cumulativos (arts. 260.º/2 e 409.º/2):
o Prova de que o terceiro sabia, ou devia saber, que o acto excedia o objecto social;
o Não assunção do acto pelos sócios através de deliberação (note-se que estas deliberações
são anuláveis, art. 58.º/1/a)).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Caso o disposto nestes números seja violado, as aquisições não são nulas, mas sim alheias ao objecto,
aplicando-se as sanções que vimos acima.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
1. Considerações introdutórias
O conceito de participação social tem várias acepções. A primeira é a que se refere ao conjunto unitário
de direitos e obrigações actuais e potenciais do sócio, que é o conceito de posição ou estatuto de
socialidade. Há aqui uma relação entre o titular da participação social que, sendo sócio e sendo titular
dessa participação, é por sua vez também titular de um conjunto de obrigações e direitos. Fala-se muitas
vezes de uma posição jurídica activa e passiva.
Qual o conjunto de direitos e obrigações que integra a participação social? O CSC determina em geral os
direitos dos sócios no art. 21.º e as obrigações dos sócios no art. 20.º.
Porém, este artigo não esgota os direitos inerentes à participação social. Nomeadamente, temos ainda os
seguintes direitos:
• Direito de acção judicial, em especial direito de impugnar deliberações anuláveis (art. 59.º), de
requerer inquérito judicial por falta de apresentação tempestiva das contas (art. 67.º) e de propor
acção social de responsabilidade contra administradores e gerentes (art. 67.º).
• Direito de preferência nos aumentos de capitais (art. 266.º e 458.º e segs.).
• Direito de exoneração em certas circunstâncias (art. 3.º/5, 137.º e 161.º/5).
• Direito à quota de liquidação (art. 156.º).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Os direitos dos sócios podem ser repartidos por várias categorias, segundo diversos critérios,
nomeadamente função e titularidade:
1) Função:
• Direitos de participação: o sócio tem o direito a participar nas deliberações, votar nelas, e ser
designado para órgãos de administração.
• Direitos patrimoniais: o exemplo claro é o direito ao lucro.
• Direitos de controlo ou fiscalização: o sócio tem o direito de ser informado ou de ir ao tribunal.
2) Titularidade:
2.1) Direitos gerais: pertencem, em regra, a todos os sócios, ainda que em medida diversa. Por ex., os
sócios têm direito, numa sociedade anónima, a quinhoar nos lucros na medida da proporção
correspondente aos valores das suas participações. “Em regra” porque existem casos em que isto não
sucede, como nos titulares de acções preferenciais sem quota – vão ter direito a um lucro prioritário
maior, mas sem direito de voto (art. 341.º). .
2.2) Direitos especiais: são atribuídos no contrato a certo sócio ou a certos sócios, ou a sócios titulares
de acções de certas categorias, conferindo-lhes uma posição privilegiada que não pode em princípio ser
suprimida sem o consentimento desses sócios.
Notas:
• São regulados em geral no art. 24.º e têm de ser em regra consagrados no contrato de sociedade,
têm carácter estatutário. Sem cláusula estatutária, não temos direitos especiais: direitos especiais
alegadamente consagrados sem estarem consagrados no contrato são direitos ineficazes perante a
sociedade, mesmo que todos os sócios tenham consentido na sua criação.
• Há uma excepção notória a esta regra – sociedades anónimas desportivas, sendo a modalidade mais comum
a do art. 3.º/c) do diploma que regula as SAD’s, 10/2013 (personalização jurídica de equipa). Neste caso, o
legislador conferiu a natureza especial às acções do clube fundador (acções de categoria A), estabelecendo
que estas acções conferem determinados direitos especiais, como o direito de veto nos casos do art. 23.º/2 e
o poder especial de designar pelo menos um dos membros da administração. A lei diz que estas acções
conferem “sempre” estes direitos, pelo que R. COSTA tem defendido que estes direitos existem mesmo que
não estejam previstos no contrato, sendo uma excepção à regra do art. 24.º/1. Para além disto, podem ter
outros direitos especiais previstos no contrato.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Direito a quinhoar mais que proporcionalmente nos lucros: é possível afastar a regra de que o
direito a quinhoar nos lucros se faz em função da participação social, fazendo com que
determinados sócios ou determinado sócio, ou ainda os titulares de certas categorias de acções
nas sociedades anónimas (art. 24.º/4), quinhoem mais nos lucros. Esta é por isso uma regra
supletiva – art. 156.º e 302.º. Este é um direito especial, pois pertence apenas a certos sócios.
• Direito de ceder a quota sem consentimento: está previsto nos arts. 228.º/2 e 229.º/2.
• Direito de dois votos por cêntimo: cada sócio de uma sociedade por quotas tem, em regra, um
voto por cêntimo (art. 250.º/1); porém, é permitido atribuir 2 votos por cêntimo desde que o valor
da participação não exceda 20% (art. 250.º/2) – direito especial de voto duplo. Isto não é possível
nas sociedades anónimas, art. 384.º/5 (a cláusula que viole esta regra é uma cláusula nula).
• Direito a designar gerente sem que os outros sócios participem na escolha, art. 83.º/1.
• Direito especial à gerência (sociedades por quotas): direito de um ou vários sócios a ser gerente
durante toda a sua vida ou período em que for sócio/durar a sociedade, ou enquanto não poder ser
exonerado por justa causa. Este direito nunca pode ser limitado ou eliminado sem o seu
consentimento, caso contrário a deliberação é ineficaz (art 24.º/5. 257.º/3. 1ª parte e 55.º); e a
destituição só pode ser efectuada por via judicial e por justa causa (art. 257.º/3, 2ª parte). Estas
são as duas consequências deste direito especial.
o Há aqui uma questão muito discutida: o facto de se designar no contrato um determinado
sócio como gerente significa automaticamente a atribuição de um direito especial de
gerência? A resposta deve ser negativa, o que é recebido de forma unânime pela
jurisprudência. A cláusula estatutária do direito de gerência deve ser expressa.
o Quando se fala de vinculação de sociedades, fala-se do modo como as sociedades se
vinculam – é necessário a assinatura de um gerente, e quando um sócio assina significa
que tem direito à gerência? Tudo depende da interpretação do contrato de sociedade, é
necessário fazer uma análise do que é conferido.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
qualificado; X, não sócio, reúne estas duas características – porém, só entra na sociedade se lhe for
atribuído um direito especial à gerência. A deliberação que aprova o aumento de capital e a atribuição do
direito especial à gerência é aprovada apenas por maioria qualificada – porém, não viola o princípio da
igualdade, existindo interesse comum dos sócios (p. 201). As deliberações que atribuam direitos
especiais violando o princípio da igualdade são anuláveis, com fundamento no art. 58.º/1/a) ou b).
! Pergunta-se também se um direito especial pode ser atribuído a todos os sócios da mesma
sociedade – à primeira vista, pela definição não pode haver direitos especiais para todos os sócios, aquilo
que é especial não pode ser simultaneamente geral. No entanto, podemos tomar posição sobre esta
questão a propósito do direito especial em causa e da tutela que confere ao sócio. Ou seja, ligamos a
especialidade do direito não ao número de titulares, mas sim à maior protecção que o direito confere
(p. 202). Assim, em função do direito, podemos afirmar que faz sentido ser atribuído a todos os sócios –
por ex., não faz sentido atribuir a todos os sócios o direito de voto duplo, mas nada obsta a que todos os
sócios de uma sociedade por quotas tenham o direito especial de gerência. Isto garante a cada um deles
que a respectiva cláusula contratual não pode ser eliminada ou modificada sem o seu consentimento ou
que a destituição sem ou contra a sua vontade só pode ser feita judicialmente e com base em justa causa.
! Os direitos especiais não se confundem com as vantagens especiais, conferidas a sócios pelo seu papel
na fundação da sociedade no contrato. O art. 16.º fala destas vantagens, que de distinguem dos direitos
especiais pois são obrigatoriamente conexionadas com o papel na constituição da sociedade. As
vantagens especiais continuam mesmo depois de o sócio já ser sócio, radicando fora da posição de
socialidade, enquanto que o direito especial segue a posição social. Para além disto, as deliberações que
violem as vantagens especiais são deliberações nulas; enquanto que as que violam direitos especiais são
ineficazes.
1.2 Obrigações
Tal como o art. 21.º não esgota os direitos, o art. 20.º não esgota as obrigações, sendo que conseguimos
ainda identificar os seguintes deveres:
• Dever de actuar de maneira compatível com a sociedade – dever de lealdade para com a
sociedade;
• Dever de respeitar o estatuto e lei societária;
• Dever de, em certos casos, responder perante a sociedade e credores sociais;
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A participação social é um conjunto unitário que forma um bem jurídico autónomo, podendo por isso ser
objecto de direitos reais, de negócios translativos da propriedade, e de execução.
O CSC emprega genericamente o termo “participação social” para designar a posição jurídica do sócio;
porém, utilizada designações específicas para os diversos tipos societários:
• Parte: para as sociedades em nome colectivo, sociedades em comandita simples ou (em relação
aos sócios comanditados) sociedades em comandita por acções, arts. 176.º/2, 182.º, 183.º, 184.º/7.
• Quota: para as sociedades por quotas, art. 219.º e segs.
• Acção: para as sociedades anónimas e em comandita por acções (sócios comanditários), art.
465.º/3.
Em relação às acções, COUTINHO DE ABREU define-a como sendo uma “participação social, cujo valor é
fracção do capital social, e que normalmente será representada por título ou escrituralmente”. Três notas:
• As acções devem ser representadas, mas esta representação já não é só através de títulos-
documentos em papel (acções tituladas), pode também ser em suporte informático através dos
“registos em conta” (acções escriturais).
• Os títulos podem representar mais do que uma acção (art. 98.º do CVM).
• Nas sociedades por acções, a participação social não depende da emissão de acções, podendo
surgir com a celebração do contrato de sociedade ou com o aumento de capital.
As partes sociais e quotas têm um valor nominal, atribuído nos estatutos, arts. 9.º/1/g), 176.º/1, b) e c) e
199.º/a). Até recentemente, as acções tinham de ter valor nominal; porém, o DL 49/2010 passou a admitir
acções sem valor nominal, que têm valor de emissão. O valor de emissão é o valor calculado por
intermédio de uma operação de divisão do capital social pelo número de acções.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
O valor mínimo nominal das quotas é de 1€, art. 219.º/3. Todas as acções de uma mesma sociedade
representam a mesma fracção do capital social, não podendo o valor nominal ou o de emissão ser inferior
a 1 cêntimo (art. 276.º/ 3 e 4).
As participações sociais têm outros valores, importantes para alguns regimes jurídicos, a saber:
• Valor de subscrição: é o valor das entradas correspondentes às participações sociais. Pode ser
igual ou superior ao valor nominal, mas não inferior (art. 25.º/1 e 298.º/1).
• Valor contabilístico: valor que tem em conta o valor do património social líquido. É a relação
entre o valor das participações sociais e o valor do património social líquido.
• Valor comercial ou de transacção: é o preço a que se transmitem ou podem transmitir as
participações. Depende de várias circunstâncias.
Outra questão é se as participações sociais são divisíveis ou não, nomeadamente para as sociedades por
quotas e anónimas.
• Quotas: as quotas são divisíveis em certas circunstâncias (art. 221.º/1) – por ex., mediante
amortização parcial (arts. 233.º/4 e 238.) ou transmissão parcelada ou parcial, ou partilha ou
divisão entre contitulares.
• Acções: se a quota é divisível em determinados casos, já a acção é indivisível (art. 276.º/6).
A pergunta que aqui se faz é a de saber se um sócio que tenha mais de uma parte social, quota ou acção
tem uma ou várias participações sociais. Encontramos aqui três teses:
• Tese pluralista: há várias participações sociais, sendo cada acção autónoma.
• Tese unitarista: há uma só participação social, as várias acções ou quotas fazem parte de uma
mesma participação.
• Teses intermédias: há unidade e pluralidade de participações, consoante os problemas em causa e
as perspectivas.
COUTINHO DE ABREU inclina-se para a última tese; porém, na maioria dos casos, a unidade sobrepõe-se à
pluralidade. O que mais importa destacar é a posição global que uma ou mais quotas ou acções
proporcionam ao seu titular, na medida dos direitos e obrigações que conferem. A autonomia é uma
autonomia relativa.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
2.1 Direitos
Decorre do art. 21.º/1, al. a), que todos os sócios têm o direito de quinhoar nos lucros. Este é um direito
que corresponde a uma das notas essenciais da sociedade, o intuito de que os lucros sejam repartidos
pelos sócios. Esta repartição tem regras próprias, que iremos ver mais à frente.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
A al. b) estabelece que todo o sócio tem direito de participar nas deliberações. Isto permite-nos afirmar
que estamos a sociedade é portadora do direito para o sócio de expressão da sua vontade, que é feita
através das deliberações tomadas pelo órgão social (sócio único ou colectividade de sócio). As
deliberações são decisões, tomadas pelo órgão social de formação de vontade (sócio único ou
colectividade de sócios) juridicamente imputáveis à sociedade. Não são decisões dos sócios enquanto
tais: apesar de resultar da sua vontade, a deliberação é imputada à sociedade.
