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SOCIEDADES COMERCIAIS
Daqui resulta que a lei não dá a noção de sociedade, mas indica os requisitos para que uma
sociedade se considere comercial: objecto e tipo comercial.
Para tanto é necessário recorrer ao direito civil para que remete o art. 2.º do CSC; e do art.
980º CC se vê que são quatro os elementos do conceito geral de sociedade:
- elemento pessoal - pluralidade2 de sócios;
- elemento patrimonial - obrigação de contribuir com bens ou serviços;
- elemento finalístico (fim imediato ou objecto): exercício em comum de certa actividade
económica que não seja de mera fruição e
- elemento teleológico (fim mediato ou stricto sensu) - repartição dos lucros resultantes
dessa actividade.
a) - Sociedade unipessoal por quotas – 270A a 270G do CSC, acrescentados pelo Dec-lei nº
257/96, de 31 de Dezembro, na sequência de transposição da Directiva nº 89/667/CE.
b) - Sociedade unipessoal anónima - 488º, nº 1: a sócia única tem de ser uma sociedade que
com a unipessoal forma um grupo por domínio total - 488º, nº 3.
II - Elemento patrimonial - obrigação de contribuir com bens ou serviços.
É necessário que os bens (dinheiro ou direitos, como arrendamento, crédito, direito de
propriedade industrial) tenham valor pecuniário (9º, nº 1, al. g) e h) do CSC) e sejam susceptíveis de
penhora (20º, a), do CSC).
1
- São comerciantes:
1º As pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão;
2º As sociedades comerciais.
2
- A sociedade unipessoal por quota foi acrescentada pelo Dec-lei nº 257/96, de 31 de Dezembro.
A entrada com serviços só é permitida nas sociedades em nome colectivo (176º e ss) e em
comandita para os comanditados (468º), sendo proibida nas SPQ - 202º - e nas SA - 277º: não são
admitidas contribuições de indústria.
III - Elemento finalístico (fim imediato ou objecto): a actividade social deve ser económica
(não de índole cultural, política ou religiosa), definida, exercida em comum e não de mera fruição, no
que se distingue da comunhão ou compropriedade.
Falsa aparência de sociedade: 36º, nº 1 - responsabilidade solidária e ilimitada dos
indivíduos que criaram essa aparência de sociedade pelas obrigações contraídas nesses termos por
qualquer deles.
Proporção - 22º, n.os 1 e 2, CSC - salvo lei ou cláusula contratual em contrário. Nulidade das
cláusulas dos n.os 3 e 4 deste art. 22º.
VI - Forma comercial
a) - tipo comercial - numerus clausus - 1º, nº 2 - segurança do comércio jurídico e
celeridade das transacções comerciais; mas com temperada autonomia da
vontade no pacto social, em tudo que não esteja contra lei imperativa.
3
- Sobre tipos de sociedades de direito especial, veja-se Pinto Furtado, Curso de Direito das
Sociedades, 4ª ed., 40.
4
- O sócio e não o seu cônjuge - Col. 97-II-86.
a) - Cada sócio (accionista) responde individual e exclusivamente para com a sociedade pelo
valor da sua entrada. A sua responsabilidade está limitada ao valor das acções que subscreveu - (art.
271º do CSC).
b) - Só a sociedade é responsável, com o seu património, perante os seus credores, pelas
suas dívidas (art. 271º do CSC, a contrario sensu).
c) - As participações dos sócios são formadas por acções que constituem fracções do capital
social com o mesmo valor nominal, o qual não pode ser inferior a um cêntimo, e são representadas por
títulos livremente transmissíveis (arts. 271º, 274º, 276º, 2, e 298º e segs. do CSC). Por isso mesmo, os
sócios se denominam accionistas. O valor mínimo do capital é de 50.000 € - 276º, nº 3.
Mas dentro deste tipo de sociedades, e pelo que toca às participações sociais, surgem-nos
dois sub-tipos (art. 465º, nº 3, do CSC):
a) - Nas sociedades em comandita simples - as participações de ambas as espécies de
sócios, comanditados e comanditários, denominam-se partes sociais; e, tal como as participações
homólogas das sociedades em como colectivo, não são representadas por quaisquer títulos;
b) - Nas sociedades em comandita por acções, as participações dos sócios comanditados
são igualmente partes sociais; mas as participações dos sócios comanditários são acções tituladas e
regidas pelos preceitos próprios do regime das sociedades anónimas, tal como é decalcada no das SA
o seu regime organizacional - art. 478º.
Além dos casos de constituição de sociedade por diploma legal e negócio jurídico unilateral
(488º, nº 1, Soc. An. unipessoal e unipessoal por quota - 270 A a 270G), as sociedades constituem-se,
normalmente, por contrato.
Contrato de Sociedade
Segundo a doutrina corrente entre nós, o contrato de sociedade é um contrato de fim comum,
por contraposição aos contratos comutativos: nestes, os interesses dos contratantes são
contrapostos (compra e venda), há correspectividade e interdependência (sinalagma), as prestações
têm conteúdo típico invariável, são necessariamente bilaterais.
- Objecto ou fim imediato: 11º, nº 2 - indicação concreta, precisa, do escopo social. Não,
como antes, fórmulas relativamente indeterminadas. O objecto, o escopo social deve ser física e
legalmente possível e não contrário aos bons costumes - 280º CC.
Elementos que devem constar do contrato - art. 9º - de qualquer sociedade, sem prejuízo das
específicas de cada tipo - 176º (SNC), 199º (SPQ), 272º (SA).
Da conjugação dos arts. 260º, 409º e 431º com o art. 6°, nº 4, do CSC, resulta, para as sociedades por quotas e
anónimas, que estas ficam obrigadas para com terceiros pelos actos que em seu nome pratiquem os respectivos gerentes,
administradores ou directores; a menos que a sociedade faça prova de que tais terceiros sabiam ou tinham obrigação de
saber que o acto ultrapassava os limites do objecto social; isto se os sócios não tiverem deliberado assumir o acto para a
sociedade.
Assim, não é nula a hipoteca constituída por uma sociedade comercial sobre um seu prédio urbano para garantir
dívida contraída por outra sociedade.
Demais se a sociedade que constitui a hipoteca declara, na respectiva escritura, que tem interesse directo na
concessão do empréstimo e se o seu sócio maioritário era sócio-gerente da mutuária, que necessitava com urgência do
empréstimo para pagamento de divida que já fora objecto de execução - Col. Jur. 99-II-193.
I - A definição da capacidade das sociedades comerciais distingue-se do âmbito da vinculação destas pelos actos
dos titulares dos seus órgãos - tendo, aliás, precedência sobre esta segunda questão.
II - A delimitação da capacidade das sociedades comerciais faz-se, nos termos do artigo 6º, nº 3, do CSC, em
função do respectivo fim, que é o da obtenção de lucros mediante o exercício em comum de uma actividade que não seja
de mera fruição.
III - Tal capacidade abrange, assim, os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do
referido fim, incluindo-se as liberalidades usuais.
IV - Em princípio, a sociedade comercial não tem, nos termos do artigo 6º, nº 3, do respectivo Código,
capacidade para se obrigar mediante a constituição de garantias a favor de terceiros.
V - Ainda segundo o mesmo preceito, exceptuam-se do princípio nele definido as situações em que exista
justificado interesse próprio da sociedade garante, bem como os casos de sociedades em relação de domínio ou de grupo.
VI - São nulos os actos praticados por titulares de órgãos de sociedade comercial que não sejam abrangidos pela
capacidade desta.
VII - Não podem vincular a sociedade comercial os actos estranhos à capacidade desta praticados por titulares
dos respectivos órgãos.
VIII - Não tem, assim, cabimento discutir acerca da eventual vinculação de uma sociedade comercial em relação a
um contrato de penhor de carteira de activos financeiros prestados a favor de terceiro celebrado por um administrador e um
procurador seus, mas sem que ocorresse qualquer das situações especiais referidas em V - Ac. STJ 17 Fev. de 2000, BMJ
494-366.
I - Não é de considerar nulo o acto ou negócio jurídico praticado pelos órgãos da sociedade comercial com
fundamento em que, dado o princípio da especialidade, não tinham capacidade de gozo para os praticar.
II - A sociedade comercial não pode invocar os princípios inseridos no seu esta tuto para se subtrair ao
cumprimento das obrigações assumidas.
III - Compete ao autor o ónus da prova de que não existia justificado interesse próprio para a celebração da
hipoteca cuja declaração de nulidade pretende obter.
IV - Não se pode dizer que exista uma relação de domínio entre a sociedade autora e uma das rés se nenhuma
delas estava em condições de exercer controlo sobre a outra, nem vem provado que houvesse acordo entre os sócios de
ambas para o domínio unitário pela direcção de ambas as sociedades, sem embargo de os sócios terem agido como sócios
de ambas – Ac. do STJ, 21.9.2000, no BMJ 499-354.
I - O justificado interesse próprio da sociedade que presta um aval há-de compreender-se por referência ao fim da
sociedade, que é a obtenção e distribuição dos lucros da actividade económica correspondente ao objecto fixado no
contrato ou nas deliberações sociais pertinentes.
II - Para saber se determinado acto é necessário ou conveniente à prossecução daquele fim (na expressão do nº
1, do citado art. 6º), importa não o considerar isoladamente, mas perspectivá-Io no encadeamento de actos que fazem a
vida da empresa.
III - Os poderes de representação dos administradores e o consequente âmbito da vinculação da sociedade
anónima (art. 408º e 409º, CSC) são coisas distintas dos poderes de gestão, em que se inclui o de prestação de cauções e
garantias pessoais ou reais pela sociedade (cfr. art. 406º, f), CSC), englobando garantia quer de dívidas próprias, quer de
dívidas alheias.
IV - Cabe à sociedade o ónus de prova de que a garantia que prestou a terceiro não satisfaz um justificado
interesse seu - Acórdão do STJ de 17.6.2004 (Quirino Soares), na Col. Jur. (STJ) 2004-II-94
I - Os actos praticados pelo gerente em nome da sociedade, e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculam-
na perante terceiros.
II - Quando uma sociedade comercial preste garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades e pretenda
obter a declaração da sua nulidade, ao abrigo do disposto no art. 6º nº 3 do C.S.C., recai sobre a sociedade garante o
ónus da prova da inexistência de interesse próprio e de relação de domínio ou de grupo com a entidade beneficiária – Ac.
do STJ de 30.9.2004, Pº 04S2540.
A personalidade jurídica – art. 5.º - das sociedades comerciais - e das civis sob forma
comercial - art. 1º, nº 4 CSC - significa que são uma individualidade jurídica que se não confunde
com a dos sócios. Se estes, por qualquer negócio, se tornarem credores ou devedores da sociedade,
estão a contratar com a pessoa jurídica que é a sociedade e não consigo mesmo.
As sociedades têm nome (firma - art. 10º), sede (domicílio judiciário - 3º e 12º do CSC e 82º,
86º, 236º, nº 1 e 237º CPC), órgãos que formam, manifestam e executam a vontade dela, um estatuto
ou pacto que é a sua lei interna, um património próprio e afecto aos seus fins, personalidade e
capacidade judiciária, activa e passiva (arts. 6°, d), 7° e 8° CPC).
Passam a ser donas dos bens com que os sócios realizam as suas entradas, podendo usar,
alienar ou onerar esses bens.
A posição jurídica dos sócios perante a sociedade não envolve um direito sobre aqueles bens.
É sempre um direito, um bem móvel - 204º CC - cuja transmissão não paga sisa, mesmo que a
sociedade tenha bens imóveis.
Mantém a sua individualidade jurídica, apesar das mutações de sócios ou património e pode
subsistir temporariamente com um único sócio.
b) - em caso nenhum os credores particulares dos sócios poderão fazer-se pagar pelos
bens da sociedade, nem sequer na proporção da participação do sócio. Esta regra é, aliás,
absoluta: sob esta vertente, a autonomia patrimonial é sempre perfeita. O que o credor
executa é a quota do sócio (não os bens da sociedade), as acções ou, nas sociedades em
nome colectivo, o direito aos lucros e à quota de liquidação do sócio devedor, a qual
poderá ser obstada se o sócio tiver comprovadamente outros bens para pagar a dívida
exequenda - 183º CSC.
Os remédios ou sanções para estes actos ou comportamentos serão encontrados nas figuras
do abuso de direito (334º), fraude à lei com nulidade dos actos destinados a defraudar os credores
(280º, 281º e 294º CC) ou, ainda, a responsabilidade dos sócios por acto ilícito - 483º CC e 78º e
ss do CSC.
«A questão objecto do recurso, delimitada pelo teor das conclusões do recurso, consiste em saber se o
Tribunal recorrido podia ter decretado o arresto sobre os bens particulares dos sócios-gerentes da requerida
«Cortiças - Leal & Filhos, L.da».
A requerente, ora agravada, alegou ter sobre a sociedade requerida um crédito, já vencido, no valor de cerca de
11.000 contos e que esta sociedade não dispunha de património, tendo os seus sócios-gerentes - os 2º a 4º requeridos -
constituído uma outra sociedade – «Corticeira M.A.C.A., L.da» - com os mesmos sócios, o mesmo objecto social, os
mesmos empregados, obrigando-se com as mesmas assinaturas da requerida, e tendo o mesmo apartado, para a qual
haviam transferido o património da requerida, visando assim despojá-la de bens que pudessem responder pela dívida.
Alegaram, ainda, que sendo os requeridos responsáveis pela prática de tais actos, são eles pessoalmente
responsáveis perante os credores, sendo certo que o património dos requeridos, a ser dissipado como teme a requerente,
poderia pôr em risco a possibilidade da requerente, através do património pessoal deles, poder cobrar o seu crédito.
O arresto visa antecipar a realização da penhora como forma de o credor obter um meio coercivo de pagamento à
custa dos bens do devedor - artº 619º do C. Civil. Como se sabe, os efeitos da penhora retroagem à data em que se
realizou o arresto - artº 822º, nº 2, do C. Civil.
Para que possa ser requerido o arresto, importa que o requerente demonstre ter um crédito, haver perigo, «justo
receio», de que o atraso na actuação judicial comprometa a sua segurança e possibilidade de cobrança - periculum in
mora».
A matéria de facto considerada provada preenche, sem dúvida tais requisitos.
O nó górdio da questão está em que o arresto foi decretado sobre bens que constituem o património pessoal
dos gerentes da sociedade requerida.
Em princípio, apenas os bens do devedor, mesmo que em poder de terceiros, respondem pela dívida - cfr. nº 2 do
artº 407º.
No caso dos autos, o arresto foi também requerido contra os sócios-gerentes da requerida, com o fundamento de
que estes, visando privar a requerente de bens susceptíveis de responder pela dívida constituíram, eles mesmos, uma outra
sociedade com o mesmo objecto, que funciona na mesma sede social, para quem transferiram o património da requerida.
Fundamentam tal pretensão no artº 78º do C. Soc. Comerciais.
Alegaram, ademais, que também relativamente aos requeridos sócios-gerentes da requerida, se verificam os
requisitos de perda de garantia patrimonial, pois temem justamente, que alienem o seu património pessoal para evitar
responder perante os credores da sociedade de que eram gerentes.
Os gerentes de uma sociedade comercial têm a obrigação legal de a gerirem com prudência, de modo a
garantirem que essa gestão não põe em causa os interesses dos credores, legal e contratualmente protegidos, sob pena de
responderem pessoalmente pelos actos danosos que praticarem.
O artº 78º, nº 1, do C. Soc. Comerciais dispõe: «Os gerentes, administradores ou directores respondem para com
os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção
destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos».
Por sua vez o artº 79º, nº 1, do citado diploma estatui - Os gerentes, administradores ou directores respondem
também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das
sua funções.
Para que o(s) gerente(s) de sociedade(s) por quotas possa(m) ser responsabilizado(s), directamente, perante os
credores da sociedade, importa que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) O facto praticado constitua inobservância de disposição legal ou contratual destinada a proteger os credores
sociais;
b) que a actuação seja culposa;
c) que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores.
Tal responsabilidade é de natureza delitual, e não obrigacional, pelo que importa, para que se possa falar em
direito de indemnizar, a favor do credor social, por violação culposa de disposições legais ou contratuais, emergentes de
actos de gerentes, administradores ou directores da sociedade devedora, que se verifiquem todos os pressupostos do dever
de indemnizar, previstos no artº 483º do C. Civil.
É ao credor social que compete o ónus de alegar - artº 342º, nº 1, do C. Civil - e provar, factos de onde se possa
concluir pela inobservância culposa do gerente, «in casu», de normas legais ou contratuais que visam a protecção dos
credores da sociedade que «administra» - cfr. artº 79º, nº 1, do C. Soc. Comerciais e Ac. do STJ, de 25/1997, in CJ-STJ,
1997, Tomo III, pág. 140 e da Relação de Coimbra de 6/1/94, in CJ, 1994, Tomo I, pág. 7.
Ora, os sócios-gerentes da requerida, bem sabendo que esta se encontrava em mora relativamente ao pagamento
do preço devido pela aquisição de matéria-prima à requerente, esvaziaram o património social da 1ª requerida e
constituíram uma nova sociedade a «Corticeira M.A.C.A., L.da» de que também são sócios, que tem o mesmo objecto, com
sede no mesmo local e operando com os mesmos funcionários, fazendo cessar por completo a actividade da requerida.
Se tivessem actuado de boa-fé, os requeridos enquanto responsáveis pela gestão da sociedade, teriam lançado
mão de medidas de recuperação da sociedade - artº 5º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e
Falência - ou teriam apresentado tal sociedade à falência - artºs 6º, 7º do mesmo diploma - e não, por um doloso «passe de
mágica», criado outra empresa que apenas visa privar os credores da que foi «extinta» continuando eles, agora sob a capa
de um novo ente societário, a actuar como se nada de censurável lhes pudesse ser imputado.
Perante esta actuação ético-jurídica censurável, a requerente pode accionar, pessoal-mente, os requeridos e obter
deles o ressarcimento dos danos que causaram com o procedimento descrito.
Se os requeridos, agora a título pessoal, dispõem de património que possa responder pela indemnização dos
danos causados pela gestão fraudulenta exercida em prejuízo dos credores da sociedade que geriam, pode contra eles ser
requerido o arresto, desde que provados os requisitos de que depende a concessão deste procedimento cautelar.
A actuação dos requeridos, enquanto gerentes da requerida, ao criarem uma nova sociedade nos termos em que
o fizeram, exprime um claro abuso do direito da personalidade colectiva que a lei empresta às sociedades comerciais,
desvirtuando a finalidade da respectiva atribuição.
Por isso é legítimo derrogar o princípio da separação entre o ente societário e as pessoas que em nome e
representação dela actuam.
Para casos deste tipo, o sistema anglo-americano, baseado nos estudos do alemão Rolf Serick, em monografia
através do qual este concorreu à docência universitária em Tubingen, na década de 50, desenvolveu a teoria do «Disregard
of Legal Entity», ou «disregard doctrine», através da qual o juiz pode, em casos concretos, desconsiderar a pessoa jurídica
(sociedade) em relação à pessoa física de quem se oculta sob ela e que a utiliza fraudulentamente.
Tal doutrina visa proteger terceiros contra o mau uso da sociedade mercantil, quando a coberto da sua
personalidade jurídica é usada para cometer fraudes ou abuso do direito.
Neste caso há uma ilicitude sob a capa da autonomia patrimonial da sociedade.
A desconsideração da personalidade colectiva das sociedades é possível quando ocorram «situações de
responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de protecção, (…) ou em situações de abuso do direito,
ou se se preferir, de exercício inadmissível de posições jurídicas» - cfr. «O Levantamento da Personalidade Colectiva - no
Direito Civil e Comercial» – Professor Menezes Cordeiro, pág. 152.
A situação da sociedade «Corticeira M.A.C.A., L.da» é plenamente justificadora da sua «desconsideração», como
meio de combate à fraude que presidiu à sua criação, pelo que caído o «biombo» da personalidade jurídica, devem os seus
sócios ser pessoalmente responsabilizados ante os credores.
Estando fortemente indiciada a actuação abusiva dos requeridos e sendo, os sócios-gerentes pessoalmente
responsáveis pelos prejuízos causados à requerente, esta pode pedir o arresto de bens que garantam o pagamento das
indemnizações que se propõem reclamar, desde que estejam verificados os requisitos: aparência do direito e «periculum in
mora», relativamente a eles. Requisitos que, «in casu», ocorrem.
Basta até relembrar que, de harmonia com os factos provados, o património pessoal dos requeridos - os imóveis -
está já onerado para garantia do pagamento de créditos de terceiros - cfr. item 25) da matéria de facto.
Concluímos, assim, que face às concretas circunstâncias da actuação dos requeridos, podia a requerente pedir o
arresto sobre os bens pessoais dos sócios, face até à "desconsideração da personalidade da sociedade «Cerâmica
M.A.C.A., L.da», a que sem dúvida, presidiu na sua constituição, um propósito fraudulento, lesivo da boa fé e abusivo do
direito, visando prejudicar os credores da sociedade requerente - «Alberto Neves da Silva, L.da».
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido, embora por
razões não com ele totalmente coincidentes».
…
Ac. da R.ão do Porto, 15 de Outubro de 2001, na Col. Jur. 2001-IV-215 (Des. Fonseca Ramos)
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
SOCIEDADE COMERCIAL
ACÇÕES
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
TRESPASSE
DEVER DE COMUNICAÇÃO
I - A personalidade jurídica – art. 5.º - das sociedades comerciais - e das civis sob forma comercial - art. 1º, nº 4
CSC - significa que são uma individualidade jurídica que se não confunde com a dos sócios.
II - A sociedade mantém a sua individualidade jurídica, apesar das mutações de sócios ou património.
III - Por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de
corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja
actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de
terceiros.
IV - Logo, interessará sempre visualizar na conduta do agente (sócio) uma combinação de actos, ainda que
formalmente lícitos, para atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso: o desfavorecimento dos interesses de
autonomia e suficiência económico-patrimonial da sociedade, que se actualiza no momento da insatisfação dos direitos
creditícios, resultado da delapidação do património social, em prejuízo de outrem.
V - As acções de uma sociedade são legal e naturalmente transmissíveis. Quando os AA negociaram com a Ré
sabiam – ou deviam saber – que a sociedade permaneceria a mesma, independentemente de quem fossem os titulares do
seu capital e que em lado nenhum se encontra proibida a venda da totalidade de acções de uma sociedade.
VI - Nada impunha às Partes que trespassassem o Hotel, antes poderia ser censurável que os accionistas da Ré
vendessem o (único?) activo da sociedade e ficassem com as acções que não valiam nem o papel em que estavam
impressas.
VII - Não tendo havido trespasse ou cessão do direito ao arrendamento - que se manteve na esfera jurídica da
sociedade - nada havia a notificar e não foram violadas as obrigações impostas ao arrendatário pelas al. f) e g) do art.
1038.º do CC.
AA, BB e CC intentaram acção declarativa, de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra DD -
Organizações Hoteleiras, S.A., com sede na Rua Castilho, nº ..., em Lisboa, pedindo seja decretada a resolução do contrato
de arrendamento e a condenação da Ré a despejar imediatamente o prédio pertencente aos AA. e dado em arrendamento
à Ré.
Alegaram para tanto - em resumo - que EE, já falecido, marido da autora, e os demais autores, deram de
arrendamento à sociedade ré, o prédio urbano sito na Rua Castilho, ..., em Lisboa, para nele funcionar um hotel.
Porém, em Fevereiro de 2002, os accionistas da ré venderam as suas participações sociais (acções),
representativas da totalidade do respectivo capital social, passando a ser accionista única a Sociedade Hoteleira do C... P...,
Lda., consubstanciando a alienação nos termos efectuados um trespasse do estabelecimento comercial que, não tendo sido
comunicada aos autores, confere a estes o direito de resolver o contrato.
Realizou-se audiência preliminar com saneador, selecção da matéria de facto relevante para a apreciação do
pedido e decisão que julgou a acção improcedente.
10
1 - Por escritura pública de 12 de Março de 1969, exarada no 19º cartório Notarial de Lisboa, de folhas 8 a folhas
14 do livro n.º 62–B, EE que também usava o nome de EE, casado, natural da Moita e residente em Lisboa, e os seus filhos
e ora Autores neste processo, acima identificados, BB e CC, declararam dar de arrendamento à sociedade Ré, o prédio
urbano, situado em Lisboa, na Rua Castilho, n.º ..., implantado no terreno em que existira outro prédio urbano demolido,
com os números de polícia 80 a 84, inscrito na matriz urbana da freguesia de São Mamede, sob o artigo 483, e descrito na
6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 923, a folhas 118 do livro B-3;
2 - Convencionou-se ser o prazo do arrendamento de um ano, com início em 1 de Fevereiro de 1969, passando a
renovar-se, findo tal prazo inicial, por sucessivos períodos de um ano, nos termos da lei;
3 - A renda mensal então estipulada foi de Esc. 210.000$00, sendo, actualmente, de seis mil e quinhentos e um
Euros e quarenta cêntimos;
4 - Foi convencionado destinar-se o prédio arrendado a nele ser explorado um hotel, podendo ser exercidas,
dentro deste, quaisquer das actividades normal-mente tidas como complementares da indústria hoteleira;
5 - Os senhorios asseguram à inquilina estar o prédio identificado em A) construído de modo a poder funcionar
nele um hotel considerado de utilidade turística prévia com classificação de primeira;
6 - Relativamente ao prédio dito em A), já então identificado por Hotel D..., foi declarada e concedida a título prévio
a utilidade turística, de hotel de 1.ª A, mediante despacho do Secretário de Estado da Informação e Turismo de 15 de Abril
de 1967, publicado no Diário do Governo n.º 112, 2.ª Série de 11 de Maio de 1967;
7 - A utilidade turística foi posteriormente confirmada por despacho do referido Secretário de Estado de 9 de
Março de 1970, publicado no Diário do Governo n.º 73, 2.ª Série, de 27 de Março de 1970;
8 - Do anexo à escritura de arrendamento, como documento complementar da mesma, ficou a constar a relação
de todas as coisas que, não constituindo parte integrante do imóvel, são seus acessórios ou pertenças e passavam a ser
utilizadas pela inquilina, para a referida finalidade de indústria hoteleira;
10 - A Ré ficou obrigada a manter em bom estado de funcionamento todas as coisas e sistemas referidos no
anexo mencionado;
11 - A Ré ficou igualmente obrigada a instalar e manter, no prédio arrendado, os seus serviços por forma a que foi
confirmada a utilidade turística e a categoria do hotel como primeira A, já previamente reconhecidas;
12 - No dia 2 de Agosto de 1974, faleceu o senhorio EE, sem testamento ou qualquer outra disposição de última
vontade, sucedendo-lhe como herdeiros os seus dois filhos, e ora Autores BB e CC;
13 - Por força da escritura pública outorgada em de 13 de Agosto de 1979, foi adjudicado, à Autora viúva AA o
usufruto de uma quarta parte do prédio referido em A) e a respectiva nua propriedade adjudicada aos ora Autores BB e CC;
11
15 - O Hotel D... está apetrechado com todos os equipamentos e meios, eficazes, para o exercício da sua
actividade hoteleira;
16 - Está mobilado, em todas as suas componentes, com mobiliário de qualidade, decoração e motivos
decorativos adequados a cada uma dessas componentes;
17 - Trata-se de um estabelecimento comercial com larga clientela, fornecedores qualificados e pessoal bem
preparado para as funções que exerce;
18 - Em 11 de Fevereiro de 2002, os accionistas da Ré venderam as suas participações sociais - acções -
representativas da totalidade do respectivo capital social;
19 - Eram, então, accionistas da Ré, FF e familiares deste, incluindo filhos e filha e GG e familiares da mesma;
21 - De harmonia com a respectiva acta, na Assembleia encontrava-se “a accionista única “Sociedade Hoteleira
do C...P..., Ldª.”, devidamente representada pelos Senhores HH, Dr. II e JJ ...”;
22 - Nessa Assembleia, foram tidas em consideração “as cartas de renúncia dos membros da Assembleia Geral,
Senhores Eng.º. LL e MM e dos membros do Conselho de Administração, Senhores FF, NN e OO“ cujos mandatos
terminariam em 31 de Dezembro de 2002;
23 - E foi aprovada pela accionista única a designação dos novos membros dos referidos órgãos sociais para o
triénio em curso, que terminava em 31 de Dezembro de 2002, nos seguintes termos:
a) Mesa da Assembleia Geral: - Presidente - PP, Secretária QQ
b) Conselho de Administração: - Presidente - HH, sendo vogais II e JJ.
Elegeu-se como questão a decidir a de saber, em primeiro lugar se, dos factos apurados resulta ter existido o
trespasse invocado pelos autores e, só verificado este é que se passará à análise da falta de comunicação, como
fundamento da resolução peticionada.
12
E continuou:
«Não nos parece que, na situação em apreço, tenha havido trespasse. O negócio efectuado não teve por base a
transmissão do estabelecimento existente no locado, mas tão só, a transmissão do capital social da ré, locatária.
Ora, no que tange ao negócio em apreço nos autos, o que se passou foi que o capital social da ré passou de uma
entidade para outra.
Tal negócio foi efectuado entre os titulares das sociedades em questão e é um negócio societário, que nada tem a
ver com a transmissão do estabelecimento detido pela ré e que se encontra instalado no locado pertença dos autores.
Muito embora o estabelecimento comercial tenha mudado de administração, em função da transmissão social
operada, não se pode confundir a transmissão da totalidade das participações sociais da ré, que antes eram detidas por
pessoas singulares, com o trespasse.
Sendo a ré uma sociedade anónima, o seu capital social está titulado por acções (nominativas e ao portador),
como dispõe o artº 271º do Código das Sociedades Comerciais, sendo irrelevante quem em concreto é a pessoa (singular
ou colectiva) que é titular das acções, pois que, do contrato de sociedade, atenta a sua natureza, apenas constará o valor
nominal e o número de acções, bem como o montante do capital realizado, entre outros elementos constantes do artº 272º
do CSC.
Assim, o capital social das sociedades anónimas é transmitido por, por acto entre vivos, por declaração do
transmitente lavrado no título e pelo pertence lavrado no mesmo e averbamento no livro de acções da sociedade (as acções
nominativas) e pela simples entrega, no que toca às acções ao portador (artºs, 326º nº 1 e 327º do CSC).
É que as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir do registo definitivo
do contrato pelo qual se constituem (artº 5º do CSC), o que significa que representam uma individualidade jurídica diferente
da dos titulares do seu capital social, que apenas têm as obrigações e os direitos definidos pelos artºs 20º e seguintes do
CSC, com as especialidades, nas sociedades anónimas, consignadas nos artºs. 285º e seguintes do CSC.
Ora, sendo assim, depois de constituída, é a sociedade que é sujeito de direitos e obrigações perante terceiros e
perante os próprios sócios, que apenas são titulares de um direito complexo que consubstancia na titularidade ou posse de
acções. E estas acções não têm de permanecer definitivamente na posse do seu primitivo titular e detentor, podendo ser
transmitida nos termos da lei e do pacto social.
É por isso que a transmissão da titularidade do capital social de uma sociedade não tem de ser comunicada ao
senhorio, mas apenas se deve efectuar com respeito no disposto nos artºs. 326º e 327º do CSC, o que, obviamente, apenas
diz respeito à sociedade (Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª Ed., Almedina, pág. 646 e segs. e Ac. da Relação do
Porto, 18.04.1991).
A este propósito escreve Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, Colecção Teses, pág 253 e
254:
“É correntíssimo, na prática, que a transmissão de um estabelecimento comercial seja feita através da cessão da
totalidade das quotas, ou da venda da totalidade das acções, da sociedade que é titular desse estabelecimento. A maior
parte dos estabelecimentos de pequena dimensão pertence a sociedades por quotas e a generalidade das sociedades por
quotas, no comércio, têm apenas um estabelecimento.
Esta circunstância permite que, para transmitir o estabelecimento, as partes se limitem a transmitir as quotas da
sociedade a que pertence (...). a cessão de quotas (...) tem vantagens sobre o trespasse. Evita a ruptura de relações
jurídicas característica do trespasse, com todos os problemas acarretados pela substituição do trespassante pelo
trespassário na titularidade de direitos, obrigações e relações jurídicas, evita as questões atinentes à determinação concreta
do âmbito material e jurídico do trespasse, evita o direito de preferência do senhorio, se as instalações forem arrendadas e
é menos dispendioso em termos fiscais e emolumentares.
E concluiu:
Assim, não tendo existido qualquer trespasse, falece a pretensão dos autores, devendo, em consequência, a
acção improceder».
Apelaram os AA, insistindo que a alienação de acções em causa teve lugar num contexto tão marcante que, de
todos os pontos de vista, faz dela o caso mais paradigmático de “desconsideração” da personalidade jurídica de sociedades
comerciais.
13
Sociedade Hoteleira do C...P..., Lda. - cuja actividade é também a indústria hoteleira, ficando, deste modo, como única
accionista.
Esta, logo no próprio dia da compra - 11/02/2002 - face à renúncia em bloco dos membros dos órgãos sociais da
ré DD, S.A., designou novos membros para os mesmos órgãos, que não são nada mais nada menos que os compradores
das participações sociais à ré DD, S.A., ou seja, as pessoas que fazem parte dos órgãos sociais da compradora e que estão
ligadas entre si por laços familiares.
Ou seja, o que se extrai destas operações é que desde o dia 11/02/2002, a empresa Sociedade Hoteleira do
C...P..., Lda. administra a sociedade DD, S.A.
Ora, se no próprio dia da compra das participações sociais da sociedade DD, S.A., a sociedade adquirente
designa para membros dos órgãos sociais daquela, pessoas ligadas por laços familiares aos novos adquirentes das
participações sociais, não há dúvidas de que do que se trata é de um verdadeiro caso de desconsideração da
personalidade jurídica da ré sociedade DD, S.A., tendo-se camuflado a venda da empresa social da forma supra descrita,
ou seja, com a compra de participações sociais da ré, o que se pretendeu verdadeiramente adquirir foi a própria empresa
social. O que quer dizer que os adquirentes das participações sociais passaram a ter, desde o já referido dia 11/02/2002 e
de um modo decisivo o poder de disposição da empresa DD, S.A.