Que deliberações podem ser admitidas? O art. 53.º consagra um princípio de numerus clausus das
formas de deliberações, segundo o qual estas só podem ser tomadas de acordo com as formas legais e
em função do tipo de sociedade. As 4 formas permitidas são:
• Deliberações em assembleia geral convocada;
• Deliberações em assembleia universal;
• Deliberações unânimes por escrito;
• Deliberações tomadas por voto escrito.
Tradicionalmente, acontece num lugar determinado, implicando um encontro de várias pessoas ao mesmo
tempo e no mesmo local; hoje é possível reuniões virtuais, art. 376.º/6/b) (aplicável a todos os tipos).
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deliberações tomadas numa assembleia universal sejam válidas, é necessário que 3 pressupostos estejam
reunidos (art. 54.º/1):
• Todos os sócios estejam presentes;
• Todos os sócios manifestem a vontade de que haja uma assembleia;
• Todos os sócios manifestem a vontade de deliberar sobre determinado assunto.
A assembleia universal como forma de sanação da convocatória está previsto no art. 56.º/1/a), 2ª parte,
implicitamente; porém, também pode ser feita sem ser como forma de sanar a convocatória.
! Deliberações unânimes por escrito: são deliberações tipicamente previstas para situações de
urgência ou impossibilidade/inconveniência de uma assembleia. Todos os sócios concordam quanto a
deliberar certa matéria e no sentido do voto, pelo que basta que a correspondente deliberação seja
registada em documento escrito e assinada por todos os sócios (art. 54.º/1 e 3).
! Deliberações por voto escrito: são apenas permitidas para as sociedades por quotas e em nome
colectivo. Estão reguladas no art. 247.º, não só quanto à sua admissibilidade (n.º1), mas também quanto
ao seu procedimento, n.º 2 a 7 (em especial 3 a 7). O procedimento é o seguinte: em primeiro lugar, o
gerente envia uma carta registada aos sócios a perguntar se estão de acordo em que se delibere por escrito
sobre determinado assunto; concordando todos, é enviada a proposta de deliberação.
Qual é a natureza das deliberações? As deliberações são actos jurídicos constituídos por uma ou mais
declarações de vontade (os votos), com vista à produção de certos efeitos jurídicos. O voto vai contribuir
para uma deliberação, mas nem sempre está em causa uma deliberação – apenas quando dá origem a
extinção, modificação ou constituição de uma relação jurídica. Aplica-se às deliberações as regras
comuns do direito civil que se aplicam às declarações negociais, sem prejuízo das especialidades do art.
55.º a 62.º CSC.
A participação nas deliberações pode ser plena ou limitada, sendo que o art. 21.º/1/b) nos diz que a
participação dos sócios nas deliberações pode ter restrições previstas na lei.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
O direito de voto ou de votar é o que merece mais detalhe, e é o poder que o sócio tem de participar nas
deliberações. A influência de cada sócio nas deliberações é determinado pelo poder de voto, que depende
do peso relativo do sócio. Os sócios maioritários são os que têm a maioria do poder de voto. Quais são os
critérios de atribuição dos votos? Nas sociedades em nome colectivo regre o princípio personalístico ou
democrático, em todas as outras, o princípio capitalístico ou proporcional.
• Sociedades em nome colectivo: a cada sócio pertence um voto, salvo outro critério estatutário
(art. 190.º/1).
• Sociedades por quotas: cada sócio tem um voto por cêntimo do valor nominal da quota (art.
250.º/1), salvo quando o contrato social atribua voto duplo (art. 250.º/2).
• Sociedades anónimas: cada sócio tem um voto por acção (art. 384.º/1), podendo estabelecer-se as
derrogações do n.º 2.
• Sociedades em comandita: o estatuto deve regular, em função do valor nominal das participações
sociais, a atribuição de votos aos sócios, não podendo o conjunto dos sócios comanditados ter
menos de metade dos votos atribuídos ao conjunto dos sócios comanditários (art. 472.º/2).
Há duas modalidades de votos para efeitos de contagem: votos emissíveis (de todos os sócios) e emitidos
(os que estão na assembleia daquele dia). Para calcular maiorias qualificadas, vai-se muitas vezes buscar
os votos emissíveis. Quando se fala de votos correspondentes ao capital social, são todos os votos (votos
emissíveis). O art. 250.º/3 fala dos votos emitidos. As abstenções não contam para a maioria (art. 250.º/2,
“não se consideram como tal”), o que é uma questão muito discutida para as deliberações da
administração uma vez que a lei não prevê nada.
! Impedimentos de voto
Existem circunstâncias muito relevantes na prática em que o direito de voto, embora existindo, não pode
ser exercido – impedimentos de voto. Isto ocorre nas situações de conflito de interesses entre sócio e
sociedade (arts. 251.º e 384.º/6); quando um accionista esteja em mora na realização de entrada em
dinheiro (art. 384.º/4); e nas situações previstas nos arts. 485.º/3, 487.º/2 CSC e 192.º CVM. A hipótese
mais relevante é a de conflitos de interesses.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
sociedade” (1ª parte). Esta é a cláusula geral; já a 2ª parte e suas alíneas recorrem a uma técnica
de enumeração de situações de conflitos de interesses, que são hipóteses exemplificativa. Este
artigo aplica-se, por remissão dos arts. 189.º/1 e 474.º, às sociedades em nome colectivo e em
comandita simples. A al. g) prevê a hipótese de a de liberação recair sobre uma relação estranha
a estabelecer entre o sócio e a sociedade – é estranha ao contrato social a relação alheia à
socialidade, ou seja, em que o sócio participa mas não enquanto tal (nem como titular de
participação social, nem como titular da gerência ou órgão de fiscalização).
• Quanto às sociedades anónimas, rege o art. 384.º/6, que estabelece que um accionista não pode
votar quando a lei expressamente o proíba e ainda quando a deliberação incida sobre as matérias
indicadas nas alíneas seguintes. Apesar de não se dizer que estas hipóteses configuram casos de
conflitos de interesses, são casos em que existe uma divergência entre o interesse do sócio e o
interesse da sociedade. Este preceito é aplicável directamente às sociedades anónimas e, por
remissão do art. 478.º, às sociedades em comandita por acções.
Uma primeira questão que se coloca é se o estatuto social pode prever mais situações de impedimento. A
nossa posição de princípio é a de que isto é possível, uma vez que as situações do art. 251.º são
exemplificativas; porém, devemos ser restritivos nessa possibilidade na medida em que as restrições ao
direito de voto devem ser excepcionais e estar previstas na lei (art. 21.º/1/b)). Também devemos ter em
conta que as deliberações que favoreçam especialmente determinado sócio já são anuláveis pelo art.
58.º/1/b), ainda que esse sócio tenha votado. Assim, devemos entender que não existem conflitos nas
deliberações cujo objecto esteja previsto na lei, no art. 246.º, e não seja um caso do art. 251.º (porém,
podemos ter conflitos no caso da amortização compulsiva de quotas, art. 232.º e segs. e 246.º/1/b)). Esta
questão deve ser vista caso a caso, mas sempre tendo em conta que restrições estatutárias a direitos de
voto devem ser excepcionais.
Por outro lado, as hipóteses previstas para as sociedades por quotas devem ser aplicadas analogicamente
às sociedades anónimas. Apesar de o art. 384.º/6 consagrar um elenco taxativo de impedimentos de voto
por conflitos de interesses, “não vemos razões para não aplicar analogicamente alguns preceitos legais
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
directamente aplicáveis às sociedades por quotas ... Um exemplo: também os administradores não podem,
sem autorização da assembleia geral, exercer actividade concorrente com a da sociedade (arts. 398.º/3 e
428.º); logo, por analogia com o estabelecido na al. e) do n.º 1 do art. 251.º, não pode o sócio-
administrador votar na deliberação respeitante a esse consentimento” (p. 227).
Já RICARDO COSTA entende que este regime deve ser aplicado às sociedades unipessoais, mas como
impedimento de decisão: em rigor, não é um impedimento ao direito de voto, pois não temos uma
deliberação, mas sim uma decisão. Temos um impedimento de decisão, e por isso temos uma condição de
validade das decisões – logo, a violação do impedimento não corresponde a um vício de procedimento,
mas sim do conteúdo, que dá origem à nulidade. Claro que nem todas as hipóteses se aplicam aqui – as
als. a), e) e g) do art. 251.º são as que se podem aplicar.
Finalmente, pergunta-se se a relação familiar faz alargar o âmbito do conflito de interesses, i.e., se o
sócio pode votar quando haja conflitos de interesses entre a sociedade e o cônjuge, ascendentes ou
descendentes. Nas associações, temos uma norma do CCiv. que alarga o âmbito (art. 176.º/1), logo a
questão é a de saber se isto é aplicável analogicamente às sociedades. A doutrina portuguesa responde
que não, relevando o argumento literal da lei – o CSC não fala em familiares. A esfera jurídica dos
interesses do sócio é a relevante para aferir dos conflitos, relevando os interesses directos e indirectos.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Há muitas sociedades estreitamente familiares, e a experiência demonstra que mesmo aí não são
raros os votos divergentes.
• Existe sempre a possibilidade de lançar mão do abuso de direito.
Os sócios que não têm direito de voto não têm direito de participar plenamente, mas têm o direito de
participação limitada:
• Sociedades em nome colectivo, por quotas e em comandita simples: todos os sócio têm direito de
estar presentes nas assembleias gerais e de participar na discussão dos assuntos indicados na
ordem do dia (art. 248.º/5).
• Sociedades anónimas e em comandita por acções: os sócios com direito de voto mas impedidos
de o exercer podem assistir às assembleias gerais e participar nos debates, sendo que os sócios
sem direito de voto têm em regra os mesmos direitos, salvo se o contrato social determinar o
contrário (art. 379.º/3). Porém, o estatuto não pode impedir que os titulares de acções
preferenciais sem voto não possam ser representados na assembleia (art. 343.º e 379.º/3).
O direito de participação nas deliberações não tem de ser exercido pelos próprios sócios, estes podem
exercê-lo através de representantes voluntários. A representação voluntária só não é permitida nas
deliberações por voto escrito (art. 249.º/1).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Está previsto no art. 21.º/1/c), que nos diz que todo o sócio tem o direito a obter informações sobre a
sociedade. Está regulado: nas sociedades por quotas, arts. 214.º a 216.º; nas sociedades anónimas, arts.
288.º a 292.º; nas sociedades em nome colectivo, art. 181.º; nas sociedades em comandita, arts. 474.º,
478.º e 480.º por remissão.
Diz-se muitas vezes que o direito à informação é um direito instrumental de outros, designadamente do
direito de participação. Isto implica uma diminuição da valia deste direito, que não deve ser aceite: apesar
de ser muitas vezes utilizado no âmbito do direito de participação, o sócio tem o direito de inspeccionar
independentemente desse fim (com outros fins, por ex. para vender uma quota, ou mesmo sem fim
específico). O direito de informação vale por si próprio, apesar de poder ser acessório. É
fundamentalmente conferido para que os sócios que arriscam capital possam ter a informação necessária.
1) Direito à informação em sentido estrito: pode ser exercido fora das assembleias gerais ou nelas:
• Fora das assembleias: os sócios têm o poder de exigir do órgão de administração informação
verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade ou assuntos sociais (arts. 181.º,
214.º/1 e 291.º/1). Nas sociedades anónimas e em comandita por acções (em relação aos sócios
comanditários), apenas os accionistas cujas acções representem no mínimo 10% do capital social
têm este direito (art. 291.º/1).
• Nas assembleias gerais: qualquer que seja o tipo de sociedade, qualquer sócio que nelas participe
pode requerer que lhes sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas. Isto
resulta do art. 290.º/1, previsto para as sociedades anónimas e aplicável por remissão aos outros
tipos de sociedade (arts. 189.º, 214.º/7, 474.º e 478.º).. Também os sócios sem direito de voto têm
direito de informação.
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Nas sociedades anónimas, e sociedades em comandita por acções quanto aos sócios comanditários, o
Código é restritivo, consagrando no art. 288.º o direito mínimo à informação (não são consultáveis todos
os documentos), e no art. 289.º o direito à informação preparatório. Este é um direito limitado porque:
• Os documentos consultáveis são limitados (restrição do objecto da consulta);
• Não é qualquer sócio que pode exercer este direito , precisando de ter 1% do capital e motivo
justificativo – este motivo deve ser interpretado de forma lata.
3) Direito de inspecção: está previsto no art. 281.º/4 para as sociedades em nome colectivo, art. 480.º
para as sociedades em comandita por acções e art. 214.º/5 para as sociedades por quotas. Nas sociedades
anónimas, não se faz qualquer menção a este direito (art. 288.º e segs.), devendo entender-se que o
legislador foi intencional nesta omissão, por haver mais inconvenientes que vantagens na possibilidade de
inspecção. No entanto, não se deve vedar que a sociedade anónima preveja nos estatutos este direito.