Com efeito, neste caso concreto, aplica-se aqui inteiramente o decidido pelo Ac. TRP de 17/02/20009, ao afirmar
que "É inquestionável, parece, perante estes elementos que os adquirentes não pretenderam apenas adquirir as
participações sociais da empresa ré, mas a própria empresa explorada pela sociedade.
(...) é indubitável que, face àqueles elementos, não pretenderam transaccionar apenas acções e o correspondente
feixe de direitos sociais nelas corporizado, tendo pretendido adquirir o domínio da empresa ou a posição dominante nesta".
Assim sendo, o fundamento da desconsideração encontra-se no art° 334° do CC, o que permite a sua imediata
aplicação «de jure condito», o que quer dizer que "a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade traduz-se no
desrespeito pelo princípio da separação entre ela e os seus sócios e origina a responsabilidade directa e ilimitada dos
sócios e dos membros sociais com base no abuso de direito".
Esta conclusão implica que consideremos que a alienação operada por todos os então sócios da ré, da totalidade
das participações sociais da mesma, pela sociedade Hoteleira do C...P..., Lda. se traduza, de acordo com a orientação da
Doutrina e Jurisprudência - de cuja amostra tentámos fazer uma súmula supra - num verdadeiro trespasse de
estabelecimento comercial, entendido este como todo e qualquer negócio pelo qual seja transmitido definitivamente e inter-
vivos um estabelecimento comercial, como unidade.
E concluiu:
Face ao resultado a que se chegou e em conjugação com a matéria fáctica fixada, não restam dúvidas de que a
alienação das participações sociais, camuflando um trespasse, devia ter sido comunicada aos AA., no prazo de 15 dias, tal
como prescreve o art° 1038° al. g) do CC.
Não tendo sido comunicada tal alienação, violou a ré o contrato de arrendamento em causa, de sorte a facultar
aos AA. fundamento para a resolução do mesmo, nos termos do art° 64° n° 1 al. f) do RAU.
Em face do exposto e sem necessidade de mais amplas considerações, na procedência da apelação, revoga-se a
sentença recorrida, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento em causa e condenando-se a apelada a
despejar imediatamente o prédio identificado no n° 1 da matéria factual provada e a entregá-lo aos apelantes inteiramente
livre e desocupado».
Foi a vez de a Ré pedir revista para que se mande prevalecer o decidido em 1.ª Instância: não é caso de
levantamento da personalidade colectiva, não foram demandados os accionistas da ré e não ocorreu qualquer transferência
do estabelecimento a requerer notificação ao senhorio que, durante quase um ano e depois de conhecer a transmissão das
acções da Ré, continuou a receber as rendas.
Como se vê da alegação que coroou com estas conclusões:
…
Com a alegação da Recorrente foram juntos dois Pareceres, um subscrito pelo Ex.mo Senhor Professor Menezes
Cordeiro, tratando mais do levantamento da personalidade colectiva, e outro da autoria do Ex.mo Senhor Professor Pinto
Monteiro, versando mais desenvolvidamente os efeitos da transmissão das acções da Ré, o trespasse e o arrendamento.
14
II. A lei aplicável não obriga a tal comunicação, no caso de modificação da composição accionista da sociedade
arrendatária: esta mantém-se como arrendatária, não havendo qualquer cedência de gozo.
Pergunta-se: porque não proceder ao levantamento da personalidade com a consequência de obrigar os
accionistas, eles próprios, a fazer a comunicação da "cedência"?
III. A presente acção não foi movida contra quaisquer accionistas: apenas contra a sociedade. Ora, a haver
levantamento, os próprios accionistas ficariam obrigados. Só por aqui se vê que, estruturalmente, a acção não pode ter
êxito.
IV. Além disso, verifica-se que, por uma "falha" mínima, totalmente assente num ponto doutrinário controverso, se
iria demolir uma empresa próspera de hotelaria. Haveria - aqui sim - um abuso do direito por desequilíbrio no exercício das
posições jurídicas.
V. Finalmente: os autos não contêm, a nível de factos, nada que permita detectar uma atitude maliciosa por parte
da ré. Não se diz, em parte alguma, que os senhorios tenham sido prejudicados ou que se tenha pretendido qualquer efeito
contrário ao Direito.
Com factos tão magros, nem a mais objectiva concepção do abuso do direito poderia ser aplicada. De outro modo,
qualquer exercício, só por si, já seria abuso, o que surge impensável.
Por qualquer destas razões, o presente recurso merece ser atendido, revogando-se o douto acórdão recorrido, por
forma a deixar subsistir o decidido em 1.ª Instância.»
«1ª - O Acórdão de 27 de Junho de 2006, do Tribunal da Relação de Lisboa, ordenou o despejo da sociedade
arrendatária do Hotel D..., por esta sociedade não ter comunicado ao senhorio que as acções representativas da totalidade
do respectivo capital social haviam sido transmitidas.
2ª - A lei apenas impõe ao inquilino que comunique ao senhorio a cedência do gozo do imóvel. Mas o Tribunal a
quo, partindo do pressuposto de que o inquilino tem a obrigação de comunicar o trespasse da empresa, ordenou o despejo
por, no fundo, entender que trespasse é o mesmo que transmissão da totalidade das acções de uma sociedade anónima.
3ª - Esta equiparação entre trespasse e transmissão da totalidade das acções foi justificada através da
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, com o argumento de que ao adquirirem a totalidade das acções
os sócios quiseram tomar o domínio da sociedade e da própria empresa.
4ª - Porém, não se encontra provado nos autos nenhum facto respeitante à vontade das partes no negócio de
transmissão das acções, negócio (ou negócios?) que o Tribunal não conheceu sequer.
5ª - Ficcionando uma vontade negocial que não se encontra provada nos autos, o Tribunal a quo procedeu a uma
equiparação entre trespasse e transmissão da totalidade das acções que, todavia, não cuidou de circunscrever a quaisquer
especificidades do caso concreto.
6ª - Aliás, só assim se pode explicar que o Tribunal tenha invocado, em abono da sua tese, Autores que se
pronunciaram sobre a equiparação de trespasse e transmissão da totalidade das acções a respeito de uma situação
totalmente distinta daquela apreciada nos autos.
7ª - Com efeito, a doutrina citada para sustentar a decisão não é, de forma nenhuma, aplicável ao caso sub judice:
FERRER CORREIA, CALVÃO DA SILVA, HENRIQUE MESQUITA, ALMENO DE SÁ pronunciaram-se sobre a questão de
saber se o comprador das acções pode invocar, perante o vendedor, que a sociedade não tem a situação patrimonial que
este exibiu e deu a conhecer àquele.
8ª - Ora, isto nada tem que ver com o caso dos autos, em que não se trata de as partes no negócio de
transmissão das acções, com base na vontade subjacente ao negócio por si celebrado, invocarem a situação patrimonial da
sociedade para daí extraírem consequências sobre a relação contratual em que elas próprias são partes.
9ª - No caso dos autos, do que se trata é de permitir que um sujeito estranho ao negócio (o senhorio) invoque
perante outro sujeito também estranho ao negócio (a sociedade inquilina) a transmissão das acções efectuada entre
terceiros (os accionistas da sociedade), para sustentar que a sociedade tinha o dever de comunicar ao senhorio um acto (a
transmissão das acções) em que aquela sociedade não fora parte e que até poderia não conhecer.
10ª - Aliás, a provar que o caso não é o mesmo está o facto de Ferrer Correia, citado no aresto recorrido a
propósito da equiparação entre trespasse e transmissão da totalidade das acções no que toca às relações entre o
comprador e o vendedor dos títulos, ter rejeitado, expressamente, a equiparação entre os dois negócios no âmbito da
relação de arrendamento para comércio.
11ª - Para efeitos do dever de comunicação ao senhorio da cedência do gozo da coisa - e era apenas para estes
efeitos que o Tribunal deveria ter averiguado se se justifica a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
inquilina - não existe nenhum motivo para proceder à desconsideração da personalidade jurídica.
12ª - Efectivamente, sendo a ratio da norma (o art. 1038°, al. f), C. Civ) permitir ao senhorio conhecer a cedência
do gozo do imóvel, para assim poder conferir que tal cedência preenche os pressupostos legais para a dispensa do seu
15
consentimento, só faria sentido equiparar o trespasse à transmissão das acções se esta transmissão tivesse, em regra, de
ser consentida pelo senhorio.
13ª - De facto, se a comunicação visa permitir ao senhorio conferir que a cedência do gozo do imóvel não estava,
excepcionalmente, sujeita ao seu consentimento, então, para se equiparar o trespasse à transmissão das acções é
necessário mostrar que o senhorio necessitava, no caso em apreço, da comunicação para que esta cumprisse a função que
a lei lhe comete: permitir, no caso, controlar que a transmissão das acções não estava, excepcionalmente, sujeita ao
consentimento do senhorio do imóvel.
14ª - Ora, é absolutamente inquestionável que não só o senhorio não tinha que consentir na transmissão das
acções (acções ao portador, sublinhe-se) da sociedade inquilina, como não poderia sequer um contrato de sociedade
anónima nem um contrato de arrendamento subordinar tal transmissão ao consentimento do senhorio (art. 328° CSC).
15ª - É absolutamente irrelevante no plano da relação contratual de arrendamento a transmissão das acções da
sociedade inquilina, pois seria absurdo aceitar que o senhorio invocasse que, ao celebrar um contrato de arrendamento com
uma sociedade anónima com acções ao portador, tinha em vista determinadas pessoas dos sócios e que, por isso, a
alteração do corpo de accionistas lhe atribui direito ao despejo da sociedade inquilina, na falta de consentimento.
16ª - Por outro lado, não se vislumbra em que medida se poderia acusar os accionistas de se terem servido da
personalidade jurídica da sociedade contra os fins para que a lei a consagra.
17ª - Com efeito, a transmissão de acções como forma de mobilização da riqueza empresarial é a função típica da
sociedade anónima: este tipo societário existe exactamente para que, de modo fácil, seguro e expedito, possam circular no
tráfico os valores empresarias, através da alienação de acções.
18ª - Acresce que não se provou nos autos que os transmitentes das acções tivessem querido defraudar qualquer
aspecto do regime legal relativo ao trespasse do estabelecimento.
19ª - Aliás, nem parece que essa prova fosse sequer possível, pois convém não esquecer que, caso tivesse sido
trespassado o estabelecimento, nem por isso seria necessário o consentimento do senhorio e nem por isso o senhorio
poderia despejar a sociedade Ré. Em que medida, então, a transmissão das acções constituiria um defraudamento do
regime legal do trespasse?
20ª - Acresce, no caso concreto, mesmo que fosse de seguir a posição do Tribunal "a quo" de assimilar trespasse
e transmissão das acções, nem assim deveria ser ordenado o despejo.
21ª - De facto, a sociedade Ré comunicou ao senhorio a transmissão das acções, por carta datada de 15 de
Março de 2002 (documento junto aos autos pelos próprios Autores), tendo o senhorio, após essa comunicação, continuado
a receber as rendas da sociedade.
22ª - Ora, se a transmissão das acções corresponde a uma cessão da posição de arrendatário no âmbito de um
trespasse, como pretende o Tribunal "a quo", então o senhorio recebeu, ao longo de mais de um ano, as rendas do "novo"
inquilino e, portanto, nos termos do art. 1049° CCiv, "reconheceu-o como tal ", com o que deixou de existir fundamento para
o despejo, mesmo que fosse de seguir a posição do douto Acórdão recorrido.
23ª - Em face de todo o exposto, deve a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ser revogada, dando-se
provimento ao recurso a interpor nos autos pela sociedade Ré e negando-se, concomitantemente, a pretensão do senhorio
em que seja ordenado o despejo do imóvel onde se encontra instalado o Hotel D...: não só a sociedade Ré não tinha que
comunicar a transmissão das acções, como, de facto, até procedeu a essa comunicação e o "novo inquilino " foi
reconhecido como tal.«
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação, as de
saber se
I – não tendo havido abuso de direito na transmissão das acções não havia lugar ao levantamento ou
desconsideração da personalidade jurídica da Ré – conclusões a) a p);
II – a transmissão das acções não causou prejuízo a ninguém – al. q) a cc);
III – a ter havido trespasse, não houve cessão do direito ao arrendamento, pelo que nada havia a comunicar aos
senhorios – conclusões dd) a pp);
IV – os senhorios receberam rendas da Ré, mesmo depois de esta lhes ter comunicado a transmissão das acções
– conclusões qq) a tt);
V – o despejo implicaria o encerramento do hotel e o desemprego dos seus trabalhadores – conclusões uu) a vv).
1 - Por escritura pública de 12 de Março de 1969, exarada no 19º cartório Notarial de Lisboa, de folhas 8 a folhas
14 do livro n.º 62–B, EE que também usava o nome de EE, casado, natural da Moita e residente em Lisboa, e os seus filhos
e ora Autores neste processo, acima identificados, BB e CC, declararam dar de arrendamento à sociedade Ré, o prédio
urbano, situado em Lisboa, na Rua Castilho, n.º ..., implantado no terreno em que existira outro prédio urbano demolido,
16
com os números de polícia 80 a 84, inscrito na matriz urbana da freguesia de São Mamede, sob o artigo 483, e descrito na
6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 923, a folhas 118 do livro B-3;
…
14 - Na sequência do contrato de arrendamento referido em A) a M), passou a funcionar no prédio dado de
arrendamento o “Hotel D...”, cuja exploração tem constituído, desde então até ao presente, o objecto da actividade da
sociedade Ré, que foi constituída em 1969;
…
18 - Em 11 de Fevereiro de 2002, os accionistas da Ré venderam as suas participações sociais - acções -
representativas da totalidade do respectivo capital social;
…
19 - Eram, então, accionistas da Ré, FF e familiares deste, incluindo filhos e filha e GG e familiares da mesma;
20 - Em 11 de Fevereiro de 2002 realizou-se uma Assembleia Geral da Ré;
21 - De harmonia com a respectiva acta, na Assembleia encontrava-se “a accionista única “Sociedade Hoteleira
do C...P..., Ldª.”, devidamente representada pelos Senhores HH, Dr. II e JJ ...”;
22 - Nessa Assembleia, foram tidas em consideração “as cartas de renúncia dos membros da Assembleia Geral,
Senhores Eng.º. LL e MM e dos membros do Conselho de Administração, Senhores FF, NN e OO“ cujos mandatos
terminariam em 31 de Dezembro de 2002;
23 - E foi aprovada pela accionista única a designação dos novos membros dos referidos órgãos sociais para o
triénio em curso, que terminava em 31 de Dezembro de 2002, nos seguintes termos:
a) Mesa da Assembleia Geral: - Presidente - PP, Secretária QQ
b) Conselho de Administração: - Presidente - HH, sendo vogais II e JJ.
Com base nestes factos decidiu a 1.ª Instância, com aplauso da Ré, que a venda das acções representativas de
todo o capital da sociedade não influiu na personalidade jurídica da Ré que continuava a ser a arrendatária; não tendo
havido qualquer negócio do estabelecimento, nada havia que comunicar aos Senhorios.
A Relação de Lisboa, não podendo deixar de entender que a arrendatária era a mesma sociedade cuja
personalidade jurídica se mantinha, recorreu à figura jurídica da desconsideração ou levantamento da personalidade
colectiva para concluir que os adquirentes não pretenderam apenas adquirir as participações sociais da empresa ré, mas a
própria empresa explorada pela sociedade.
(...) é indubitável que, face àqueles elementos, não pretenderam transac-cionar apenas acções e o
correspondente feixe de direitos sociais nelas corporizado, tendo pretendido adquirir o domínio da empresa ou a posição
dominante nesta".
…
Esta conclusão implica que consideremos que a alienação operada por todos os então sócios da ré, da totalidade
das participações sociais da mesma, pela sociedade Hoteleira do C...P..., Lda. se traduza … num verdadeiro trespasse de
estabelecimento comercial, entendido este como todo e qualquer negócio pelo qual seja transmitido definitivamente e inter
vivos um estabelecimento comercial, como unidade.
E concluiu:
Face ao resultado a que se chegou e em conjugação com a matéria fáctica fixada, não restam dúvidas de que a
alienação das participações sociais, camuflando um trespasse, devia ter sido comunicada aos AA., no prazo de 15 dias, tal
como prescreve o art° 1038° al. g) do CC.
Não tendo sido comunicada tal alienação, violou a ré o contrato de arrendamento em causa, de sorte a facultar
aos AA. fundamento para a resolução do mesmo, nos termos do art° 64° n° 1 al. f) do RAU.
Partindo da natureza obrigacional - O arrendamento tem natureza essencialmente pessoal, ainda que equiparado
aos direitos reais para certos efeitos - 1037º, nº 2, 1276º e ss e 1285º.
... o direito do locatário, por mais piruetas que os autores dêem à volta do seu regime e por mais rombos que o
legislador vá abrindo no casco da sua couraça original, continua a ser um direito de raiz estruturalmente obrigacional,
assente no dever que recai sobre o locador de proporcionar ao locatário o gozo (temporário) da coisa, para o fim a que ela
se destina - RLJ, A. Varela, nº 3749, pág. 249, comentário a Ac. STJ, de 21.12.82, e BMJ 458-227, com indicação de muita
doutrina e jurisprudência.
O art. 1038.º do Código Civil impõe ao locatário, entre outras, as obrigações de
f) - Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua
posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar;
17
g) Comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos,
quando permitida ou autorizada.
É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do
senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial – n.º 1 do art. 115.º do RAU.
Trespasse é o contrato pelo qual se transmite definitivamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a
exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Ou a transmissão definitiva, por acto entre vivos, a
título oneroso ou gratuito, da titularidade do estabelecimento comercial - Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª ed., 674;
Antunes Varela, RLJ 115, 253, nota 1, ali transcrita.
Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 64.º do RAU, o senhorio (só) pode resolver o contrato se o arrendatário …
ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos … ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o
disposto no art. 1049.º.
Como dito neste art. 1049.º, o locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do
disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da
alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.
Da conjugação do disposto nesta norma com o comando ínsito na al. g) do art. 1038.º resulta que a comunicação
da cessão, por cedente ou pelo cessionário, há-de ser feita nos quinze dias seguintes à redução a escrito do trespasse.
A comunicação tem por finalidade dar conhecimento do facto ao senhorio para que este possa ajuizar da
legalidade do negócio jurídico e extrair as necessárias consequências.
O prazo de 15 dias, que é de direito substantivo, conta-se a partir da celebração por escrito do trespasse e não a
partir da data da posse material do estabelecimento, pouco importando que o senhorio venha a tomar conhecimento da
comunicação para além do prazo, não estando sujeita a qualquer requisito especial de forma.
Não sendo comunicado o trespasse o senhorio pode resolver o contrato em acção proposta contra o arrendatário
por ser ineficaz em relação a si a cedência do direito ao arrendamento, visto ser alheio à transmissão.
A dispensa da autorização do senhorio para o trespasse tem carácter imperativo, pelo que será nula qualquer
cláusula contratual que a restrinja, como a que proíbe o trespasse ou o torne dependente de autorização daquele, a
conceder posteriormente - Aragão Seia, op. cit., 679..
E se duas ou mais sociedades se fundirem, nos termos do art. 97.° do C. S. Comerciais ou se uma sociedade se
cindir, em conformidade com o disposto no art. 118.° do mesmo Diploma?
… quer na fusão quer na cisão de sociedades, desde que haja transmissão ou transferência de estabelecimento
comercial que englobe um direito de arrendamento, é sempre necessária a comunicação da al. g) do art. 1038 do CC ao
senhorio … - Ibidem, 679 a 683. No sentido, Henrique Mesquita, RLJ 131, pág. 147 e ss, quanto à fusão de sociedades.
O acima dito não suscita dúvidas de maior. Tanto assim que a Relação teve de recorrer à desconsideração da
personalidade colectiva para concluir que a alienação das participações sociais, camuflando um trespasse, devia ter sido
comunicada aos AA., no prazo de 15 dias, tal como prescreve o art° 1038° al. g) do CC. Ou seja, por baixo do negócio
societário aparente escondia-se, camuflava-se, um trespasse.
18
«O CSC veio esclarecer indubitavelmente que todos os tipos de sociedades comerciais, regularmente
constituídas, têm personalidade jurídica.
Na verdade, o art. 5.° diz expressamente que "as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como
tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição
de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras".
As sociedades comerciais são pessoas colectivas de tipo associativo. Mesmo as sociedades comerciais
unipessoais são pessoas "colectivas" (pessoas jurídicas não singulares ou não físicas) de base pessoal, nessa medida se
distinguindo das fundações, que têm base patrimonial.
2. A consideração das sociedades comerciais como pessoas jurídicas tem consequências jurídicas importantes,
de que convêm destacar desde já as seguintes.
Consequência fundamental do reconhecimento da personalidade jurídica às sociedades comerciais é a existência
de um novo sujeito de direitos e obrigações, distinto dos sócios e com um património separado dos patrimónios destes.
…
Por outro lado, os credores particulares dos sócios não podem, em regra, fazer executar os bens da sociedade.
…
Nas sociedades anónimas, os credores dos accionistas podem fazer penhorar as acções e vendê-las
(inclusivamente na bolsa, se nela tiverem cotação - CPC art. 884.°, n.° 1), pagando-se com o produto da venda, ou obter a
sua adjudicação, tomando a posição de accionistas (uma vez que as acções são valores mobiliários livremente negociáveis
- CSC, arts. 326.°, n.° 7, 328.°, n.° 5).
…
Além disso, as entradas ou contribuições dos sócios para o capital da sociedade envolvem transmissão de bens
ou direitos daqueles para esta (alienação e aquisição); e o inverso se dá no caso de liquidação da sociedade - donde
resulta, designadamente, a transferência do risco da coisa ("res suo domino perit") e a incidência de sisa, quando se trate
de bens imobiliários (C Sisa, art. 8.°, n.° 13.°).
A transmissão das participações sociais (partes, quotas ou acções) não envolve transmissão dos bens da
sociedade, nomeadamente não envolve trespasse do estabelecimento comercial, nem está sujeita a sisa (C Sisa, art. 2.°, §
1.°, 6.°).
A sociedade permanece a mesma, apesar de sofrer alterações profundas nos seus elementos: se saírem ou
entrarem sócios, se adquirir ou alienar bens, se alterar a sua organização, se se transformar numa sociedade de tipo
diferente (por transformação com continuação, não por transformação novatória), etc.
…
Desconsideração da personalidade jurídica
1. O reconhecimento da personalidade jurídica da sociedade comercial vem estabelecer um princípio fundamental
de separação entre a sociedade e os sócios, assim como entre a sociedade e os titulares dos seus órgãos. Tal separação é
sobretudo importante do ponto de vista patrimonial. A sociedade torna-se, assim, um instrumento jurídico ao serviço da vida
económica.
Todavia, nem sempre tal instrumento é utilizado para fins lícitos.
Perante certos tipos de utilização abusiva da personalidade jurídica, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a
construir uma solução que começa a ser conhecida em Portugal como desconsideração (ou superação) da personalidade
jurídica - Corresponde ao "disregard of legal entity" ou "lifting the corporate veil", do direito anglo-americano, ao "Durchgriff",
da doutrina alemã, ao "superamento della personalitá giuridica", da doutrina italiana, e à "desestimación de la personalidad
jurídica", da doutrina espanhola..
Têm-se em vista casos como, por exemplo, os seguintes:
a) Um sócio mistura o seu património pessoal com o da sociedade (usando bens sociais para exclusivo proveito
pessoal, usando a mesma conta bancária para negócios pessoais e sociais, etc.), defendendo-se depois perante os
credores sociais com a limitação da sua responsabilidade na sociedade;
b) Os sócios mantêm a sociedade subcapitalizada, em relação ao volume de negócios em que a envolvem,
transferindo assim para os credores os riscos da empresa; ou suprem a subcapitalização mediante empréstimos
("suprimentos"), apresentando-se, em caso de falência da sociedade, como credores da sociedade em posição de
igualdade perante os autênticos credores sociais.
c) O sócio dominante provoca nos credores sociais a impressão de que responderá pessoalmente perante eles,
opondo-lhes depois o princípio da separação patrimonial;
d) Um sócio contorna uma proibição pessoal de concorrência ou de exercício de certa actividade, utilizando uma
sociedade que domina;
e) Um sócio impedido de votar, numa deliberação da sociedade (A), utiliza uma sociedade (B), que ele domina e a
quem cede a sua participação naquela (A), para votar nessa deliberação, em prejuízo dos outros sócios ou dos credores
sociais;
19
f) Um sócio diminui o património social através de gastos arbitrários, ou cobrando remunerações excessivas, ou
realizando negócios ruinosos para a sociedade, em favor de outra sociedade por ele dominada (directamente ou através de
familiares).
Neste género de casos, um elementar sentido de justiça leva a defender a responsabilização directa e ilimitada
dos sócios (e algo de semelhante se pode dizer dos membros dos órgãos sociais) por actos formalmente imputáveis à
sociedade e apesar do princípio da separação de patrimónios.
Como fundamentar, porém, tal responsabilidade directa e ilimitada, quando a lei não a preveja explicitamente e,
pelo contrário, afirme a separação patrimonial da pessoa colectiva e a limitação da responsabilidade? O problema pode pôr-
se em relação a qualquer tipo de pessoa colectiva e não apenas de sociedade comercial, mas apresenta, quanto a esta,
alguns aspectos específicos, que interessa analisar aqui.
2. O tema da desconsideração surgiu, pela primeira vez, na jurisprudência norte-americana, com base na teoria do
"disregard of legal entity".
…
3. Na doutrina, contrapõem-se fundamentalmente três teorias: a teoria subjectivista, a teoria da aplicação da
norma e a teoria objectivista.
Todas entendem que a desconsideração significa uma derrogação do princípio legal da separação, que só pode
admitir-se a título excepcional, para certos casos concretos. A desconsideração consiste, na verdade, numa correcção das
consequências jurídicas da imputação à sociedade, segundo as regras gerais, de certos actos que, pelo seu carácter
abusivo ou pela sua finalidade extra-societária, se entende que, excepcionalmente, devem obrigar outras pessoas (ou
outros patrimónios).
As divergências surgem quanto à definição dos pressupostos ou requisitos da responsabilização dessas outras
pessoas.
…
Não há dúvida que a lei portuguesa – mais claramente no CSC, do que ao tempo do CCom - prevê vários casos
em que, por actos juridicamente imputáveis à sociedade-pessoa colectiva, respondem, não só esta, mas também os sócios
ou/e os membros dos órgãos sociais.
É o que se passa, por exemplo, com os casos de responsabilidade civil dos administradores (como tais, por actos
praticados em nome da sociedade) e de outros membros de órgãos sociais para com os credores sociais e para com os
sócios e terceiros (CSC art. 78.° a 82.°); de responsabilidade solidária do sócio por actos de membros de órgãos sociais por
ele designados (CSC art. 83.°); de responsabilidade do sócio único em caso de falência da sociedade (CSC art. 84.°); de
responsabilidade da sociedade directora ou dominante para com os credores da sociedade subordinada ou dependente
(CSC art. 501.° e 491.°) e por perdas da sociedade subordinada ou dependente (CSC art. 502.° e 491.°). Tais casos
podem considerar-se abrangidos no conceito de desconsideração em sentido amplo.
Mas, além disso, parece dever admitir-se, embora só excepcionalmente, a responsabili-dade dos sócios ou
membros dos órgãos sociais perante os credores sociais, outros sócios ou até terceiros, quando aqueles tenham um
comportamento, ainda que formalmente correcto, que se traduza na utilização da pessoa colectiva para um fim contrário ao
direito.
Tal responsabilidade pode fundamentar-se no art. 334.° do CCiv., sobre o abuso de direito, entendendo que a
generalidade das pessoas têm o direito de constituir pessoas colectivas e de exercer actividades por intermédio delas, mas
que esse direito tem "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".
Estes os casos de desconsideração em sentido estrito - Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2.º vol. Sociedades
Comerciais, 1989, edição da AAFDL, pág. 227, 230, 232, 233, e 237 a 245, maxime, 240 e 244.».
«As excepções legais (à limitação da responsabilidade dos sócios perante a sociedade e os credores desta)
funcionam independentemente dos estatutos ou da vontade dos sócios e decorrem da lei, ou mesmo da jurisprudência ou
da doutrina. Nestes casos, normalmente, está em causa um desvio funcional, um abuso ou uma conduta ilícita.
…
A "crise da personalidade jurídica" levou a doutrina e a jurisprudência, para além de casos directamente previstos
na lei, a criarem a figura geral e abstracta da desconsideração da personalidade jurídica, através da qual é possível atingir
os patrimónios individuais dos sócios em situações de abuso funcional do instituto, designadamente nas sociedades fictícias
e nos casos em que não é respeitado o princípio da separação de patrimónios. Trata-se de situações de responsabilidade
pessoal dos sócios, que, não estando previstas directamente na lei resultam de construções doutrinárias ou
jurisprudenciais. São, por conseguinte, também excepções ao princípio da limitação da responsabilidade. - A. Pereira de
Almeida, Sociedades Comerciais, 4.ª edição, Setembro de 2006, 21, 29, 31, 43.»
As acções, como valores mobiliários, constituem uma técnica jurídica para permitir a sua circulação com facilidade
e segurança - Op. cit., 60 e ss.. A transmissão das acções faz-se de acordo com o disposto no Código dos Valores
20
Mobiliários, aprovado pelo Dec-lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, que revogou o regime constante dos art. 326.º e 327.º do
CSC.
O art. 328.º do CSC estabelece a regra fundamental de que o contrato de sociedade não pode excluir a
transmissibilidade das acções nem limitá-la além do que a lei permitir.
Como simples construção normativa para satisfação e tutela de interesses humanos, que são o fim último do
direito e a sua única razão de ser – hominum causa omne ius constitutum est – não deixará, no entanto, de se assinalar
que, sempre que com ela (personalidade colectiva) esses interesses sejam desvirtuados, estará ainda naturalmente sujeita
ao que, na terminologia anglo-americana se chama disregard of legal entity, entre outras designações, e que, transposto
para outras ordens jurídicas, veio a ser conhecido, na terminologia germânica, por Durchgrieftheorie e, na italiana, por
superamento della personalità giuridica.
Entre nós, tem-se-lhe chamado superação, ou desconsideração da personalidade jurídica. No fundo, trata-se de
deixar de reconduzir à sociedade actos abusivos das pessoas singulares que agem como titulares dos seus órgãos. Em
certos casos, a própria lei faz directamente essa transposição (arts. 78-82; 83; 84; 501 e 491; 502 e 491 CSC) - mas o tema
ganha particular acuidade quando, não havendo disposição legal, o abuso da personalidade jurídica deva levar, para
sancionar o abuso do direito perpetrado por detrás do véu da personalização, a imputar directamente o acto ao seu autor
material, ou a responsabilizá-lo directamente por esse facto - Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª ed., 2001,
pág. 261/262.».
A personalidade jurídica – art. 5.º - das sociedades comerciais - e das civis sob forma comercial - art. 1º, nº 4 CSC
- significa que são uma individualidade jurídica que se não confunde com a dos sócios.
As sociedades têm nome (firma - art. 10º), sede (domicílio judiciário - 3º e 12º do CSC e 82º, 86º, 236º, nº 1 e 237º
CPC), órgãos que formam, manifestam e executam a vontade dela, um estatuto ou pacto que é a sua lei interna, um
património próprio e afecto aos seus fins, personalidade e capacidade judiciária, activa e passiva (arts. 6°, d), 7° e 8° CPC).
Passam a ser donas dos bens com que os sócios realizam as suas entradas, podendo usar, alienar ou onerar
esses bens.
A posição jurídica dos sócios perante a sociedade não envolve um direito sobre aqueles bens. É sempre um
direito, um bem móvel - 204º CC - cuja transmissão não paga sisa, mesmo que a sociedade tenha bens imóveis.
A sociedade mantém a sua individualidade jurídica, apesar das mutações de sócios ou património.
«Entendemos por desconsideração o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus
sócios ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles
que por detrás dela actuam.
…
Todas as instituições da criação humana estão sujeitas a abusos. A esta realidade, também o instituto jurídico
sociedade comercial não se furta - Pedro Cordeiro, A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades
Comerciais, em Novas Perspectivas do Direito Comercial, Almedina, 1988, 291 e ss.».
21
Porém, a sua admissibilidade resulta do ordenamento jurídico na sua globalidade e em particular das ideias
contempladas no princípio do abuso de direito (que por sua vez remete para a boa-fé, os bons costumes e o fim social e
económico de cada direito).
Face ao exposto estão, assim, reunidos os requisitos para o intérprete integrar a lacuna legal através do meio
infra-sistemático ao seu alcance - a criação de uma regra nos termos do art. 10. °, n. ° 3 do C. C..
…
2. A desconsideração pode ser entendida sob dois prismas:
- Num, mais amplo, como desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus sócios ou os
membros dos seus órgãos;
- Noutro, mais restrito, como a correcção a uma primeira imputação legal de direitos à pessoa colectiva ou aos
seus membros, feita, imediatamente, com base num abuso de instituto.
Em qualquer caso a desconsideração tem carácter excepcional, já que derroga o princípio da separação
consagrado pelo legislador.
3. Os seus pressupostos são, pois, o abuso objectivo de instituto e o domínio.
4. As consequências da desconsideração variam na razão directa do abuso cometido.
5. Aquele que comete o abuso de instituto nos termos expostos, prevalecendo-se da sua posição de domínio,
deve indemnizar os restantes membros da pessoa colectiva que tenham sofrido prejuízos em virtude do seu
comportamento.
6. O fundamento genérico da desconsideração - que deve ser consagrada «de jure condendo» através de uma
regra geral própria - encontra-se no art. 334.° do C. C., o que permite a sua imediata aplicação «de jure condito».
7. Do que fica dito podemos, pois, concluir que a desconsideração é um meio genérico de combate ao abuso da
pessoa colectiva, devendo como tal ser acolhida pela nossa ordem jurídica.
É o intuito de salvaguarda das próprias pessoas colectivas em geral (e das sociedades comerciais em particular),
da manutenção do crédito e da limpidez que deve presidir à vida jurídica que assim o justificam e impõem - Ibidem,
309/311.».
Em Conferência proferida no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, a 18 de Dezembro de 2003,
publicada no Boletim da Ordem dos Advogados n.º 30, Janeiro/Fevereiro de 2004, ficou dito:
«Esta operação complexa não é de fácil interiorização no foro. A técnica não oferece em absoluto segurança a
quem decide, desconfortável por não dispor de claros pressupostos de aplicação da medida. Por isso, compete ao
interessado provar as manifestações de conduta societária reprovável. E estas estão hoje razoavelmente sistematizadas.
Entre elas, avultam as hipóteses de confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas da sociedade e dos
sócios. Se – quanto aos comportamentos – o sócio ou os sócios tratam e dispõem do património da sociedade como se
fosse “coisa própria” (e vice-versa), se pagam débitos sociais por meio de contas bancárias pessoais, se recorrem
sistematicamente à tesouraria da sociedade para extinguir as suas obrigações pessoais e familiares ou financiar os gastos
desta órbita, se exercem em nome da sociedade, ou na veste de sócio, actos e negócios jurídicos respeitantes a bens da
titularidade individual (ainda que acompanhados por outra pessoa: cônjuge, familiar ou amigo conluiado), se não separam
da sua vida pessoal ou do funcionamento de outras sociedades que controlam os locais de trabalho e sedes, as linhas de
comunicações, os assalariados, e – agora quanto à qualidade dos comportamentos – todas estas circunstâncias (isolada ou
conjugadamente) transitam de um patamar de anormalidade ocasional para se figurarem como manifestações normais de
utilização persistente e reiterada do nome e das estruturas formais de exteriorização da sociedade nas relações com
terceiros, estaremos perante um caso sintomático de legitimidade “desconsiderante”.
4. Sobra, no entanto, uma outra dificuldade. Qual a bitola do abuso (institucional) e a fronteira do não abuso?
Quando podemos afirmar com segurança que o comportamento dos sócios foi abusivo?
Para ajudar a resolver esta indefinição, temos defendido que a relevância do abuso carece do requerimento de
uma actuação em fraude à lei. Nesta estará abrangida a existência de um efeito prejudicial a terceiros. Logo, interessará
sempre visualizar na conduta do agente (sócio) uma combinação de actos, ainda que formalmente lícitos, para atingir um
fim ilegítimo, visível num resultado danoso: o desfavorecimento dos interesses de autonomia e suficiência económico-
patrimonial da sociedade, que se actualiza no momento da insatisfação dos direitos creditícios, resultado da delapidação do
património social.
Um outro caso.
22
Carlos, Dora, Ernesto, Fernando e a sociedade por quotas X, sócios da sociedade anónima Y, que explora uma
empresa têxtil, vendem a maioria (ou a totalidade, numa outra variante) das suas acções à sociedade por quotas Z. Apesar
de se terem negociado as participações, o que substancial ou indirectamente a sociedade Z quis adquirir foi a empresa
titulada pela sociedade Y, tendo em vista a continuidade da sua exploração. Estará aberta a possibilidade de equiparar a
venda das acções à venda da empresa (a desconsideração está aqui: “atribuir ao sócio ou sócios vendedores a venda de
um bem – a empresa social – que somente à sociedade competiria efectuar”) e tornar equivalente a condição de sócios da
sociedade cujas participações foram alienadas à condição de trespassantes. Não só para estes estarem submetidos à
obrigação implícita de não concorrência, como para convocar a disciplina do trespasse.
Nesta, será ajuizado atribuir o direito de preferência ao senhorio proprietário do imóvel onde se instala o
estabelecimento da sociedade (nos termos do art. 116º, 1, do RAU). E, ainda que a sociedade permaneça arrendatária e só
mude o seu substrato, também não se nos afigura irrazoável buscar a sindicância do art. 115º do mesmo RAU. Ora, (i)
sabendo que hoje praticamente não se trespassam empresas, antes se transmitem participações de domínio ou de controlo
das sociedades que as exploram; (ii) sendo aquela última prescrição a norma decisiva para o senhorio fiscalizar a existência
de simulação no trespasse (o negócio real pode ser sobre o imóvel onde funciona a empresa, assim, a cessão da posição
do arrendatário – trespassante simulador – será ilícita por falta de consentimento do senhorio e motivadora de resolução do
contrato de arrendamento), não será defensável levantar a cortina da sociedade arrendatária e qualificar a venda das
participações como trespasse do estabelecimento social entre sócios vendedores e sócios adquirentes das participações
(pelo menos quando estejam em causa todas elas) e aplicar o art. 115.º a estas hipóteses?»
«A figura clássica do trespasse tem vindo a perder algum relevo em razão de específicas operações societárias.
Estas, na larga maioria dos casos, envolvem a transferência definitiva de um estabelecimento comercial (ou até de vários).
…
Confronte-se seguidamente a transmissão das participações sociais (conjunto de direitos - v. g., o direito de
quinhoar nos lucros - e de deveres - v. g., a obrigação de entrada - dos sócios) com o trespasse.
Em primeiro lugar, deve afirmar-se que tais actos não são confundíveis. Tomemos como exemplo uma sociedade
por quotas, um dos quatro tipos de sociedades comerciais permitidos por lei. Os sócios (ou, se for o caso, o sócio único)
daquela são titulares de um direito complexo que se concretiza no facto de serem titulares da quota que lhes corresponde.
Ora, esta participação social - o que de resto vale para qualquer outra (v. g., uma acção) - não tem que
permanecer necessariamente na esfera jurídica do sócio durante o período de vida da sociedade. O que vale por dizer que
a quota pode ser transmitida, nos termos legais, a outrem que, por via desse negócio, adquire a posição do anterior sócio
nessa sociedade.
Assim, a cessão da quota tem em vista, como o próprio nome indica, a transmissão da própria quota, o objecto
desse negócio. Quanto ao estabelecimento, que (eventualmente) integre o património da sociedade, permanece com a
cessão na esfera jurídica desta. Os sócios não têm direitos sobre os bens que compõem o património daquela, mas apenas
perante a sociedade. A realidade é, portanto, distinta do trespasse. Aqui o objecto do negócio é o próprio estabelecimento e
só ele. Estão, pois, em causa situações jurídicas diferentes, com consequências também elas diversas.
Cumpre, no entanto, questionar se a transferência de participações sociais pode fazer operar resultados práticos
semelhantes ao trespasse (e, em caso afirmativo, em que termos), sendo certo que inexiste qualquer alteração ao nível da
titularidade da pessoa jurídica, que permanece proprietária do(s) estabelecimento(s) que integram) o seu património,
embora os sócios da sociedade sejam agora outros. Por isso, e incidindo apenas o nosso olhar nos problemas inerentes à
transmissão da organização mercantil, deve referir-se que, apesar da cessão da(s) quota(s), v.g., os contratos ligados ao
estabelecimento permanecem intocados, assim como não se pode falar de qualquer transmissão de créditos. Desta sorte,
não cabe aludir à necessidade de consentimento do contraente cedido para que ocorra a cessão da posição contratual, nem
à imposição de notificação dos devedores, dado que não foram transmitidos quaisquer créditos.
Tem sido, porém, defendido por alguma doutrina que a cessão de participações sociais, maxime em globo ou até
na sua maioria, pode envolver uma "transmissão jurídica e indirecta" do estabelecimento, ou, dito de outro modo, uma
"transmissão da propriedade indirecta ou mediata sobre o estabelecimento".
Propõe-se, por isso, a aplicação do regime do trespasse sempre que a equiparação se justifique. Vejamos três
situações. Em caso de cessão total das participações sociais e coincidindo o património social com o património
empresarial, ao senhorio do imóvel onde está instalado o estabelecimento assiste o direito de preferência na sua venda ou
dação em cumprimento, ao abrigo do art. 116.° RAU. Por sua vez, o sócio ou os sócios cedentes da participação social
encontram-se também vinculados a não concorrer com a sociedade comercial, titular do estabelecimento mercantil.
Por fim, a venda (da totalidade ou da maioria) das participações sociais deve ser vista juridicamente como
alienação do estabelecimento, para efeito da aplicação do regime legal atinente à responsabilidade por vícios do bem
transmitido.
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Globalmente, esta orientação deve acompanhar-se, embora com uma ligeira observação. Não pondo em causa a
possibilidade de existir uma transmissão (por via indirecta) do estabelecimento envolvida na cessão da participação social,
ela porém deve restringir-se aos casos de transmissão total ou por larga maioria (ou como referem outros de uma "parte
considerável") das participações.
A problemática que tratámos é distinta daquela outra em que ocorre uma situação de desconsideração da
personalidade jurídica, pois se constata que a sociedade comercial foi usada de modo abusivo, como mera capa, para a
realização de actos não permitidos ao(s) seus) sócio(s). Figure-se o caso em que o trespassante, comerciante em nome
individual, constitui uma sociedade unipessoal por quota, exercendo através desta uma actividade concorrencial com o
trespassário» - Fernando de Gravato Morais, Alienação de Estabelecimento Comercial, 122/124..
«O relacionamento entre o tipo de referência e o fim indirecto pode ser exemplificado com o contrato de cessão de
quotas de sociedade comercial com o fim de trespasse do estabelecimento.
É correntíssimo, na prática, que a transmissão de um estabelecimento comercial seja feita através da cessão da
totalidade das quotas, ou da venda da totalidade das acções, da sociedade que é titular desse estabelecimento.
A generalidade dos estabelecimentos comerciais com alguma importância económica pertence a sociedades
comerciais e não a comerciantes individuais. A maior parte dos estabelecimentos de pequena dimensão pertence a
sociedades por quotas e a generalidade das sociedades por quotas, no comércio, tem apenas um estabelecimento. Esta
circunstância, que é corrente, permite que, para transmitir o estabelecimento, as partes se limitem a transmitir as quotas da
sociedade a que pertence. Esta prática não levanta necessariamente problemas de unipessoalidade da sociedade; basta
que os sócios anteriores transmitam a mais do que um sócio adquirente, com ou sem divisão das quotas. Em muitos casos
sucede mesmo que tanto os alienantes como os adquirentes são marido e mulher, com quotas iguais, sendo suficiente a
simples cessão das quotas.
A cessão das quotas, em casos como estes, tem vantagens sobre o trespasse. Evita a ruptura de relações
jurídicas característica do trespasse, com todos os problemas acarretados pela substituição do trespassante pelo
trespassário na titularidade de direitos, obrigações e relações jurídicas, evita as questões atinentes à determinação concreta
do âmbito material e jurídico do trespasse, evita o direito de preferência do senhorio, se as instalações forem arrendadas, e
é menos dispendiosa em termos fiscais e emolumentares.
Em contrapartida, envolve para o trespassário o risco de vir a ser surpreendido por passivos ou responsabilidades
com que não contava. No caso, que por vezes sucede, de o estabelecimento não ter certas características que foram
determinantes do negócio, designadamente licenças ou alvarás de funcionamento ou de abertura ao público, os Tribunais
admitem a anulação ou a modificação da cessão de quotas por erro sobre a base do negócio, nos termos do artigo 252.°/2
do Código Civil, desde que se alegue e prove que a cessão foi feita com o fim de transmissão do estabelecimento. Não se
trata apenas da relevância dos simples motivos que conduziram as partes à celebração do contrato, mas sim da base
negocial. O fim indirecto constitui a base do negócio e é relevante não só em termos de erro, mas também de alteração de
circunstâncias» - Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 253/254..
Ferrer Correia e Almeno de Sá - Parecer de Setembro de 1992, na Colect. de Jurisprudência, 1993, tomo IV, 15 a
32. recorreram à desconsideração da personalidade colectiva mas, sobretudo, à interpretação do contrato, para ver na
compra e venda de acções (inteiramente livres, sem defeitos ou onus) a compra e venda de empresa defeituosa, onerada, a
requerer aplicação do regime de venda de coisa defeituosa ou de bens onerados:
«De acordo com este ponto de vista, deverá equiparar-se a aquisição de participações sociais à aquisição da
própria empresa e aplicar-se, em consequência, o regime atinente à responsabilidade por vícios quando o comprador,
mesmo não tendo adquirido a totalidade das participações, consegue todavia uma posição dominante na empresa e a
vontade dos intervenientes se dirige, realmente, à sua alienação, surgindo a venda das quotas ou acções tão só como meio
ou instrumento para atingir esse escopo. Impõe-se responsabilizar o vendedor de participações sociais, explicita
HOMMELHOFF, quando a participação em causa proporciona ao seu detentor uma posição que equivale aproximadamente
à posição de um "proprietário da empresa".
Vem, assim, a desempenhar aqui um papel fundamental a interpretação do contrato, no quadro da tentativa de
descobrir a exacta vontade negocial dos intervenientes. Saber se se quis tão só a aquisição de direitos de participação ou
se, para além disso, se pretendeu, através da compra de tais direitos, a compra da empresa e, portanto, a obtenção da
"posição de empresário" - que ao vendedor compete então proporcionar na sua plenitude, são questões que só podem ser
adequadamente decididas com base na interpretação do contrato.
…
Nesta posição de fundo, que se traduz em considerar juridicamente a venda de participações sociais como
verdadeira venda da empresa, para efeitos de responsabilidade por vícios, é possível ver, como o faz alguma doutrina, um
caso de aplicação da teoria do "Durchgriff' ou "desconsideração" da pessoa jurídica. Como que se afasta o "écran" da
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pessoa colectiva, para chegar à realidade material que está por detrás dele. Ou seja, "desconsidera-se" o artefacto que é
sempre a personalidade colectiva, a fim de atingir o verdadeiro «objecto» da relação jurídica em causa. Na verdade, dir-se-á
que, no caso de alienação de quotas ou acções, os deveres primários de conduta se restringem, em princípio, às
participações sociais, pelo que a elevação da empresa a objecto jurídico do contrato "penetra" ou passa para lá da forma
jurídica, acabando por alcançar o exacto objecto económico do acordo negocial.
A verdade, porém, é que, bem vistas as coisas, o verdadeiro fundamento da solução encontra-se no próprio
contrato: é a interpretação deste que não só nos fornece o critério de delimitação das hipóteses, como igualmente constitui
a base jurídica da "transformação" da compra e venda de acções em compra e venda da empresa. Sendo certo que, em
tese geral, tanto as participações sociais como a empresa podem ser objecto de um contrato de compra e venda, aquilo que
se tem, de facto, em vista, no caso singular, decidem-no as partes.
Deste modo, se chegarmos a um resultado hermenêutico que, não obstante o texto contratual assentar na venda
de quotas ou acções, nos aponta a empresa como o verdadeiro objecto do contrato, então não será a autonomia da pessoa
jurídica que poderá pôr em causa tal resultado. É, por conseguinte, irrelevante o facto formal de o titular da empresa
continuar a ser, antes e depois das alienações, do ponto de vista técnico, a mesma sociedade. O resultado vale, em rigor,
porque, de acordo com a interpretação do contrato, é aquilo que os sujeitos intervenientes verdadeiramente queriam.
…
A ideia da separação de personalidade e da autonomia da pessoa colectiva, salienta-se aí, "não pode ser levada
ás últimas consequências. Tal ideia não pode ser invocada para legitimar soluções que sejam contrárias quer ao fim de uma
disposição concreta da lei, quer a uma vontade contratual expressa ou tácita, quer ainda aos princípios gerais da boa fé, do
abuso de direito e da fraude».
O mesmo concluiu Calvão da Silva - Compra e Venda de Empresas e A empresa como objecto de tráfico jurídico,
em Estudos de Direito Comercial, 137 a 163 e 165 a 197, com recurso à interpretação negocial e aplicação do regime de
compra e venda de bens onerados, erro sobre o objecto e cumprimento defeituoso, ensinando que no âmbito de aplicação
do art. 905.º do CC cabem não só a compra de coisa mas toda a espécie de objectos de compra, focando a literatura alemã,
a propósito do preceito paralelo (§ 434), expressamente, a compra de acções (…), a empresa (…) e títulos de valor.
Em qualquer destes casos – sobre a compra e venda de acções da Sociedade Financeira Portuguesa, acções
sem defeito mas defeituosa a empresa adquirida com a compra de acções pronunciou-se, também, Henrique Mesquita -
RLJ 127, pág. 217 e ss. - não estava em causa a transmissão de qualquer estabelecimento mas a própria empresa.
Nem podia esperar-se outro ensinamento do saudoso Professor Ferrer Correia que, a pág. 93 das suas lições
policopiadas, de 1968, ensinou:
«Titular dos bens é a sociedade, não são os sócios: o direito destes, no que tenha de patrimonial, dirige-se tão
somente à participação no dividendo dos lucros anuais e no activo de liquidação.
Esta qualificação serve de apoio a soluções práticas da importância das seguintes: aa) – a transferência para
terceiros das quotas ou acções da sociedade, ainda que total e realizada uno actu, não equivale ao trepasse do
estabelecimento, razão pela qual não lhe serão de aplicar as várias disposições da lei relativas ao trespasse, como, por
exemplo, as que lhe regulamentem a forma externa (Cód. do Notariado, art. 88º, al. k)) e as que conferem ao senhorio do
prédio, em tal hipótese, determinados direitos (direito de opção, direito à elevação da renda);».
Dispõe o art. 334.º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os
limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
De posse destes ensinamentos, podemos concluir que por trás da desconsideração ou levantamento da
personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que
abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais
geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros.
Logo, interessará sempre visualizar na conduta do agente (sócio) uma combinação de actos, ainda que
formalmente lícitos, para atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso: o desfavorecimento dos interesses de
autonomia e suficiência económico-patrimonial da sociedade, que se actualiza no momento da insatisfação dos direitos
creditícios, resultado da delapidação do património social, em prejuízo de outrem.
Voltando ao caso em apreço, não se vê na factualidade alegada e provada o mínimo sinal de fraude, de abuso ou
de prejuízo para quem quer que seja.
25
Nem foi alegado algo que possa servir de suporte à afirmação da Relação de que a compra e venda de acções
camuflava, escondia um trespasse, configurando uma simulação relativa (art. 241.º CC).
Vamos aceitar que as Partes quiseram, ao negociar as acções representativas do capital da Ré, comprar e vender
o Hotel D..., estabelecimento da Sociedade Ré que o instalara em prédio tomado de arrendamento aos AA. E daí? Onde a
fraude à lei, o abuso do direito de negociar títulos mobiliários, o prejuízo ilegítimo dos AA? E que teve a sociedade a ver
com a negociação das acções representativas do seu capital?
Dirão os AA: se tivesse sido efectuado o trespasse do Hotel teríamos direito de preferência (art. 116.º do RAU)
com possível (de acordo com alguma doutrina) recuperação do imóvel e provável aumento da renda.
Pois sim. Mas as acções de uma sociedade são legal e naturalmente transmissíveis, quando os AA negociaram
com a Ré sabiam – ou deviam saber – que a sociedade permaneceria a mesma, independentemente de quem fossem os
titulares do seu capital e que em lado nenhum se encontra proibida a venda da totalidade de acções de uma sociedade.
Não se alega nem ocorre abuso do direito ou fraude à lei.
Por outro lado, nada impunha às Partes que trespassassem o Hotel, antes poderia ser censurável que os
accionistas da Ré vendessem o (único?) activo da sociedade e ficassem com as acções que não valiam nem o papel em
que estavam impressas. Não poderia esse comportamento ser considerado violador da autonomia patrimonial da sociedade
e fundamento, esse sim, de desconsideração da personalidade da Ré, com a inerente responsabilidade dos accionistas?
Em suma: não se verifica causa de desconsideração da personalidade da Ré nem outro motivo para transformar o
negócio societário havido em trespasse que, nem de perto nem de longe, se mostra querido pelas Partes.
Não tendo havido trespasse ou cessão do direito ao arrendamento - que se manteve na esfera jurídica da
sociedade – nada havia a notificar e não foram violadas as obrigações impostas ao arrendatário pelas al. f) e g) do art.
1038.º do CC.
Por ter concluído em sentido contrário ao agora dito, não pode subsistir o decidido pela Relação, antes
prevalecerá a decisão comarcã.
Com o assim decidido fica prejudicado o conhecimento das demais questões postas no recurso, as III a V acima
ditas, a que se referem as conclusões dd) a vv) – art. 660.º, n.º 2, do CPC.
Decisão
26
No preâmbulo do Código do Registo Comercial de 1986, saído aquando do Código das Sociedades Comerciais,
lê-se sob o nº 8:
Quanto às sociedades comerciais e às sociedades civis sob forma comercial, este diploma vai permitir executar os
princípios contidos no novo Código das Sociedades Comerciais. Entre as principais inovações salienta-se o carácter
constitutivo do registo e a possibilidade do registo prévio do contrato de sociedade.
O nº 1 do artigo 1º do Código do Registo Comercial, ao indicar os fins do registo, diz que «o registo comercial
destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades
civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada tendo em vista a segurança do
comércio jurídico».
Mas, na concretização do propósito enunciado no preâmbulo, no artigo 3º afirma que estão sujeitos a registo os
seguintes factos relativos às sociedades comerciais e sociedades civis sob forma comercial: «a) o contrato de sociedade.»
Adita o artigo 13º:
1 - Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus
herdeiros.
2 - Exceptuam-se os actos constitutivos das sociedades e respectivas alterações, a que se aplica o disposto no
Código das Sociedades Comerciais.
Resulta claro que os preceitos registrais impõem a natureza constitutiva do registo das sociedades, com
os efeitos indicados no nº 1 do artigo 40º do Código das Sociedades Comerciais:
Pelos negócios realizados em nome de uma sociedade por quotas ... entre a celebração da escritura e o
registo definitivo do contrato de sociedade respondem ilimitada e solidariamente todos os que no negócio agirem em
representação dela, bem como os sócios que tais negó cios autorizarem; os restantes sócios respondem até às importâncias
das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que te nham recebido a título de lucros ou de distribuição de
reservas.
O nº 2 do artigo 19º previa que, com o registo definitivo do contrato de sociedade, esta possa assumir «os
direitos e obrigações decorrentes de outros negócios jurídicos realizados em nome da sociedade, antes de registado o con -
trato», «mediante decisão da administração, que deve ser comunicada à contraparte nos 90 dias posteriores ao registo». E
o nº 3 declara que esta assunção pela sociedade dos negócios retrotrai os seus efeitos à data da respectiva celebração.
Aliás, acresce a falta de forma legal do contrato de arrendamento para comércio e indústria, que veio a ser imposta
pela alínea b) do nº 2 do artigo 7º do Regime do Arrendamento Urbano (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) -
escritura pública - STJ 14.12.94, BMJ 442-224.
***
Importa ainda atentar no preceito do artigo 19º, do qual resulta que só com o registo definitivo é que a sociedade
assumirá de pleno direito, relativamente aos negócios jurídicos que especifica (n.º 1), ou poderá assumir, mediante
decisão da administração que deve ser comunicada à contraparte nos 90 dias posteriores ao registo, no que respeita a
outros negócios jurídicos realizados (n.º 2), os direitos e obrigações emergentes desses negócios realizados em nome dela
27
antes do registo, assunção que retrotrai os seus efeitos à data da celebração dos negócios e libera as pessoas indicadas no
artigo 40º da responsabilidade aí prevista, a não ser que por lei estas continuem responsáveis.
Portanto, e relativamente ao negócio jurídico realizado aqui em causa, a sociedade Eduardo Jorge e Teixeira
Lopes, L.da, não responde, em princípio, juntamente com os réus seus sócios, que em nome dela o realizaram, pelas
obrigações emergentes desse negócio (cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo de 13 de Maio de 1993, Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 427, pág. 534). Só os sócios que em nome dela realizaram o negócio seriam solidária e
ilimitadamente responsáveis, nos termos do artigo 40º, nº 1.
Acontece, porém, como as instâncias fixaram, que a sociedade assumiu, «mediante decisão dos sócios
gerentes», os direitos e obrigações emergentes daquele negócio realizado antes do registo do contrato pelo qual se
constituiu, o que liberou os réus seus sócios daquela responsabilidade, atento o disposto no artigo 19.º, n.º 3, porquanto
eles não continuam responsáveis, por lei. Não se acompanha, pois, a tese da Relação, segundo a qual a responsabilidade
dos sócios se mantém, por força do disposto no n.º 2 do artigo 40º, uma vez que o negócio não foi expressamente
condicionado ao registo da sociedade e à assunção por esta dos respectivos efeitos. E a razão da discordância é esta: caso
o negócio tivesse sido expressamente condicionado ao registo e à assunção dos efeitos do negócio pela sociedade, não
tinha sequer cabimento a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 40º, face ao que se dispõe no seu n.º 2; como o negócio não
foi realizado sob essa condição expressa é que, por aplicação do artigo 40º, n.º 1, emerge do negócio a responsabilidade
para os sócios que em nome da sociedade o realizaram, responsabilidade essa de que foram liberados com a assunção
pela sociedade dos efeitos do negócio.
É certo que a assunção do negócio pela sociedade não se mostra que tenha sido por ela comunicada à autora, a
contraparte, nos 90 dias posteriores ao registo, como manda o artigo 19º, n.º 2, o que, contudo, não releva para o efeito da
liberação das pessoas indicadas no artigo 40º, n.º 1, da responsabilidade aí prevista.
Desde logo, por o artigo 19º não fazer depender a assunção pela sociedade do complexo de direitos e obrigações
emergentes do negócio do consentimento da contraparte, nem estabelecer qualquer sanção para a falta de cumprimento do
dever de comunicar a assunção, designadamente a de não operar a liberação daquelas pessoas da responsabilidade – Ac.
do STJ, de 10.12.97, no BMJ 472-501.
- publicação - 166º e 167º do CSC; 70º a 72º do CRC: a publicação está a cargo da
Conservatória.
Pinto Furtado entende dever aplicar-se o nº 2 do art. 36º porque o art. 6º, d), do CPC atribui-
lhes personalidade judiciária activa e passiva.
I - São elementos essenciais do contrato de sociedade: a obrigação de contribuição de todos os contraentes para
um fundo comum; o exercício, em comum, de uma actividade económica que não seja de mera fruição; o objectivo de
realização de lucros e a sua repartição.
II - Elemento específico de uma sociedade, ainda que irregular, é a chamada "affectio societatis".
III - Deve ser qualificado como contrato de sociedade (e não como associação em participação), o contrato pelo
qual duas pessoas puseram em comum bens e indústria para o exercício de uma actividade lucrativa, em espírito
associativo e no propósito de lucro que entre si repartiriam.
IV - Na associação em participação, a actividade é apenas do associante, em cujos ganhos e perdas o associado
participa.
Em 19-10-01, A e mulher B instauraram a presente acção ordinária contra os réus C e mulher D, pedindo:
1 - Se reconheça que entre o autor marido e o réu marido foi celebrado um contrato de sociedade;
2 - Que tal contrato é nulo, por falta de forma;
28
3 - Que todas as fracções autónomas, com excepção da fracção "I", do prédio urbano sito na Avenida da Voltinha,
nºs 138, 144, 146 e 156, Pedroso, Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória sob o nº 1788 / 270488, e o terreno de
mato, pinhal e eucaliptal, sito na Corga, Lobão, Santa Maria da feira, descrito na Conservatória sob o nº 76.455, integram o
património comum dessa sociedade;
4 - Que o produto da venda da fracção “I" integra esse património comum;
5 - Se cancelem os registos de inscrição daquelas fracções e do imóvel, efectuados a favor dos réus.
Alegam, para tanto, que o autor marido e o réu marido acordaram no exercício em conjunto da actividade de
construção civil, cabendo ao segundo contribuir com as quantias que se mostrassem necessárias para o efeito e ao primeiro
contribuir com o seu trabalho, negociando e adquirindo terrenos, contratando e administrando as obras e vendendo o
produto acabado, repartindo, a final, os respectivos proventos, deduzidos os custos.
No âmbito de tal acordo, foram adquiridos alguns prédios, onde foi efectuada construção, tendo o réu marido
recusado a acordada distribuição.
Os réus contestaram, alegando que o réu marido constituiu o autor marido como seu mandatário para prática de
actos relativos à aquisição de prédios e construção de edifícios.
Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente,
decidindo:
1 - Entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de sociedade;
2 - O referido contrato é nulo, por falta de forma;
3 - o produto da venda, deduzidos os custos suportados pelo réu marido, das fracções designadas pelas letras A,
B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M e O do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida da
Voltinha, nºs 138, 144, 146 e 156, em Pedroso, Vila Nova de Gaia, descrito sob o nº 01788/270488, na 2ª Conservatória do
Registo Predial de Vila Nova de Gaia, e ainda do terreno de mato com pinhal e eucaliptal, sito na Corga, Lobão, Santa
Maria da feira, descrito sob o nº 76.455, integram o património dessa sociedade;
Na parte restante, a acção foi julgada improcedente.
- julgar parcialmente procedente a apelação dos autores e, consequentemente, alterou a sentença da 1ª instância,
declarando que todas as fracções autónomas, com excepção da fracção " I", do prédio urbano sito na Avenida da Voltinha,
nºs 138, 144, 146 e 156, Pedroso, Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia
sob o nº 01788 / 270488, e ainda o terreno de mato, pinhal e eucaliptal sito na Corga, Lobão, em Santa Maria da Feira,
descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº 76.455, integram o património (com o sentido
de que foram adquiridos para o desenvolvimento do escopo social) da sociedade irregular constituída entre autor e réu.
- julgar também parcialmente procedente a apelação dos réus, revogando a sentença recorrida na parte em que
condenou em objecto diverso do pedido, ou seja, em que tinha declarado que o produto da venda, deduzidos os custos
suportados pelo réu marido, das fracções designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, J, L, M e O do prédio urbano
constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida da Voltinha, nºs 138, 144, 146 e 156, em Pedroso, Vila
Nova de Gaia, descrito sob o nº 011788/270488, e do terreno de mato, pinhal e eucaliptal, sito na Corga Lobão, Santa Maria
da Feira, e descrito sob o nº 76.455, integram o património da referida sociedade, mas considerar prejudicada a eficácia
desta procedência, em face do resultado da apelação dos autores.
29
Da escritura de compra e venda outorgada em 25-10-84, cuja fotocópia constitui documento de fls 34 e segs,
resulta mais precisamente provado que o prédio referido na resposta ao quesito 13º foi adquirido pelo autor Hilário,
outorgando na qualidade de gestor de negócios do réu marido, como aliás se mostra salientado e corrigido no Acórdão
impugnado (fls 335).
30
A Relação qualificou o ajuizado contrato como sendo de sociedade comercial, que é nulo por não ter sido
celebrado por escritura pública.
E acrescentou que as sociedades comerciais irregulares se convertem em sociedades civis.
Com razão, diga-se, desde já.
O contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços
para o exercício comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros
resultantes dessa actividade - art. 980 do C.C.
Assim, são três os elementos essenciais do contrato de sociedade:
a) - a obrigação de contribuição de todos os contraentes para um fundo comum;
b) - o exercício, em comum, de uma actividade económica, que não seja de simples fruição;
c) - o objectivo de realização de lucros e da sua repartição.
Mas elemento essencial e específico de uma sociedade, ainda que irregular, é a chamada " affectio societatis",
ou seja, a intenção de cada um se associar com outro ou outros, para formação de uma pessoa colectiva distinta da de
cada um deles.
Deve ser qualificado como contrato de sociedade - e não como associação em participação - o contrato pelo qual
duas pessoas puseram em comum bens e indústria para o exercício de certa actividade económica ou lucrativa, em espírito
associativo e no propósito de lucro que entre si repartiriam (Ac. S.T.J. de 6-10-83, Bol. 330-486).
Na associação em participação, a actividade é apenas do associante, em cujos ganhos e perdas o associado
participa.
Não é o caso.
Aqui, face aos factos provados, não podem restar dúvidas de que estamos antes em presença de um
contrato de sociedade, por estar demonstrada a "affectio societatis" e todos os demais requisitos desse contrato,
configurando-se a constituição de uma sociedade irregular entre o autor e o réu, por o respectivo contrato não ter
sido reduzido a escritura pública, nem a sociedade estar registada ou matriculada.
Assim sendo, como é, não merece qualquer censura a decisão de julgar procedente a acção quanto ao pedido de
que todas as fracções autónomas, com excepção da fracção " I ", do prédio urbano sito na Avenida da Voltinha nºs 138,
144, 146 e 156 , em Pedroso, Vila Nova de Gaia, bem como o terreno de mato, pinhal e eucaliptal sito na Corga, em Lobão,
Santa Maria da Feira, integram o património da referida sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido
de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social, tal como foi julgado pela Relação.
A matéria de facto apurada e resultante das respostas aos quesitos 2º a 13º é suficientemente elucidativa.
Falece razão aos recorrentes quando afirmam que a decisão se baseou em factos não alegados, nem provados,
ou que a fundamentação está em contradição com a decisão.
Os recorrentes também carecem de fundamento para defender que entre as partes só existiu um mero contrato de
mandato oneroso ou que os factos apurados apenas são susceptíveis de configurar um contrato de associação em
participação.
Termos em que, não se mostrando violados os preceitos legais invocados nas conclusões, negam a revista».
…
SOCIEDADES COMERCIAIS
– Invalidade do contrato – Vício de forma
– Liquidação - Entradas
SUMÁRIO:
I - A invalidade do contrato de sociedade, por vício de forma, verificada antes do registo definitivo, só produz
efeitos para o futuro, dando lugar à liquidação da sociedade.
II - Não podem ser restituídas aos sócios o valor das prestações que fizeram a título de entrada, com base no
preceituado no nº 1 do artº 289º do CC, cujo direito é unicamente o de verem partilhado o activo resultante da liquidação.