O art. 214.º/2 prevê, para as sociedades por quotas, que o estatuto pode regular o direito à informação em
qualquer das suas manifestações. Apesar de só estar previsto para as sociedades por quotas, deve-se
entender que deve ser aplicado analogicamente aos outros tipos de sociedades.
A questão que se coloca aqui é a seguinte: quando um administrador e gerente é simultaneamente sócio,
este sujeito goza do direito à informação? Isto é muito discutido, principalmente para as sociedades por
quotas, nas quais esta duplicidade de papéis é muito frequente. A doutrina portuguesa divide-se, sendo
que a corrente maioritária é a corrente negativa, a que adere COUTINHO DE ABREU. Esta corrente baseia-
se nos seguintes argumentos:
1. Os gerentes têm um direito mais amplo à informação, i.e., o direito à informação dos gerentes
consome o dos sócios.
2. São os administradores que estão obrigados a comunicar aos sócios, logo não faz sentido terem os
sócios direito à informação.
3. O direito de informação dos sócios está legal-sistematicamente concebido para os sócios fora do
órgão de administração e que por isso precisam de questionar os administradores acerca da gestão
da sociedade.
4. Se não receber informação enquanto administrador/gerente, o mecanismo que supre isto é o da
investidura judicial no cargo (art. 1170.º e 1171.º do CPC), que vai permitir que possa ter acesso
ou exigir informação dos outros administradores ou gerentes.
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SOVERAL MARTINS insere-se na tese contrária, entendendo que o sócio gerente, mesmo sendo gerente,
tem direito à informação – desde logo, porque o art. 214.º e outros são preceitos que falam sempre do
sócio enquanto sócio. Pelo facto de ser gerente não deixa de ser sócio, e tal não justifica uma compressão
dos seus direitos. Por outro lado, a investidura no cargo social não é uma boa via para obter informação,
pois é um processo que não está destinado a obter informações de outros sujeitos.
Existem casos em que os membros do órgão de administração têm o poder-dever de recusar a informação
solicitada por sócios. O direito de informação pode ser recusado desde que a lei o preveja, sendo que
precisamos de distinguir aqui o direito de informação prestado em assembleia geral e fora.
Em assembleia geral, a recusa de informação é lícita quando a prestação da mesma possa ocasionar grave
prejuízo à sociedade ou violação de segredo imposto por lei (art. 290º.º/2, que deve ser aplicado
analogicamente a sociedades de outro tipo). Notas:
• Prejuízo grave:
o É prejuízo para a sociedade e não para os membros da administração.
o Tem de haver uma probabilidade forte de causar prejuízos.
o A recusa é lícita quando, num juízo empresarial razoável, se conclua que a comunicação
da informação é apta a causar prejuízos.
• Segredo imposto por lei: abrange as informações não publicitadas e que por lei não podem ser
comunicadas pela sociedade – segredos de Estado, segredo profissional (por ex., art. 378.º CVM
e 449º CSC).
Fora da assembleia, apenas regula esta matéria o art. 215.º/1 (sociedade por quotas), 288.º/1 e 291.º/4 e 5
(sociedades anónimas). Porém, o art. 215.º é aplicável analogicamente às sociedades em nome colectivo,
em comandita simples e, para os sócios comanditados, por acções; os outros dois artigos são aplicáveis
analogicamente nas sociedades em comandita por acções (sócios comanditários).
• Art. 215.º/1: a recusa é legítima quando haja receio que o sócio utilize a informação para fins
estranhos e com prejuízo desta; e quando originar violação de segredo imposto por lei no
interesse de terceiro. Existe receio legitimador quando, atendendo à natureza da informação
pedida e à situação do sócio, haja forte probabilidade de a mesma informação ser utilizada para
fins diferentes, daí resultando prejuízo para a sociedade.
• Art. 288 e 289.º/1 e 2: a recusa da consulta dos documentos previstos no art. 289.º não é lícita; já
a dos documentos do art. 288.º só é recusável quando o sócio alegue motivo justificado.
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O art. 21.º/1/d) prevê que todo o sócio tem direito a ser designado para os órgãos de administração e
fiscalização. Este não é, porém, um direito subjectivo propriamente dito – “nem o sócio tem o poder de
exigir ou pretender que seja designado, nem os outros sócios têm o dever jurídico de o designar”. Os
sócios têm é o direito de não serem excluídos para o órgãos de administração e para órgãos de
fiscalização.
2.2 Obrigações
Segundo o art. 20.º/a), os sócios são obrigados a entrar para a sociedade com bens susceptíveis de
penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria. Esta é a “primeira e
fundamental obrigação de todos os sócios primitivos de uma sociedade” (p. 247).
O termo “entrada” aparece na lei quer como prestação, quer como objecto da prestação – atendendo a este
último sentido, distinguem-se três tipos de entradas:
• Entradas em dinheiro: é cumprida através da entrega de papel-moeda ou por meio de cheque
ou ordem de transferência bancária.
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• Entradas em espécie: são entradas em bens diferentes de moeda e indústria (por ex., imóveis
ou empresas). Podem entrar com a propriedade desses bens, mas também com outros direitos
reais ou mesmo a título obrigacional (hipótese confirmada pelo art. 25.º/4). Apesar de o art.
20.º/1/a) se referir a bens susceptíveis de penhora, deve entender-se “serem permitidas também as
entradas com bens que, não obstante serem impenhoráveis, são susceptíveis de avaliação
económica, contribuem para o exercício da actividade social e aproveitando, assim, também aos
credores sociais” (p. 250).
• Entradas em indústria: os sócios obrigam-se a prestar determinada actividade ou trabalho à
sociedade. Apenas os sócios de responsabilidade ilimitada podem entrar com indústria (sociedade
em nome colectivo e sócios comanditados nas sociedades em comandita, arts. 176.º/1/a) e b) e
468.º); nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita (quanto aos sócios comanditários),
estas entradas são proibidas (arts. 202.º/1, 277.º/1 e 468.º). Isto é assim devido à frágil
consistência das entradas em indústria, que não se compagina com a responsabilidade limitada.
O art. 28.º exige a avaliação dos bens nas entradas em espécie, que deve ser feita por um ROC
designado por deliberação dos sócios (n.º 2, salvo o sócio que tiver feito a entrada). Quando se verifique
um erro na avaliação feita pelo revisor, o sócio é responsável nos termos do art. 25.º/3.
Os interesses acautelados pela exigência de avaliação das entradas em espécie seriam postos em causa se
a sociedade, pouco depois da constituição, pudesse adquirir onerosa e livremente bens aos sócios. Por ex.,
“um sócio entrou com 10.000 em dinheiro; logo depois a sociedade comprou-lhe por 10.000 um veículo
que valia 8.000; a venda do veículo traduziu-se praticamente numa entrada em espécie dissimulada”.
Assim, o art. 29.º prevê que, “sob pena de ineficácia, a aquisição de bens por uma sociedade anónima ou
em comandita por acções deve ser aprovada por deliberação dos sócios – precedida de verificação do
valor dos bens nos termos do art. 28.º – quando seja efectuada antes da celebração do acto constituinte,
em simultâneo com ela ou nos dois anos seguintes a um sócio e o contravalor desses bens exceda 2% ou
10% do capital social, consoante este foi igual ou superior a 50.000€, ou inferior a esta importância” (p.
253).
O valor das entradas em indústria também deve constar do estatuto, mas a avaliação é feita pelos sócios –
não só temos uma responsabilidade ilimitada dos sócios, como o valor das contribuições em indústria
apenas servem para o cálculo na participação nos lucros e perdas (art. 176.º/1/b)).
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O valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não inferior, ao valor das correspondentes
participações (art. 25.º/1 e 2). Desta forma, consegue-se que o valor do património social inicial seja pelo
menos idêntico ao capital social.
! Entradas em espécie:
• São realizáveis, em alguns casos, antes da celebração do acto constituinte; noutros casos, realiza-
se no momento da celebração do acto constituinte.
• Se a entrada consistir numa coisa ou numa entrada de mero gozo, não se pode estabelecer no acto
constituinte o diferimento da obrigação de entrada para além do momento da celebração do acto
(o art. 26.º/2 apenas se aplica às entradas em dinheiro).
! Entradas em dinheiro: a regra é que devem ser realizadas até ao momento da celebração do acto
constituinte da sociedade (art. 26.º/1), porém, existem várias excepções:
• Para as sociedades constituídas nos termos do CSC, as entradas podem ser realizadas até ao termo
do primeiro exercício económico (arts. 26.º/2, 199.º/b), 204.º/4 e 1.º/b) do DL 33/2011).
• Para as sociedades por quotas e anónimas constituídas através do regime da empresa na hora ou
on-line, permite-se a realização de todas as entradas em dinheiro até alguns dias depois da
celebração do acto constituinte (art. 7.º/2 DL 111/2005 e 6.º/1/e) DL 125/2006). Conjugando
estes preceitos com o art. 1.º do DL 33/2011, conclui-se ainda que, nas sociedades por quotas na
hora e on-line, as entradas em dinheiro podem ser realizadas até ao final do primeiro exercício
económico (arts. 7.º/2 e 6.º/1/e)).
• Além destas excepções, temos ainda o diferimento de entradas em dinheiro. O Código admite
que o estatuto social preveja, em certos termos, o diferimento nos arts. 203.º/1 e 277.º/2,
respeitantes às sociedades por quotas e anónimas (aplicável às sociedades em comandita por
acções).
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o Nas sociedades por quotas, todas as entradas em dinheiro são diferíveis. O pagamento
deve ser efectuado em certas datas ou ficar dependente de certos factos (art. 203.º/1); se o
estatuto não fixar qualquer prazo, aplica-se o art. 777.º/1 do CCiv.
o Nas sociedades anónimas e em comandita por acções, pode ser diferida a realização de
70% do valor nominal ou do valor de emissão das acções (art. 277.º/2).
" Nas sociedades por acções, o estatuto pode também fixar prazos, mas não pode
permitir o diferimento da realização das entradas em dívida por mais de 5 anos
(art. 285.º/1); não fixando o estatuto qualquer prazo, aplica-se igualmente o art.
777.º/1 do CCiv.
Uma questão que se coloca é se, nas sociedades por acções, a percentagem das entradas em dinheiro
que é possível diferir se reporta a todas elas, globalmente consideradas, ou a cada uma delas (i.e., se
cada sócio tem de realizar até à celebração do contrato pelo menos 30% do valor das acções, ou se basta
que as entradas realizadas por todos os sócios atinjam 30%). C. DE ABREU entende que, apesar de a letra
do art. 277.º/2 não ser conclusiva, deve-se entender que cada sócio tem de realizar a parte da sua
entrada correspondente a 30%. O autor suporta esta solução com os seguintes argumentos:
1. Está de acordo com a ideia de sociedade comum comunidade de proveitos e riscos;
2. Torna mais difícil a participação nas sociedades de sujeitos precipitados ou irreflectidos;
3. Promove mais eficazmente a realização das entradas diferidas, pois os sócios sabem que, se não
realizarem as entradas, ficam sujeitos a perder as respectivas participações e os pagamentos já
realizados (art. 285.º/4) (p. 258).
! 61
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
2.2.3 Dever de actuação compatível com o interesse social ou/e dever de lealdade
Estes deveres não estão determinados em nenhuma norma, antes decorrem de princípios jurídicos –
princípio do comportamento compatível com o interesse social e/ou princípio da lealdade do sócio (por
sua vez, estes retiram-se da legislação e da jurisprudência). O dever de actuação compatível com o
interesse social e o dever de lealdade coincidem quase sempre; porém, o dever de lealdade é mais
amplo, abrangendo os comportamentos dos sócios em que não está em causa o interesse social. C. DE
ABREU dá preferência à primeira designação.
! Quadro geral: em relação à problemática do interesse social, temos tradicionalmente duas teorias em
confronto:
• Institucionalismo: o interesse social é um interesse comum, não apenas dos sócios, mas de outros
sujeitos (credores, trabalhadores e até a colectividade nacional).
• Contratualismo: o interesse da sociedade é o interesse dos sócios enquanto tais.
Hoje, a propósito das concepções económicas e jurídicas dos interesses prosseguíveis pelas empresas ou
sociedades, fala-se das seguintes teorias:
• Teorias monísticas: identificam o interesse da empresa com o dos sócios.
! 62
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Teorias dualísticas: para além dos interesses dos sócios, os interesses dos trabalhadores também
relevam.
• Teorias pluralísticas: entra também o interesse público.
Nos últimos anos, primeiro nos EUA e depois noutros países, tem prevalecido a teoria monística.
! Inviabilidade de uma concepção unitária de interesse social: durante muito tempo, prevaleceu entre
nós uma concepção unitária de interesse social, a concepção contratualista. Para C. DE ABREU, esta
concepção mantém-se válida no que toca ao relacionamento dos sócios com a sociedade, na medida em
que é critério delimitador de situações e comportamentos dos sócios – por ex., através dele aferimos as
situações de conflitos de interesses para efeitos de impedimentos de voto (art. 251.º/1). Releva ainda para
os arts. 328.º/2/c), 329.º/1 e 2, 460.º/2, e 181.º/5,214.º/6 e 291.º/6.