…
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Marciano Ferreira, casado, taxista, residente no Largo do Hospital, 1º-Dtº - Resende, instaurou contra Manuel
Vasconcelos e mulher Filomena Maria, comerciantes, residentes no lugar de Vinhais - Freigil -- Resende, acção com forma
de processo ordinário, alegando, em resumo, que:
31
Em Maio de 1994 acordou com o réu na constituição de uma sociedade com a denominação «VASFER -
Vasconcelos e Ferreira, L.da», cujo objecto seria a prestação de serviços de contabilidade, com o capital social de
6.000.000$00, dividido em duas quotas de igual valor.
Ficou, ainda, acordado que entraria com 3.000.000$00 em dinheiro, entrando o réu com a clientela que já possuía,
com o direito ao arrendamento do seu escritório e com todo o seu equipamento.
Cumprindo o acordado, entregou ao réu 1.700.000$00 e deixou de receber 800.000$00, valor da participação
acordada nos lucros da sociedade desde Maio a Dezembro de 1994.
A escritura de constituição da sociedade não chegou a ser celebrada porque o réu a tanto se recusou, como se
recusou a devolver-lhe o dinheiro com que entrou para a sociedade.
A conduta do réu causou-lhe prejuízos de ordem patrimonial, por ter reduzido a sua actividade de taxista, e não
patrimonial, por se sentir humilhado e ludibriado.
Concluiu, pedindo:
Se declare nulo o contrato de sociedade, por falta de forma, condenando-se os réus a devolver-lhe tudo o
que foi prestado - 2.500.000$00 -, acrescido de juros, à taxa legal, a partir da citação, ou, em alternativa, se condenem os
réus a devolver-lhe a importância de 2.500.000$00, acrescida de juros, à taxa legal, desde 25/3/96 até integral pagamento,
nos termos do enriquecimento sem causa.
Se condenem os réus a pagar-lhe a quantia de 2.296.700$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e
não patrimoniais, decorrentes da falta de cumprimento do contrato e de má fé nos seus preliminares.
Se condene os réus a pagar-lhe a importância que se lhe liquidar em execução de sentença, referente a
indemnização pelos danos que sofreu nos anos de 1997 e 1998, cujo cômputo ainda lhe não é possível efectuar.
De acordo com as conclusões da apelação dos recorrentes são duas as questões colocadas:
1) A legalidade da condenação por litigância de má fé; e
2) O montante da obrigação de restituir.
32
O pedido de condenação dos réus na restituição do valor entregue a título de integração da quota tem,
iniludivelmente, como causa de pedir a nulidade do contrato de sociedade; é esse o «facto jurídico em que o autor se baseia
para formular o seu pedido» (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 369).
Como é sabido, não é pacífica na doutrina a natureza jurídica do acto constitutivo das sociedades, tendo-se
desenhado ao longo dos tempos duas grandes teorias - dentro das quais é, ainda, possível detectar posições de contornos
não coincidentes -, uma, de inspiração romanista, que o proclama como contrato, outra, nascida na Alemanha nos finais do
século passado, que o encara como acto unilateral (para um maior desenvolvimento, cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito
Comercial, vol. II, págs. 39 e segs., e Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, págs. 133 e segs.).
A primeira daquelas teorias parece manter um claro ascendente sobre a sua opositora, conquanto a introdução
expressa da figura das sociedades unipessoais (Dec.-Lei nº 257/96, de 31 de Dezembro) tenha desvalorizado o contrato
como elemento característico do acto de constituição das sociedades.
De todo o modo, uma conclusão se afigura incontornável: a de que, subjacente à constituição de uma sociedade
está sempre um negócio jurídico, que será unilateral no que se refere às sociedades unipessoais e plurisubjectivo quanto às
restantes.
Tratando-se, embora, de um negócio jurídico de características especiais — as partes associam-se com vista à
realização de um fim comum, está aberto, em princípio, à adesão de novos sócios e dá origem ao nascimento de uma nova
33
pessoa jurídica (Pereira de Almeida, ob. cit., pág. 143) —, não podem deixar de lhe ser aplicáveis as regras que disciplinam
o negócio jurídico em geral.
No que concerne à forma, porém, afasta-se a lei da regra da consensualidade afirmada no artº 219º do C. Civil,
sujeitando o contrato de sociedade comercial a escritura pública (artºs 7º, nº 1 do C. Soc. Comerciais, 89º, al. e) e 80º, nº 2,
al. c), do pendente e actual Código do Notariado, respectivamente).
A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é, em princípio, nula (artº 220º, do C. Civil),
implicando a nulidade a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou a do correspondente valor, sendo retroactivo o seu
efeito (artº 289º, nº 1 do mesmo diploma).
No que se refere ao contrato de sociedade comercial, contudo, a invalidade decorrente de vício de forma, quando
este seja verificado antes do registo - hipótese que aqui interessa considerar -, só produz efeitos para o futuro, implicando a
entrada da sociedade em liquidação; é o que claramente flui dos artºs 41º, 52º e 165º do C. Soc. Comerciais. De facto, a
eficácia dos negócios jurídicos concluídos anteriormente em nome da sociedade não é afectada pela declaração de
invalidade do contrato social que, por outro lado, não exime os sócios do dever de realizar ou completar as suas entradas
(nº 2 e 4 daquele artº 52º).
Com a afectação de determinado património e de serviços a uma actividade de índole comercial cria-se um
complexo de direitos e obrigações, um património autónomo que a lei reconhece como tal, decorrendo do acordo de
constituição da sociedade peculiares direitos e deveres dos sócios, que no que tange às obrigações de entrada, quer no
que concerne à repartição de lucros e de passivo (Ac. Rel. Coimbra, de 24/2/93, Col. Jur., Ano XVIII, tomo I, pág. 56).
E porque a lei reconhece esse complexo de direitos e obrigações é que lhe atribui personalidade judiciária,
conquanto limitada (cfr., o artº 8º do anterior C. P. Civil e, bem assim, o artº 6º, al. d), do actual).
Este especial regime visa, acima de tudo, dar protecção ao comércio jurídico, salvaguardando os interesses
daqueles que negociaram com a sociedade na ignorância do vício de que enfermava a respectiva constituição.
Não seria justo que terceiros de boa fé saíssem prejudicados por via de uma omissão apenas imputável àqueles
que constituíram a sociedade.
Daí que a declaração de invalidade só produza efeitos «ex-nunc», entrando a sociedade em liquidação, onde os
primeiros contemplados são os credores sociais e os últimos os sócios, que só têm direito à partilha do activo depois de
satisfeitos os direitos daqueles, podendo até suceder que lhes sejam exigidos outras responsabilidades (artºs 154º, 156º e
52º, nº 4 do C. Soc. Comerciais).
O que, de todo em todo, é ilegítimo é o recebimento por parte dos sócios das entradas que realizaram, à
sombra do preceituado no artº 289º, nº 1 do C. Civil; essas haverão de ser levadas em linha de conta na partilha do
activo (artº 156º do último diploma citado).
Definido, assim, em traços muito gerais, o regime da invalidade do contrato social por vício de forma, lógica é a
conclusão de que na sentença recorrida se decidiu erradamente.
A declaração de nulidade do contrato não podia conduzir às consequências extraídas - restituição do valor da
entrada efectuada pelo autor -, mas apenas àquela a que alude o nº 1 do artº 52º do C. Soc. Comerciais.
O que vem a significar que os réus deveriam ter sido absolvidos do pedido de devolução da importância de
2.500.000$00 e respectivos juros de mora.
Tal não sucedeu e a verdade é que a decisão, ao menos em parte, transitou em julgado.
Os réus não se insurgiram contra a sentença no seu todo, mas apenas quanto a uma parte, pois que, como já
antes se referenciou, restringiram expressamente o âmbito do recurso; o seu entendimento é o de que deveriam ter sido
condenados a restituir ao autor tão somente a importância de 1.700.000$00, acrescida de juros de mora, e não a de
2.500.000$00.
A limitação do objecto do recurso dá origem, conforme se escreveu a propósito da questão de má fé à formação
do caso julgado na parte não abrangida pela impugnação.
O que vale por dizer que é inalterável a decisão, na parte que condenou os réus a pagar ao autor o quantitativo de
1.700.000$00, acrescido de juros de mora a contar da citação, apesar de se evidenciar um nítido erro de julgamento.
Já no que toca ao montante de 800.000$00, acrescido de juros de mora a partir da citação, haverá de ser dada
razão aos réus, não pelas razões por eles avançadas na sua alegação de recurso, mas por aquelas que acima se
espelharam.
Trata-se, ou não, de quantia entregue a título de entrada — e crê-se que sim —, o certo é que só por via da
liquidação e partilha se poderá apurar aquilo que cada sócio tem direito a receber (ou, eventualmente, o dever de pagar).
Deste modo, terá o recurso de proceder, devendo os réus ser absolvidos do pedido na parte referida.
Em conclusão:
1) A invalidade do contrato de sociedade, por vício de forma, verificada antes do registo definitivo, só produz
efeitos para o futuro, dando lugar à liquidação da sociedade: logo,
34
2) Não pode ser restituído aos sócios o valor das prestações que fizeram a título de entrada, com base no
preceituado no nº 1 do artº 289º do C. Civil, cujo direito é unicamente o de verem partilhado o activo resultante da
liquidação.
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou os
réus a pagar ao autor importância superior a 1.700.000$00, acrescida de juros de mora a partir da citação e absolvendo-se,
em consequência os réus do pedido na parte excedente a tal quantitativo.
Custas por autor e réus, na proporção de 4/5 para aquele e de 1/5 para estes.
c) - Falta de registo - 37º a 41º: a sociedade irregular, devido à falta de registo, tem uma
autonomia patrimonial imperfeita (ou até inexistente, no caso das sociedades em nome colectivo) no
tocante à responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade, mas perfeita no que se refere à
responsabilidade pelas dívidas dos sócios.
O STJ, em seu Ac. de 23.9.1997, estendeu o regime do art. 37º a terceiros – BMJ 469-586.
f) Falta de registo ou publicação - 168º, n.ºs 1 e 2 - Col. STJ 99-II-92 e BMJ 487-324,
também comentado na RLJ 133-318:
Sociedade por quotas - Renúncia à gerência - Alteração do contrato social - Falta de registo -
Inoponibilidade da alteração do pacto social –
Gerência plural - Assunção de divida
I - A assunção de dívida é o acto pelo qual uma pessoa substitui outra na posição de devedora de uma
determinada quantia, fazendo sua a posição passiva até então ocupada pelo transmitente na relação de crédito, contanto
que, para o efeito, obtenha o acordo do credor, sendo este assentimento que torna fixo e irrevogável o contrato de
assunção.
II - Tendo a ré - sociedade por quotas - celebrado com outra sociedade um contrato de co-assunção de dívida
(artigo 595º, nº 2, do Código Civil) em momento compreendido entre a data da escritura de renúncia à gerência de um sócio
gerente e de alteração do pacto social, e a data em que estes factos foram registados bastam as assinaturas de dois dos
três restantes sócios para a vincular, face ao disposto no artigo 261º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
III - Um terceiro pode prevalecer-se do facto de um sócio gerente de uma sociedade por quotas ter renunciado ao
seu cargo sem que tenha sido efectuado o registo de tal facto, tendo em conta o disposto no artigo 168º, nº 1, do mesmo
Código das Sociedades Comerciais.
IV - Por ausência de registo da alteração do contrato social, é irrelevante para um terceiro a falta de assinatura de
um determinado sócio gerente, pois que lhe é inoponível, nos termos dos artigos 168º, n.os 2 e 4, do Código das
Sociedades Comerciais e 14º, nº 1, do Código do Registo Comercial, a alteração do pacto social onde se inseriu a exigência
daquela assinatura para a vinculação da sociedade - Acórdão do STJ de 18 de Maio de 1999, na Col. Jur. (STJ) 99-II-92.
35
***
I - A. e RR. formaram entre si uma sociedade irregular [conceito hoje abandonado pelo C.S.C., que só o utiliza
na al. e) do nº 1 do art. 174º], por se terem associado para a prática de determinados actos de comércio (compra e revenda
de terrenos) sem que observassem a determinação legal de constituição da sociedade através de escritura pública, sendo
aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.
II - Enquanto não for sanado o vício da irregularidade ou liquidada, a sociedade irregular mantém a sua vitalidade,
mas com subordinação ao regime fixado para as sociedades civis.
III - Não se pode intentar uma acção de dívida contra quem exerceu gestão em nome alheio sem que se tenha
apurado previamente o respectivo saldo numa acção de prestação de contas - Ac. de 27.6.2000, Col. Jur. (STJ) 00-II-127
…
«2. Assim, na essência, a revista volve-se em saber se «a sociedade comercial» que os sócios pretenderam
constituir, pode ser por eles liquidada, por acordo, dividindo o «património social», entre si, à revelia de uma prévia
declaração judicial de nulidade do contrato de sociedade, por falta de escritura pública (que nunca chegaram a fazer, não
obstante exercerem as actividades correspondentes ao exercício social, durante alguns meses, e com espírito societário).
Reformatando a questão de modo condensado e acessível a percepção imediata, podemos enunciá-la deste
modo: se a declaração judicial de nulidade do negócio jurídico celebrado, é condicionante - e prévia - da liquidação
e partilha voluntária do «património social», entre os sócios como é da tese que suporta a revista.
3. Colocada a questão, comecemos por indicar as premissas normativas ocorrentes á sua análise e à correlativa
solução.
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem como tais, a partir da data de registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem. (Artigo 5º do Código das Sociedades Comerciais - e deste serão todos os
artigos doravante citados, salvo indicação diversa). A escritura pública é a forma negocial indispensável á validade de
celebração do contrato de sociedade (artigo 7º), e cuja falta acarreta a sua nulidade. (Artigo 42º).
A inobservância da forma deste tipo de negócios jurídicos, particularmente na espécie atrás considerada, além da
nulidade anunciada, potencia, entre outras consequências, a responsabilidade civil dos sócios e da própria «sociedade»,
enquanto património, apenas com personalidade judiciária. E responsabiliza do modo seguinte:
«Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum, quer por qualquer outro meio, criarem a falsa
aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão solidária e ilimitadamente pelas
obrigações contraídas nesses termos, por qualquer deles». (Artigo 36º-1).
Do mesmo artigo, agora o nº 2:
«Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração da escritura pública, os
sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis ás relações estabelecidas entre eles e com terceiros, as
disposições sobre as sociedades civis».
Nesta remissão, importa salientar (para simplificar e por não necessária, dispensando-nos da correspondente
transcrição) que o artigo 997º, nºs 1, 2 e 4, do Código Civil, estabelece, a responsabilidade solidária, pessoal e
ilimitada dos sócios (e da sociedade) pelas dívidas sociais.
36
É a tese de que se aproveitam os recorrentes, como já se salientou, nas suas conclusões de revista (fls. 238/239),
já reproduzidas (parte II) e que a Relação recusou.
5. Com o devido respeito, cremos que a Relação terá seguido o melhor caminho.
Entre os três sócios, havia um contrato de «sociedade comercial de facto», sem existência jurídica, por falta de
forma legal - no caso a escritura pública, como exige o artigo 7º- 1, mencionado.
Mais: Só com a efectivação do registo comercial, é que a sociedade adquiriria individua-lidade jurídica, com se
começou por sublinhar.
Consequentemente, no caso, nem havia sociedade comercial, enquanto pessoa jurídica diferente dos sócios, nem
mesmo havia contrato de sociedade, por ausência da forma negocial legalmente exigível, como requisito de substância das
declarações negociais correspondentes que o contrato configuraria, se validamente celebrado.
6. Sucede que as partes podem fazer cessar os efeitos das declarações negociais recíprocas, revogando-as, por
acordo, eventualmente até com eficácia retroactiva (artigo 406º- 1, do C.C.)
Por mútuo consentimento extinguem a relação contratual existente entre elas. E podem extingui-la, tal como
nasceu: pelas suas vontades.
Com um novo consenso contrariam um consenso anterior, dito ainda «mútuo dissenso» (est potius distractus
quam novus contratctus) (1).
Ao acordo de que se dá conta na matéria apurada (parte III, pontos 6 e seguintes), não se vê razão séria para que
não se apliquem estes princípios relativos ao negócio jurídico.
A não ser que razões legais fortes, especialmente em nome e a beneficio de terceiros credores, impedissem esta
aplicação. E não existem para impedir! Efectivamente, e como primeiro aspecto a sublinhar, não ocorre no processo
qualquer indicação da existência de «débitos sociais», o que, porventura, poderia legitimar a fortaleza daquelas razões.
Ora, o que sucede é que a «sociedade» não tinha dívidas perante terceiros. O conflito é apenas entre sócios.
Donde, a falência da razão protectora.
Como se diz no acórdão recorrido, (fls. 228), «as partes não se encontram em litígio quanto à liquidação e partilha
do património da sociedade, (não havia, ou pelo menos não estava em causa o passivo da sociedade, e o que se discutia
eram relações estritamente entre sócios); assim não discordam da partilha do saldo, encontrando por acordo o quantum
para preencher o quinhão de cada parte: a loja da Gafanha e respectivo recheio, avaliada em 5.000 contos, para o autor,
enquanto aos réus cabia o património da sociedade, com a obrigação de entregaram ao autor 2.600 contos, para completar
o quinhão deste».
7. Já concluímos que não há indicação no processo - nem isso esteve em causa na acção, na apelação ou nesta
revista - da existência de credores sociais. E esta observação remataria, pela negativa, a questão, dentro dos parâmetros
colocados pela revista.
Sublinhemos, todavia, um segundo aspecto, como há pouco se deixou em aberto.
Ainda que ocorresse a necessidade de proteger terceiros credores, na situação em análise, não lhe
corresponderia o interesse paralelo que aconselhasse a prévia declaração judicial de nulidade e a consequente liquidação,
por aplicação dos artigos 52º-1 e 165º-1, em nome da protecção reclamada pelos recorrentes. (Conclusões 2 e 3).
A justeza de tal conselho não se justificaria por qualquer razão prática ou legal. Expliquemos porquê:
Quanto ao aspecto prático: para além do que abaixo se diz, quanto à vertente legal da protecção dos credores,
seria destituído de sentido, em custos, em tempo e em eficácia, liquidar-se e partilhar-se pelo recurso forçado ao tribunal
(artigos 52º e 165º indicados; e 1010º, 1016º e 1018º, do C.C.) um conjunto de bens e direitos, que as partes por sua
iniciativa concordam em partilhar, quer em espécies, quer em valores. (2)
Quanto ao aspecto legal, a necessidade de protecção de terceiros credores da «sociedade» (repita-se: não foi
feita, ou invocada, qualquer prova desta categoria de créditos) a verdade é que a protecção estaria sempre salvaguardada
e, mesmo reforçada. É que ao lado do «património social», perfila-se agora a mais valia da responsabilidade ilimitada e
solidária de todos e qualquer dos sócios (artigos 36º-2 do C. C., ao remeter para o artigo, entre outros, 997º-1-2-e 4, do
Código Civil).
O que, no somatório, impediria que a partilha voluntária efectuada fosse lesiva dessa protecção. Melhor, e ao
contrário, o que emergiria da situação, seria o reforço da garantia dos créditos sociais, assegurados, nesta hipotética
situação, pelos limites do «património social da sociedade», e ainda adicionalmente, pessoal e ilimitadamente, pelo
património dos sócios, segundo as disposições anteriormente invocadas. (3)
8. Podem ainda acrescentar-se duas observações, a benefício do suporte do discurso que se vem desenvolvendo:
é a lei que expressamente possibilita a dissolução da sociedade por acordo dos sócios (artigo 141º, b). E se à data da
dissolução não houver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais (artigo 147º-1).
Nem as dividas fiscais, ainda não exigíveis, obstam à partilha! (147º-2).
37
Depois - segunda observação - no caso em debate, não há, em bom rigor, um contrato de sociedade para anular,
uma sociedade para dissolver, ou para liquidar, porque, como se vem salientando através do exposto, nunca existiu
verdadeiramente uma sociedade comercial, mas apenas um património afecto, de facto, a certa actividade a que, para
efeitos específicos, de demandar e ser demandado, se reconhece apenas personalidade judiciária. (Artigo 6º, d), do C.P.C.).
9. Há pois que cumprir o acordo que consta do ponto 6 e seguintes, da parte III - matéria de facto apurada - ou
seja, os réus são devedores da quantia de 2.250 contos, (ponto 13), acrescida dos juros legais, contados desde a data
acordada para o vencimento, relativamente á dupla quantia de 1.125 contos (metade de 2.250 contos - e não 1250 contos,
como por lapso material, se escreveu no acórdão recorrido, fls. 228, in fine).
As datas do início do vencimento dos juros correspondem às do dia seguinte ao convencionado para pagar a
obrigação de capital (conforme resulta da indicação dada pelo aludido ponto 13), sendo que a contagem deve fazer-se,
segundo as Portarias, nº 1175/95, de 25 de Setembro, e nº 263/99, de 12 de Abril (e não nº 158/99, de 18 de Fevereiro,
como vem indicado no acórdão, já que esta não satisfazia á forma legal, e como tal era ineficaz, segundo o artigo 122º-3 da
Constituição).
10. Tudo para concluir que não há necessidade legal de proceder à prévia declaração judicial do contrato de
sociedade, por falta de escritura pública, e sem registo que lhe conferiria personalidade jurídica, como condição
prévia da partilha dos bens e valores, consensualizada entre os sócios.
Aliás, no caso em apreço, a conclusão resulta reforçada, na medida em que não existe, nem foi invocado,
qualquer direito de terceiro/credor, mas apenas créditos e débitos entre sócios acordados na divisão» - Ac. do STJ (Cons.º
Neves Ribeiro) de 31 de Maio de 2001, na Col. Jur. (STJ) 2001-II-117
SOCIEDADES IRREGULARES
Ac. do STJ (Cons.º Aragão Seia) de 27 de Junho de 2000, Col. Jur. STJ 2000-II-127:
I - A. e RR. formaram entre si uma sociedade irregular [conceito hoje abandonado pelo C.S.C., que só o utiliza na
al. e) do nº 1 do art. 174º], por se terem associado para a prática de determinados actos de comércio sem que observassem
a determinação legal de constituição da sociedade através de escritura pública, sendo aplicáveis às relações estabelecidas
entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.
II - Enquanto não for sanado o vício da irregularidade ou liquidada, a sociedade irregular mantém a sua vitalidade,
mas com subordinação ao regime fixado para as sociedades civis.
III - Não se pode intentar uma acção de dívida contra quem exerceu gestão em nome alheio sem que se tenha
apurado previamente o respectivo saldo numa acção de prestação de contas.
…
4 - Da Natureza da Sociedade Constituída
Da factualidade provada concluiu-se, ao invés da qualificação jurídica feita pelas instâncias que se pronunciaram
pela existência de uma sociedade civil, que A. e RR. formaram entre si uma sociedade comercial irregular [conceito hoje
abandonado pelo CSC, que só o utiliza na al. e) do nº 1 do art. 174º], por se terem associado para a prática de
determinados actos de comércio sem que observassem a determinação legal da constituição da sociedade através de
escritura pública - nº 1 do art. 7º do CSC -, sendo aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as
disposições sobre sociedades civis - nº 2 do art. 36º do CSC.
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem a partir da data de registo definitivo do
contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou
transformação de outras - cfr. art. 5º do CSC.
Portanto, enquanto não for sanado o vício da sua irregularidade ou liquidada, a sociedade irregular mantém a sua
vitalidade, mas com subordinação ao regime fixado para as sociedades civis, não obstante o Mº Pº dever requerer, sem
dependência de acção declarativa, a liquidação judicial da sociedade, se a liquidação não tiver sido iniciada pelos sócios ou
não estiver terminada no prazo legal - art. 172º do CSC.
Considera-se, por isso, que, nos termos dos princípios gerais decorrentes do art. 6º do CPC e do que promana do
art. 36º do CSC, lhes é conferida capacidade judiciária plena.
38
No art. 1.007º do CC estão consignadas as causas de dissolução da sociedade, entre elas o acordo dos sócios
[al. a)] e a realização do objecto social ou ter-se este tornado impossível [al. c)].
Os RR., no art. 64º da contestação, dizem que “tanto o autor como o réu estão de acordo na dissolução da
sociedade”; e no art. 65º que “os sócios desejam a liquidação e partilha dos bens sociais”.
Mas uma coisa é estarem de acordo na dissolução da sociedade ou desejarem-na, outra é terem-na acordado: no
primeiro caso, há uma convergência de intenções eventualmente conducentes a um acordo para dissolução da sociedade;
no segundo, há a própria concretização dessas intenções convergentes através de um acordo firmado para tanto.
No caso dos autos, os sócios não firmaram acordo para qualquer dissolução extrajudicial da sociedade, nem tão-
pouco foi requerida judicialmente a sua dissolução.
Só depois da dissolução poderá haverá liquidação e se partilhará o seu património.
A outra causa invocada seria a realização do objecto social ou ter-se este tornado impossível.
Mas, como o Acórdão recorrido extrai da factualidade provada, a sociedade tinha por objecto “averiguar do
interesse de determinados terrenos sitos em Portugal para eventual compra e ulterior venda; o réu pagaria no Brasil e
dividir-se-ia depois o lucro após a venda”.
A sociedade adquiriu terrenos, tendo recebido por permuta fracções autónomas a construir. O direito a estas
passou a integrar o seu património e enquanto não for vendido ou o forem as fracções depois de construídas, não se pode
dizer que se esgotou a actividade que A. e RR. deveriam levar a cabo.
O objecto social ainda não está cumprido, enquanto houver bens ou direitos a eles referentes no património social,
sendo necessário para se proceder à divisão dos lucros aliená-los.
O “lucro após a venda” incluiu no âmbito desta a “revenda”, ou qualquer outra forma de alienação.
É questão de facto que escapa à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a interpretação da declaração
negocial. E aquela foi a interpretação que a Relação lhe atribuiu e que este Supremo Tribunal tem de acatar, por não se
vislumbrar incorrecta aplicação dos critérios fixados nos arts. 236º e 238º do CC.
Acresce que o objecto social não foi alterado por mútuo consenso dos sócios.
Por outro lado, ao contrário do que afirmam os RR., não consta da matéria fáctica fixada pela Relação, não
estando consequentemente provado, que o terreno denominado “Adoufe” não tenha sido encontrado. A matéria do art. 65º
da reconvenção está em oposição com o constante dos arts. 10º e 46º da petição, pelo que tem de se considerar
impugnada, sendo-o até, também, no referido no art. 44º da réplica.
Não se vê, ainda, que se tenha tornado impossível a realização do objecto social.
Portanto, não é viável o pedido feito pelo A., que também realizou despesas — art. 30º da petição - para que,
efectuando-se o encontro de contas - arts. 29º, 33º, 34º, 37º e 43º da petição -, se proceda à divisão do lucro final da
sociedade.
Não tem o direito que se arroga.
De realçar que nas sociedades civis, que não possuem personalidade jurídica, mas simples capacidade judiciária,
o património social constitui um património autónomo, visto que responde pelas dívidas sociais e o sócio demandado para
pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excussão do património social - cfr. art. 997º do CC.
O processo de liquidação destas sociedades é o regulado nos arts. 1.122º e segs. do CPC, após a nova redacção
dada àquele preceito pelo Dec.-Lei nº 47.690, de 11/05/67.
E se o A. tivesse requerido apenas a prestação de contas, que são inteiramente indepen-dentes da dissolução e
liquidação da sociedade?
Colocar-se-iam, então, duas questões absolutamente distintas: uma de direito substantivo, outra de direito
processual. A primeira consistiria em saber se os RR. estariam obrigados a prestar contas; a segunda, em determinar qual o
processo próprio para a sua prestação, no caso de existir tal obrigação.
Partindo do princípio que os RR. estariam obrigados a prestar contas, por terem exercido apontada gestão em
nome alheio e próprio, mas que não as prestavam espontaneamente, ao A. não restava outra alternativa se não ir a juízo
pedir a sua prestação - art. 1.014º do CPC. O que não podia era intentar uma acção de dívida, sem que o saldo estivesse
apurado previamente numa acção de prestação de contas, com a consequente condenação, resultante do julgamento
delas, no seu pagamento».
39
Registo e publicação da alteração que deve ser reduzida a escrito, na própria acta da
respectiva deliberação – Dec-lei n.º 76-A/2006.
I - As convenções de voto não são oponíveis à sociedade, a qual aparece perante elas como terceiro - respeitam
apenas às relações entre os membros do sindicato de voto.
II - Com o sindicato de voto visa-se pura e simplesmente a ponderação prévia das decisões a tomar (perante o
perigo dos desacertos nascidos do acaso das reuniões), mais frequentemente, assegurar a estabilidade da gestão social
(face ao risco de maiorias flutuantes) ou da manutenção de uma política comum.
III - Os pactos de voto são válidos; os pactuantes podem, dadas certas condições, subtrair- -se ao
cumprimento literal assumido mediante invocação - do princípio da revogabilidade unilateral ad nutum das vinculações
duradouras, da regra da resolubilidade ou modificabilidade dos contratos por alteração das circunstâncias, do abuso de
direito, da mera interpretação ou integração do negócio segundo critérios de normalidade ou segundo ditames da boa fé.
IV - O direito especial do sócio à gerência só pode ser criado por estipulação no contrato de sociedade, apenas
podendo ser suspenso e extinto mediante deliberação social seguida de acção de destituição judicial com fundamento em
justa causa.
V - As convenções do voto podem incidir sobre órgãos de administração ou de fiscalização numa dupla vertente -
reportando-se à escolha dos titulares dos diversos órgãos ou à sua exoneração; visando incidir sobre a forma como estes
exercem as funções em que foram investidos (mas os acordos não podem condicionar a actividade dos administradores ou
dos membros do conselho fiscal).
VI - É inexigível o vínculo que imponha o voto para eleger administrador alguém que não reúna as mínimas
capacidades ou idoneidade para exercer o cargo.
VII - A acta da assembleia geral da sociedade não integra a própria deliberação, mas é indispensável para sua
prova.
VIII - Não constando da acta as razões da destituição do gerente, esta tem de ser havida ad nuntum.
IX - Justa causa (a lei não fornece a sua noção) é qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e
segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o acto capaz de fazer
perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim; na destituição de gerente, a verificação de um
comportamento na actividade deste - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de
confiança que o exercício do cargo pressupõe.
X - O incumprimento ilícito de acordo parassocial só gera, para quem o violou, responsabilidade civil se tiver
procedido com culpa e a prova da falta de culpa por quem o violou não está limitada pelo que consta da acta.
40
Especialmente previsto para as sociedades por quotas, o respectivo regime é por analogia
aplicável às sociedades anónimas, mesmo tratando-se de suprimentos facultativos.
No entanto, a analogia só permite a aplicação desse regime ao accionista empresário, aquele
que tem a responsabilidade pelo destino da empresa e se interessa pelo seu bom desempenho.
Não tendo sido fixado prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no art.
777º do CC (art. 245º, nº 1) – Ac. de 29.2.2000, Col. STJ 00-1-119
Accionista empresário é aquele que detém pelo menos 10% do capital social - Col. STJ 99-I-
100 e 94-III-173.
«O contrato de suprimento está hoje previsto e encontra o respectivo regime nas disposições dos arts. 243.º a
245.º do CSC.
No n.º 1 daquele primeiro preceito vem definido como "o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro
ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio
convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos,
o crédito fique tendo carácter de permanência".
Trata-se, pois, de um contrato especial, típico e nominado, que se revela como uma modalidade especial de
mútuo em que sobressaem duas notas caracterizadoras: - ser a mutuária uma sociedade e o mutuante um seu sócio e ter o
empréstimo carácter de permanência.
Não é, porém, um contrato de mútuo com características especiais, uma modalidade de mútuo, mas, antes, um
contrato de tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo mas há um elemento social
a considerar, pois que na prestação do sócio, que «contrata por ser sócio», está presente o fim social (RAÚL VENTURA,
"Sociedades por Quotas", II, 99 e 125).
O contrato de suprimento apresenta-se como um meio contratual especial de financiamento da sociedade pelos
seus sócios.
5. 1. - Como contrato que é, também a existência do contrato de suprimento há-de pressupor um acordo
vinculativo, assente em duas ou mais declarações de vontade (proposta e aceitação) e de intenções, dentro dos limites da
lei - art. 405.º C. Civ. (A. VARELA, "Obrigações em Geral", 9.ª ed., 223).
Ora, percorrida, não só a matéria de facto provada, mas também a vertida pelas Partes nos articulados, não se
encontra a menor referência a que as mesmas tivessem querido, previsto ou admitido acordar na celebração de quaisquer
contratos de suprimento.
Importaria aqui mostrar que teria havido intenção de fornecer à sociedade, em termos diferentes do simples
mútuo, bens que poderiam ser-lhe fornecidos pelos sócios no regime de capital e que, "pela sua duração se destinem a
substituir as prestações de capital" (cfr. ac. R. C., 30/6/98, CJ XXIII-III-42; BRITO CORREIA, "Direito Comercial", 2.º, 491).
Embora o contrato de suprimento, não exigindo forma especial, possa ser acordado entre o sócio e a gerência da
sociedade, em regra sem necessidade de deliberação da assembleia geral - art. 244.º-2 e 3 -, também nenhuma referência
se faz a qualquer deliberação dos sócios ou a qualquer acto documentado da Sociedade» - Ac. do STJ (Cons.º Alves
Velho) de 20.5.2003, P.º 03A526.
comuns a todo o tipo de sociedades: 20º - entrada (em dinheiro, em espécie e em trabalho) e
quinhoar nas perdas;
41
1 – Extra-corporativos ou extra-sociais: são os direitos não do sócio como tal mas como se
ele fosse um terceiro ou que, por deliberação da sociedade, se radicaram na pessoa do sócio-
terceiro.
Estão no primeiro caso os direitos emergentes de contrato de trabalho, de compra e venda
entre o credor - que por acaso também é sócio - e a sociedade; do segundo caso é exemplo o direito a
dividendos cuja distribuição foi já deliberada.