Já o art. 64.º vem adoptar uma perspectiva institucionalista, inviabilizando uma concepção unitária de
interesse social: relativamente aos critérios de comportamentos dos administradores, estes devem actuar
no interesse da sociedade, que inclui os interesses dos sócios e de outros sujeitos relevantes, como os
credores e trabalhadores.
! Interesse social e posição ou comportamento dos sócios: no âmbito do comportamento dos sócios, o
interesse social é o interesse comum a eles – não dos seus interesses divergentes, mas sim da comunidade
de interesses dos sócios ligada à causa comum do acto constituinte, o escopo lucrativo. Porém, não existe
um só interesse social, mas sim vários: “no interesse social teremos uma relação entre uma necessidade –
(em regra) a obtenção de lucro por parte de todos e cada um dos sócios – e um ou mais bens determinados
(sendo o caso) em cada deliberação”. Assim, temos vários interesses sociais, consoante as situações com
que a sociedade se depara. C. DE ABREU define interesse social como “a relação entre a necessidade de
todo o sócio enquanto tal na consecução do lucro e o meio julgado apto a satisfazê-la” (p. 270).
É à maioria que cabe decidir qual o bem mais apto para conseguir o fim social, i.e., escolhe o interesse
social em concreto. Porém, o interesse social não se confunde com o interesse da maioria – caso
contrário, não haveria deliberações abusivas.
Para C. DE ABREU, este é um dever de conteúdo negativo, que “impõe que cada sócio não actue de
modo incompatível com o interesses social (interesse comum a todos os sócios enquanto tais) ou com
! 63
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
interesses de outros sócios relacionados com a sociedade” (p. 282). Este dever contém várias
manifestações legais, entre elas:
• Art. 58.º/1/b) – anulabilidade das deliberações dos sócios abusivas.
• Art. 83.º – o sócio com poder para designar ou fazer eleger os membros dos órgãos de
administração ou fiscalização responde perante a sociedade ou sócios quando tenha actuado
culposamente na escolha dos mesmos.
• Art. 184.º e 187.º – obrigação de os sócios de responsabilidade ilimitada não concorrerem com a
sociedade.
• Ver ainda art. 242.º, e 251.º e 384.º/6.
Porém, o dever de lealdade existe mesmo em situações não previstas na lei. Exemplos:
• Dever de o sócio não aproveitar em benefício próprio as oportunidades de negócios da
sociedade.
• Dever de o sócio não impugnar judicialmente deliberações sociais, a fim de pressionar a
sociedade ou sócios dominantes a pagarem somas de dinheiro.
• Nas sociedades personalísticas, em que o dever de lealdade é mais intenso, os sócios não devem
difundir opiniões negativas sobre a sociedade.
• Dever de o sócio não transmitir a sua participação social a um terceiro “predador” (pretende
adquirir o controlo da sociedade).
Qual o fundamento do dever de lealdade? Apesar de alguns autores o verem no princípio da boa fé, para
COUTINHO DE ABREU “o dever de lealdade tem o seu fundamento primeiro na natureza da sociedade
enquanto instrumento para a consecução de determinado fim ou a satisfação de interesses sociais – o
sócio está vinculado a respeitar essa natureza, a mover-se dentro do círculo permitido por esse fim ou
interesses” (p. 285).
Outra questão que se coloca é a de saber se este dever é igual em todos os tipos societários. Assim,
temos:
• O dever de lealdade é mais intenso e extenso nas sociedades de pessoas (em nome colectivo,
comandita simples e ainda nas por quotas) do que nas outras.
• É também mais intenso e extenso para sócios maioritários e de controlo dominante do que para
os minoritários. Por exemplo, o não aproveitamento de oportunidades negociais vale para os
sócios de todas as sociedades, variando conforme os sócios e acesso aos negócios; a obrigação de
não concorrência impende somente sobre sócios maioritários.
! 64
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Temos duas subrelações dentro da sociedade: sócio/sócio e sócio/sociedade. Há autores que distinguem,
nesta linha, o dever de lealdade perante a sociedade e o dever de lealdade entre os sócios – por ex., um
aumento do capital social num momento em que é desnecessário perante a sociedade e em que a maioria
sabe haver sócio minoritário sem possibilidade de participar.
No entanto, para COUTINHO DE ABREU, o dever de lealdade perante a sociedade acaba por ser um dever
perante os sócios, de actuar de modo compatível com o interesse comum a todos os sócios. Além disto,
distinguir estes dois deveres implicaria que o interesse social seria neutro, o que não é verdade pois acaba
por se objectivar nos sócios. Assim, a deliberação do desnecessário aumento de capital é abusiva por
favorecer especialmente uns sócios em detrimento de outro. Porém, em algumas hipóteses, há
possibilidade de os sócios lesarem ilicitamente interesses de outros sócios sem lesarem interesses da
sociedade – nestas situações, podemos autonomizar o dever de lealdade entre os sócios. Uma das
hipóteses é a das deliberações emulativas, do art. 58.º/1/b).
Uma questão final é a de saber se o dever de lealdade inclui interesses para além da sociedade, extra-
sociais. Em alguns casos, parece que sim, nas sociedades com um forte pendor personalístico – por ex.,
uma sociedade por quotas com classes familiares entre os sócios (temos vários candidatos a gerentes, mas
um é filho de um dos sócios – temos aqui uma comunhão que importa respeitar).
Esta é uma das matérias mais importantes hoje em dia, principalmente porque hoje se verifica um
fenómeno de “regresso às origens”, de atribuição de um maior poder dos sócios.
! Sanções
Finalmente, coloca-se a questão de saber se este dever existe nas sociedades unipessoais – RICARDO
COSTA entende que sim, pois o interesse da sociedade é o interesse do sócio enquanto sócio, logo existe
uma esfera de interesse do sócio que não coincide com o da sociedade. COUTINHO DE ABREU é da mesma
opinião. Porém, o campo do dever de lealdade nas sociedades unipessoais será muito reduzido – na
prática, pode manifestar-se nos casos do art. 83.º (o sócio único não-gerente não deverá influenciar a
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
administração de modo a que esta cause prejuízos à sociedade) e art. 58.º/1/b) (deliberações abusivas, que
poderão ser impugnadas pelo órgão de fiscalização quando exista, art. 59.º/1).
! 66
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
O capital social é uma cifra estatutária, que consta do estatuto social (art. 9.º/1/f) CSC). Para a
concepção tradicional e dominante, o capital é a cifra representativa da soma dos valores das entradas dos
sócios. Porém, para COUTINHO DE ABREU, esta concepção é incorrecta: o valor das entradas em
indústria não é computado no capital social (art. 9.º/1/f) e 178.º/1); e o valor das entradas pode ser
superior ao valor das participações correspondentes (art. 295.º/2/a) e 3/a), exemplo dos prémios de
emissão) ou mesmo inferior (art. 289.º/2).
Assim, o capital social deve ser definido como a cifra representativa da soma dos valores nominais das
participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie. Temos quatro elementos:
• Cifra;
• Representação;
• Soma de valores nominais,
• Participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou espécie.
Porém, apesar de esta noção ser válida para a maioria das sociedades, não o é para as sociedades
anónimas com acções sem valor nominal (DL 49/2010). Para estas sociedades, o capital social será antes
a cifra livremente fixada nos estatutos que representa o valor mínimo das entradas a realizar pelos sócios
(art. 25.º/2 e 298.º/1). O valor de emissão das acções é igual ao valor das entradas do capital social, são os
sócios que decidem o prémio de emissão.
O capital social aparece muitas vezes na lei noutra acepção, de capital social real – é o montante de bens
destinados a cobrir o capital social estatutário. O capital social não se confunde com o património,
conjunto de relações jurídicas: o património também é uma cifra, mas que tem correspondência com um
conjunto de relações jurídicas e bens. O património social pode ser superior ao capital social real.
Temos ainda a noção de capital próprio de uma sociedade que equivale ao património (ou activo)
líquido de uma sociedade (arts. 32.º/1, 35.º/2, 171.º/2, 349.º/1 e 2).
! 67
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
O património de uma sociedade é o conjunto de relações jurídicas com valor económico, i.e., avaliável
em dinheiro. “Se nem todas as sociedades, como vimos, têm de ter capital social, todas elas têm
património. Logo no momento inicial, ele é constituído ao menos pelos direitos correspondentes às
obrigações de entrada. Depois, à medida que decorre a vida societária, o património vai-se alterando
com a entrada de outros direitos ou bens e de obrigações” (p. 405).
O património e capital sociais não se confundem: enquanto que o capital é uma cifra, uma realidade
aritmético-monetária; o património é uma realidade composta por relações jurídicas. No momento da
sociedade originária, o capital e património geralmente correspondem. O património pode ser maior do
que o capital, não pode é ser menor (o valor das entradas não pode ser inferior ao valor do capital).
• Função de financiamento: o valor das entradas pode ser igual ou superior, mas não inferior, ao
valor nominal das participações (art. 25.º/1 e 2), i.e., o património social inicial tem de ser pelo
menos igual ao capital social. Os bens deste património são um meio de financiamento, sendo
que esta função de financiamento tem mais importância ao início, depois perde valor.
Esta função de financiamento não existe no capital mínimo legal geral das sociedades anónimas
(art. 276.º/5) e no capital social mínimo estatutário das sociedades por quotas (arts. 201.º,
219.º/3).
• Função de ordenação: “o capital social aparece na lei como critério para determinação da
medida de direitos e obrigações dos sócios, da existência de certos direitos na titularidade de
sócios, e dos quóruns deliberativos” (p. 407).
o Em regra, os sócios participam nos lucros e nas perdas sociais segundo a proporção dos
valores das participações no capital (art. 22.º/1). Ver também arts. 250.º/1 e 384.º/1.
o A existência de certos direitos dos sócios é determinada por referência ao capital social
(por ex., art. 77.º/1).
o Nas sociedades por quotas, certas deliberações exigem um quórum deliberativo
qualificado (arts. 265.º/1 e 270.º/1; para as sociedades anónimas, art. 383.º/2).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
• Função de garantia dos credores: está ligada ao princípio da intangibilidade do capital social,
que nos diz que a sociedade não pode atribuir aos sócios bens sociais necessários à cobertura do
valor do capital social e reservas indisponíveis, i.e., os sócios não podem tocar no capital social.
Está previsto no art. 32.º/1 do CSC. Note-se que o capital social não é garantia geral das
obrigações da sociedade (a garantia é o património, art. 601.º CCiv.) – os credores estão
protegidos pela proibição de o património social líquido se tornar inferior ao valor do capital e
reservas legais e estatutárias em virtude de distribuições de bens aos sócios.
Porém, esta é uma garantia fraca:
o O capital social pode ser muito baixo, nomeadamente em função das regras dos capitais
sociais mínimos (50.000€ para as sociedades anónimas e 1€ para as sociedades por
quotas).
o O património líquido pode descer abaixo da cifra do capital por outras causas que não a
distribuição de bens aos sócios.
4. Lucros
4.1 Noções
O capital social também é importante na matéria da distribuição dos lucros. O lucro societário é o ganho
traduzível em incremento do património da sociedade; porém, temos diversas noções de lucro:
• Lucro de balanço: é a diferença entre o valor do património social líquido e o valor conjunto
do capital social e das reservas indisponíveis. Marca o limite máximo de bens que podem ser
distribuídos aos sócios (art. 32.º).
• Lucro de exercício: é o lucro que designa a diferença entre o valor do património social líquido
no final e início de cada período. Releva, por ex., para a constituição da reserva legal (arts. 218.º
e 295.º/1). Tem de estar dentro do lucro de balanço.
• Lucro final: é apurado na fase terminal da sociedade e corresponde ao excedente do
património social líquido sobre o capital social.
Todos os sócios têm direito a quinhoar nos lucros, que se traduz na faculdade de exigir parte dos
lucros (em regra, na proporção do valor da respectiva participação no capital social, art. 22.º/1)),
quando os mesmos sejam ou tenham de ser distribuídos. Isto não quer dizer que cada sócio, quando
haja lucros distribuíveis, possa exigir uma parte deles: só o pode fazer se e quando os lucros sejam ou
devam ser distribuídos.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
O art. 22.º/3 diz que é nula a cláusula que exclua este direito, i.e., é proibido o pacto leonino. Esta
proibição visa garantir o bom funcionamento da sociedade. Note-se que a regra do art. 22.º/1 admite
convenção em contrário (é dispositiva), pelo que o estatuto pode estabelecer que os sócios quinhoam nos
lucros mais que proporcionalmente (direito especial).
É possível que sujeitos diferentes dos sócios participem nos lucros? O CSC prevê esta possibilidade (arts.
255.º/3 e 399.º/2 e 3), e os estatutos podem prevê-lo – por ex., estabelecer que os trabalhadores terão o
direito de participar nos lucros. A lei dá poder aos sócios de deliberar sobre a distribuição dos lucros, e
neste poder deliberativo deve estar incluído o poder de determinar a distribuição por não sócios (arts.
189.º/3, 246.º/1/e) e 376.º/1/b)). Claro que depois este poder tem de respeitar certos princípios, como o da
especialidade do fim.
Em regra, os sócios não têm direito ao lucro de balanço ou total (limitado no art. 32.º), não têm o poder
de exigir a sua repartição. Têm apenas direito a exigir que a administração lhes apresente um relatório de
gestão (art. 65.º/1 e 5), com uma proposta de aplicação de resultados (art. 66.º/5/f)) e de deliberar sobre
tal aplicação (arts. 189.º/3, 246.º/1/e) e 376.º/1/b)).
Uma vez adoptada a deliberação de distribuição de lucro, os sócios ficam com um direito de crédito
sobre o quinhão respectivo. Notas:
• Nas sociedades por quotas e anónimas, o crédito do sócio não se vence imediatamente (arts.
217.º/2 e 294.º/2) – vence-se passado 30 dias, com possibilidade de estender o prazo.
• Existem certas situações em que os administradores não devem executar a deliberação de
distribuição de lucros: quando puder resultar um património social líquido inferior ao capital
social e reservas indisponíveis (art. 31.º/2/a)); e em caso de providência cautelar de suspensão
(art. 381.º/3 do CPC) ou de acção de invalidade da deliberação (art. 31.º/4).
! 70
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
No caso de os sócios receberem a título de lucros bens cuja distribuição não era permitida por lei, o art.
34.º dispõe que só são obrigados à restituição os sócios que conheciam a irregularidade da distribuição
ou não deviam ignorá-la (sócios de má-fé). O n.º 2 estende este regime ao transmissário do direito do
sócio.
Na distribuição de lucros de exercício nas sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções,
regem os arts. 217.º e 294.º. Segundo estes artigos, verificando-se que existe naquele período lucro de
exercício distribuível, se o estatuto social não dispuser diferentemente (quanto à medida de
distribuição, ou quanto à maioria dos votos exigida) e se os sócios não deliberarem por maioria
qualificada (três quartos) distribuir menos de metade, a sociedade fica obrigada a distribuir aos sócios
metade do lucro de exercício. Esta é, por isso, uma regra supletiva. Notas:
• O lucro de exercício tem de ser distribuível (art. 33.º/1) – não são distribuíveis os lucros do
exercício que sejam necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores ou reconstituir
reservas impostas por lei (arts 218.º e 295.º) ou pelo estatuto social.
• Assim, as operações que temos de fazer são: em primeiro lugar, retirar os montantes
necessários para cobrir prejuízos de períodos anteriores; em segundo, distribuir os lucros; em
terceiro, aferir do respeito pelo art. 32.º.
• Não relevam aqui eventuais resultados positivos transitados de anos anteriores.
COUTINHO DE ABREU coloca algumas questões de interpretação/aplicação dos arts. 217.º/1 e 294.º/1 (p.
423).
• O estatuto social nada diz acerca da distribuição dos lucros – os sócios têm direito à distribuição
de metade do lucro, sob condição de não ser adoptada por maioria de três quartos dos votos
emissíveis uma deliberação de distribuição de menos de metade.
o E se a deliberação for adoptada por maioria simples? Voltamos à regra supletiva e os
sócios têm direito a metade (podendo exigir o cumprimento judicial da obrigação, art.
817.º do CCiv.). Se o presidente da assembleia declarar que a proposta foi aprovada, a
deliberação é anulável (art. 58.º/1/a)), podendo os sócios pedir na acção anulatória a
condenação da sociedade a entregar os respectivos quinhões.
o Nada é decidido e passam 30 dias sobre a data em que deveria ter havido decisão sobre a
aplicação dos resultado – o sócio continua a ter o direito de exigir o quinhão
correspondente.
• O estatuto social diz algo sobre a distribuição dos lucros de exercício.
o A cláusula estatutária comete à assembleia geral a fixação anual do destino a dar aos
lucros, por ex. permitindo uma deliberação por maioria simples – é válida.
! 71
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Assim, com a deliberação de aprovação das contas finais, os sócios ficam com um direito de crédito à
entrega pela sociedade dos respectivos quinhões no lucro de liquidação, que podem ser compostos por
bens em espécie (art. 156.º/1).
Os lucros finais podem ser distribuídos em espécie; porém, em relação aos lucros de balanço e de
exercício, a lei nada diz. COUTINHO DE ABREU defende que o art. 156.º/1 se pode aplicar
analogicamente aos lucros de balanço e de exercício, e assim podem ser distribuídos lucros em espécie
se tal possibilidade estiver prevista nos estatutos ou se todos os sócios o deliberarem. Existem mesmo
! 72
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
situações em que é aconselhável a distribuição em espécie – por ex., a sociedade teria de recorrer ao
crédito para satisfazer os lucros em dinheiro.
Notas:
• O valor dos bens deve ser o valor (regularmente calculado) inscrito no balanço.
• Deve ser respeitado o princípio do igual tratamento dos sócios.
É possível adiantar lucros? A regra é a da anualidade – elaboração e apreciação das contas da sociedade
(arts. 65.º e segs., 263.º e 451.º e segs.), e com base na aprovação das mesmas, deliberação de atribuição
dos lucros (arts. 376.º/1/b), 246.º/1/e) e 248.º/1, 189.º/1 e 3). Porém, existe uma excepção, prevista no
art. 297.º: se o estatuto social autorizar, pode o órgão de administração, com o consentimento do órgão
fiscalizador, decidir ou deliberar que seja feito aos sócios adiantamento sobre o lucro de exercício
corrente. Fora do âmbito de aplicação deste artigo, os sócios não podem deliberar um adiantamento do
lucro.
Os sócios não podem transmitir autonomamente o direito geral ou potencial a quinhoar nos lucros,
uma vez que este é uma componente não autónoma da participação social.
• Porém, o sócio pode dispor de um quinhão de lucro, enquanto crédito futuro – quando o crédito
se tornar actual (com a deliberação de distribuição de lucros) e o cedente permanecer sócio, então
o cessionário tem direito a ele.
• Para além disto, o direito de crédito a uma quota-parte do lucro, porque se autonomizou da
participação social, é transmissível, com ou sem ela. No regime das acções, o art. 55.º/2 do CVM
diz que, se tiver havido destaque do direito ao dividendo, tem legitimidade para exercer o direito
o titular do direito destacado e não o titular das acções (art. 55.º/1 e 3/a) CVM).
5. Reservas
5.1 Noção
COUTINHO DE ABREU define reserva societária como a “cifra representativa de valores patrimoniais da
sociedade, derivados normalmente de lucros que os sócios não podem ou não querem distribuir, que
serve principalmente para cobrir eventuais perdas sociais e para autofinanciamento” (p. 455).
! 73
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Constituem uma defesa do capital social, compensando as perdas ou sendo um meio de auto-
financiamento.
As reservas resultam de lucros que a sociedade não pode distribuir (caso das reservas legais e estatutárias)
ou não querem distribuir, i.e., que os sócios deliberam não distribuir (reservas facultativas ou livres).
As sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções devem constituir reserva legal (arts.
218.º, 295.º/1 e 478.º). Notas:
• Pelo menos 5% dos lucros de exercício devem ser afectados à constituição da reserva legal, até
que corresponda a 20% do capital social; estes valores podem ser mais elevados (art. 295.º/1).
Nas sociedades por quotas, o valor mínimo de reserva é de 2.500€ (art. 218.º/2).
• A reserva legal só pode ter as aplicações do art. 296.º.
• Ficam sujeitas ao regime da reserva legal as do art. 295.º/2 (reservas equiparadas), e têm a mesma
destinação que esta.
• São nulas as deliberações dos sócios violadoras dos arts. 295.º e 296.º (quer pelo art. 56.º/1/d),
uma vez que se trata de normas imperativas; quer pelo art. 69.º/3).
! Reservas estatutárias
Os sócios podem estabelecer nos estatutos que certa percentagem dos lucros de exercício será afectada a
uma reserva, com ou sem indicação do seu destino (o que não impede que seja aplicada na cobertura de
perdas (art. 296.º/a) e b)).
As deliberações dos sócios desrespeitadoras das regras estatutárias sobre constituição e aplicação da
reserva são, em geral, anuláveis (art. 58.º/1/a), in fine); porém, são nulas as deliberações distribuidoras de
bens sociais que desrespeitem a intangibilidade da reserva estatutária (arts. 32.º/1, 33.º/1 e 56.º/1/d)).
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
! Reservas livres
As reservas livres são constituídas por deliberações dos sócios, que lhes podem afectar a totalidade ou
parte dos lucros de exercício distribuíveis. Porém, é necessário respeitar os limites dos arts. 217.º/1 e
294.º/1: se a constituição de reservas livres implicar que serão distribuídos menos de metade dos lucros de
exercício, tal só é válido se existir cláusula contratual neste sentido ou se houver uma deliberação
adoptada por maioria qualificada dos votos emissíveis.
! Reservas ocultas
As reservas ocultas propriamente ditas resultam de más práticas e ocorrem quando um balanço:
• Omite uma verba no activo ou inclui uma verba fictícia no passivo;
• Subvaloriza bens no activo ou sobrevaloriza o passivo.
Nestes casos, o património líquido da sociedade aparece com um valor inferior ao valor real, sendo que a
diferença entre estes dois valores constitui uma reserva oculta. Podemos ter reservas ocultas lícitas ou
tácitas no segundo caso, quando a subvalorização de bens do activo é devida à utilização de critérios
legais de mensuração ou de amortização.
As deliberação que aprovem contas com reservas ocultas são nulas (art. 69.º/3, parte final).
6. Perdas
6.1 Espécies
As perdas são decréscimos ou quebras no património da sociedade. Temos várias espécies de perdas:
• Perda de balanço: é a diferença negativa, registada em balanço, entre o valor do património social
líquido e o valor do capital social e reservas indisponíveis.
• Perda de exercício: é a diferença negativa do valor do património social líquido no final do
exercício relativamente ao que se verificava no início.
• Perda final ou de liquidação: é a diferença negativa entre património social líquido no termo da
liquidação da sociedade e o capital social.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Todo o sócio é obrigado a quinhoar nas perdas, salvo o disposto quanto a sócios de indústria (art.
20.º/b) e 22.º/3).
A participação nas perdas não significa responsabilidade por dívidas, a sociedade pode ter perdas e ir
pagando as dívidas. “Perdas sociais não é o mesmo que dívidas sociais, participar nas perdas da sociedade
não é o mesmo que responder perante credores da sociedade” (p. 439). Por outro lado, também não é a
obrigação, perante a sociedade, de fazer contribuições adicionais para anular as perdas. O que esta
obrigação significa é que todo o sócio corre o risco de perder (total ou parcialmente) o investimento
feito como contrapartida da aquisição de participação social. Isto remete-nos para as perdas finais, o
sócio pode ser confrontado com a impossibilidade de reaver o património investido na sociedade.
O art. 20.º/b) e 22.º/3 ressalva o disposto quanto a sócios de indústria; porém, também estes estão sujeitos
a perder o valor das suas entradas quando haja perdas (art. 176.º/1/b)). O art. 178.º/2 refere-se à
responsabilidade dos sócios perante credores sociais e significa que o sócio de indústria que satisfaça
obrigações da sociedade tem o direito de exigir dos sócios de capital o montante que pagou.
! 76
Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
1. Preliminares
Vamos ver as deliberações ineficazes e as deliberações inválidas. O CSC não prevê as deliberações
inexistentes; porém, encontramos deliberações inexistentes em dois tipos de hipóteses:
• Não correspondência dos factos a qualquer forma de deliberação dos sócios (ex: deliberação
tomada pelos trabalhadores).
• Não correspondência dos factos à forma de deliberação invocada (ex: a assembleia geral nunca se
realizou).
As deliberações inexistentes não produzem quaisquer efeitos, e a inexistência pode ser invocada a todo o
tempo por qualquer pessoa.
2. Deliberações ineficazes
2.1 Em geral
As deliberações ineficazes estão previstas no art. 55.º, que diz que “salvo disposição legal em contrário,
as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado sócio
são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente”. Ou
seja, faltando o consentimento de um sócio exigido por lei, a deliberação não produz efeitos, sendo que
esta ineficácia é absoluta e total. Notas:
• O referido consentimento pode ser dado nas respectivas deliberações ou fora delas.
• O consentimento pode ter de ser dado por vários sócios (sócios determinados ou determináveis),
sendo suficiente o não consentimento de um deles para a ineficácia; ou ainda pode ser necessário
consentimento formado colegial-maioritariamente (art. 24.º/6).
Exemplos:
• Deliberações que suprimam ou restrinjam direitos especiais dos sócios sem o consentimento dos
respectivos titulares (art. 24.º/5 e 6);
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Para além disto, o CSC prevê casos de ineficácia relativa (permitido pela 1ª parte do art. 55.º). É o caso
das deliberações do art. 86.º/2 e 244.º/2.