2.1 - gerais ou comuns - 21º - Cabem a qualquer sócio (todo o sócio tem direito) pelo
simples facto de o ser.
- direito aos lucros – 21º, 1, a), 22º, nº 1, 217º e 294º;
- direito à informação - 181º (em nome colectivo); 214º, 215º (quotas) e 288º (anónimas) e de
inquérito, em caso de recusa ou de informação presumivelmente falsa, a processar nos
termos do art. 1479º e ss do C. P. Civil.
- direito a participar nas deliberações dos sócios - 21º, 1, b) e
- o direito a ser nomeado para os órgãos sociais – 21º, 1, d).
2.2 - direitos especiais - 24º - cabem apenas a algum ou alguns sócios ou, nas Anónimas,
aos titulares de certa categoria de acções.
São exemplos destes últimos o direito de exercer determinado cargo num órgão da sociedade,
sem dele ser afastado; o direito de voto privilegiado; o direito a uma parte mais que proporcional nos
lucros (periódicos e ou de liquidação) ou menos que proporcional nas perdas.
Estes direitos, precisamente porque constituem regalias especificamente atribuídas aos seus
titulares, «não podem ser suprimidos ou coarctados, sem o consentimento do respectivo titular,
salvo regra legal ou estipulação contratual expressa em contrário», como dispõe o nº 5 do art.
24° do CSC.
42
I - A quota é lato sensu um direito do sócio que se configura, não como um único direito, mas antes como um feixe
de direitos de diversa natureza e conteúdo.
II - O direito dos sócios não é um direito real, mas um conjunto de direitos cooperativos ou de socialidade,
representando a quota «a unidade formal de tais direitos com os deveres correlativos», expressando a medida da
participação do sócio na sociedade a que pertence.
III - Tais direitos são de duas espécies: por um lado, o de participar na administração social, nas suas várias
modalidades; por outro, o de quinhoar no dividendo dos lucros a mais e no activo da liquidação.
IV - Assim, por serem eminentemente pessoais, os direitos de voto, de fazer parte da administração e do conselho
fiscal, o de fiscalizar a acção dos administradores ou gerentes e o de impugnar as deliberações, a comunhão que se possa
estabelecer, fruto da comunicabilidade resultante do regime de bens, limitar-se-á à mera percepção e fruição dos frutos ou
utilidades normais dos bens postos em comum.
V - Por outras palavras, na comunhão matrimonial de bens entra apenas o valor patrimonial da quota, não
adquirindo o cônjuge do sócio a qualidade de sócio com todo o correspondente complexo de direitos e deveres
pessoais dos sócios.
VI - O direito à informação - que pode efectivar-se na prática pela instauração de uma acção especial de inquérito
judicial - é um direito extra-patrimonial do sócio e, como tal, não é comunicável ao seu cônjuge.
VII - Assim, e atenta a natureza eminentemente pessoal do direito à informação dos sócios de uma sociedade por
quotas, não tem legitimidade para intentar uma acção especial de inquérito contra aquela sociedade o cônjuge de um dos
sócios, casado em regime de comunhão de adquiridos, acção essa instaurada na pendência de um processo de divórcio
pendente à data da sua instauração - Ac. STJ de 28 de Novembro de 2000, Recº n.º 3162/2000, BMJ 501-300
Órgãos sociais
Podem ser singulares ou colectivos, conforme são compostos por um só ou por vários
titulares.
Deliberativos, de administração (executivos ou directivos), representativos e de
fiscalização ou controle.
Nas sociedades por quotas: assembleia geral - 248º - e gerência - 252º e ss; facultativamente,
conselho fiscal e, no caso do art. 262º, nº 2, obrigatório revisor oficial de contas -
a) Total do balanço: 1 500 000 euros;
b) Total das vendas líquidas e outros proveitos: 3 000 000 euros;
c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício: 50.
Nas sociedades anónimas: uma das duas soluções do art. 278º (com a redacção introduzida
pelo Dec-lei 76-A/06) podendo em qualquer momento passar de um sistema para outro - e assembleia
geral, órgão deliberativo por excelência.
Foi publicado na RLJ 136º, pág. 31 e ss, precioso estudo do Professor Calvão da Silva, com o título “Corporate
Governance”, Responsabilidade civil de administradores não executivos, da comissão de auditoria e do conselho geral e de
supervisão, já de acordo com o regime instituído pelo Dec-lei n.º 76-A/2006.
A relação entre a sociedade e cada um dos titulares dos seus órgãos tem natureza
contratual - contrato inominado e atípico que se rege pelas regras do mandato e que é formado: por
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parte da sociedade, através da manifestação de vontade constante do acto de eleição ou outra forma
de designação do titular do órgão; e, por parte deste, através da declaração de vontade, expressa ou
tácita, de aceitação dessa designação para o cargo social - 987º, nº 1 e 1156º do CC.
Destituição de Gerentes (257º), Directores (430º) e Administradores (403º). Liberdade de destituição, justa
causa e indemnização.
Da análise do art. 403º, nº 1, conclui-se sem dificuldade que se permite a destituição de administradores quer com
base em actos ou factos que constituam justa causa, quer sem uma tal motivação. Mas, se a falta de justa causa é
irrelevante quanto à admissibilidade da destituição dos administradores, já não o é quanto às consequências que
desencadeia, no que toca à relação contratual que a designação para as funções do Conselho de Administração faz nascer
entre a sociedade e o administrador.
Na verdade, é entendimento de há muito prevalente na Jurisprudência e na Doutrina que o administrador de uma
sociedade anónima exonerado sem justa causa tem o direito a ser indemnizado dos prejuízos que por esse motivo
sofrer.
Tal entendimento funda-se, por um lado, na analogia com os preceitos dos arts. 257º, nº 7, e 430º, n.º 3, do
CSC, que, como vimos, conferem tal direito aos gerentes e directores.
Por outro lado, a mesma solução decorre da sujeição da relação jurídica entre o administrador e a sociedade às
regras do contrato de mandato, que já acima demonstrámos. É que, no regime do contrato de mandato comercial, o art.
245º do Código Comercial impõe, em caso de revogação unilateral sem justa causa, o dever de indemnização por perdas
e danos. E o art. 1172º do Cód. Civil determina que o mandante, se revogar o mandato oneroso (isto é, que dê direito a
retribuição), sempre que o mandato tenha sido conferido para certo tempo, deve indemnizar o mandatário do prejuízo
sofrido.
Relevante é também o problema do cálculo de tal indemnização. A tal respeito, importa ter em conta que a
solução decorrente das normas apontadas é a de que devem ser reparados os prejuízos que os administradores em
questão sofram em consequência da sua destituição antes do termo do mandato e sem justa causa.
Tais prejuízos devem ser calculados segundo os critérios estabelecidos nos artigos 562º, 563º, 564º e 566º,
nº 1, do Cód. Civil, dos quais resulta que a indemnização deverá reparar o dano concreto sofrido, mediante pagamento do
montante necessário para reparar a diferença entre a situação do lesado após a destituição e a situação que ele teria se tal
destituição não tivesse ocorrido; sendo de considerar tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, incluindo os
futuros que sejam previsíveis, os quais o lesado provavelmente não teria sofrido se aquele facto não tivesse acontecido.
Assim, os administradores destituídos sem justa causa terão direito a receber, como indemnização, a quantia
correspondente às remunerações que deixam de receber desde a data em que foram destituídos até ao fim do seu
mandato, tendo em conta o art. 391º, nº 3, do CSC. Tais remunerações parece deverem ser consideradas como incluindo
todas as prestações remuneratórias e vantagens do mesmo tipo que os ex-administradores tivessem direito a auferir com
carácter de regularidade.
O cálculo da indemnização deverá, porém, basear-se na comparação entre a situação remuneratória que o
administrador tinha na vigência das suas funções e a situação que passou a ter após a sua destituição daquelas funções.
Deste modo, caso ele passe a exercer outro cargo remunerado, a indemnização deverá ser deduzida do montante
das remunerações que ele passar a auferir, durante o mesmo prazo.
Para além disso, caso o administrador destituído sem justa causa invoque e faça prova (cujo ónus sobre ele
recai: art. 342º do Cód. Civil) de outros prejuízos de natureza e valor específicos, terá igualmente direito a ser por eles
indemnizado.
No mesmo sentido e com muita doutrina decidiu o STJ em ac. de 20 de Janeiro de 1999, no
BMJ 483-176, assim sumariado - na parte aqui interessante:
…
V - O artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais não define taxativamente o critério ou o conceito de justa
causa de destituição de um gerente comercial, apenas apontando, a título meramente exemplificativo, dois casos de justa
causa de destituição.
VI - Não é porém excessivo concluir-se ou estabelecer-se como critério geral da existência da justa causa a
verificação de um comportamento na actividade de gerente - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a
relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.
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VII - A inexistência da justa causa apenas releva para efeito do direito à indemnização. Mas esta - a
indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa - deverá ter como suporte a existência de prejuízos, conforme
decorre dos princípios gerais da responsabilidade civil, consagrados, designadamente, no artigo 257º, nº 7, do CSC).
VIII - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem, em
conformidade com os princípios gerais da responsabilidade civil, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos
correspondentes aos proventos esperados e aos danos morais, em particular, quando seja atingido na sua dignidade moral
e profissional.
IX - Mas, provada a falta de justa causa, terá ainda o autor de alegar e provar ter sofrido prejuízos com a
destituição.
É que a indemnização requer a existência de danos, cuja prova cabe a quem invoca o correspondente direito
(artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
X - Da simples invocação da perda de remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o autor
tenha sofrido necessariamente prejuízos.
Estes só se terão verificado se ele não teve oportunidade de exercer outra activida de remunerada, a idêntico nível
económico, social e profissional.
XI - O montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se
encontra e aquela (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, resultando daqui a
necessidade imposta ao lesado de alegar e provar os factos que permitam utilizar este processo na avaliação
comparativa, inviabilizando o pedido de indemnização o incumprimento por ele deste mesmo ónus.
Ainda sobre este assunto e onus da prova da justa causa e indemnização, conforme esta é pedida pelo
destituído ou pela sociedade, pode ver-se:
I - Os órgãos da sociedade não têm autonomia jurídica, sendo antes sua parte integrante.
II - As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas da assembleia geral ou, quando sejam
admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem, conforme preceitua o artigo 63º, nº 1,
do Código das Sociedades Comerciais.
III - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes, que, no caso de se fundar em justa
causa, pode ser deliberada por maioria simples.
IV - Constitui justa causa de destituição, nomeadamente, a violação grave dos deveres de gerente e a sua
incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
V - A prova dos factos constitutivos da justa causa da destituição cabe ao destituído do cargo de gerente.
(não corresponde, antes parece contrário ao texto do acórdão)
VI - À sociedade, como contestante, cumpre alegar a existência dos factos que excluam a indemnização que o
destituído pede.
VII - Se a acção é proposta pela sociedade que destituiu o gerente, com justa causa, e pretende ser ressarcida
pelos prejuízos que este lhe causou, a ela compete alegar e provar os factos ilícitos e culposos praticados pelo destituído,
constitutivos do seu direito a indemnização, e ao destituído compete contrapor factos impeditivos, modificativos ou extintivos
do direito por aquela invocado - S. T. J. Ac. de 9 de Julho de 1998, no B.M.J. 479-634:
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“Quanto ao ónus da prova, ao autor competirá a alegação e prova dos factos constitutivos da causa de pedir, que
se referem apenas a destituição do cargo de gerente.
À sociedade ré, como contestante, cumpre alegar a existência de facto, que se traduz na justa causa, que exclua
a indemnização pedida.
Como se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Outubro de 1994, Colectânea de Jurisprudência, ano II,
tomo III, pág. 113, considerando a relação substancial, temos que o aqui autor se arroga o direito de ser indemnizado por
ter sido destituído e a sociedade requerida contrapõe a existência de justa causa como facto que exclui tal pedido. Deste
modo, temos que, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, ao autor cabe a prova da qualidade de gerente por
tempo indeterminado e a sua destituição; à ré sociedade, a prova da existência de justa causa para a destituição
como gerente.
Relativamente à acta, os factos que serviram de fundamento à destituição de gerente, como se viu, têm de
constar dela, ou seja, por outras palavras, o teor das deliberações tomadas e o resultado das votações, mas não de uma
forma desenvolvida, apenas de um modo sintético.
Mas se o teor da deliberação tiver sido totalmente omitido, não poderá provar-se pelas razões atrás expostas.
O contrário permitiria que os sócios ausentes por razões absolutamente justificadas, e porventura destituídos da
gerência, ficassem impossibilitados de impugnarem a deliberação por desconhecerem o seu teor, as condições em que foi
aprovada, quem a votou e em que sentido o fez.
A narração constante da acta será apreciada livremente pelo tribunal. Poderá ser permitida prova que destrua o
seu relato dela constante, mas não pode ser admitida prova que substitua essa narração, sob pena de se formar uma
deliberação diferente daquela que a acta documenta”.
I - Na acção de indemnização proposta pelo administrador destituído ad nutum, ao autor cabe provar a sua
qualidade de administrador, a destituição e os prejuízos e à ré sociedade incumbe alegar e provar a justa causa, os
fundamentos de destituição.
II - Estes fundamentos de destituição devem constar da acta, como base que são da própria deliberação.
III - A justa causa de destituição é, pois, matéria de excepção - nº 2 do art. 342º do C. C. -, cumprindo à ré
sociedade demonstrar em juízo que os fundamentos que levaram à destituição e que foram aceites pela assembleia geral
integram, efectivamente, justa causa de destituição.
IV - Se a assembleia geral se limitou a votar a destituição, sem consideração dos motivos a dar-lhe causa, pode
questionar-se, mesmo, se a prova da justa causa está ao alcance da sociedade.
V - À falta de prova da justa causa, a sociedade fica constituída na obrigação de indemnizar o administrador
destituído pelos prejuízos que a este resultaram da resolução unilateral da relação contratual de administração.
I - Nas sociedades anónimas de modelo germânico, que é o adoptado pela ré, tanto o conselho geral como o
revisor oficial de contas são seus órgãos de fiscalização.
II - Competindo ao conselho geral fiscalizar as actividades da direcção e destituir os directores, por maioria de
razão poderá determinar a sua suspensão, sem prejuízo da competência atribuída ao revisor oficial de contas.
III - Em contrário ao que sucede com a destituição, não se exige, quanto à suspensão, nem a invocação nem a
demonstração de justa causa, para que seja insusceptível de gerar responsabilidade civil – Ac do STJ de 16.5.2000, BMJ
497-396.
«O artigo 257º, nº 7, do Código das Sociedades Comerciais, estabelece que o gerente destituído sem justa causa
tem direito a ser indemnizado.
Mais exactamente, no aspecto que releva, preceitua:
6
- Documento nº SJ200405200012187, da base de dados da DGSI.
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«Não havendo indemnização contratual convencionada, o gerente destituído sem justa causa, tem direito a ser
indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por de mais de quatro
anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado».
Trata-se da afirmação do princípio geral da responsabilidade civil, cuja modelação se faz, principalmente, no artigo
562º e seguintes, do Código Civil, ao estabelecer algumas regras próprias da obrigação de indemnizar.
Ora, neste enquadramento da análise, o acórdão recorrido, revendo-se no acórdão deste Tribunal, de 27 de
Outubro de 1994 (Col. Jurisp. STJ 1994, tomo III, página 112 e ss), refere que «o gerente destituído perdeu o vencimento,
mas também deixou de prestar trabalho, pelo que pode entender-se que esta consequência representa um facto natural,
sem haver verdadeiro prejuízo. Deixou de prestar trabalho e consequentemente, perde o direito à retribuição. O dano não é
necessário. Da simples invocação da perda da remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o autor
tenha sofrido necessariamente prejuízos: Estes só se terão verificado se ele não teve a oportunidade de exercer outra
actividade remunerada a idêntico nível económico, social e profissional, o que, in casu, se ignora».
Tudo isto para dizer que a obrigação de indemnizar requer a existência de danos, de prejuízos efectivos -
danos emergentes ou lucros cessantes, como são palavras da lei - que resultem da conduta que obriga a reparar
(lícita, ilícita ou pelo risco, conforme os casos) e que seja causalmente adequada à produção dos mesmos
prejuízos.
…
A simples invocação da perda da remuneração correspondente ao desempenho que o recorrente vinha
exercendo como gerente da ré, e com que ocorria às despesas pessoais e familiares, pode não representar o
suporte factual referenciado ao prejuízo falado na lei, como pressuposto da obrigação de indemnizar.
Não se pode concluir - nem o recorrente assim apresentou a acção, insista-se - que as importâncias que deixou
de receber, em conformidade com as operações de multiplicar e de somar que faz (…), são consequência adequada da
destituição, ou seu resultado necessário e, como tal, levados à conta do prejuízo, real e efectivo, que a destituição lhe
causou.
Os danos (lucros cessantes) só se terão verificado se ele não teve oportunidade de exercer outra actividade
remunerada, de idêntico nível económico, social e profissional, ao deixar de trabalhar para a ré.
A invocação isolada da perda da remuneração do desempenho da gerência não representa inevitavelmente um
prejuízo ou dano indemnizável, segundo a "diferença" contemplado pelo n.º 2 do artigo 566º do Código Civil.
Falta alguma coisa ao suporte que, com inteireza, pressuporia o direito à indemnização - Rev. 4071.04/6ª, Ac. de
14.12.2004
I - O gerente de uma sociedade, destituído sem justa causa, tem direito a indemnização, nos termos do art. 257,
n.º 7, do C. C.
II - Cabe ao autor provar os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerente, a
destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art. 342, nº2, do
C.C.
III - A indemnização devida a gerente destituído sem justa causa deve ter como suporte a alegação e prova da
existência de prejuízos.
IV - Se o gerente não os alegou nem provou, não há que fixar indemnização.
V - Não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.
1. Ressuma do art. 257º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) o princípio da liberdade de destituição
dos gerentes, a todo o tempo, independentemente da ocorrência, ou não, de justa causa.
2. A "justa causa" referida no art. 257º do CSC, é um conceito indeterminado, tendo "um carácter especial,
consubstanciando-se numa quebra de confiança, por razões justificadas, entre a sociedade, representada pela assembleia
geral, e o gerente."
3. A inexistência de justa causa apenas releva para efeito de direito à indemnização.
4. Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser
indemnizado dos prejuízos sofridos, resultantes da perda dos proventos do gerente, nesta qualidade, durante certo tempo,
bem como dos danos não patrimoniais, em particular quando a perda do posto de trabalho importe quebra de prestígio
profissional e social.
5. À ré incumbe demonstrar a justa causa da destituição do gerente.
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6. Ao gerente destituído incumbe o ónus de alegação e prova dos danos citados em 4., da mera invocação de
perda da remuneração pelo exercício da gerência, não se podendo, sem mais, concluir pela existência dos preditos danos
patrimoniais.
... do confronto entre os n.os 1, 5 e 7 do artigo 257° do Código das Sociedades Comerciais resulta que, mesmo nas
sociedades com apenas dois sócios, a destituição da gerência pode ser deliberada, em princípio, por maioria simples; só
na hipótese de invocação de justa causa é que se mostra necessário o recurso a acção judicial; se a destituição
tiver lugar por deliberação, não pode ser invocada justa causa e o gerente destituído tem direito a indemnização -
BMJ 462- 446, Ac. STJ de 4.12.96).
está regulada nos arts. 232º a 238º do CSC, podendo ser deliberada quando permitida pela lei
ou pelo contrato de sociedade (art. 232º, nº 1.
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prazo de 90 dias, contados do conhecimento por algum gerente da sociedade do facto que permite a
amortização (art. 234º).
Pressupõe a existência de uma "contrapartida", calculada, "salvo estipulação contrária do
contrato de sociedade ou acordo das partes", nos termos das al. a) e b) do nº 1 do art. 235º: valor de
liquidação, a pagar em duas prestações.
A disciplina da exclusão de sócios encontra-se vertida nos arts. 241º e 242.º, o primeiro
reportando-se à exclusão por deliberação social (ou contratual), o segundo à exclusão judicial.
Art. 242º:
1. Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente
perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.
2. A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios...
3. Dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a
quota do sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito.
4. Na falta de cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso, o sócio excluído por sentença tem
direito ao valor da sua quota calculado com referência à data da proposição da acção e pago nos termos prescritos
para a amortização de quotas.
5...
Sumário:
1. Baseando-se a exclusão de sócio de uma sociedade comercial em factos atinentes à pessoa do sócio ou do
seu comportamento fixados no contrato, a causa de pedir consiste na alegação e prova dos factos integrantes da acção do
sócio ou do seu comportamento, integrantes dos factos abstractos tipificados no pacto que geram essa exclusão.
2. A causa de pedir da exclusão de sócio não se confunde com a consequente amortização da quota que é
sempre posterior àquela.
3. Nas Sociedades por quotas, dominadas, embora, pela componente capitalista no que respeita às obrigações
dos sócios, podem-se introduzir no respectivo pacto cláusulas intuitus personae, obrigando os sócios a determinados
comportamentos, designadamente impedindo-os de praticar actos de concorrência, especialmente quando lhes estão
distribuídas tarefas cuja violação afectam quer a colaboração social quer a relação de confiança que deve existir entre os
sócios e entre estes e a sociedade.
4. É válida a cláusula do pacto social que determina a exclusão do sócio no caso de o mesmo se dedicar por si ou
noutra sociedade ao mesmo objecto social.
5. É valida a cláusula que determina que, no caso de exclusão de sócio, o mesmo receba tão só o valor nominal
da quota.
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Relatório
"AA", intentou contra BB e mulher, CC acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo a
exclusão do R. BB de sócio da sociedade "Empresa-A, L.da, recebendo, como contrapartida, o valor nominal da sua quota,
sendo ambos os R.R. condenados a assim reconhecerem.
Alegou que o R. tem vindo a violar o §1.º do art. 6.º do pacto social da firma de que ambos são sócios, pois, vem
exercendo, de facto, como verdadeiro proprietário e sócio, a gerência da sociedade “Empresa-B, L.da” dos seus filhos, DD e
EE, que tem o mesmo objecto da sociedade de que A. e R. são sócios: a “indústria de moldes e a injecção de plásticos”.
Nesse artigo 6.º do pacto social definiu-se também que, em caso de exclusão de sócio, por esse fundamento, o
valor da quota seria o nominal.
Os RR. defenderam-se por excepção, invocando a nulidade do referido artigo do pacto social por limitar a
actividade empresarial dos sócios, contrária à liberdade de associação e à livre iniciativa económica; o valor da quota tem
de ser determinado como nos casos da amortização da quota, pois, doutro modo, haveria enriquecimento sem causa da
sociedade; o autor consentiu que o R. adquirisse o usufruto das quotas da sociedade da Empresa-B, configurando a acção
abuso de direito; defenderam-se também por impugnação.
O R. deduziu reconvenção, pedindo a exclusão do A. de sócio da Empresa-A, Lda por desenvolver actividade
concorrencial com esta na “Empresa-C –Importações e Exportações, L.da”.
O A. respondeu e o R. treplicou.
Os RR. interpuseram recurso de apelação, sem sucesso, e, agora, interpõem recurso de revista, juntando Parecer
do Ex.mo Sr. Prof. Doutor Menezes Cordeiro, terminando as alegações com a seguintes Conclusões
….
Questões
1. o pedido de exclusão está prescrito por a acção não ter sido intentada no prazo de 90 dias após o
conhecimento do A. dos factos que o fundamentam.
2. a cláusula 6.ª do pacto que impede os sócios de exercerem qualquer actividade do mesmo ramo é restritiva dos
direitos de liberdade de associação e do exercício comercial, sendo inconstitucional – art. 84.º, c) da CRP.
3. no caso dos autos, não se verificam prejuízos relevantes para a sociedade nem se alegou nem demonstrou que
o capital social está assegurado, efectivando-se o pagamento da quota.
4. decretada a exclusão de sócio, o pagamento da contrapartida não pode consistir no valor nominal da quota, o
que constitui abuso de direito e colide com o disposto nos arts. 809.º do CC (proibição de renúncia aos direitos do credor),
942.º, 1 do CC (proibição de bens futuros) e 994.º do CC e 22.º, 3 do CSC (proibição de pactos leoninos); devendo a quota
reflectir o seu valor real e, por redução, considerar-se o regime da amortização da quota, para o qual não há elementos nos
autos.
Quanto à prescrição
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"A contestação (3) (....) está subordinada a uma regra de concentração ou de preclusão: toda a defesa deve ser
deduzida na contestação (art. 489º, 1), ou melhor, no prazo da contestação (cfr. art. 486º, 1), pelo que fica precludido quer a
invocação dos factos que, devendo ter sido alegados nesse momento, não o foram, quer a impugnação, num momento
posterior dos factos invocados pelo autor. Se aqueles factos forem invocados fora do prazo determinado para a
contestação, o tribunal não pode considerá-los na decisão da causa; se o fizer, incorre em excesso de pronúncia, o que
determina a nulidade daquela decisão..."
A prescrição é uma excepção peremptória (4) que necessita de ser invocada (5) - o que não aconteceu - para o
tribunal dela conhecer, sendo agora muito tardia a sua suscitação.
Acresce que tal questão é questão nova que não cabe no objecto da revista, pois os recursos “visam a
reapreciação da decisão recorrida proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido
no momento do seu proferimento” (6).
Objecto da acção
Ao propor a acção, o autor formula a sua pretensão – a tutela jurisdicional que pretende obter – expondo as
razões de facto e de direito em que se fundamenta (7) .
Já vimos que o A. pediu a exclusão de sócio do R. da Empresa-A, L.da, recebendo o valor nominal da sua quota.
Para tanto, invocou que ele, na sua qualidade de sócio e de gerente, violou a cláusula 6.ª 1 do pacto da sociedade
que lhe proíbe acções de concorrência e que, por isso ter acontecido, “será excluído do sociedade, recebendo apenas o
valor nominal do sua quota" (8) .
A acção baseia-se, pois, no art. 241.º, 1 do CSC (9) que dispõe o seguinte:
“1. Um sócio pode ser excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos
respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato”.
O facto de ter que se recorrer a decisão judicial prende-se com a questão de a sociedade ter apenas dois sócios
com quotas iguais, o que impediria um deliberação social com aquela finalidade (10) .
Por isso, a materialidade abstracta tipificada na lei para definir a causa de pedir é o art. 241.º, 1 do CSC que não o
art. 242.º.
Mas dispõe também o n.º 2 daquele normativo que “quando houver lugar à exclusão por força do contrato, são
aplicáveis os princípios relativos à amortização de quotas”, referindo o n.º 3 que “o contrato pode fixar, para o caso de
exclusão, um valor …. da quota diferente do preceituado para os casos de amortização de quota”.
Da conjugação destas disposições legais, pensamos poder concluir-se que, havendo lugar à exclusão de sócio,
são aplicáveis os princípios relativos à amortização de quotas, menos na parte reportada ao valor, se no contrato estiver
fixado um valor da quota “diferente do preceituado para os casos de amortização de quotas”.
No que toca ao valor da quota ou ao critério para a sua determinação, a disposição legal em causa é norma
supletiva, por força do n.º 3 que é preceito especial (11).
Farão, no entanto, parte da causa de pedir, nos casos de exclusão de sócio, os factos que regulam a amortização
de quota?
Dispõe, sobre o assunto, o art. 236.º, 1 (12) do CSC que “1. A sociedade só pode amortizar quotas quando, à data
da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não ficar inferior à soma do
capital e da reserva legal, a não ser que simultaneamente delibere a redução do capital”.
51
Defendem os recorrentes, na esteira do Parecer do Sr. Prof. Doutor Menezes Cordeiro que, não tendo sido
alegados e demonstrados esses factos, falta um elemento da causa de pedir, o que, nesta fase, implicaria a improcedência
da acção.
Essa questão é uma questão nova que nunca foi colocada às instâncias – nem na contestação nem nas
alegações para a Relação.
Mas mesmo que tal acontecesse, não tem qualquer fundamento porque a lei apenas impõe a amortização da
quota nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença que decrete a exclusão de sócio, sob pena de, não o
fazendo, ficar sem efeito a exclusão (13) .
Por isso, só nessa altura (14) é que tem que se observar o disposto no art. 236.º, 1 citado (15) .
Só então é que se verificará se, pagando ao R. o valor nominal da quota, a situação líquida da sociedade fica
inferior à soma do capital e da reserva legal (16) (17) .
Ao decretar a exclusão de sócio, mediante o pagamento do valor nominal da quota, o tribunal não impõe à
sociedade que a pague em violação daquela disposição legal.
E uma vez que o sócio excluído só sai definitivamente da sociedade depois de receber o valor da quota,
certamente que ele não deixará de velar (18) aquando do pagamento do valor nominal da quota, pelo interesse dos
credores da sociedade, como agora pretende fazê-lo na revista.
Aliás, não se percebe o discurso dos recorrentes, afirmando, por um lado, que o pagamento da quota afecta
aquele princípio do art. 236.º, 1 do CSC e, por outro lado, que, ao pretender pagar-lhe somente o valor nominal da quota,
haverá enriquecimento sem causa da sociedade: será que o pagamento pela sociedade do valor nominal da quota
prejudicará mais os seus credores do que o pagamento do seu valor real?
São, pois, elementos da causa de pedir nesta acção a alegação e prova dos factos atinentes à pessoa do R. e ao
seu comportamento, definidos no pacto social, em ordem a saber se se verifica fundamento para a sua exclusão de sócio.
Contratualmente ficou definido na cláusula 6.ª &1 do pacto social da Empresa-A, L.da, para ambos os sócios, que
nenhum deles podia “… explorar, quer directamente ou em sociedade, qualquer ramo de negócio igual ao que exploro o
presente sociedade e enquanto dela fizer parte o sócio … e que se assim proceder “….. será excluído do sociedade,
recebendo apenas o valor nominal do suo quota".
O objecto da Sociedade “é a indústria de moldes para plásticos, borracha, cunhos, cortantes e serralharia em
geral ou qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que os sócios acordem”.
Resulta do n.º 45 da matéria de facto que “no mecanismo interno de Empresa-A, L.da, e por vontade expressa do
ora réu António, o sector da injecção e venda de brinquedos está ligado directamente ao gerente AA, ora autor e o de
fabricação de moldes ao gerente BB, ora réu”.
Posteriormente à constituição da Empresa-A, L.da foi constituída a Sociedade Empresa-B, L.da, que se dedica ao
mesmo objecto daquela sendo, por isso, empresa concorrente; e são únicos sócios dela, pelo menos desde Fevereiro de
2001, dois filhos do R.
Em virtude desse comportamento concorrencial desleal e gravemente perturbador, violador da cláusula 6.ª &1.º do
Pacto Social, há clientes comuns a ambas as sociedades, tendo passado para a Empresa-B, L.da clientes da Empresa-A,
L.da, havendo diminuição de negócios nesta e desaparecendo com alguns clientes habituais as relações comerciais,
circunstâncias que, antes, nunca havia acontecido.
52
Por outro lado, pertencendo-lhe as tarefas de fabricação de moldes, não as tem desenvolvido como lhe é pedido
pelo A. “para se poderem injectar e vender novos brinquedos”.
Além disso, o R. tem dito a muitas pessoas “… designadamente a familiares e funcionários da “Empresa-A, L.da"
que esta empresa é "para fechar”, "para afundar" e "para acabar”.
Do exposto conclui-se que o R. tem violado a proibição contida na cláusula 6.ª &1.º do Pacto da Sociedade porque
se dedica ao mesmo objecto social dela noutra sociedade concorrente que é dos seus filhos, sendo ele o gerente de facto.
Mas argumenta o R. que não resulta dos factos provados que haja “prejuízos relevantes” para a Empresa-A, L.da,
o que constitui requisito essencial para a exoneração de sócio, como determina o art. 242.º, 1 do CSC.
Já dissemos que, sendo a causa de pedir integrada por factos atinentes à pessoa do R. e ao seu comportamento,
violadores do Pacto Social, a norma a ter em conta é o art. 241.º, 1 e não o art. 242.º 1 (19) .
Portanto, é em função dessa norma que teremos de analisar se se verificam os fundamentos da exclusão de
sócio.
Antes do CSC, Avelãs Nunes (20), depois de citar Auleta, referia que “as únicas circunstâncias susceptíveis de
justificar o direito de exclusão, hão-de ser relevantes em ordem à colaboração social”.
Raul Ventura (21) entende que “o simples facto de serem estipuladas tais cláusulas no contrato de sociedade
demonstra a sua relevância para a colaboração social tal como todos os sócios a entenderam.”
Menezes Leitão (22) ensina que a exclusão de sócio de uma sociedade se reconduz a uma “resolução do
contrato, em que o sinalagma se não “coloca entre a prestação de um sócio e as prestações dos outros sócios, mas antes
entre a prestação do sócio e o resultado útil obtido na prossecução do fim comum. Justifica-se assim que um sócio só seja
excluído quando a violação das suas obrigações for afectar a prossecução da empresa comum, o que implica que na
exclusão não haja uma valoração do incumprimento praticado pelo sócio, mas sim do resultado desse incumprimento: os
efeitos que dele derivaram em ordem a prejudicar o fim social”.
E, concretamente, nos casos de estipulação contratual de casos de exclusão, em princípio, a exclusão deve
basear-se em factos “relevantes em ordem ao interesse social colectivo”, relativos “às obrigações dos sócios”, podendo
ainda introduzir “um certo intuitus personae” (23)
No caso dos autos, sendo a sociedade de dois irmãos – o A. e o R. – ambos concordaram que, enquanto sócios,
nenhum deles podia “explorar, quer directamente ou em sociedade, qualquer ramo de negócio igual ao que explora a
presente sociedade….”
É, claramente, intenção das partes que a sociedade se mantenha uma sociedade familiar, sem concorrência de
qualquer dos sócios com a sociedade, enquanto se mantiverem nessa qualidade (24).
E que foi esse o objectivo de ambos deriva, além do mais, da circunstância de nesta acção quer um quer outro
terem pedido a exclusão de sócio do outro – o A. na P.I. e o R. na reconvenção que deduziu.
Portanto, no caso dos autos a relação de confiança é muito importante, temperada, embora, com o interesse
social colectivo.
Da matéria de facto, resulta que só o R. quebrou a relação de confiança que o pacto social lhe impunha,
dedicando-se, noutra sociedade – dos seus filhos – a uma actividade concorrencial que lhe tirou clientes, lhe reduziu as
receitas e estagnou a produção de moldes, “para se poderem injectar e vender novos brinquedos”.
Comportamentos que lesam de forma grave quer o objecto social da Sociedade de que ambos são sócios – sendo
relevantes em ordem à violação da “colaboração social” a que acima aludimos - quer a relação de confiança que deve
53
existir entre os sócios e a sociedade (25), manifestando até o R. a intenção de contribuir, com a sua conduta, "para fechar”,
"para afundar" e "para acabar” a sociedade.
E estes compromissos livremente assumidos pelos sócios – A. e R. – em nada coarctam as suas liberdades de
associação ou do exercício comercial, pois, doutra forma, seriam letra morta os compromissos livremente aceites pelas
partes ao subscreverem o pacto social com o referido conteúdo.
A cláusula em análise nunca impediria o recorrente de se dedicar ao comércio com outro objecto, respeitando o
que assumiu no pacto ou, então, tinha uma boa solução para ficar totalmente livre: desvinculava-se da sociedade, antes de
violar os compromissos assumidos.
Finalmente, diga-se que, mesmo que se considere aplicável ao caso o disposto no art. 242.º, 1 do CSC (26) –
causar prejuízos relevantes – não pode deixar de se concluir que não se vê que prejuízos mais relevantes se podia causar,
quando o recorrente aproveita a sua específica função que lhe cabia na sociedade, aplicando tais conhecimentos e
responsabilidade numa empresa concorrente, de seus filhos, que ele gere de facto e cujo objectivo manifestado a várias
pessoas é o de “afundar” a sociedade que partilha com seu irmão (27).
O prejuízo relevante não tem a ver exclusivamente com valores quantificados de prejuízos mas, antes, “reside no
prejuízo, actual ou potencial, que tais condutas provocam”, sendo certo que as condutas descritas integram esse prejuízo
actual e potencial aqui referidos e, como tal, qualificável como relevante.
No domínio da lei anterior ao CSC, Avelãs Nunes (28) considerava que o critério legal para fixação do valor da
quota no caso de exclusão de sócio era supletivo, admitindo, claramente, que no pacto se estabelecesse um critério
diferente para a fixação da contrapartida pela quota, “não podendo confundir-se critério justo com critério querido pelas
partes” (29); “se as partes quiserem que entre elas vigore um regime diferente daquele que deve considerar-se como critério
justo, hão-de fixá-lo no pacto”.
Hoje a fixação da contrapartida pela amortização da quota está fixada no art. 235.º do CSC, mas tal critério é
supletivo, permitindo a lei “estipulação em contrário do contrato de sociedade”.
E esta ressalva é feita sem estabelecer qualquer restrição, “não podendo o intérprete tentar criar alguma
restrição”; “…os casos de amortização são muito variados e pode ser justo fazer corresponder certa contrapartida a um
desses casos e não a outros, por exemplo, conceder pior tratamento aos casos de amortização por faltas cometidas pelo
sócio” (30) .
Mesmo quem defende que não é válida a “renúncia antecipada (….) a um direito futuro (o direito a receber uma
contrapartida pelo valor da quota)” (31), “por violar o princípio da doação de bens futuros, consagrado no art. 942 do CC”,
admite que se justifica “ampliar a liberdade de modelação da contrapartida pelo pacto social”, como resulta do disposto no
art. 241.º, 3 do CSC, representando a atribuição de um valor inferior ao valor nominal da quota como uma “pena
convencional”.
Ora, no caso dos autos, tendo em conta que a contrapartida do valor nominal da quota fixada no pacto se aplica a
ambos os sócios e por razões definidas atinentes a eles próprios e ao seu comportamento, a renúncia a valor superior ao
valor nominal da quota, respeitante a ambos os sócios, é o claro resultado das suas vontades, não sendo ilegal nem imoral,
nem violando qualquer princípio imperativo.
Tem a sua justificação na tutela do interesse social em não ter sócios – irmão do outro – que mine e descapitalize
o objecto social para o transferir para empresa concorrente, dos seus filhos e que ele gere de facto.
Por outro lado, não há qualquer pacto leonino, porque este instituto pressupõe que a contrapartida do pacto só
beneficie um dos contratantes, quando, no caso, qualquer deles podia fazer despoletar a cláusula perante a prevaricação do
outro.
54
E considerando que a finalidade da cláusula é impedir o comportamento concorrente dos sócios, apenas sendo
activada em função do mesmo e não impedindo o R. de receber os “benefícios já repartidos” (32), não há qualquer pacto
leonino (33), sendo válida a mesma.
Concluímos, pois, nenhuma crítica nos merecer a decisão recorrida que, por isso, se deve manter.
Decisão
55
(24) Embora a sociedade em causa nos autos seja uma sociedade por quotas, “a pessoa do sócio continua a ter
assinalável relevância, partilhada, porém, com o capital” – Pedro Pais de Vasconcelos, “a Participação Social nas
Sociedades Comerciais, 2.ª ed., pág. 42.
(25) Como ensina Menezes Leitão, Ob. cit., pág. 116, “nas sociedades por quotas …. os sócios ainda terão a
faculdade de introduzir um certo intuitus personae, estipulando casos de exclusão para a falta de cumprimento de
prestações não capitalistas, desde que se fixem os elementos essenciais dessas prestações (art. 209.º e 287.º do CSC).
Um exemplo extremo poderia mesmo ser, no caso de sociedades com carácter familiar ou profissional a exclusão do sócio
de responsabilidade limitada que fizesse concorrência à sociedade”, caso que se ajusta, como uma luva, ao nosso caso.
(26) Como defende Menezes Leitão, acima citado; Carolina Cunha, Ob. cit. pág. 211, considera que o art. 242.º, 1
do CSC constitui a espinha dorsal dos fundamentos de exclusão de sócios.
(27) Carolina Cunha, ob. cit., pág. 212.
(28) O Direito de Exclusão de Sócios nas Sociedades Comerciais, pág. 333.
(29) Citando Raul Ventura.
(30) Raul Ventura, Ob. cit, Vol. I, pág. 724 e 725.
(31) Carolina Cunha, Ob., cit., pág. 229 e 230.
(32) Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. II, pág. 269.
(33) Art. 22.º do CSC.
Raul Ventura define "exclusão do sócio" como a perda da participação na sociedade, que a
um sócio é imposta, quer por deliberação da sociedade fundada em caso previsto na lei ou em caso
respeitante à pessoa ou comportamento do sócio previsto no contrato, quer por sentença judicial
baseada em facto previsto na lei. (ob. cit., vol. II, pág. 44).
Tanto na exclusão "por força do contrato", como na "exclusão judicial, há lugar à amortização
de quotas.
Porém, àquela exclusão "são aplicáveis os preceitos relativos à amortização de quotas" (nº 2
do art. 241º); ao passo que na exclusão judicial, a lei impõe que a sociedade, em dado prazo, amortize
(ou adquira) a quota do sócio, sob pena de a exclusão ficar sem efeito (nº 3 do art. 242º).
A diferenciação entre os dois tipos de exclusão também encontra eco no critério para a
determinação do valor da quota:
- na exclusão contratual esse critério será, em princípio, o "preceituado para os casos de
amortização de quotas" (nº 3 do art. 241º);
- na exclusão judicial, em princípio, o sócio excluído "tem direito ao valor da sua quota,
calculado com referência à data da propositura da acção e pago nos termos prescritos para a
amortização de quotas" (nº 4 do art. 242º).
... num caso como noutro, a lei prevê a possibilidade de o contrato de sociedade dispor
diferentemente.
Ou seja, quer na exclusão contratual (o contrato de sociedade pode fixar), quer na exclusão
judicial (na falta de cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso), pode o contrato de
sociedade fixar um critério especial para a determinação do valor da quota, diferente dos previstos,
respectivamente, nos arts. 241º, nº 3, e 242º, nº 4 – Ac. do STJ, de 11.4.2000, no BMJ 496-289.
56
I – A amortização de quota – artigos 232º a 238º do Código das Sociedades Comerciais, tal como os
subsequentemente citados sem outra indicação – constitui «meio de extinção de uma participação social que tem por efeito
a extinção da quota (artigo 232º, nº 2), apresentando-se esta extinção como elemento essencial da amortização».
II – Pressuposto do acto em causa é a «permissão legal ou contratual de amortização, falando-se em amortização
forçada ou compulsiva e amortização voluntária conforme a sua validade não dependa ou dependa do consentimento do
sócio, sendo que, sem consentimento do sócio, é indispensável a ocorrência de um facto de que a lei ou o contrato de
sociedade torne dependente a faculdade de amortização».
III – Inconfundível com a figura da amortização é a exclusão do sócio (artigos 241º e 242º), entendida esta como
«a perda da participação na sociedade, que a um sócio é imposta, quer por deliberação da sociedade fundada em caso
previsto na lei ou em caso respeitante à pessoa ou comportamento do sócio previsto no contrato, quer por sentença judicial
baseada em facto previsto na lei».
IV – Existem, sem embargo, interligações entre os dois institutos, posto que pode haver lugar à amortização da
quota – ou quotas – do sócio excluído, e à correspondente contrapartida ou valor da quota a favor deste, tanto na exclusão
«por força do contrato», como na «exclusão judicial» (artigo 241º, ns. 2 e 3, e artigo 242º, nº 4).
V – Em caso de exclusão judicial, e «na falta de cláusula do contrato de sociedade em sentido diverso», o valor da
quota é «calculado com referência à data da proposição da acção e pago nos termos prescritos para a amortização de
quotas» (artigo 242º, nº 4).
VI – A cláusula de pacto social que autoriza a amortização de quotas em certos casos não legitima a amortização
com base noutros factos além dos enumerados.
VII – Enunciando essa cláusula determinadas causas taxativas de amortização, entre as quais, por interpretação,
não se compreende a situação de exclusão decretada por decisão judicial, o específico critério de cálculo do valor da
amortização, nela igualmente estipulado em relação de subordinação sistemática e gramatical àquele elenco, aplica-se tão-
somente aos casos previstos na mesma cláusula, carecendo, por consequente, de aptidão derrogatória – na medida em
que dele difere – do critério de cálculo estatuído no nº 4 do artigo 242º para os casos de amortização consequente a
exclusão judicial.
VIII – Assiste ao Supremo Tribunal de Justiça competência de revista para a interpretação de cláusulas
contratuais segundo os ditames legais vertidos no artigo 236º, nº 1, e artigo 238º, nº 1, do Código Civil.
Ac. do S.T.J. de 11-04-2000 (P. 2/2000), no Bol. do Min. da Just. 496, 285
Sobre a natureza jurídica dos órgãos das sociedades parece de seguir a teoria organicista
segundo a qual os órgãos da pessoa colectiva identificam-se com ela, fazem parte integrante da sua
estrutura constitutiva e, por consequência, a vontade que exprimem e os seus actos são directamente
imputados à pessoa jurídica.
Nos termos dos art. 163º, nº 1 e 500º do CC e 6º, nº 5, do CSC, a sociedade responde
civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os
comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários.
É manifestação do princípio ubi commoda ibi incommoda.
7
- Em geral e para as restantes sociedades pode ver-se, além dos Manuais, o estudo em Novas
Perspectivas do Direito Comercial, 205 e ss, Almedina, 1988, Conferências da Fac. Dir. de Lisboa e
CEJ.
57
Vinculação das Sociedades – 252º, n.º 1, 260º CSC, em especial n.os 1 e 4 para as
SPQ; 409º para as S.A.
I – Constando do pacto social de uma sociedade anónima que esta se obriga com a assinatura
conjunta de dois gerentes, mas sendo o pacto omisso quanto à representação desta em juízo, deverá a
mesma sociedade ter-se por validamente representada, na propositura de uma acção para cobrança de
dívida, através da procuração subscrita apenas por um sócio gerente, por estar em causa a prática de um
acto de mera administração, para o qual qualquer gerente tem poderes.
*
A autora requereu o incidente de intervenção acessória provocada da mencionada BB, intervenção que
foi admitida, com a alegação de pretensa actuação negligente desta, de tal modo que se a autora decair, no
pedido reconvencional, terá direito de regresso contra aquela, para ser indemnizada do prejuízo que lhe cause a
perda da demanda.
*
Em 22-11-05 (fls 121), o Ex.mo Juiz ordenou a notificação da autora para, nos termos dos arts 265, nº 2
e 40, nº 1, do C.P.C. e no prazo de 10 dias, juntar nova procuração a favor do Sr. Dr. CC, devidamente assinada
pelos seus dois sócios gerentes e para ratificar o processado, despacho cuja reforma a autora solicitou.
*
Todavia, em 2-10-06, o Ex.mo Juiz proferiu o seguinte despacho, sobre a excepção dilatória da
irregularidade do mandato da sociedade autora, arguida pela ré, por a procuração junta só se mostrar subscrita
por um (o AA) dos dois sócios gerentes (o AA e a BB), quando para obrigar a sociedade é necessário a assinatura
conjunta dos dois:
“por forma a sanar ou suprir a configurada irregularidade de representação judiciária da autora,
determino, após trânsito, a citação da sócia gerente da autora, BB, para, em 10 dias, ratificar, querendo, no todo
ou em parte, o processado anterior apresentado pela autora, com a inerente suspensão da instância – arts 23, nºs
1 e 2 e 24 do C. P. C. “ .
*
Inconformada com essa decisão, a autora interpôs dela recurso de agravo, mas sem êxito, pois tal
despacho foi confirmado por Acórdão da Relação do Porto de 18-1-07.
58
Continuando irresignada, a autora recorreu de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, onde
conclui que a procuração podia ser subscrita apenas pelo sócio gerente AA e que a representação da autora, ao
abrigo da deliberação de 1 de Março de 2004, está correctamente firmada, não carecendo de ser ratificada, muito
menos pela sócia gerente BB, que se apresenta em conflito de interesses com a mesma autora.
Justifica a admissibilidade do recurso, pelo facto do Acórdão recorrido se encontrar em oposição com o
decidido no Acórdão da Relação de Évora de 13-5-04, cuja fotocópia constitui fls 337 a 339 – art. 754, nº2, 2º
parte do C.P.C.
*
Não houve contra-alegações.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir:
*
A Relação considerou provados os factos seguintes:
1 – A autora é uma sociedade comercial por quotas, de quem são sócios além de outros, AA e BB,
cabendo a estes dois, segundo o pacto de constituição da sociedade, como forma de a obrigar, em gerência
plural, a intervenção e a assinatura conjunta e necessária destes dois sócios gerentes, a partir de 7-5-01.
2 – A ré é a Sociedade Agrícola Porta da Igreja, Lda, que tem como sócios DD, casado no regime da
comunhão de adquiridos com a BB, e EE, filho deste casal, bastando a assinatura do único sócio gerente, DD,
para obrigar essa sociedade.
3 – A sociedade autora reuniu, em assembleia geral, em 1-3-04, na qual apenas estiveram presentes os
sócios FF, que detém uma quota de 30% do capital social, AA, com a quota de 10% e GG, com a quota de 10%,
estando assim representado 50% do capital social.
a) – situação originada pelo não pagamento de rendas pela sociedade ré, concessionária da Estalagem
do M... ;
b) – despesas que é necessário efectuar com a mudança de sede;
c) – outros assuntos de interesse para a sociedade.
5 – Quanto ao ponto enunciado sob a al. c), do anterior nº 4, a sócia FF disse que a sócia gerente BB
não tem condições para representar com independência a autora “C..., L.da, ”, nas relações com a ré sociedade,
de que são proprietários das quotas seu marido e filho, pelo que propõe que seja nomeado o sócio gerente AA
para representar a “C..., L.da, ” em todos os assuntos entre esta sociedade e a sociedade ré.
6 – Sobre esta proposta da FF deliberaram os sócios presentes, por unanimidade, atribuir ao sócio
gerente AA poderes para representar a sociedade autora, nas relações com a sociedade ré, nomeadamente a
exigência do pagamento pontual de rendas, apresentação de apólices de seguros que se obrigou, podendo passar
procuração a advogado para os efeitos jurídicos indispensáveis, bem como assinar validamente correspondência
e demais documentos.
7 – A procuração ao Ex.mo Advogado, Dr. CC, com o requerimento injuntivo da sociedade autora,
datada de 3-10-05, para representar esta sociedade neste processo, encontra-se apenas assinada pelo sócio
gerente AA.
8 – A sócia gerente da autora, BB, foi, a requerimento desta sociedade, chamada à acção, pelo incidente
de intervenção acessória provocada, para auxiliar na sua defesa (como autora reconvinda), tendo este incidente
sido admitido, com trânsito em julgado.
*
A questão fulcral a decidir consiste em saber se, constando do pacto social da autora que esta se obriga
com a assinatura conjunta de dois gerentes, (sendo aquele omisso quanto à representação desta em juízo),
59
deverá a mesma autora sociedade ter-se por validamente representada através da procuração subscrita apenas
pelo gerente AA, por estar em causa a prática de um acto de mera administração corrente.
*
O Acórdão fundamento da Relação de Évora de 13-5-04, em caso similar, respondeu positivamente a
esta questão, tendo o Acórdão recorrido decidido em contrário, pois julgou ser necessária a intervenção dos dois
sócios gerentes.
Pensamos que o Acórdão recorrido não seguiu o melhor entendimento.
Com efeito, as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem
– art. 21, nº 1, do C.P.C
O art. 252, nº1, do C.S.C. estabelece que as sociedades são administradas e representadas por um ou
mais gerentes.
Ora, o pacto de constituição da sociedade autora prevê que esta se obriga com a assinatura conjunta
dos dois únicos sócios gerentes, AA e BB.
Mas é omisso quanto à representação da autora em juízo.
Daí que tenha aplicação ao caso a norma supletiva do art. 985 do C.C., aplicável por força do art. 996 do
mesmo diploma.
Resulta de tais preceitos que gozam de poderes de representação da sociedade em juízo, na falta de
convenção em contrário, as pessoas que têm poderes de administração.
Poderes de administração e poderes de representação são dois aspectos da mesma posição jurídica,
reflectindo-se nos poderes de representação todo o conteúdo dos poderes de administração atribuídos a cada
sócio.
Todos os sócios têm igual poder para administrar, na falta de convenção em contrário.
A administração pertence disjuntivamente a todos os sócios, salvo se a estes ou a algum deles tiver sido
atribuída em conjunto a administração, nos termos do nº 3, daquele art. 985 do C.C.
Fora deste caso, qualquer sócio gerente pode praticar actos de mera administração, sem necessidade
de intervenção dos restantes.
Tal significa dizer que há necessidade de distinguir os actos de administração corrente, em geral, dos
actos que obrigam específica e directamente a sociedade autora, onde esta só se vincula com a assinatura
conjunta de dois sócios gerentes, como consta do pacto social.
A propositura da presente acção constitui um acto de mera administração, pois através dela não se
pretende obrigar a sociedade autora, mas apenas proceder à cobrança de uma dívida, que é um acto de gestão
corrente ou normal, para o qual qualquer gerente tem poderes.
A exigência da assinatura conjunta de ambos os gerentes só respeita à obrigação ou vinculação da
sociedade em actos ou negócios escritos.
Daí que seja lícito ao sócio gerente AA subscrever a ajuizada procuração, para efeitos da representação
da autora em juízo, no âmbito desta acção de cobrança de dívida, sem intervenção da outra sócia gerente BB, que
aliás já foi admitida como interveniente acessória, para auxiliar a autora, como reconvinda, na oposição ao pedido
reconvencional que contra aquela foi deduzido.
Por isso, impõe-se a revogação do Acórdão impugnado e considerar a autora validamente representada
em juízo.
*
Termos em que, independentemente de outras considerações, concedem provimento ao agravo,
revogam o Acórdão recorrido e, com ele, a respectiva decisão da 1ª instância, consideram a autora validamente
representada em juízo e ordenam o prosseguimento dos termos subsequentes da causa.
Custas pela recorrida.
60
… «as limitações voluntárias (em especial as constantes do pacto social) dos poderes de representação da
sociedade pelos gerentes não retiram validade e eficácia aos actos por eles praticados no exercício desses poderes.
Nesse sentido é também o art. 9º, n.ºs 1 e 2, da Segunda Directiva da CEE.
Portanto, logo por aqui se vê que a Recorrente não tem razão quando pretende tornar dependente a vinculação da
sociedade R. aos contratos celebrados entre ela e a A. de deliberação prévia do Conselho de Gerência - Ac. de 8.6.99, na
Col. STJ 99-II-143.
«Uma primeira questão que se suscita respeita à apreciação da validade e eficácia do ajuizado contrato de
prestação de serviços, por ter sido subscrito apenas por um administrador da autora, quando o pacto social exigia a
intervenção de dois administradores para vincular a sociedade.
O art. 409, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais dispõe o seguinte:
"Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere,
vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de
deliberações dos accionistas, mesmo que tais deliberações estejam publicadas".
Assim, por este preceito, os poderes representativos dos administradores das sociedades anónimas ficam imunes
às restrições ou limitações que os accionistas pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer depois por
meio de deliberações.
Todavia, apesar de ser esta a regra geral, o nº 2, do mesmo art. 409, abre-lhe uma excepção, ao estabelecer:
" A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se
provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, de que o acto praticado não respeitava
essa cláusula e se, entretanto, a sociedade não o assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos accionistas".
Mas esta excepção abrange apenas as limitações dos poderes dos administradores resultantes do objecto social.
Como defende Raúl Ventura (Sociedades por Quotas, III, págs 175/176), em comentário ao art. 260 do C.S.C.
(preceito equivalente ao do citado art. 409 para as sociedades anónimas), uma mais extensa inoponibilidade, por forma a
abranger outras espécies de limitações que constem do contrato de sociedade ou resultem de deliberações dos accionistas,
não decore daquele art. 409, nº2.
Tal significa que o art. 409, nº 2, veio consagrar a prevalência dos interesses da sociedade em relação a terceiros,
quanto aos actos praticados pelos administradores fora dos limites impostos pelo objecto societário.
Em tais situações, desde que se mostre registada a cláusula relativa ao objecto social, a sociedade não se
considerará vinculada, se o terceiro conhecer que o administrador excedeu esses limites.
Mas semelhante cautela não foi expressa quanto à intervenção dos administradores, em representação da
sociedade, resultando do mencionado art. 409, nº 1, do C.S.C., a vinculação da sociedade anónima pelos actos praticados
pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos limites que a lei lhes confere, não obstante as limitações
constantes do pacto social que não se reportem ao objecto social.
Verifica-se uma forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de
terceiros, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras da
representatividade constantes do pacto social, assim se acolhendo o propósito do legislador expresso no parágrafo 23 do
preâmbulo do dec-lei 262786, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais (Ilídio Rodrigues, Administração das
Sociedades por Quotas e Anónimas, 1990, pág. 69, nota 95; Ricardo Candeias, Os Gerentes e os Actos de mero
expediente; ROA, Ano 60-280, Pedro Albuquerque, Vinculação das Sociedades Comerciais por Garantias de Dívidas a
Terceiros, R.O.A., Ano 55-389; Luís Serpa de Oliveira, ROA, Ano 59-389, Ac. S.T.J. de 3-5-95, Bol. 447-520; Ac. S.T.J. de
8-6-99, Bol. 488-371; Ac. S.T.J. de 17-2-00, Bol. 494- 367, Ac. S.T.J. de 23-11-00, proferido na rev. 2493/00, da 7ª Secção;
Ac. S.T.J. de 13-5-04, proferido na revista nº 1289/04-6ª, este último relatado pelo ora relator).
A previsão da intervenção conjunta de vários administradores, para vinculação da sociedade, assegura melhor os
interesses da sociedade e dos sócios.
Todavia, a violação desse dever por qualquer os gerentes apenas produz, em regra, efeitos internos.
O regime em vigor, assim interpretado, visa acautelar fundamentalmente os interesses de terceiros, atenuando o
risco de serem confrontados com situações em que a representação aparente não coincide com as regras estatutárias ou
com as deliberações entretanto tomadas pelos sócios.
Na composição abstracta dos conflitos de interesses que podem derivar do exercício ilegítimo de funções de
representação, o legislador inclinou-se para a protecção de terceiros, por serem eles que se defrontam como maiores
dificuldades no conhecimento concreto das regras de representatividade da sociedade.
Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital sobrepõem-se os de terceiros que com a
sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade,
dentro dos limites do seu objecto social, apenas por um dos administradores, ainda que sem a intervenção de outro, exigida
pelos estatutos.
61
É claro que fica salvaguardado à sociedade o direito de responsabilizar o administrador, que interveio sem os
demais, pelos danos causados, nos termos do art. 72 do C.S.C., bem como o direito dos sócios agirem directamente, em
conformidade com o disposto no art. 77 do mesmo diploma.
Tanto basta para se poder concluir que, não obstante a previsão estatutária da necessi-dade de intervenção
de dois administradores para vincular a sociedade, aqui autora, a intervenção de apenas um deles em
representação desta, como foi o caso, basta para vincular a autora e conferir validade e eficácia ao contrato de
prestação de serviços que foi celebrado entre ela e a ré, pois o administrador moveu-se dentro dos limites
impostos pelo respectivo objecto social – Ac. do STJ (Cons.º Azevedo Ramos) de 14.3.2006, P.º 06A195.
GERÊNCIA CONJUNTA
DELIBERAÇÃO SOCIAL
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
LIMITES
INOPONIBILIDADE EM RELAÇÃO A TERCEIROS DE BOA FÉ
I – A assembleia geral de uma sociedade por quotas, cuja gerência compete a dois gerentes, não pode conferir
poderes a um mandatário judicial, que simultaneamente é um dos seus gerentes, para, em representação da sociedade e
no âmbito de um determinado processo judicial, outorgar uma escritura de dação em pagamento de imóveis.
II – Competindo a gerência de uma sociedade por quotas a dois gerentes, em pé de igualdade (gerência plural
conjunta) a assembleia dos sócios não pode deliberar em termos de fazer alterar essa forma de administração e de
representação da sociedade, designadamente atribuindo poderes especiais a um deles, do que implicitamente decorre a
retirada de poderes ao outro.
III – Quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação de poderes representativos dos gerentes,
perante o qual são irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.
IV – Verifica-se uma forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de
terceiros de boa fé, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras
de representatividade constantes do pacto social.
V – Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital social sobrepõem-se os de terceiros que
com a sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade
apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais .
P... Investments Limited instaurou a presente acção ordinária contra P... - Consultório de Investimentos
Imobiliários, L.da, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Teotónio, CRL, e AA e mulher BB, pedindo, com fundamento nos
factos alegados na petição inicial :
a) – seja declarada nula a deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996, onde foi mandatado o Dr.
B...A...para entregar em dação em pagamento à 2ª ré os bens penhorados à 1ª ré P..., por violação do disposto nos arts 252
do C.S.C. e art. 116 do Cód. Notariado, conjugados com os arts 220 e 294 do C.C. ;
b) - Subsidiariamente, caso assim se não entenda, sejam declaradas nulas todas as deliberações sociais da 1ª ré
sociedade, constantes da acta de 8 de Agosto de 1996, em virtude de não ter sido realizada assembleia, nem ter existido
convocatória ;
c) - Ainda subsidiariamente, seja anulada a deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996, onde foi
mandatado o Dr. B...A...para entregar à 2ª ré os bens penhorados à 1º ré P..., por violação do art. 58, al. b) do C.S.C.
d) – Em qualquer dos casos, deve ser sempre declarada nula a escritura de dação em pagamento e de compra e
venda realizada no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, em 13 de Setembro de 1996, e ordenado o cancelamento de
todos os registos que foram ou vierem a ser efectuados com base na dita escritura .
Os réus contestaram .
Houve réplica .
*
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
62
*
Apelou a autora e a Relação de Évora, julgando parcialmente procedente a apelação, revogou a sentença
recorrida e decidiu :
1 - declarar a nulidade da deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996 da sociedade P... - Consultório
de Investimentos Imobiliários, L.da, pela qual foi mandatado o Dr. B...A...para entregar em dação em pagamento à Caixa de
Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, os imóveis da sociedade P...-Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da,
que se encontravam penhorados ;
2 - não declarar a nulidade, logo, salvaguardando e mantendo os direitos adquiridos pela Caixa de Crédito
Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, através da referida dação em pagamento, e pelos compradores AA e mulher, BB,
relativamente aos imóveis que adquiriram a esta instituição de crédito .
*
Inconformadas, pedem revista a ré P...- Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da e a autora P... Investments
Limited, onde resumidamente concluem :
Conclusões da ré P... :
1 - A assembleia geral da recorrente, ao mandatar o Dr. B...A...para dar em pagamento à credora Caixa de Crédito
Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, os bens penhorados à P..., e para a representar na respectiva escritura pública, não
invadiu a competência da gerência da P..., nem a forma de obrigar esta perante terceiros, nos termos previstos no contrato
de sociedade, pois os sócios podem deliberar, a todo o tempo, sobre quaisquer assuntos de interesse para a sociedade,
incluindo sobre as matérias de gestão e representação desta, em casos concretos, dando aos gerentes ordens e instruções
genéricas de execução permanente ou, em casos concretamente individualizados e para finalidades devidamente
especificadas, que os gerentes terão de acatar, conforme disposto nos arts 252, nº1, 259 e 260 do C.S.C.
2 – A assembleia geral do sócios, ao mandatar o sócio gerente, Dr. B...A...para, apenas ele próprio, representar a
sociedade na escritura de dação em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, dos imóveis
identificados na alínea c) da especificação, além de traduzir uma economia de meios, não violou a lei nem o contrato de
sociedade, pois, como já se referiu, tal matéria é da competência da assembleia geral, como órgão supremo e soberano da
sociedade .
3 – Aliás, se essa deliberação estivesse afectada por alguma irregularidade, o que não se concede, a mesma
seria anulável, nos termos do art. 58, nº1, al. a) do C.S.C.
4 - A entender-se que a referida deliberação social era anulável, a autora deixou caducar o direito de acção de
anulação de tal deliberação, pois esta teve conhecimento das deliberações constantes da acta de 8-8-96 antes de 16-3-97
(art. 59 do C.S.C.), caducidade essa já invocada pela ora recorrente na sua contestação e que agora se reitera .
5 – Independentemente da validade ou não das deliberações sociais constantes da acta de 8-8-96, os direitos
adquiridos, de boa fé, pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e pelos compradores AA e mulher BB, através das referidas
dação em pagamento e de compra, realizadas no dia 13-9-96, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém deverão ser
salvaguardados e mantidos – art. 61, nº2, 1º parte do C.S.C. .
6 – Considera violados os arts 252, nº1, 259, 260, 373, nº2, 53, 56, 58 e 59, todos do C.S.C.
7 – Termina por pedir que se declare válida a referida deliberação social de 8-8-96 ou, quando assim se não
entenda, se declara anulável tal deliberação e se julgue procedente a excepção da caducidade da acção .
63
*
Cada um dos recorrentes contra-alegou no recurso do outro .
*
Corridos os vistos, cumpre decidir .
*
Remete-se para todos os factos considerados provados no Acórdão recorrido, que aqui se dão por reproduzidos,
ao abrigo dos arts 713, nº6 e 726 do C.P.C.
1 – A ré P... tem o capital social de 400.000$00 e como sócios : P... Investments Limited, que detém uma quota
com o valor nominal de 160.000$00 ; Residence P... Limited, que detém uma quota no valor nominal de 200.000$00 e Dr.
DD, que detém uma quota de 40.000400 .
2 – A ré P... obriga-se com a assinatura conjunta de dois gerentes .
3 - Em 1-2-96, foram nomeados gerentes da mesma ré CC e DD .
4 – Na acta da assembleia geral da ré P... de 8-8-96 foi mandatado o também sócio e gerente, Dr. B...A..., para
dar em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, os bens descriminados na alínea c) da peça
dos factos assentes .
5 – No dia 13-9-96, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, foi realizada uma escritura de dação em
cumprimento e de compra e venda, que teve como outorgantes o Dr. B...A..., na qualidade de procurador da 1º ré P... ;
A...M...N...L..., A...J...B... e M...J...M..., em representação da 2ª ré ; e o 3º réu, AA .
6 – Pela referida escritura e, em 1º lugar, foram entregues à 2ª outorgante, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S.
Teotónio, CRL, em dação em cumprimento, os bens identificados na alínea C) dos factos assentes .
7 – Aos referidos bens foi atribuído o valor global de 31.000.000$00.
8 – Pela mesma escritura, a 2ª ré, Caixa de Crédito Agrícola, transmitiu aos terceiros réus os bens relacionados
em C) dos factos assentes .
9 – É referido nessa escritura que o outorgante Dr. DD outorga em representação da sociedade P..., com poderes
para o acto, de acordo com a deliberação da assembleia geral desta ré de 8-8-96 .
10 – A autora teve conhecimento, antes de 16-3-97, das deliberações sociais constantes da acta de 8-8-96 .
11 – A presente acção foi instaurada em 16-4-97.
*
Vejamos agora o mérito de cada um dos recursos .
I.
Recurso da ré P...
A questão essencial a decidir consiste em saber se a assembleia geral da sociedade por quotas da recorrente P...,
realizada em 8-8-96, cuja gerência compete a dois gerentes, podia conferir validamente poderes a um mandatário judicial,
que simultaneamente é um dos seus gerentes, para, em representação da sociedade e no âmbito de um determinado
processo judicial, outorgar uma escritura de dação em pagamento de imóveis .