Os órgãos societários podem atuar em conformidade com as deliberações ineficazes, pelo que neste caso
pode-se intentar acções de simples apreciação com o fim de obter a declaração judicial de ineficácia das
deliberações.
A acta é o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por
voto escrito, e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo. Notas:
• Por regra, as actas são lançadas em livro de actas, sendo hoje possível o suporte electrónico (31.º/1 , 37.º e
39.º/1 CCom.).
• Apesar do disposto no art. 63.º/1, as actas não respeitam somente às deliberações adoptadas em
assembleias, também as deliberações por voto escrito devem ser registadas (arts. 247.º/6, 59.º/2/b)). Apenas
não têm de constar as deliberações unânimes por escrito.
• As actas notariais são lavradas por notário (art. 46.º/6 CNot.), e as relativas a deliberações por voto escrito
são redigidas por gerente (art. 247.º/6).
• As actas particulares de assembleias gerais das sociedades anónimas e em comandita por acções devem ser
assinadas pelo presidente da assembleia, assim como por secretário desta ou, quando exista, secretário da
sociedade (arts. 388.º/2, 446.º-B/1/b)). Já as das sociedades por quotas, em nome colectivo e em comandita
simples devem ser assinadas por todos os sócios.
• A lei não diz quando deve ser elaborada a acta de assembleia geral, sendo que é recomendável fazê-lo antes
do encerramento da assembleia.
A questão que se coloca é a de saber se uma deliberação efectivamente tomada mas não documentada em
acta (ou porque esta não foi lavrada ou porque não faz menção à deliberação) sofre por isso em termos
de validade ou eficácia. Esta é uma matéria que suscita divergências doutrinais – existem autores que
defendem que tal deliberação seria inexistente, nula, anulável, ineficaz, ou de que nada disso sofreria.
COUTINHO DE ABREU entende que a deliberação é válida e eficaz (p. 452):
• “Uma deliberação adoptada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta de acta, de facto
e juridicamente existente”.
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• “Depois, a acta não é modo ou meio pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a sua vontade
deliberativa, não é forma nem formalidade ad substanciam; por isso, e também pelas balizas
fixadas no art. 56.º do CSC, não é nula a deliberação sem acta”.
• “Por sua vez, a falta de acta, além de não inquinar o conteúdo da deliberação, também não vicia o
procedimento deliberativo”, logo não há lugar para a anulabilidade.
A tese maioritária é a tese da ineficácia das deliberações, que COUTINHO DE ABREU rejeita. Por ex., as
deliberações, enquanto não são registadas em acta, produzem efeitos. A falta de acta acarreta
consequências negativas, mas diferentes da ineficácia das deliberações: as actas têm uma função
certificativa, assegurando uma maior segurança e informação. Daí que o art. 63.º/1 estabeleça que as
deliberações dos sócios tomadas em assembleia só podem ser provadas pelas actas. Porém, se em
tribunal for desfeito o valor probatório de uma certa acta e se provar ter sido adoptada uma
deliberação nela não registada, deverá admitir-se como provada a deliberação. Ou seja: para
COUTINHO DE ABREU, a acta é meio substituível de prova, e não condição de eficácia das
deliberações.
3. Deliberações nulas
As deliberações nulas verificam-se, desde logo, nos casos do art. 56.º. Este preceito não esgota, porém,
as situações em que se pode falar de deliberação nula – basta, por exemplo, atentar no art. 69.º/3. O art.
56.º mostra-nos que a nulidade pode resultar quer de vícios de procedimento, quer de vícios de
conteúdo – os de conteúdo resultam do próprio regime adoptado na deliberação; no procedimento, está
em causa o conjunto de actos adoptados para tomar aquela deliberação.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
– é norma legal ou estatutária; e, sendo norma legal, é de natureza imperativa ou não? Nos casos
práticos temos de ver isto.
• Em relação aos vícios de procedimento, salvo caso excepcionais (art. 56.º/1/a) e b)), estes
originam a anulabilidade. A violação de normas legais pelo procedimento deliberativo não dá
origem a uma deliberação nula.
• As deliberações que ofendam disposições legais dispositivas ou normas estatutárias não são
nulas, mas em princípio apenas anuláveis (art. 58.º/1/a)).
Segundo o art. 56.º, também os vícios de procedimento podem conduzir à nulidade, embora em regra
apenas tenham como consequência a anulabilidade (art. 58.º/1/a)). São os casos das als. a) e b).
! Al. a): se a assembleia geral não for convocada, as deliberações são nulas, salvo se todos os sócios
estiverem presentes. Embora a letra da al. a) pareça levar a concluir que o que está em causa é a ausência
de todos os sócios, na verdade basta que um não seja convocado para que esta sanção se aplique. “Apesar
de a falta de convocação ser vício de procedimento, é vício muito grave, na medida em que afasta sócios
do exercício de direitos fundamentais da socialidade – designadamente o direito de participar nas
deliberações e o direito de obter informações sobre a vida da sociedade” (p. 461).
Outra norma muito importante é o art. 56.º/2, que equipara casos em que houve convocação a casos em
que não houve convocação – estamos perante vícios tão graves que a lei trata estas situações como se não
tivesse havido convocação. Por ex., quando não se diz qual o dia da assembleia, ou quando o aviso não
seja assinado por quem tenha essa competência.
Note-se que as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada não são nulas se todos os
sócios tiverem estado presentes ou representados. Assim, se se tiverem cumprido os requisitos da
assembleia universal (art. 54.º), a deliberação é válida; senão, é meramente anulável (vício de
procedimento, art. 58.º/1/a)).
! Al. b): são nulas as deliberações dos sócios tomadas por voto escrito sem que todos os sócios tenham
sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu
consentimento. Isto refere-se à hipótese do art. 247.º: para se poder deliberar por voto escrito, é
necessário que todos os sócios acordem que assim seja (n.º 2 e 3), o que requer uma consulta por escrito.
Podendo proceder-se a votação pro escrito, o gerente envia a todos os sócios a proposta (n.º 4).
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O problema que aqui se coloca é o que significa “convidar”, i.e., qual o momento relevante para se aferir
se todos os sócios forma convidados? O art. 247.º faz menção a dois momentos relevantes: o primeiro é a
consulta; o segundo, o envio da proposta. A doutrina diverge muito, sendo que COUTINHO DE ABREU e
SOVERAL MARTINS defendem que o momento relevante é o segundo – no momento em que se faz a
consulta, não se está a exercer direito de voto (está de acordo com o teor do art. 56.º/b)). Ou seja, a
nulidade ocorre quando nem todos os sócios foram convidados a votar por escrito, i.e., quando a
proposta não é enviada a todos os sócios.
Também aqui não há qualquer nulidade quando, apesar de um ou mais sócios não terem sido convocados
a exercer o direito de voto, afinal também deram o voto por escrito.
Na al. a) e b), estamos perante casos de nulidade atípicas, como revela o n.º 3, pois em certas
circunstâncias não podem ser invocadas. Os vícios da falta de convocação e da falta de convite podem
ser sanados posteriormente por vontade de todos os sócios que não participaram nas deliberações – “a
nulidade ... não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na
deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o seu consentimento”.
! Al. c): são nulas as deliberações cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos
sócios. Esta alínea é objecto de interpretações distintas na doutrina. Para LOBO XAVIER, a al. c) faria
sentido em dois conjuntos de situações:
• Deliberações sobre matérias atribuídas por lei, não aos sócios, mas a outro órgão.
• Deliberações que interfiram unilateralmente na esfera de terceiros.
SOVERAL MARTINS concorda com LOBO XAVIER. A norma 373.º/3 mostra a utilidade da al. c), sendo que
trata da distribuição de competências entre o órgão colectividade de sócios e o órgão administração. Em
matéria de gestão, os sócios só podem deliberar mediante pedido do órgão de administração. Ora, o art.
373.º/3 tem natureza imperativa, mas em bom rigor não podemos dizer que os accionistas nunca têm
competência para deliberar sobre aquelas matérias (i.e., o regime pode ser afastado) pois, se houver
pedido do órgão de administração, já podem. Isto significa que afinal a al. c) tem sentido útil: se os
accionistas deliberarem sobre matérias de gestão sem o pedido, estarão a deliberar sobre matérias que,
pela sua natureza (gestão), não teriam competência. Pelo art. 405.º, verificamos que existe um conjunto
muito vasto de matérias que a lei considera de gestão da sociedade.
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Já COUTINHO DE ABREU entende que a al. c) não tem sentido útil perante a d), é subsumida por ela.
Contesta os dois casos identificados por LOBO XAVIER:
• Em relação à primeira situação, apenas se compreenderia que se integrasse na al. c) se fosse um
vício de procedimento; porém, uma regra legal que atribua competência exclusiva a um órgão
(ex: conselho de administração) em certas matérias significa ao mesmo tempo a proibição da
assembleia geral adoptar deliberações nessa matéria, logo temos um vício de conteúdo. Tratando-
se de normas imperativas, aplica-se a al. d).
• Por outro lado, a sociedade não pode interferir unilateralmente na esfera de terceiros – a
modificação desta esfera exige acordo entre os terceiros e a sociedade, nos termos de normas
imperativas (art. 406.º e 863.º/1 CCiv.). Assim, estas deliberações são nulas porque ofensivas da
aplicação de normas imperativas (al. d)).
! Al. d): são nulas as deliberações de conteúdo contrário aos bons costumes ou a preceitos legais que
não possam ser revogados. A segunda parte refere-se à violação de normas imperativas. Isto acarreta
um exercício de interpretação: quando é que uma norma é imperativa?
• Desde logo, há indicações da norma legal nesse sentido;
• Se visa tutelar interesses dos credores, em regra será imperativa;
• Se visa tutelar interesses dos sócios indisponíveis;
• Se garante um certo esquema organizativo-funcional.
Já em relação às deliberações ofensivas dos bons costumes, não é fácil encontrarmos exemplos – desde
logo, pela fluidez e indeterminação da noção de bons costumes, e também porque estes têm de ser
contrariados pelo conteúdo. COUTINHO DE ABREU dá o exemplo de uma deliberação em que os gerentes
aceitarão de certos terceiros interessados em negociar com a sociedade o depósito de dinheiro (“luvas”)
em contas bancárias.
O art. 65.º/1 diz que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da
sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas,
sendo que compete aos sócios deliberar sobre o relatório de gestão e contas de exercício (art. 189.º/3 e
474.º, 246.º/1/e), 376.º/1/a) e 478.º). Estas deliberações estão sujeitas, segundo o art. 69.º, a um regime
especial de invalidade.
Este regime não é claro, sendo que podemos dizer, com COUTINHO DE ABREU, o seguinte:
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• Se a norma violada relativa à elaboração de contas tiver uma projecção formal, caberá no n.º 1 e a
consequência é a anulabilidade. Por ex., é violada a norma que prescreve dever ser o
administrador a elaborar e assinar os relatórios (art. 65.º/1, 3 e 4).
• Se a norma violada tiver uma projecção mais material, se se repercutir na substância numérica
das contas, então podemos ter um caso do n.º 2 (anulabilidade, casos de pouca gravidade) ou no
n.º 3 (nulidade). O art. 69.º/3 diz que as deliberações violem preceitos legais relativos à
constituição, reforço ou utilização de reserva legal são nulas, bem como as deliberações que
violem preceitos cuja finalidade seja a protecção dos credores ou o interesse público. Esta
segunda parte determina que são nulas deliberações que aprovem um balanço falso por
apresentarem activo líquido superior ou inferior ao real – no primeiro caso, os preceitos legais
violados tutelam os credores sociais; no segundo, pode estar em causa a constituição ou
reintegração da reserva legal.
O art. 57.º/1 diz que o órgão de fiscalização da sociedade deve dar a conhecer aos sócios a nulidade.
No art. 379.º/4, diz-se quem deve estar presente na assembleia, sendo que o órgão de fiscalização pode
logo na assembleia dar a conhecer; senão, num momento posterior. Nas sociedades em que não há órgão
de fiscalização, rege o art. 57.º/4 (este dever compete a qualquer gerente). Para além deste dever, temos
o do n.º 2 – dever de impugnar a deliberação (sendo que, neste caso, quem vai representar a sociedade é
um sócio nomeado pelo tribunal).
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente –
vale aqui o regime geral do art. 286.º do CCiv. (ver também art. 25.º CPC). Pode ser invocada por
qualquer interessado, sendo que aqui se contam, além dos especialmente visados no art. 57.º, os
administradores das sociedades por acções, qualquer sócios e alguns terceiros.
• Administradores: têm legitimidade para propor a acção nos casos em que o órgão fiscalizador não
cumpre os deveres do art. 57.º/1 e 2.
• Qualquer sócio tem legitimidade para propor a acção de nulidade.
• Terceiros com legitimidade activa são, por ex., os credores e trabalhadores da sociedade quando
esteja em causa uma deliberação de distribuição de lucros fictícios.