O Acórdão recorrido concluiu que “ sendo a outorga ( ou o reforço) de mandato acto de administração e de gestão
com interferência na representação da sociedade perante terceiros, a deliberação controvertida enferma de nulidade por, de
acordo com a distribuição natural de competências na sociedade, estar vedada à assembleia de sócios a prática de actos
de gestão e a alteração da representação externa da sociedade, como é a outorga directa de poderes representativos para
actos e negócios jurídicos ( que, como resulta do que se disse, são verdadeiros actos de gestão ), estes da competência da
gerência .
64
Ao fazê-lo, a assembleia invadiu a esfera de competência da gerência, quando deveria limitar-se a aprovar a
deliberação, instruindo os gerentes para outorgarem esses mesmos poderes “.
Daí considerar que tal deliberação é nula, nos termos do art. 56, nº1, al. c), do C.S.C., por tal matéria estar, por
natureza, excluída da competência da assembleia .
E com razão, como já se mostra suficientemente explicitado na fundamentação do Acórdão recorrido, com que se
concorda e para que se remete .
Efectivamente, a distribuição interna de competências dos órgãos sociais e a forma de gestão e de representação
de uma sociedade por quotas, definidas no pacto social, não podem ser objecto de deliberação dos sócios .
Competindo a gerência da P... a dois gerentes, em pé de igualdade (gerência plural conjunta), a assembleia dos
sócios não pode deliberar em termos de alterar essa forma de administração e de representação da sociedade,
designadamente atribuindo poderes especiais a um deles, do que implicitamente decorre a retirada de poderes ao outro .
Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-
nos para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios
– art. 260, nº 1, do C.S.C.
Isto porque cabe aos gerentes administrar e representar a sociedade, para o que poderão praticar os actos
necessários para realização do objecto social – arts 252, nº 1 e 259 .
Da primeira parte do nº 1, do citado art. 252, pode retirar-se a conclusão de que a gerência abrange duas funções:
a de gestão ou administração (actuação interna da sociedade, ou seja, a que se reflecte directamente na ordem interna
desta ) e a de representação (actuação externa, ou seja, a que tem reflexos directos no exterior da sociedade ) .
Ora, se os actos de administração a praticar pelos gerentes estão sujeitos a deliberações dos sócios, vigorando
para as sociedades por quotas um princípio de dependência de ordens ou instruções, a que corresponde um princípio de
obediência por parte dos gerentes ( art. 259), já quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação dos
poderes representativos dos gerentes, perante o qual são irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou
resultantes de deliberações dos sócios ( art. 260, nº1) – Raúl Ventura , Sociedades por Quotas, Vol. III, págs 139 e 172; Ac.
S.T.J. de 26495, Col. Ac. S.T.J., III, 2º, 49 ; Ac. S.T.J. de 15-10-96, Col. Ac. S.T.J., IV, 3º, 62; Ac. S.T.J. de 13-5-04, também
relatado pelo ora Relator, proferido na revista nº 1289/04-6ª.
Debruçando-se sobre a ilimitação dos poderes representativos dos gerentes, escreve Raúl Ventura (Sociedade
por Quotas, Vol. III, págs 172/173) que, por força do art. 260, nº1, do C.S.C., ”os poderes representativos dos gerentes
ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer
posteriormente por meio de deliberações “.
E acrescenta :
“Enquanto a actuação dos gerentes não tem projecção externa, isto é, enquanto não contende com os interesses
de terceiros, os sócios – pelo contrato de sociedade ou por deliberações sociais – são donos e senhores da sociedade e,
como tais, podem determinar o círculo dentro do qual os gerentes podem mover-se
Uma vez que os gerentes se apresentem perante terceiros, como representantes da sociedade – que
materialmente será parte no negócio - evita-se, pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a
restrições da representação criados pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro
“.
Os interesses que se visam proteger pela estatuição do aludido art. 260, nº1, são, fundamentalmente, os de
terceiro .
Trata-se de uma norma de interesse e ordem pública, de natureza imperativa, pelo que a ilimitação dos poderes
de representação dos gerentes não pode ser afastada pela vontade, mesmo unânime dos sócios, sob pena de nulidade da
respectiva deliberação – art. 56, n-1, al. d) do C.S.C.
Assim, não merece censura o Acórdão recorrido, ao considerar nula a questionada deliberação de 8-8-96.
II.
O Acórdão recorrido julgou pela inoponibilidade da nulidade da referida deliberação aos 2º e 3ºs réus, por estes
estarem de boa fé .
Para tanto, baseou-se no preceituado no art. 61, nº2, do C.S.C., onde se prescreve o seguinte :
A declaração da nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com
fundamento em actos praticados em execução da deliberação ; o conhecimento da nulidade ou anulabilidade exclui a boa fé
.
Ora, a autora não logrou provar que a segunda e terceiros réus estejam de má fé, tendo conhecimento da
nulidade da deliberação de 8-8-96, quando outorgaram a escritura de dação em cumprimento e de compra
e venda de 13-9-96..
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De resto, o vício nem sequer era evidente, tendo passado despercebido no Cartório Notarial, onde foi aceite a
comprovação da qualidade e dos poderes para o acto do Dr. B...A..., através da acta da referida assembleia geral .
Agora, na sua revista, a autora sustenta a nulidade da dita escritura de dação em cumprimento e de compra e
venda de 13-9-96, por irregularidade da representação a ré P... ( esteve representada apenas por um gerente, quando era
exigível intervenção conjunta de dois gerentes), independentemente da nulidade ou validade da deliberação de 8-8-96.
Mas sem razão.
É um facto que, segundo o pacto social, a ré P... se obriga com a assinatura conjunta de dois gerentes .
No domínio da anterior Lei das Sociedades por Quotas, resultava do seu art. 29 que a sociedade ficaria obrigada
quando um dos gerentes assinasse com a firma social .
Mesmo que o pacto impusesse a intervenção de mais que um gerente, aquele acto não deixaria de vincular a
sociedade .
Entretanto, a legislação foi alterada, encontrando-se a matéria agora regulada nos arts 260 e 261 do C.S.C.
O art. 260, nº 2, veio consagrar a prevalência dos interesses da sociedade em relação a terceiros, quanto a actos
praticados pelos gerentes fora dos limites impostos pelo objecto social .
Mas semelhante cautela não foi expressa quanto ao funcionamento da gerência plural, resultando do art. 260, nº
1, a vinculação da sociedade e dentro dos limites que a lei lhes confere, não obstante as limitações constantes do pacto
social que não se reportem ao objecto social .
Ora, verifica-se uma forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de
terceiros, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras da
representatividade constantes do pacto social, assim se acolhendo o propósito do legislador expresso no parágrafo 23 do
preâmbulo do dec-lei nº 262/86, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais (Ilídio Rodrigues, A Administração das
Sociedades por Quotas e Anónimas, 1990, pág. 69, nota 95 ; Ricardo Candeias, Os Gerentes e os Actos de Mero
Expediente, ROA, Ano 60-280; Pedro Albuquerque, Vinculação das Sociedades Comerciais por Garantias de Dívidas a
Terceiros, ROA, Ano 55-702 ; Luís Serpa de Oliveira, ROA, Ano 59-389; Ac. S.T.J. de 3-5-95, Bol. 447-520 ; Ac. S.T.J. de 8-
6-99, Bol. 488-371; Ac. S.T.J. de 17-2-00, Bol. 494-367; Ac. S.T.J. de 23-11-00, proferido na revista nº 2493/00, da 7ª
secção ; Ac. S.T.J. de 13-5-04, proferido na revista nº 1289/04,da 6ª secção, já atrás citado ).
A previsão da intervenção conjunta de uma pluralidade de gerentes assegura melhor os interesses da sociedade e
dos sócios .
Na composição abstracta dos conflitos de interesses que podem derivar do exercício ilegítimo de funções de
representação, em caso de gerência plural, o legislador inclinou-se para a protecção de terceiros, por serem eles que se
defrontam com maiores dificuldades no conhecimento concreto das regras de representatividade da sociedade .
Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital sobrepõem-se os de terceiros que com a
sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade,
apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais.
É claro que, no caso concreto, fica salvaguardado o direito do sócios agirem directamente, em conformidade com
o disposto no art. 77 do C.S.C.
Tanto basta para se poder concluir que, não obstante a previsão no pacto social da necessidade de intervenção
de dois gerentes para vincular a ré P..., a intervenção de apenas um deles na mencionada escritura vincula a sociedade.
Por isso, a escritura de dação em cumprimento e de compra e venda de 13-9-96 não é nula.
Não se mostram violados os preceitos legais invocados pela recorrente .
Outra questão frequente prende-se com o disposto no nº 4 do art. 260º: os gerentes vinculam
a sociedade, em actos escritos (ou que exijam a redução a escrito - Col. STJ 95-III-72 e 96-III-78)
apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade. O mesmo se dispõe no n.º 4 do art. 409º
para as SA.
66
subscreveu tais títulos ou, pelo contrário, nem como tal valem e, ainda, se tal constitui ou não vício de
forma para efeito de, nos termos dos art. 7º e 32º, § 2º, da LULL, se manter ou não o aval.
A - Em 7 de Outubro de 1997 - BMJ 470-501 - provado que no lugar destinado à subscrição da livrança figura o
carimbo da sociedade executada e a assinatura de José Monteiro Correia, seu gerente mas sem indicação desta
qualidade, e que no verso das livranças consta a expressão «Por aval à firma subscritora» seguida das assinaturas de
José Monteiro Correia, Maria de Fátima de Jesus Abreu e outros embargantes, decidiu-se que a sociedade não ficava
vinculada por ser nulo por falta de forma (220º CC) aquele acto de subscrição.
Aliás, a admitir-se que estaríamos perante formalidade ad probationem, a sua falta apenas poderia ser suprida por
confissão expressa, que, manifestamente, não existe (artigo 364.°, n.° 2, do citado Código Civil).
Mas tratando-se de negócio formal, celebrado com desrespeito da forma legal exigida, são absolutamente
despiciendas as considerações do recorrente sobre a existência de uma vontade real do subscritor das livranças em obrigar
a sociedade executada.
Por outro lado, declarada a nulidade da obrigação principal por vício de forma, óbvia é a nulidade da obrigação
dos avalistas (artigo 32º, § 2º, da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças).
Num outro caso - BMJ 481-498 - em que se provou ter sido sacada uma letra sobre uma sociedade que embargou
a execução e se provou que
- A assinatura do embargante-executado está aposta na face anterior da letra dada à execução, em sentido
transversal, no lado esquerdo, por baixo da palavra impressa «Aceite»;
- Nenhum outro dizer aí se contém, nomeadamente respeitante à (sua) qualidade de gerente da sociedade sacada
e à especificação, por qualquer forma, desta sociedade;
- No verso da letra está também aposta a assinatura do embargante, por baixo da menção «Dou o meu bom aval
à subscritora»,
tendo a exequente apelado, pelo menos, às relações imediatas e à qualidade de vício não de forma que permitiria
manter a validade do aval, decidiu-se que
- a sociedade não ficava vinculada ao aceite por não ter sido indicada a qualidade de gerente do subscritor
do aceite; Trata-se de nulidade por vício de forma;
- Também não havia aceite em nome individual porque é necessária a identidade efectiva entre o sacado
indicado no saque e quem aceita a letra, para que esta tenha sido aceite. Assim, ao sacar-se uma letra
sobre uma sociedade, se vier a ser somente assinada por um representante daquela com a sua
assinatura pessoal, nem a sociedade nem o seu representante ficam obrigados pela letra;
- a nulidade do aceite por vício de forma reflecte-se no aval que tenha sido dado ao aceitante ou avalizado, e
tem como consequência necessária nulidade desse aval - 32º, § 2º da LULL;
- tratando-se de negócio formal, celebrado com desrespeito da forma legal exigida, são absolutamente
despiciendas as considerações do recorrente sobre a existência de uma vontade real do subscritor (das
livranças) em obrigar a sociedade executada (mesmo no domínio das relações imediatas).
B - Em 14 de Janeiro de 1998 - BMJ 473-514 - decidiu-se que a referida invalidade da obrigação cambiária não
constitui vício de forma, não prejudica a validade do aval dado à subscritora (que não ficara obrigada), pois o que
fundamenta a ressalva ao «vício de forma» é a possibilidade de o portador ou adquirente de letra, pela simples inspecção
do título, se aperceber da irregularidade formal das assinaturas nele vazadas.
«O facto de ser falsa a assinatura do avalizado, ou ela ser, por qualquer motivo, insusceptível de criar uma
obrigação para a pessoa a quem pertence, ou pareça pertencer, não impede a validade da obrigação do avalista.»
1) - Uma sociedade por quotas só ficará vinculada, nos termos do art. 260º, n° 4, do CSC, quando os gerentes,
em actos escritos, apõem a sua assinatura com a indicação dessa qualidade;
2) - A obrigação do avalista mantém-se no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que
não seja um vício de forma;
3) - A inexistência da obrigação do avalizado não é um vício de forma para os efeitos do artigo 32º, § 2º, da
Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.
67
C - A Relação do Porto (pela pena do hoje Ilustre Conselheiro Azevedo Ramos) decidiu, em 9.11.98 (na Col. de
Jur. 1998-V-179, que
E a Relação de Lisboa, em 3.12.98, na mesma Col. 98-V-112, decidira que no domínio das relações imediatas,
obriga a sociedade o aceite aposto pelo seu representante, sem menção desta qualidade, desde que a sacada seja a
sociedade, pois ninguém pode tirar vantagem de conduta sua, dolosa ou negligente, e a sociedade não discutiu, podendo
fazê-lo, que a assinatura aposta no lugar do aceite não pertencia ao seu gerente.
I - Se na p.i. se atribui a qualidade de gerentes da sociedade contratante às pessoas que subscre verem o contrato
de locação financeira junto, embora, ao fazê-lo, as subscritoras não tenham feito menção dessa posição perante a firma que
representavam, é de considerar admitida, por confissão, tal qualidade, se a sociedade ré em parte alguma da sua
contestação a nega especificadamente.
II - As sociedades por quotas e anónimas (409º, nº 4, CSC) ficam vinculadas pelas assinaturas dos gerentes e
administradores, mesmo que não tenham mencionado tal qualidade, desde que resulte inequivocamente do próprio acto
ou das circunstâncias em que ocorre que aqueles agem em nome da sociedade e não em seu próprio nome.
III - A exigência de reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes constitui uma formalidade ad
probationem (pelo que pode ser suprida por confissão expressa - 364º, nº 2, CC.
Em 6.12.2001 tirou o STJ AUJ, publicado no DR, IA, de 24.1.2002, do seguinte teor:
A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do art. 260º do CSC pode ser
deduzida, nos termos do art. 217º do Código Civil, de factos que, com toda a
probabilidade, a revelem.
68
que pode com mais propriedade é falar-se da «ineficácia» da obrigação assumida pelos respectivos gerentes perante a
sociedade alegadamente por si representada, face à norma substantiva de direito comercial aplicável e constante do supra-
citado n° 4 do art. 260° do CSC 86.
E este último vício não pode, destarte, ser qualificado como «vício de forma» nos termos e para os efeitos
do art. 32°, 11, da LULL, sendo que os «vícios de forma» neste domínio se prendem directamente - repete-se - com os
modos/estilos de preenchimento usuais, correntes e típicos da sua natureza literal/fiduciária, ou seja com as respectivas
aparência e forma externa, em ordem a assegurar sua fácil apreensibilidade, quer pelos respectivos portadores/benefi -
ciários, quer pelo público em geral, afinal as garantias de segurança que exornam a livre transmissibilidade e circulação dos
diversos títulos cambiários.
Na esteira dos supracitados Acs do STJ de 19-03-02, in Proc 448/02-7ª Sec. in CJSTJ, Ano X, Tomo I, págs 147/ /
148 e ainda do Ac da mesma Secção de 20-06-02, in Proc 448/02, in CJST J, ano X, tomo I, pág 147 e Tomo II, pág 120,
"só existe vício de forma, para os efeitos do mesmo art. 32°, II, quando a assinatura vinculativa do avalizado não é
aposta no local prescrito na lei".
Tal «não vinculação» não emerge - insiste-se - de um qualquer vício de forma; o vício em apreço consiste e
traduz-se, em abstracto, na falta de eficácia vinculativa da própria declaração de vontade (de se obrigar) por banda da
sociedade subscritora da livrança em apreço, por falta dos requisitos legalmente exigidos para a emissão de uma tal
declaração de vontade compromissória.
O que tudo significa que, face ao estabelecido no citado segundo parágrafo do art. 32° da LULL, aplicável às
livranças por força do sobredito art. 77° do mesmo diploma, a aventada «nulidade» da obrigação da «sociedade avalizada»
jamais se poderia estender ou «comunicar» aos avalistas.
A obrigação dos embargantes, ora recorrentes, permanece, pois subsistente, dada a sua qualidade de
avalistas, não obstante a invalidade, ou melhor, a ineficácia vinculativa da obrigação pelos mesmos contraída
relativamente à sociedade avalizada.»
1ª - Se a letra dada à execução vincula ou não a sociedade "Transportes A", isto é, se o referido título foi ou não
aceite pela sociedade e se essa vinculação deve se aferida em função da data em que o aceite foi prestado ou da data em
que a letra exequenda foi preenchida;
2ª - Se a assinatura de E é ou não suficiente para vincular a sociedade aceitante e se aos embargantes B e C
pode ou não ser pedida responsabilidade na qualidade de avalistas da aceitante;
3ª - Se, ainda que eventualmente reconhecida a nulidade do aceite, este implica ou não a nulidade do aval,
face aos motivos geradores de tal vício.
Conforme já se deixou dito, o título dado à execução foi uma letra entregue - pela ora recorrente "Transportes A" -
à exequente/ embargada ora recorrida "Sociedade D" (em liquidação), para garantia de cumprimento do contrato de locação
financeira mobiliária (nº 3716), tendo por objecto um semi-reboque, entre ambas as sociedades celebrado.
No lugar do aceite figurava a assinatura de E, na qualidade de gerente da sociedade "Transportes A", na altura (1
de Outubro de 1992), um dos gerentes da mesma. Letra de câmbio essa que foi, porém, posteriormente preenchida
(aquando do incumprimento do contrato por parte da sociedade sacada, nos termos de um prévio pacto de preenchimento,
na data que consta como data de emissão da letra (7-6-96), sendo que, nessa data, o referido E já não era gerente da
sociedade sacada.
Abra-se aqui um parêntesis para referir - na esteira do Ac deste Supremo Tribunal de 13-2-03, in Proc 4738/02 - 2ª
Sec, que «letra em branco» é aquela a que falte um ou até todos os requisitos contemplados nos artigos 1° da LULL, mas
que, todavia, contenha a assinatura de alguém que exprima a intenção de se obrigar cambiariamente ao subscrever um
título com a designação explicita ou implícita de «letra».
Do art° 10° da LULL resulta que a letra em branco, desde que posteriormente preenchida nos termos fixados no
art° 1°, passa a produzir todos os efeitos próprios de letra.
69
Os requisitos exigidos pela LULL são, todavia, elementos, não da existência mas sim de eficácia da letra, pois
que, preenchido o escrito com todos os requisitos do referido normativo - o que é permitido pelo artigo 10º da mesma lei -
ele transforma-se em letra e, portanto, apta a produzir os seus efeitos inerentes a esta, ou seja, o portador da letra em
branco pode preenchê-la com satisfação de todos os requisitos legais para assim lhe conferir força executiva.
É, pois, de pressupor que quem emite uma letra em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a
preencher em certos e determinados termos. O subscritor, ao emiti-la, atribui ao respectivo portador o direito de a preencher
em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado (cfr., neste sentido, Ferrer Correia,
in " Lições de Direito Comercial ", vol III, 1966, págs. 123 e seguintes).
A obrigação cambiária surge no preciso momento da emissão e entrega do título ao credor do respectivo
subscritor, entrando de imediato em circulação.
A questão de se saber em que momento a letra deve apresentar-se integrada por todos os seus elementos
essenciais não é resolvida pelos art°s 1° e 2° da LULL, mas antes pelo art° 10°, pelo qual se fica a saber que o momento
decisivo não é o da emissão da letra, mas sim o do seu vencimento - conf., neste sentido, o Ac STJ de 18-5-99, in Proc
346/99-1ª Sec.
Se uma letra, incompleta no momento de ser passada, tiver sido completada contrariamente aos pactos
realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este a tiver adquirido de
má-fé, ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.
Havendo contrato ou acordo de preenchimento de um título de crédito (letra em branco), este preenchimento não
pode exceder os limites acordados. Constituindo o preenchimento abusivo da letra uma excepção que pode ser oposta ao
credor/tomador, sobre o devedor/aceitante recairá o ónus da prova dos factos integradores dessa excepção - conf. o Ac do
STJ de 11-4-00, in Proc 225/00 - 6ª Sec.
Volvendo ao caso «sub-specie», os embargantes, ora recorrentes, alegando - é certo - terem avalizado a letra em
branco, não põem, contudo, em crise a prestação de aval através da aposição no título das respectivas assinaturas.
De qualquer modo, não chegaram a invocar uma qualquer concreta violação (por banda da exequente) do pacto
ou convenção de preenchimento, com a enunciação/substanciação fáctica da aventada ou aventadas violações; ou seja,
não chegaram a enunciar os limites ou contornos previamente acordados e que hajam sido concretamente excedidos pelo
autor do preenchimento.
E isto sendo certo que, de harmonia com a regra geral vertida no artº 378° do C. Civil, «se o documento tiver sido
assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser elidido, mostrando-se que nele se inseriram
declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído» (sic).
Segue nesta esteira a doutrina e também a jurisprudência corrente nos tribunais superiores.
Assim se entendeu, v.g, Ac. do STJ de 16-7-75, in BMJ, n° 247, pág. 107 e ss citado pela decisão de 1ª Instância,
nos termos do qual: "a assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade da fazer seu o texto que no documento
viesse a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória; tal presunção beneficia o
apresentante do documento ou aquele a quem a confissão ou escrito aproveita, cabendo à parte contrária, ou contra quem
o documento é oferecido, provar que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ".
Sobre o ónus impendente sobre o devedor da alegação e prova do abuso de preenchimento, vide ainda o Prof.
Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado" "Volume III, 4ª ed., pág. 421.
Foi esse ónus da afirmação ou dedução - para que pudesse depois sobre essa alegação vir satisfazer com o
correlativo "burden of proof" contemplado no nº 2 do artº 342º do C. Civil - que os ora recorrentes olvidaram ao deduzir os
embargos à execução.
A subscrição da letra pela executada (e avalizada pelos restantes executados), ainda em branco, jamais poderia
pôr em causa o princípio de que o subscritor, ao emitir a livrança, confere, ipso facto, ao tomador/portador o direito a
preenchê-la em conformidade com um pré-convencionado pacto ou contrato de preenchimento, não tendo que ser
celebrado - relativamente ao simples avalista - qualquer outro contrato de preenchimento, uma vez que o dador do aval é
responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (artigo 32° da LULL).
A relevância da assinatura do então gerente da sociedade executada na referida letra em termos de vinculação
prende-se pois intimamente com a questão de saber em que momento se deve considerar vinculativa a (para os efeitos do
artº 10º da LULL) a assinatura do aceite em branco.
Ora - tal como a Relação bem observa - na esteira da doutrina e jurisprudência que cita - os aceitantes, ao aporem
a sua assinatura na letra, constituem-se em obrigados cambiários, "ab-initio", só que a respectiva responsabilidade apenas
poderá ser efectivada após o preenchimento do título.
A obrigação cambiária surge, por isso, logo no momento da emissão podendo a letra circular por meio de
endosso, mesmo ainda por preencher desde que contenha já indicado o nome do tomador.
No sentido de que a letra em branco consubstancia um título de crédito endossável em que o crédito e a
obrigação não surgem com o preenchimento, o qual apenas constitui requisito para fazer valer o respectivo direito cambiário
conf., v.g, e também, os Acs do STJ de 14-1-97, in Proc 710/96, 1ª Secção, de 18-05-1-9-99, in Proc 346/99, 1ª Sec, e de
10-01-02, in Proc 3.980/01, 7ª Sec.
70
Postula, com efeito, o nº 4 desse preceito que "os gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua
assinatura com indicação dessa qualidade".
Por sua vez o nº 1 do mesmo artigo estatui que "os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e
dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do
contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios".
E no nº 2 ainda do mesma norma, que "a sociedade pode, no entanto opor a terceiros as limitações de poderes
resultantes do objecto social se provar que o terceiro sabia, ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o
acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita
dos sócios" (sic) não podendo tal conhecimento ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade (conf.
nº 3 ainda do mesmo preceito).
Mas - tal como a Relação também salienta - a sociedade embargante/ora recorrente não chegou a alegar nem
a demonstrar nos autos que a exequente/ora recorrida conhecia a limitação imposta no pacto social de que a sociedade
apenas se obrigava com a assinatura de dois gerentes, não se inferindo do processo tal conhecimento, (o qual não resulta
da publicidade decorrente do registo na competente conservatória), pelo que haveria que considerar que a assinatura
levado a cabo pelo referido E, enquanto gerente da sociedade "Transportes A", responsabilizava esta perante a
exequente, ou seja, os efeitos jurídicos do acto praticado pelo então gerente projectaram-se esfera jurídica da sociedade
por forma a considerar-se que se está perante um acto (aceite) da própria sociedade.
71
O aval representa, desse modo, um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de
honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (artº 32º da LULL).
Ora, da letra dada à execução não emerge qualquer restrição à responsabilidade dos avalistas e, de qualquer
modo, a ser relevante, tal menção sempre se reportaria à relação subjacente. E aos avalistas - ora embargantes -
encontrar-se-ia sempre vedado opor ao portador uma excepção que apenas aos sujeitos da relação subjacente (v.g a firma
subscritora) seria permitido perante o credor.
Pois bem.
Seguimos aqui, muito de perto, as considerações expendidas no Ac desta Secção de 23-9-03, in Proc 1966/03
com o mesmo relator do dos presentes autos.
Estatui o artº 32º da LULL, no seu segundo parágrafo que "a obrigação do avalista mantém-se mesmo no caso de
a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não seja «um vício de forma»".
Mas quando é que a obrigação do avalizado é nula «por vício de forma»?
Para Pinto Coelho, in "Lições de Direito Comercial, As Letras ", vol II,, fascículo V, págs 38/41, esta fórmula é
manifestamente empregada no seu sentido jurídico comum, importando a referência às condições de forma externa do acto
de que emerge a obrigação cambiária garantida, isto é aos requisitos da validade extrínseca da obrigação. "Temos de olhar
aos requisitos de forma de que depende a obrigação que o aval deve garantir, às formalidades que a lei tenha estabelecido
para o respectivo acto cambiário" (sic).
A este respeito, escreve Ferrer Correia, in ob cit pág 217:
"Consideremos agora especialmente o caso do aceite ou do endosso em branco em que a assinatura não tenha a
localização prescrita na lei: a aposição da simples assinatura do sacado no verso da letra, a do endossante na face anterior
do título, determinam a nulidade por vício de forma, respectivamente do aceite e do endosso: consequentemente, será nulo,
nos termos do artº 32º, II, o aval prestado a qualquer destes signatários". Do mesmo modo, será nula a obrigação do
avalista que se propuser garantir a responsabilidade de outro avalista que se limitou a pôr a a sua assinatura no verso da
letra ou no allongue. Na verdade, só se considera aval a aposição da simples assinatura do dador na face anterior da letra.
Logo, no caso figurado, o primeiro aval será nulo por vício de forma e nulo, por consequência, o segundo".
Dentro deste entendimento, vem seguindo a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, de que constituem
exemplos os Acs de 24-5-98, in BMJ nº 475, pág 718, e de 19-3-02 20- e de 20-6-02, in CJSTJ, ano X, tomo I, pág 147 e
Tomo II, pág 120 respectivamente. Nestes arestos se entendeu, com efeito, que "A obrigação do avalizado é nula por vício
de forma quando a sua assinatura não esteja na localização prescrita na lei. Ou seja: se a assinatura do avalizado (a
manifestação de declaração de vontade de se obrigar) se encontrar aposta no local prescrito na lei, a questão da nulidade
da obrigação do avalizado não se pode prender com um «vício de forma" do acto cambiário «a se», mas com um vício de
fundo, substancial ou intrínseco dessa obrigação, acrescentamos nós.
Vício de forma é pois apenas aquele que prejudica a aparência formal do título, designa-damente quando as
assinaturas dos obrigados ou co-obrigados cambiários não se encontrem apostos nos lugares prescritos na lei, tendo
sempre presente que a obrigação cartular se caracteriza pela rigorosa formalidade; tem pois o título que exibir/apresentar
uma certa configuração externa, ou seja «determinados requisitos formais indicados na lei para que o seu particular regime
jurídico lhe seja aplicável» - conf. ob, por último cit, ed de 1956, pág 21.
Vício esse cuja existência se não demonstra na hipótese vertente.
14. Se, ainda que eventualmente reconhecida a nulidade do aceite, este implica ou não a nulidade do aval,
face aos motivos geradores de tal vício.
É verdade que a «existência» da própria letra dependerá sempre da declaração de vontade da pessoa que
enuncia a promessa de pagamento (artºs 2º e 7º da LULL); só que no caso «sub-specie» tal declaração - no entender os
recorrentes - teria sido enunciada mas por uma via que, face à lei substantiva, de resto genericamente aplicável a qualquer
escrito que contenha a assunção de uma obrigação, não poderia vincular a sociedade.
Mas se assim fosse, não poderia falar-se propriamente de «inexistência» da livrança ou da obrigação da mesma
emergente pois que, se não existisse letra, não poderia falar-se aval e não chegaria então a pôr-se o problema da
interpretação/aplicação do 2º parágrafo do artº 32º da LULL; o que poderia com mais propriedade era falar-se da
«ineficácia» da obrigação assumida pelos respectivos gerentes perante a sociedade alegadamente por si representada,
face à norma substantiva de direito comercial aplicável e constante do supra-citado nº 4 do artº 260º do CSC86.
Só que este último vício jamais poderia ser qualificado como «vício de forma» nos termos e para os efeitos do artº
32º, II, da LULL, sendo que os «vícios de forma» neste domínio se prendem directamente - repete-se - com os
modos/estilos de preenchimento usuais, correntes e típicos da sua natureza literal/fiduciária, ou seja com as respectivas
aparência e forma externa, em ordem a assegurar sua fácil apreensibilidade, quer pelos respectivos portadores /
beneficiários, quer pelo público em geral, afinal as garantias de segurança que exornam a livre transmissibilidade e
circulação dos diversos títulos cambiários.
Na esteira dos supracitados Acs do STJ de 19-3-02, in Proc 448/02-7ª Sec in CJSTJ, Ano X, Tomo I, págs
147/148 e ainda do Ac da mesma Secção de 20-6-02, in Proc 448/02, in CJSTJ, ano X, tomo I, pág 147 e Tomo II, pág 120,
72
"só existe vício de forma, para os efeitos do mesmo artº 32º, II, quando a assinatura vinculativa do avalizado não é aposta
no local prescrito na lei".
Tal «não vinculação» não emerge no caso sub-judice - insiste-se - de um qualquer vício de forma; o vício em
apreço consiste e traduzir-se-ia, em abstracto, na falta de eficácia vinculativa da própria declaração de vontade (de se
obrigar) por banda da sociedade subscritora da letra em apreço, por falta dos requisitos legalmente exigidos para a emissão
de uma tal declaração de vontade obrigacional.
O que tudo significa que, face ao estabelecido no citado segundo parágrafo do artº 32º da LULL, a aventada
«nulidade» da obrigação da «sociedade avalizada» jamais se poderia estender ou «comunicar» aos avalistas.
Os avalistas são pois autonomamente responsáveis, sendo irrelevante que a avalizada, fosse também, concreto,
responsável ou não. Os avalistas não garantem, portanto, o pagamento da obrigação do seu avalizado (que pode não
existir) mas, tal como o sacador e os endossantes, garantem o pagamento da letra, sendo (solidariamente) responsáveis
com estes e com o aceitante pelo seu não pagamento.
Nada, pois afasta, a responsabilidade cambiária dos avalistas ora recorrentes.
15. Assim havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão recorrido qualquer censura.
16. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
VICIO DE FORMA
LIVRANÇA
AVAL
ACORDO DE PREENCHIMENTO
Sumário:
1) - Em princípio, o comportamento declarativo é consensual, menos solene, e menos uniformizado excepto se a
lei impuser certa forma não bastando, então, um mero acordo de vontades para a perfeição negocial.
2) - Como regra, os requisitos de forma tem natureza “ad substantiam”, podendo a lei subalterniza-las para “ad
probationem”, sendo então terapia para lograr a perfeição o meio do nº 2 do artigo 364º do Código Civil.
3) - O conceito de nulidade por vício de forma constante na segunda parte do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa
às Letras e Livranças, reporta-se às condições externas do título, sua aparência formal, que não se confunde com a
validade da obrigação subjacente, já que no título cartular valem os critérios da literalidade, da incorporação, da autonomia
e da abstracção, independentemente da “causa debendi”.
4) - O aval é um acto cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos
pelo próprio título.
5) - A violação do pacto de preenchimento é uma excepção de direito material que não pode ser invocada pelo
avalista salvo se o mesmo nele teve intervenção subscrevendo-o.
6) - Daí que o acordo de preenchimento só concluído entre o subscritor e o portador da livrança se imponha, tal
qual, ao avalista.
Na 6ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, “Empresa-A”, AA, BB, seu marido CC e DD, deduziram embargos de
executado à execução, para pagamento de quantia certa, que lhes moveu a “Empresa-B”.
Alegaram, em síntese, que a livrança dada à execução não foi subscrita pela sociedade embargante não tendo
nela sido aposta a assinatura de nenhum dos sócios não se invocando a qualidade de gerentes; que sendo o aceite nulo
por vicio de forma é nulo o aval; que as livranças foram assinadas em branco e não lhes foi comunicado o montante das
transacções comerciais que iam garantir, pelo que sempre seria nulo, o aval, por indeterminado, e indeterminável, o objecto.