Interessa-nos também o regime do art. 61.º. A sentença que declarar nula ou anular uma deliberação é
eficaz contra e a favor de todos os sócios e órgãos da sociedade, mesmo que não tenham sido parte ou não
tenham intervindo na acção (art. 61.º/1). Porém, ressalvam-se os efeitos produzidos na esfera jurídica de
terceiros de boa fé, com fundamento em actos praticados em execução da deliberação (art. 61.º/2). O
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terceiro está de boa fé quando, no momento em que conclui negócio com a sociedade, crê na validade da
deliberação ou a ignora. SOVERAL MARTINS entende ser necessário o conhecimento efectivo.
4. Deliberações anuláveis
! Al. a), 1ª parte: são anuláveis as deliberações que violem disposições legais, quando ao caso não
caiba a nulidade. Podemos ter aqui vícios de procedimento ou de conteúdo:
• Vícios de procedimento: com excepção dos previstos no art. 56.º/1/a) e b) e 2, os vícios do
procedimento deliberativo provocam, em princípio, a anulabilidade das respectivas
deliberações. COUTINHO DE ABREU reconduz a este caso a al. c) (falta de elementos mínimos de
informação). Porém, nem todos os vícios de procedimento provocam a anulabilidade das
respectivas deliberações, é necessário atender à teleologia das normas violadas e às
consequência das ofensas. Assim, “são vícios de procedimento relevantes quer os que
determinam um apuramento irregular ou inexacto do resultado da votação e, consequentemente,
uma deliberação não correspondente à maioria de votos exigida, quer os ocorridos antes ou no
decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e
informada de sócios nas deliberações” (p. 493).
• Vícios de conteúdo: os vícios de conteúdo dão origem a anulabilidade quando está em causa a
violação de normas dispositivas. Note-se que as normas dispositivas podem ser derrogadas pelo
estatuto social ou, quando este ou a lei o permitam, por deliberação dos sócios (art. 9.º/3) – por
isso, só quando falte esta permissão é que as deliberações são anuláveis. Também se aplica a al.
a) nos casos de violação de princípios jurídicos com força equivalente aos da lei,
nomeadamente os princípios de igualdade e lealdade. Apesar de a al. b) já ser uma manifestação
destes dois princípios, esta alínea não abrange casos não desrespeitadores do princípio da
igualdade; e não se exige na al. a) o “propósito” da al. b).
!
! Al. c): são anuláveis as deliberações que não foram precedidas do fornecimento aos sócios de
elementos mínimos de informação. O n.º 4 do art. 58.º auxilia a interpretação deste preceito, elencando
situações em que considera que estão presentes elementos mínimos de informação.
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! Al. a), 2ª parte: são anuláveis as deliberações que violem o contrato de sociedade, seja através do
conteúdo, seja do procedimento.
• Vício de conteúdo: por ex., a deliberação autoriza a administração a praticar actos fora do objecto
social-estatutário.
• Vício de procedimento: por ex., a deliberação adoptada com a maioria de votos legalmente
necessária mas desrespeitando a maioria qualificada exigida estatutariamente (arts. 250.º/3 e
386.º/1).
! Al. b): são anuláveis as deliberações abusivas, que compreendem duas espécies:
• Deliberações abusivas: visam conseguir vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de
outros sócios;
• Deliberações emulativas: pretendem prejudicar outros sócios ou a sociedade, sem que tal
acarrete qualquer vantagem.
Estas duas deliberações são distintas: nas abusivas, o propósito relevante é o de alcançar vantagens
especiais; nas emulativas, é o de causar prejuízos.
• Vantagens especiais: são proveitos patrimoniais concedidos por deliberações, possibilitados ou
admitidos a sócios e/ou não-sócios, mas não a todos os que se encontram perante a sociedade em
situação semelhante à dos beneficiados, bem como os proveitos que não seriam concedidos a
quem hipoteticamente ocupasse posição equiparável (p. 501). Exemplos: delibera-se por maioria
dissolver a sociedade, a fim de os sócios maioritários continuarem; fixa-se a remuneração do
sócio gerente num valor muito elevado.
• O prejuízo é sofrido pela sociedade, ou pelos sócios que não votaram com o propósito de causar
prejuízo. Um sócio pode sofrer prejuízos, não enquanto sócio, mas por ex. enquanto sócio
gerente.
Mas o que significa “propósito”? Para COUTINHO DE ABREU, o dolo aqui em causa não tem de ser
directo nem necessário, basta que seja eventual. Basta provar que um ou mais sócios, ao votarem,
previram como possível a vantagem especial para si ou para outrem, ou o prejuízo da sociedade ou de
outros sócios, e não confiaram que tal efeito eventual se não verificaria. Esta hipótese da al. b) é de difícil
prova, é necessário provar este elemento subjectivo.
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Na parte final da al. b), prevê-se a “prova de resistência”: as deliberações são anuláveis a menos que se
prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos, i.e., a sociedade pode
provar que, sem os votos daquele sócio, a deliberação teria sido igualmente adoptada.
O art. 58.º/3 contém outro preceito respeitante às deliberações abusivas, que diz que os sócios que
tenham formado maioria em deliberação abusiva respondem solidariamente para com a sociedade ou para
com os outros sócios pelos prejuízos causados. Numa primeira leitura, parece que este artigo prevê a
responsabilidade de todos os sócios cujos votos formaram a maioria, independentemente de serem ou não
abusivos; porém, como nota COUTINHO DE ABREU, apenas o votante ou votantes abusivos deve ser
responsabilizado, só estes cometem factos ilícitos. Este preceito refere-se, sim, à responsabilidade pelo
voto abusivo e significa que os votantes são sujeitos a responsabilidade perante a sociedade e outros
sócios pelos danos causados. Assim, pode na mesma acção ser pedida a anulação da deliberação e a
indemnização a favor da sociedade e/o de sócios (art. 36.º/1 e 2 do CPC). A anulação não obsta à
condenação em responsabilidade civil, e vice-versa.
Quanto à legitimidade para intentar a acção anulatória, o art. 59.º/1 diz-nos que a anulabilidade por ser
arguida pelo órgão de fiscalização ou pelos sócios que não tenham votado no sentido que fez
vencimento ou posteriormente aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente. Temos aqui uma forte
restrição nas legitimidade activa.
• Sócios:
o Os sócios que não votam no sentido do vencimento são aqueles que não emitem votos
(ou porque se abstêm, ou porque não participaram na assembleia) e os que emitem votos
contra a proposta aprovada ou a favor da proposta recusada.
o Se o voto for secreto, como é que sabemos quem votou no sentido inverso e tem
legitimidade? Rege aqui o n.º 6.
o É necessário que fosse sócio ao tempo da deliberação? A letra do n.º 1 e 6 parece indicar
que sim; porém, COUTINHO DE ABREU entende que não tem de ser assim – pode intentar
a acção o sucessor mortis causa ou o que adquire participação social de quem estava
legitimado para a acção anulatória. Se o sócio autor da acção alienar a meio a sua
participação social, o adquirente pode continuar como autor da acção.
• Órgão de fiscalização: este tem o dever de propor a acção anulatória (embora em certos casos se
possa admitir algum espaço de discricionariedade). Nas sociedades que não tenham órgão de
fiscalização, a anulabilidade da deliberação dos sócios pode ser arguida pelos gerentes, por
aplicação analógica do art. 57.º/4. Apesar de esta possibilidade não estar prevista no art. 59.º,
defende-se aqui a aplicação analógica do art. 57.º/4 – principalmente quando estejam em causa
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deliberações anuláveis por vício de conteúdo prejudiciais para a sociedade e executáveis pelos
gerentes. Invocam-se a favor desta tese dois argumentos: por um lado, o dever de lealdade
legitima-os a pedir a anulabilidade (art. 64.º/1/b)); por outro, não se compreenderia que em
algumas sociedades apenas os sócios pudessem arguir a anulabilidade e em outras, do mesmo
tipo mas com órgão de fiscalização (quando este seja facultativo) já não possam.
A acção anulatória tem de ser proposta dentro de um certo prazo, que está previsto no art. 59.º/2 e é de 30
dias a partir das seguintes datas:
• Data em que foi encerrada a assembleia geral. No n.º 3 diz-se que, sendo uma assembleia
interrompida por mais de 15 dias, uma acção de impugnação pode ser intentada 30 dias depois da
data em que a deliberação foi tomada.
• 3º dia subsequente à data do envio da deliberação por voto escrito.
• Data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre um assunto que não
constava da convocatória. Este preceito não refere os casos em que o sócio foi irregularmente
convocado; porém, a jurisprudência tem aplicado analogicamente os arts. 380.º/3 CPC e 178.º/2
CCiv. para permitir ao sócio nestas condições arguir a anulabilidade da deliberação no prazo de
30 dias a contar da data em que teve conhecimento. Porém, COUTINHO DE ABREU diz que isto
apenas deve suceder nos casos em que a irregularidade impeça o sócio de participar na
assembleia e tomar conhecimento do que aí se deliberou.
As acções de anulação ou declaração de nulidade podem demorar muito tempo. Para acautelar o
periculum in mora, o CPC contém um procedimento cautelar, chamado “suspensão de deliberações
sociais” (art. 380.º e segs.).
Note-se que podem ser objecto deste procedimento quer as deliberações anuláveis, quer as nulas – LOBO
XAVIER entende que as nulas não poderiam ser, uma vez que não faz sentido suspender os efeitos de uma
deliberação que nunca produziu efeitos. No entanto, esta deliberação aparece-nos enquanto deliberação
que quer produzir certos efeitos; para além disso, a letra do artigo suporta este entendimento.
O art. 380.º/1 diz que “qualquer sócio” pode requerer suspensão; porém, isto só é assim no caso das
deliberação nulas ou absolutamente ineficazes. Pensando no caso das deliberações anuláveis, não fará
sentido que um sócio que votou a favor e não pode intentar possa pedir a suspensão; o mesmo com as
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deliberações relativamente ineficazes. Só faz sentido pedir a providência um sócio que possa intentar a
acção principal.
5.2 Prazos
A suspensão deve ser requerida, sob pena de caducidade, no prazo de 10 dias (art. 380.º/1), contados (nº
3):
• A partir da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas. Não se menciona as
hipóteses das deliberações por voto escrito e unânimes por voto escrito – nestes casos, aplica-se o
art. 59.º/2/b).
• Se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que teve
conhecimento. Mais uma vez, COUTINHO DE ABREU defende que não é qualquer irregularidade
na convocação que leva a esta contagem do prazo – se o sócio soube da assembleia para realizar
certos assuntos e não participou, o prazo deve ser contado à mesma a partir da data da
assembleia.
O art. 381.º/3 diz que, a partir da citação, não é lícito à sociedade executar a deliberação impugnada. Os efeitos da
citação não são, porém, equivalentes ao da procedência da suspensão: não é lícito à sociedade executar a
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deliberação, mas esta não se torna, por causa da citação e da ilicitude da execução, ineficaz ou de eficácia suspensa.
Outras diferenças decorrem do art. 375.º.
A inversão do contencioso é uma figura que significa que, a pedido do requerente da providência
cautelar, ele é dispensado do ónus de propor a acção principal por decisão do juiz que decreta a
providência requerida (art. 369.º), cabendo então ao requerido o ónus da impugnação da providência
(art. 371.º). Para inverter o contencioso, o juiz deve formar convicção segura acerca do direito acautelado
e a providência deve ser adequada a realizar a composição definitiva do litígio (art. 369.º/1). Ou seja, a
inversão do contencioso é possível quando a deliberação suspensa não precise de acção principal para
deixar de produzir efeitos; já não será admissível quando seja necessária uma acção principal para
destruir os efeitos da deliberação suspensa.
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Entre uma pessoa designada como administrador e a sociedade estabelece-se uma relação jurídica
complexa, sendo que, atendendo à génese desta relação, têm sido avançadas numerosas teses acerca da
sua natureza jurídica: teses contratualistas, unilateralistas, dualistas, etc. A relação será contratual
quando for fundada no contrato de sociedade e o administrador for sócio, i.e., for parte do contrato.
Porém, esta relação não é regulada pelo regime dos contratos, mas sim pela lei, que fixa os poderes e
deveres dos administradores e os mecanismos que podem disciplinar a relação.
Também se tem discutido a natureza da designação por deliberação dos sócios. Certos autores defendem
que se trata de um contrato (a deliberação é a proposta e a aceitação do cargo a aceitação da proposta);
porém, COUTINHO DE ABREU entende que se trata de um negócio unilateral da sociedade,
relativamente à qual a aceitação constitui condição de eficácia. Porém, há deliberações que produzem
directamente efeitos em relação a terceiros, como a nomeação de titulares de órgãos sociais.
2. Vinculação de sociedades
As sociedades intervêm eficazmente em actos jurídicos, i.e., vinculam-se, por meio de órgãos (ou titulares
destes) e de representantes voluntários.
Em relação aos órgãos, estão aqui em causa os órgãos de administração e representação. Existe aqui uma
equivalência entre representação e vinculação; no entanto, esta representação não é representação
propriamente dita – os órgãos são parte componente da sociedade, não actuam em substituição dela. Fala-
se, assim, de representação orgânica. Para SOVERAL MARTINS, não podemos afirmar esta equivalência –
por ex., no caso da representação passiva, dificilmente podemos falar de vinculação.
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Laura Nunes Vicente – Ano Lectivo 2014/15
Os administradores, para vincular a sociedade, devem actuar enquanto tais, não em nome pessoal – assim,
devem indicar essa qualidade por referência à sociedade.
• Actos não escritos: a indicação pode ser expressa ou tácita (art. 271.º/1 do CCiv.).
• Actos escritos: a doutrina e jurisprudência mostram-se divididas. No entendimento de COUTINHO
DE ABREU, os arts. 260.º/4 e 409.º/4 não exigem que a indicação da qualidade de administrador
seja expressa, basta que os destinatários do escrito possam lê-lo de modo a deduzirem que o
mesmo é imputável à sociedade. Assim, a indicação da qualidade de administrador pode ser
tácita. Por ex., numa letra de câmbio aparece como sacada uma sociedade e no lugar do aceite
aparece a assinatura do administrador.
A escolha do método de representação é feita pela lei e/ou pelo estatuto social.
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Quanto às sociedades por quotas e anónimas, estas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos concluídos
pela maioria dos administradores ou gerentes, ou por eles ratificados. (art. 261.º/1 e 408.º/1). Porém,
admitem-se desvios a esta regra – o art. 261.º/1 ressalva cláusula do contrato de sociedade que disponha
de modo diverso e o art. 408.º/1 permite que a sociedade fique vinculada por número menor.
• Quer nas sociedades por quotas, quer nas anónimas, os estatutos podem estabelecer um número
inferior à maioria. Isto está de acordo com o disposto na Directiva em matéria de sociedades
(68/151/CEE, nova redacção) – no art. 10.º/2, diz-se que as limitações dos poderes dos órgãos da
sociedade que resultem dos estatutos são sempre inoponíveis a terceiros; porém, uma cláusula
estatutária que permite a vinculação social por administradores em número inferior à maioria
não limita os poderes dos administradores, antes os amplia. O art. 10.º/3 vem confirmar isto.
• Sobretudo nas sociedades por quotas, são frequentes as cláusulas que dispõem que a sociedade se
obriga validamente com as assinaturas de dois gerentes, bastando a de um só para os actos de
mero expediente. Os actos de mero expediente são “actos de pequeno relevo económico para a
sociedade e/ou rotineiros praticáveis com reduzida margem de liberdade ou discricionariedade
administrativo-representativa” (p. 545). Quando um só administrador pratica actos que não são de
mero expediente, a sociedade ficará à mesma vinculada, uma vez que esta cláusula tem eficácia
interna – limita objectivamente os poderes de representação (art. 9.º/3 Directiva, arts. 260.º/1, e
409.º/1).
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• Nas sociedades anónimas com estrutura organizatória tradicional ou monística, pode o estatuto
social autorizar o conselho de administração a delegar a gestão corrente da sociedade em um ou
mais administradores ou numa comissão executiva (art. 407.º/3); bem como dispor que a
sociedade fica vinculada pelos negócios celebrados por um ou mais administradores-delegados
(art. 408.º/2). Quando isto suceda, a sociedade fica vinculada pelos actos praticados, dentro dos
limites da delegação, pelo administrador ou administradores delegados; quando ultrapassam estes
limites, a sociedade fica à mesma vinculada (as limitações estão ancoradas no estatuto social e
têm por isso eficácia interna, art. 409.º/1).
• Nas sociedades por quotas, os gerentes podem delegar nalgum ou nalguns deles competência pra
a prática de alguns negócios – também aqui os gerentes delegados vincula a sociedade, mesmo
quando ultrapassam os limites da delegação.
A jurisprudência dominante e alguma doutrina maioritária entendem que as sociedades por quotas e
anónimas ficam vinculadas pelos negócios jurídicos concluídos por um só administrador, apesar de para
elas vigorar o método da conjunção. A favor desta tese, avançam-se os arts. 260.º/1 e 409.º/1, que dizem
estabelecem a inoponibilidade das limitações do contrato social, e a prevalência dos interesses dos
terceiros de boa fé. COUTINHO DE ABREU rejeita este entendimento:
• Por um lado, a referência aos “administradores” e “gerentes” feita nos artigos citados é em
abstracto (não se diz qual o número necessário, isto é dito no art. 261.º e 408.º); e, por outro, estas
não são propriamente limitações que derivam do contrato, mas sim da lei.
• Não faz sentido apelar aqui aos interesses dos terceiros de boa fé, relevam mais os interesses da
sociedade protegidos pela conjunção.
“Em suma, vigorando (supletiva ou estatutariamente) a conjunção, a sociedade não fica vinculada
pelos actos jurídicos praticados por um só administrador, tais actos são ineficazes em relação à
sociedade” (p. 551).
Na representação conjunta:
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Na representação disjunta:
• Na representação disjunta, ou conjunta minoritária, pode suceder que sejam emitidas declarações
contraditórias – se ambas as declarações chegam ao mesmo tempo ao destinatário ou são emitidas
simultaneamente, a sociedade não fica vinculada; não sendo esse o caso, é eficaz a declaração
que primeiro chega ao destinatário (receptícia) ou a primeira manifestada adequadamente (não
receptícia).
Vamos agora ver os limites relativos à espécie e extensão dos actos praticáveis pelos administradores:
• Sociedades em nome colectivo e em comandita simples: a competência dos gerentes para
representar a sociedade deve ser sempre exercida dentro dos limites do objecto social e, pelo
contrato, pode ficar sujeita a outras limitações ou condicionamentos (art. 192.º/2). A sociedade
não fica vinculada pelos actos de gerente que desrespeitem limites estatutários, a menos que os
sócios ratifiquem tais actos (n.º 3).
• Sociedades por quotas e por acções: as limitações que resultem dos estatutos ou de
deliberações dos sócios e de outros órgãos não obstam em geral à vinculação (art. 10.º/1 e 2
Directiva, arts. 260.º/1, 2 e 3 e art. 409.º/1, 2 e 3), em nome da protecção dos terceiros e
segurança do comércio. É do regime destas sociedades que iremos tratar.
! Limites legais
Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes
confere (i.e., dentro da capacidade jurídica da sociedade), vinculam-na perante terceiros (arts. 260.º/1 e
409.º/1). Porém, a sociedade não fica vinculada por qualquer acto para cuja prática tenha capacidade,
pois aos limites da capacidade acrescem limites aos poderes de vinculação.
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Os limites legais aos poderes de representação ou vinculação dos administradores podem traduzir-se na
privação ou limitação desses poderes.
• Privação: os poderes de representação são atribuídos, não ao órgão com competência
representativa geral, mas a um outro órgão. É exemplo o art. 441.º/c) (pouco relevante).
• Limitação: os casos de condicionamento legal dos poderes de vinculação são mais relevantes.
o Em certos casos, a lei prescreve que certos actos dependem de deliberação dos sócios. É
exemplo a alienação ou oneração de quotas próprias (art. 246º.º/1/b)).
o O art. 10.º/1 da Directiva diz que a sociedade se vincula perante terceiros pelos actos
realizados pelos seus órgãos, “a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei
atribui ou permite atribuir a esses órgãos”. Os arts. 260.º e 409.º/1 não referem os
poderes que a lei permite conferir aos administradores, mas devemos interpretar estes
artigos conforme a Directiva – assim, a sociedade fica vinculada também pelos actos
que, apesar de não estarem dentro dos poderes que a lei confere aos administradores,
estão dentro dos poderes que a lei permite conferir-lhes. É exemplo o art. 246.º/2, que
permite ao estatuto atribuir aos sócios a competência para deliberar sobre alienação ou
oneração de bens imóveis. Assim, se uma sociedade que não tenha consagrado esta
possibilidade, ainda assim fica vinculada pela venda de estabelecimento efectuada pelos
gerentes.
! Limites estatutários
Os actos praticados pelos administradores em conformidade com os poderes que a lei lhes atribui
vinculam a sociedade perante terceiros, ainda que os actos sejam praticados em desconformidade com
disposições estatutárias limitadoras dos poderes de representação (arts. 260.º/1, 490.º/1 e 431.º/1). Isto
salvo se estiverem em causa actos que desrespeitem a cláusula estatutária relativa ao objecto social e se se
verificarem os requisitos exigidos (arts. 260.º/2 e 3, 409.º/2 e 3).
O estatuto pode proibir aos administradores a prática de certos actos (por ex., a subscrição de letras), ou
condicionar os poderes de vinculação (por ex., nas sociedades por quotas, faz depender de deliberação de
sócios a aquisição de imóveis, art. 246.º/1).
As limitações estatutárias apenas têm eficácia interna, são inoponíveis a terceiros. Não são terceiros os
sócios e membros dos demais órgãos sociais; porém, já não os sócios não fundadores, que não conhecem
os estatutos nem terão de os conhecer ao negociar com a sociedade.
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“Também as deliberações dos sócios, dos órgãos de administração ou do conselho geral e de supervisão
que limitem os poderes de representação dos administradores não impedem a vinculação das sociedades.
Os actos praticados pelos administradores dentro dos poderes que a lei lhes confere vinculam-nas
perante terceiros, ainda quando tais actos não se conformem com aquelas deliberações (arts. 260.º/1,
409.º/1 e 431.º/1)” (p. 559). Estas deliberações têm apenas eficácia interna, sendo inoponíveis a terceiros.
Quem são os terceiros para este efeito? Depende se a deliberação foi adoptada pelos sócios ou por outros
órgãos:
• Deliberações dos sócios: nas sociedades por quotas, quer os titulares dos órgãos quer os sócios
não são terceiros; nas sociedades anónimas, não são terceiros os membros dos órgãos, bem como
os sócios que tenham participado nas deliberações.
• Deliberações dos demais órgãos: não são terceiros os titulares de qualquer deles; são terceiros os
sócios.
Nas sociedades anónimas, o art. 406.º diz que compete ao conselho de administração deliberar sobre
qualquer assunto da administração da sociedade. Isto não significa que a sociedade não fique vinculada
pelos actos praticados sem prévia deliberação do conselho; desde que os poderes de representação sejam
exercidos do modo exigido (art. 408.º), a sociedade fica vinculada.
“As limitações extra-legais (estatutárias ou resultantes de deliberações sociais) aos poderes dos
administradores são em regra ... somente internas, sem eficácia externa ... Mas tais limitações internas
podem em alguns casos ter eficácia externa, impedindo a vinculação” (p. 560). É o caso do abuso do
poder de vinculação, que ocorre quando este é utilizado conscientemente num sentido contrário ao seu
fim ou instruções do representado, e a outra parte conhecia ou tinha de conhecer o abuso. Não ocorre
apenas no caso de limitações extra-legais; e não basta a violação destas limitações para termos abuso.
COUTINHO DE ABREU acolhe a doutrina alemã, que classifica o abuso do poder de representação em dois
grupos de casos:
• Colusão: o administrador e terceiro colaboram consciente e intencionalmente em prejuízo da
sociedade.
• Abuso evidente: o administrador age conscientemente em detrimento da sociedade celebrando
negócios prejudiciais para esta e o terceiro conhece ou devia conhecer aquele propósito e
prejuízo.
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Quais são as sanções para os abusos? A doutrina maioritária portuguesa aplica analogicamente o art. 269.º
CCiv., e os negócios são ineficazes com possibilidade de serem ratificados pela sociedade. Porém,
COUTINHO DE ABREU faz uma diferenciação: na colusão, uma vez que há conluio entre administradores e
terceiros, a sanção deve ser a nulidade (art. 281.º CCiv.); nos restantes casos, pode aplicar-se o art. 269.º.
A sociedade também se vincula através de representantes voluntários, i.e., sujeitos que recebem dela,
por negócio jurídico, poderes de representação. O CSC prevê a possibilidade de nomeação de
mandatários ou procuradores para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem
necessidade de permissão estatutária (arts. 252.º/6 e 391.º/7). Para além destes, podem ainda representar a
sociedade outros sujeitos, como os trabalhadores assalariados ou os sujeitos que administram empresas
por efeitos de contrato de gestão de empresa.
Os poderes de representação dos representantes voluntários não podem ter extensão maior do que os
administradores; e são ainda limitados pelos respectivos instrumentos de representação.
Coloca-se a questão de saber se é lícita uma procuração geral, que atribua amplos ou gerais poderes de
gestão e representação da sociedade. Para COUTINHO DE ABREU, procuração será ilícita se significar que
o procurador se substitui ao órgão social de administração e representação; será permitida “se o órgão
mantiver a alta direcção da empresa social e a administração da sociedade, bem como o controlo ou
supervisão da gestão-representação corrente confiada ao procurador e a possibilidade de avocar actos
compreendidos nessa actividade corrente” (p. 565). Já para SOVERAL MARTINS, esta procuração é sempre
ilícita.
Finalmente, não é permitida a cláusula estatutária que, além de prever a vinculação da sociedade por
vários administradores, permite que fique vinculada pelos actos praticados por um administrador e
procurados (“conjunção imprópria).
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