73
Apelaram, os embargantes, tendo a Relação de Lisboa julgado extinta a execução contra a sociedade e
confirmada a decisão recorrida quanto aos avalistas, cuja garantia considerou válida.
- A falta de assinatura do subscritor de livrança é um vicio de forma que a afecta, tornando- -a nula,
desde que tal nulidade seja invocável pelos interessados.
- Porém, invocaram a nulidade da livrança por vício de forma, o que acarreta, para eles, deixarem de estar
obrigados para com a exequente, devendo a execução ser declarada extinta, com a procedência dos embargos.
- Com base nos factos alegados e provados, existe o vício de forma invocado na livrança dada à execução.
- Ao não ter sido assim entendido, houve violação do disposto nos artigos 75, 7, 76, 32, II, da LULL, por aplicação
do seu artigo 77.
- Tal livrança teve por fim dar caução de um financiamento em conta corrente a Empresa-A.
- Nessa data os avalistas não sabiam, nem podiam ter ficado a saber, qual o montante por que se obrigavam, pois
que a sociedade avalizada nada devia ao recorrido e a obrigação assumida por aqueles foi no sentido do banco ficar
“autorizado a preenchê-la (a livrança) pelo valor de que for devedora (a sociedade), fixando-lhe o vencimento que lhe
convier sempre que haja incumprimento de qualquer das obrigações constantes deste contrato”.
- Não ficou, pois, nesse momento, determinado nem era determinável a quantia por que os avalistas se
responsabilizavam.
- De todo o modo, se tal não for entendido, e se se entender que, de acordo com os pontos 1 e 2 de tal contrato,
os avalistas se quiseram obrigar pelo montante de 25.000.000$00, essa obrigação tinha como limite temporal o prazo de
seis meses, por não ter ficado definido um prazo máximo.
- Ou então, na pior das hipóteses, e salvo o devido respeito, os avalistas só podem ser responsabilizados pelo
montante máximo de 25.000.000$00.
- Daí tal negócio ser nulo, para os avalistas, nos termos do artigo 280, 1 do Código Civil.
- O Banco exequente é legítimo portador da livrança nº 400032, emitida em 13/12/89, no valor de 28.193.137$00,
com vencimento em 14/03/97.
- Apresentada a pagamento na data do vencimento a referida livrança não foi paga nem posteriormente, não
obstante as diligências de exequente nesse sentido.
- No rosto da livrança e no local destinado à assinatura do subscritor consta um carimbo com os dizeres
“Empresa-A”; Contribuinte nº 500244006; os gerentes e por baixo do referido carimbo constam duas assinaturas.
- No verso da livrança e por baixo dos dizeres “dou o meu aval à firma subscritora” constam as assinaturas dos 2º,
3º e 4º executados.
74
- As assinaturas existentes no lugar dos subscritores referidos foram efectuadas pelos gerentes da sociedade
Empresa-A, AA e EE, mas não correspondem ao seu nome civil.
- Os avalistas quando opuseram as suas assinaturas no verso da livrança esta estava em branco.
- A livrança foi entregue pelos embargantes ao Banco e era condição conhecida da carta contrato datada de
13.12.89.
- O Banco, através da referida carta, concedeu ao executado/embargante um financiamento no montante de
25.000.000$00 nos termos e condições constantes de carta contrato, entregando em caução do financiamento, uma
livrança de montante e data de vencimento em branco subscrita e avalizada pelos sócios da embargante.
- Tendo o Banco ficado autorizado a preenchê-lo pelo valor de que for devedora, fixando-lhe o vencimento que lhe
convier sempre que haja incumprimento de qualquer das obrigações do contrato.
- E porque não pagaram o Banco deu por vencido o seu crédito procedendo ao preenchimento da livrança pelo
valor em divida nos termos e condições acordados.
Como o embargado não interpôs recurso da parte em que decaiu – extinção da execução contra a sociedade
“Empresa-A”, por não se ter vinculado validamente em termos cambiários – considera julgado este segmento “ex vi” do
disposto no artigo 684º do Código de Processo Civil, sendo que, no entanto, nesta parte, a decisão é desfavorável aos ora
recorrentes, que pugnando embora pela mesma conclusão pretendem que se considere que o vício é de forma, para
poderem exonerar a sua responsabilidade.
O âmbito do recurso restringe-se, pois, à validade do aval, na ponderação do vício da subscrição da livrança pelo
primeiro obrigado e à indeterminação (ou indeterminabilidade da garantia).
Conhecendo,
1 - Vício de forma.
2 - Aval.
3 - Determinabilidade.
4 - Conclusões.
1 - Vicio de forma.
1.1 - Como acima se acenou, importa para os recorrentes saber se a nulidade da subscrição da livrança declarada
no Acórdão recorrido – e, aqui, intocável – é consequência de vicio de forma pois só assim ficariam a coberto da excepção
da segunda parte “in fine”, do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças.
Cabem, porém, aqui algumas considerações sobre a forma.
O princípio da liberdade de forma constante do artigo 219º do Código Civil significa que, como regra, a validade
dos negócios, no direito privado, independe de certa forma.
Daí que o comportamento declarativo seja, em princípio consensual, menos rígido (ou menos solene e
uniformizado) salvo se a lei determinar certa exigência formal, não bastando, então, um mero acordo de vontades para a
perfeição negocial.
É a liberdade declarativa que só cede quando o legislador entende que exigências de uma maior reflexão das
partes, de maior rigor na formulação, de cognoscibilidade do acto, de necessidades de prova ou até na preocupação de
conferir maior solenidade (por razões sociais que impõem se prestigie o negócio) ou, finalmente, buscando a intervenção de
um terceiro com papel conformador e autenticador.
São, evidentemente, excepções (forma legal e forma convencional) ao antigo principio segundo o qual o bom pai
de família (como homem escrupuloso e de boa fé) se vincula com a própria palavra dada. (cf. Prof. Manuel de Andrade,
“Teoria Geral da Relação Jurídica, 1953, nº 27; Prof. Galvão Telles, “Dos contratos em geral”, 1947, 106; Prof. Vaz Serra,
75
“Contrato de modificação ou de substituição da relação obrigacional”, BMJ 80; Prof. Rui de Alarcão, “Forma dos negócios
jurídicos”, BMJ 86, entre outros).
Decorre, também, como principio, a nulidade da declaração negocial carente da forma legal (cf. o artigo 220º do
Código Civil que, como nota o Prof. Rui Alarcão [ob. cit. 179] dá “acolhimento […] à ideia de que a inobservância da forma
imposta pela lei deve trazer como consequência, em principio, a nulidade e não a simples anulabilidade [nulidade absoluta
hoc sensu]. É a solução que se harmoniza com os fins de ordem pública da forma legal, e que corresponde à orientação do
nosso direito vigente, e à de outros sistemas jurídicos.”).
Também como regra os requisitos de forma surgem com natureza “ad substantiam” embora, em certos casos, a lei
os subalternize vocacionando-os para simples meios de prova da declaração, deixando de ser “ad solemnitatem” para se
assumirem como “ad probationem” (então, à carência é adequada a terapia do nº 2 do artigo 364º do Código Civil).
1.2 - É do exposto que resulta que a expressão “vício de forma” enquanto conceito de direito privado pode implicar
realidades completamente distintas.
(Não, assim, no direito administrativo que incorpora no vicio de forma não só a carência absoluta de forma legal,
como a preterição de formalidades, quer as anteriores à prática do acto [v.g um parecer obrigatório], quer as
contemporâneas [v.g. sobre a votação num órgão colegial], quer as relativas à forma do acto – cf. Prof. Marcello Caetano,
“Manual de Direito Administrativo”, I, 480; Prof. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, III, 301 a 303).
A forma respeita, pois, à expressão ou manifestação de vontade enquanto a formalidade – “distinguo” do direito
público – se prende com o “iter”, ou modo de formação de vontade, ou actos de tramitação que preparam a decisão
administrativa e que a lei impõe como essenciais. Certo que para os contratos administrativos já releva, muito, a
conceptuologia de direito privado acima delineada).
1.2.1- “In casu”, o que está em causa é a subscrição de uma livrança por uma sociedade ao arrepio do nº 4 do
artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais.
Não cabe agora abordar a bondade desta conclusão que é aceite pelos recorrentes, mas tão-somente aquilatar da
sua relevância em sede de vício do título.
Tudo está, então, em determinar o alcance da expressão nula “por um vício de forma”, constante da segunda
parte do artigo 32º da LULL.
O Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2003 – 03B1966 - considerou-a como “utilizada no seu sentido jurídico
comum, importando a referencia às condições de forma externa do acto de que emerge a obrigação cambiária garantida -
requisitos da validade extrínseca dessa obrigação.”
Para o Prof. Pinto Coelho a fórmula é usada nesses precisos termos referindo termos “de olhar aos requisitos de
forma de que depende a obrigação que o aval deve garantir, às formalidades que a lei tenha estabelecido para o respectivo
acto cambiário” (in “Lições de Direito Comercial, As letras", II, V, 38).
Escreve o Prof. Ferrer Correia (apud “Lições de Direito Comercial”, III, “Letra de Câmbio”, 1956, 217:”
Consideremos agora especialmente o caso do aceite ou do endosso em branco em que a assinatura não tenha a
localização prescrita na lei: a aposição da simples assinatura do sacado no verso da letra, a do endossante na face anterior
do titulo, determinam a nulidade por vicio de forma, respectivamente do aceite e do endosso; consequentemente, será nulo
nos termos do artigo 32º, II, o aval prestado a qualquer destes signatários.” (cf. nesta linha, os Acórdãos do STJ de 24 de
Maio de 1998 - BMJ 475-718; de 19 de Março de 2002 – CJ/STJ X, I, 147; de 20 de Junho de 2002 - CJ/STJ X, II, 120 e de
20 de Maio de 2004 - 04B1522). E o Acórdão de 20 de Maio de 2007 decidiu que “vício de forma é apenas aquele que
prejudica a aparência formal do titulo”.
Não podemos deixar de concordar.
O título cartular tem ínsito um absoluto rigor formal com perfeita, e legalmente, disciplinada estrutura externa e
todo o seu conteúdo.
E assim terá de ser atendendo à natureza abstracta das obrigações cambiárias.
Daí que se imponham os requisitos dos artigos 1º (letras) e 75 (livranças) da LULL cuja falta é sancionada,
respectivamente, pelos artigos 2º e 76º, sendo aqueles, quando omissos e a omissão fulminada de invalidade que
caracterizam o vicio de forma do titulo.
Trata-se da validade formal da obrigação cartular – a validade extrínseca de notação ostensiva - que não se
confunde com a forma do negócio subjacente - a validade substancial - que é o que a lei societária tutela quando impõe a
forma de vinculação das sociedades (artigo 260º nº 4 do CSC: escrito dos gerentes que assinam com indicação dessa
qualidade - cf. o Acórdão do STJ de 6 de Fevereiro de 2007 - 06 A4240 - desta mesma conferencia).
Neste caso não há vício de forma da livrança, que contém as assinaturas nos locais próprios, havendo, tão-
somente, a invalidade da vinculação da sociedade subscritora.
76
2 - Aval.
Poderia dizer-se tão-somente que, inexistindo vício de forma, se mantém a obrigação dos avalistas, “ex vi” da
segunda parte do artigo 32º da LULL.
Dir-se-á, contudo, que a razão de ser desta norma, é ser o aval um acto cambiário que desencadeia uma
obrigação independente, autónoma. (cf. o Prof. Ferrer Correia, ob. cit. 197 ss, ao fazer notar que a responsabilidade do
avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do beneficio da excussão prévia; e
ainda para o facto da nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunicar à do avalista, tendo este direito de
regresso contra os signatários anteriores ao avalizado; cf. ainda, v.g, os Acórdãos do STJ de 27 de Maio de 2004 - 04
A1518 - e de 24 de Outubro de 2002 - 02 A2976).
O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança mas apenas da
relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.
É uma garantia de natureza pessoal que gera uma obrigação autónoma pois o avalista responsabiliza-se pela
pessoa que avaliza assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título.
Assim sendo, o avalista é responsável, nos mesmos termos em que o é a pessoa por ele garantida, por qualquer
acordo de preenchimento concluído entre o subscritor e o portador, não podendo invocar a excepção do preenchimento
abusivo (cf. v.g, os Acórdãos do STJ de 6 de Março de 2007 - 07 A205 - e de 11 de Dezembro de 2003 - 03 A3529) sabido
que o ónus da prova do preenchimento abusivo sempre caberia ao obrigado cambiário demandado, nos termos do artigo
342º nº 2 do Código Civil por integrar um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do titulo de crédito.
(cf. ainda, o Acórdão desta conferência de 14 de Dezembro de 2006 - 06 A2589).
Também não pode o avalista apor quaisquer outras excepções do seu avalizado ao portador, salvo qualquer
causa extintiva da obrigação decorrente das relações entre ambos.
3 - Determinabilidade.
Nuclearmente, dizem ter assinado a livrança em branco; que desconheciam o montante a que se obrigavam,
sendo que existia um acordo segundo o qual o Banco preencheria o titulo; que o negócio é nulo por indeterminação do
montante, mas, de qualquer modo, só se quiseram obrigar por 25.000.000$00.
Não têm qualquer razão.
Por um lado, e como acima se disse, existindo um acordo de preenchimento entre o banco e o subscritor da
livrança, a alegação de incumprimento desse pacto - nos termos do artigo 10º, aplicável por força do artigo 77º da LULL,
que refere a conclusão do titulo “contrariamente aos acordos realizados” - é uma excepção de direito material a alegar e
provar pelo executado nos termos do nº 2 do artigo 342º da lei civil (cf., “inter alia”, os Acórdãos do STJ de 28 de Julho de
1992 - BMJ 219-235; de 6 de Abril de 2000 - Pº 48/00 - 2ª - e de 14 de Dezembro de 2006 - 06 A2589 - desta mesma
conferencia; solução consagrada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14 de Maio de 1996 - DR de 11 de Julho
de 1996, aplicável também ás letras e livranças).
O ajuste dos termos definidores da obrigação cambiária, a fixação do seu montante, o tempo de vencimento e a
estipulação de juros, entre outros elementos, não pode ser questionada pelo avalista, que não é sujeito material da relação
subjacente, a não ser que este tenha também subscrito o acordo de preenchimento, o que não é o caso.
De todo o modo, e mesmo que assim não se entendesse, os recorrentes não excepcionaram o preenchimento
abusivo razão porque o mesmo se mantém inquestionado.
3.2- Afastada esta situação, não ocorre qualquer nulidade por indeterminação da obrigação assumida pelos
avalistas.
Diga-se que o aval se afasta do regime da fiança, já que a responsabilidade do avalista não é acessória da do
avalizado, como aconteceria se se tratasse de uma fiança (cf. o artigo 627º CC).
No aval, mera garantia cambiária, a responsabilidade do avalista é determinada pelo próprio titulo, com as
excepções que resultem do que acima se expôs quanto ao pacto de preenchimento.
A fiança reporta-se a uma obrigação principal, substantiva e causal enquanto o aval representa obrigação cartular
que independe da relação subjacente.
Ora tratando-se, aqui, de um negócio cambiário e não se tendo provado qualquer violação do pacto de
preenchimento da livrança, os avalistas são responsáveis pelo montante do titulo inexistindo qualquer invalidade no aval
prestado, já que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.
77
Adere-se, assim, ao julgado no Acórdão de 13 de Março de 2007 - 07A202 - (“Por isso, sendo o aval prestado a
favor do subscritor, como é o caso, o acordo de preenchimento do titulo concluído entre este e o portador impõe-se ao
avalista para medir a sua responsabilidade (…). É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento, ao
preenchimento da livrança.”), com as precisões atrás referidas, e acolhendo, também, a doutrina do Acórdão do STJ de 6
de Março de 2007 - 07A205 - em que o, ora Relator foi 1º Adjunto e o, ora 1º foi 2º Adjunto.
Improcedem, assim, as razões dos recorrentes.
4 - Conclusões.
a) Em princípio, o comportamento declarativo é consensual, menos solene, e menos uniformizado excepto se a lei
impuser certa forma não bastando, então, um mero acordo de vontades para a perfeição negocial.
b) Como regra, os requisitos de forma têm natureza “ad substantiam”, podendo a lei subalterniza-las para “ad
probationem”, sendo então terapia para lograr a perfeição o meio do nº 2 do artigo 364º do Código Civil.
c) O conceito de nulidade por vicio de forma constante na segunda parte do artigo 32º da Lei Uniforme Relativa às
Letras e Livranças, reporta-se às condições externas do título, sua aparência formal, que não se confunde com a validade
da obrigação subjacente, já que no título cartular valem os critérios da literalidade, da incorporação, da autonomia e da
abstracção, independentemente da “causa debendi”.
d) O aval é um acto cambiário que origina uma obrigação autónoma independente, cujos limites são aferidos pelo
próprio título.
e) A violação do pacto de preenchimento é uma excepção de direito material que não pode ser invocada pelo
avalista salvo se o mesmo nele teve intervenção subscrevendo-o.
f) Daí que o acordo de preenchimento só concluído entre o subscritor e o portador da livrança se imponha, tal
qual, ao avalista.
Dentro dela, as deliberações dos sócios, de que o Código aqui se ocupa, não são mais,
afinal, do que declarações unilaterais da sociedade, formadas como actos colegiais do plenário dos
sócios, segundo uma das “formas” admitidas por lei para o respectivo tipo social.
Nem sempre as deliberações sociais são tomadas em assembleias de sócios.
Obedecendo ao numerus clausus legal - 53º, nº 1 - as deliberações de sócios podem ser:
78
Da conjugação do disposto nos art. 189º (s. n. colectivo) e 248º (s. p. quotas), resulta que o
regime geral das assembleias gerais é o constante dos arts. 373º e segs., relativos às
sociedades anónimas.
Quanto às sociedades em comandita: às comanditas simples, aplicam-se as regras das
sociedades em nome colectivo (art. 474°); e às comanditas por acções, as das sociedades anónimas
(art. 471°).
Por mais frequentes as sociedades por quotas, merece especial referência o art. 246º -
matérias que dependem de deliberação dos sócios - nº 1 - e ainda as do nº 2 se o contrato social não
dispuser diversamente...regulando o art. 248º a convocação e funcionamento da assembleia.
Para além de não valer voto condicional - Col. 93-V-247 - o art. 251º regula os impedimentos
de voto, com a regra geral do nº 1 - conflito de interesses - e enumeração meramente
exemplificativa, mas impreterível, mesmo no pacto - nº 2.
Um dos exemplos é a exclusão de sócio - al. d): se o sócio a excluir votar, não se está
perante deliberação viciada, mas perante mera declaração pessoal que não ganha a qualidade de voto
formativo da deliberação, de nada vale esse voto que é nulo, um nada jurídico - Col. STJ 95-I-72
Conforme o vício que as afecta e para além da inexistente - acto a que falta o mínimo dos
requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria de uma deliberação ou que
não seja adequado, nem sequer na sua aparência material, a vincular a sociedade (Ac. STJ de
5.12.2000, na Col. Jur. 2000-III-155) considera a lei deliberações
I - Ineficazes – art. 55º - deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei (ou o contrato
social) exija o consentimento de determinado sócio:
1. As que atingem direitos extracorporativos dos sócios: no que toca a estes direitos os
sócios são como estranhos à sociedade;
2. As que visam direitos corporativos especiais - os do art. 24º - como resulta dos n.os 5
e 6 deste artigo.
"...O exercício de um direito apresenta-se contrário aos bons costumes quando tiver conotações de imoralidade
ou de violação das normas elementares impostas pelo decoro social. O aludido comando não aponta ao julgador, a quem
79
cabe concretizar o conteúdo dos bons costumes, uma simples verificação de facto dos usos, mas a aferição destes por um
critério valorativo que lhe indique, de entre os "usos" (mores), quais os "bons usos" (boni mores). Esse crivo de selecção
terá de ser o dos valores preponderantes na colectividade, considerando-se, ainda, as concepções do círculo em que actua
o agente (por ex., profissional), desde que não incompatíveis com a referida consciência social dominante" - Col. STJ 00-I-
62 - que decidiu:
«A deliberação tomada em assembleia geral de sociedade comercial, face a proposta, nesse sentido, do seu sócio
maioritário e gerente, de trespasse do estabelecimento comercial e de venda do imóvel, sede da sociedade, pelo preço
global de 210.000 contos, visando prejudicar a sociedade e um sócio minoritário que, estando presente, se propôs pagar
518.000 contos, que era o valor real do trespasse e do imóvel, além de abusiva e, como tal, anulável, é, ainda, ofensiva dos
bons costumes e, por isso, nula».
A nulidade das deliberações pode ser arguida a todo o tempo, por qualquer interessado, e
oficiosamente conhecida pelo tribunal, nos termos do art. 286º do C. Civ. Mas, ao contrário das
nulidades em direito civil, podem ser sanadas as nulidades previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.
56º do CSC, nos termos do seu art. 62º, n.os 1 e 3.
Entretanto, poderá o órgão de fiscalização ou qualquer gerente (se não existir aquele órgão)
alertar os sócios, em assembleia geral, para a nulidade, a fim de eles renovarem a deliberação, se for
possível ou, se não o for, proporem a acção declarativa de nulidade; esta deverá ser proposta pelo
órgão ou pelos gerentes, se os sócios não o fizerem (art. 57º).
Convocada uma assembleia-geral com vista à aprovação de contas e aplicação dos respectivos resultados
impõe-se que a sociedade coloque à disposição de todos os seus sócios toda a informação sobre a situação
económica da mesma, como resulta do disposto nos arts. 263º, nº 1 e 214º, nº 4 do CSC.
Sem informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a situação da sociedade, um qualquer seu sócio
não se está habilitado a discutir construtivamente o tema da ordem do dia e a votar conscientemente.
Não tendo sido respeitado este direito à informação, as deliberações tomadas em assembleia-geral são
anuláveis, de acordo com o art. 58º, nº 1, al. c) do CSC.
…
«Com efeito, a al. c) do nº 1 do art. 58º do CSC comina com anulabilidade as deliberações tomadas em violação
ao direito de informação do sócio.
E o nº 4 deste artigo esclarece quais são os elementos mínimos de informação para este efeito:
a) As menções exigidas pelo art. 377º, nº 8;
80
b) A colocação de documentos para exame aos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo
contrato.
(tem-se entendido, aliás, que esta enumeração não é taxativa, mas apenas exemplificativa – assim, Vasco Xavier,
in Revista Decana, Ano 118º, 202, e Carneiro da Frada, in Deliberações Sociais Inválidas no novo Código das Sociedades
Comerciais – Novas Perspectivas do Direito Comercial, pág. 324 e ss.).
Este direito de informação está genericamente consagrado na al. c) do nº 1 do art. 21º – “Todo o sócio tem direito
a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” – e está regulamentado no art. 214º, ambos
do diploma legal supra referido.
Com vista à apreciação anual da situação da sociedade, o nº 1 do art. 263º do mesmo diploma prescreve que “o
relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, nas condições previstas no
art. 214º, nº 4, na sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida convocatória para a
assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocatória”.
Este direito de informação do sócio com vista à apreciação da real situação da sociedade a ser discutida em
assembleia-geral não pode ser excluído como declara de forma mui clara o nº 2 do art. 214º citado – “…, não pode ser
excluído … quando a consulta tiver por fim julgar da exactidão dos documentos de prestação de contas ou habilitar o sócio
a votar em assembleia geral já convocada”.
Do que fica exposto é já permitido concluir que a R. não cumpriu para com a A., sua sócia, os deveres
correspondentes ao direito à informação que a esta assistia, colocando ao seu dispor, durante todo o período anterior à data
da assembleia e desde a convocação desta, todos os elementos de consulta necessários a uma participação séria e
consciente na assembleia.
Nesta sede tomam-se, naturalmente decisões, muitas vezes após discussão. Umas e outra pressupõem uma boa
informação dos comparticipantes.
Este direito do sócio à informação é “um direito instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou
extra-patrimoniais”, nomeadamente do “direito de voto” que deve ser exercido de forma consciente (cfr. Raúl Ventura, in
Sociedades por Quotas, Vol. I, pág. 279 e ss.)
Este direito à informação visa proteger os interesses dos sócios, em primeira linha; mas também o dos
trabalhadores da sociedade e os seus próprios credores – só perante um conhecimento fidedigno da realidade da empresa
será possível deliberar a sua própria vida. “Sem informação verdadeira, completa e elucidativa, não se está habilitado a
discutir construtivamente o assunto, e a votar conscientemente” (apud Pinto Furtado, Deliberações Sociais, pág. 96).
À A. não foram colocadas as condições de ela exercer o seu direito. Direito esse que, no fundo, comporta o dever
de votar em conformidade com a sua perspectiva, a ordem de trabalhos.
Trata-se, pois, de um direito que, como tal, não se compadece com uma situação de “mendigar os elementos
necessários à «vida» da sociedade e que lhe hão-de permitir votar a deliberação de forma consciente” como bem salientou
o aresto impugnado.
São também de anulabilidade os casos do art. 69º, n.ºs 1 e 2, do CSC: violação dos preceitos
legais sobre elaboração do relatório de gestão, contas de exercício e demais documentos de prestação
de contas; e aprovação de contas irregulares.
SOCIEDADE COMERCIAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
CONTAS DAS SOCIEDADES
Sumário:
Ao abrigo dos arts. 69.º e 58.º, n.º 1, al. b), ambos do CSC, não há lugar à anulação das deliberações sociais
relativas à aprovação de contas e destino de resultados, quando não se vê que tenham sido violadas quaisquer normas
relativas à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas, ou
preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público, como se exprime no
art. 69.º, n.ºs 1 e 3, do CSC, nem se apurou que as contas sejam em si mesmas irregulares, por assentaram em
documentos falseadores dos resultados.
81
AA, residente em Coimbra, instaurou acção declarativa, de condenação, com processo comum e forma ordinária,
contra a Sociedade Alimentar BB, Ld.ª, com sede em Coimbra, pedindo a anulação da deliberação da Assembleia Geral da
Ré, de 21 de Março de 2003, que aprovou o relatório de gestão e as contas do ano de 2002, corrigindo-as de acordo com o
que vier a ser apurado em resultado do inquérito judicial previsto no artigo 68.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais.
Alegou para tanto – em síntese - que as contas em questão não reflectiram a realidade, isto é, o volume de
vendas e serviços foi superior ao que figurou nas mencionadas contas, assim como os lucros reais foram superiores,
havendo, por isso, irregularidades que prejudicaram a sociedade Ré na medida em que viu diminuídos os resultados e os
lucros a distribuir.
Para demonstrar o afirmado, a Autora juntou várias fotocópias que afirmou serem do movimento diário do
estabelecimento comercial da Ré e uma cópia do disco rígido do computador, com o fim de mostrar que havia alterações e
discrepâncias entre eles e os que serviram de base à aprovação das contas, resultando a discrepância da manipulação a
que foram sujeitos, posteriormente, estes últimos.
A Ré contestou, negando os factos afirmados pela Autora e concluiu pela improcedência do pedido.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se a exames periciais e a julgamento, com decisão da matéria de
facto, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente porque não se provou que as divergências
alegadas tivessem existido.
…
Inconformada, apelou a Autora. Mas a Relação de Coimbra confirmou o decidido por entender que não se
mostram preenchidos os pressupostos do art. 58.º, n.º 1, al. b), do CSC.
Ainda irresignada, pede a A. revista para revogação do decidido e anulação da decisão da Assembleia Geral da
Ré … realizada a 21 de Março de 2003 que aprovou as suas contas.
Como se vê da alegação que coroou com estas conclusões:
…
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir a questão sub-metida à nossa apreciação, a de saber
se os factos apurados determinam a anulação da deliberação da Assembleia Geral da sociedade Ré, de 21.3.2003, que
aprovou o relatório de gestão e contas referentes a 2002, seja porque, assentes em numerosas irregularidades, tais contas
falseiam de forma relevante o resultado do exercício (art. 69.º do CSC) seja porque a aprovação das contas foi feita em
proveito próprio das duas sócias que formam maioria e em prejuízo da A (art. 58.º, n.º 1, al. b), do CSC).
…
Analisando sucintamente a factualidade assim obtida e comparando-a com a levada à base instrutória, logo se
conclui que a tese da A. não mereceu os favores da prova.
Sendo certo que a resposta negativa a um quesito significa, tão só que não se provou o que nele se perguntava e
não que se tenha provado o contrário, não é menos seguro que, se não se provaram os factos constitutivos do direito
invocado, estará votada ao insucesso a pretensão que em tais factos (não provados) assentava.
Começando pela divergência entre os valores apontados pela A. e os que constavam das contas aprovadas, é
ponto assente que a A. não logrou provar que os seus documentos fossem os verdadeiros, os correctos e os das suas
consócias os falsificados, os alterados, os irregulares.
É quanto resulta da resposta negativa ao quesito 1.º e restritiva aos quesitos 5.º e 6.º.
Naquele perguntava-se se os documentos apresentados pela A. (os juntos com a petição sob os n.ºs 7 a 12) são
cópias que correspondem aos apuramentos de fecho de caixa da empresa Ré nos períodos neles referidos.
Na resposta aos quesitos 5.º e 6.º suprimiu-se a parte que faria corresponder a alteração operada nos valores dos
1.º e 2.º trimestres de 2002 aos valores constantes do documento n.º 15 da A., ou seja, que provaria que tais valores foram
alterados para muito menos, inquinando as contas e a respectiva aprovação com o inerente prejuízo da A.
O mesmo é confirmado pela resposta negativa aos quesitos 7.º a 12.º, todos eles visando demonstrar a
irregularidade dos documentos em que as contas assentaram.
Por outro lado, provou-se que a facturação apresentada aos Serviços de Finanças subiu substancialmente, de
187.012,78 euros em 2001 para 255.885,37 euros em 2002.
No tocante à aprovação abusiva das contas pelas duas outras sócias da Ré, em prejuízo da A., basta ver que o
quesito 14.º - As sócias...e ..., ao aprovarem as contas de 2002, fizeram-no com o fim de diminuírem os resultados da
empresa e os lucros a distribuir deles emergentes? – mereceu a resposta de não provado.
82
Ensina Carlos Olavo, na Colect. Jur., 1988-3-21 e ss., que "as sociedades comerciais, enquanto pessoas
colectivas, necessitam de suportes materiais para que a respectiva vontade se forme e manifeste.
Esses suportes materiais são os órgãos da sociedade, através de cujas deliberações a vontade da pessoa
colectiva se forma e manifesta.
As deliberações sociais consistem, assim, no resultado da vontade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva,
em termos de serem a esta normativamente imputáveis.
Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 49 e ss, define a deliberação como a declaração juridicamente
imputável a uma pessoa colectiva ou simplesmente a um órgão seu, ou ainda, globalmente, a um grupo não dotado de
personalidade jurídica, formada mediante o concurso dos sujeitos de direito que os compõem e moldada pela fusão das
declarações individuais receptícias por eles emitidas (votos) que, no mínimo, integrem o núcleo mais numeroso de
declarações de sentido idêntico validamente exprimidas.
Nem todas as deliberações constituem declarações de vontade, antes a deliberação de aprovação das contas
anuais constitui uma declaração de ciência e os votos de congratulação ou de pesar exprimem um sentir.
Daí que não possam definir-se, simplesmente, como declarações de vontade.
Como quer que seja e sem quebra do rigor dos conceitos, interessa-nos considerar aqui as deliberações da
Assembleia Geral, órgão supremo da sociedade, de funcionamento intermitente, constituído pela reunião dos seus sócios,
regularmente convocados para apreciação e decisão de assuntos de interesse comum, especificados na convocação - ib.,
86.
Deixando de lado as deliberações ineficazes (art. 55º), temos que o C.S.C. consagrou nesta matéria as duas
formas clássicas de invalidade, a nulidade e a anulabilidade - art. 56º, 58º e 69º.
No art. 56º distingue a lei duas espécies distintas de "nulidade", de acordo com as diferentes localizações do vício
respectivo:
a) - nulidade resultante de vício de formação que é a prevista nas duas primeiras alíneas do n.°1;
b) - nulidade resultante de vício do conteúdo, de que se ocupam as duas últimas alíneas do mesmo número.
Enquanto que as duas primeiras são sanáveis (56º, 3), já as duas últimas são nulidades puras ou insanáveis.
Vamos analisar a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 56º, única que ora e face à alegação da A. nos
interessa.
No dizer desta norma, são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros
órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser
derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
O Conselheiro Pinto Furtado, op. cit., 325, lê este preceito por forma clara, qualidade que se não vê na sua
redacção, de sorte que serão nulas as deliberações cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que [ele,
conteúdo] determine ou permita seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais inderrogáveis.
Assim, se a ofensa aos bons costumes ou de preceito legal inderrogável não se integra directamente no conteúdo
da deliberação dos sócios e só vem a ocorrer em acto de outro órgão que tal deliberação determine ou permita, a nulidade
subsiste.
"...e, assim, será de considerar nula a própria deliberação dos sócios que aprove regularmente um balanço no
qual o conselho de administração se apoie para determinar uma distribuição de lucros fictícios."
Ainda neste ponto ensina Lobo Xavier, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, 493-499, que
para a doutrina dominante, a deliberação de aprovação assume o conteúdo do balanço, enquanto o torna «acto da
assembleia», de forma que os vícios do respectivo projecto, elaborado pelos administradores, se comunicam ao acto final e
neste ficam «absorvidos».
Os «bons costumes», como ensina Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., pág. 435, «são uma noção
variável, com os tempos e os lugares abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de
boa fama, num dado ambiente e num certo momento».
Sobre tal conceito, e em termos algo similares, se pronunciaram Meneses Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil,
vol. 2.º pág. 1223; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., págs. 66 e 67; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª
ed., pág. 44 - BMJ 423 - 539 e ss.
A identificação das normas imperativas "é questão que quase sempre será fácil de resolver, sobretudo se, como
frequentemente acontece, o texto da norma contém indicações de que o legislador quis (ou não quis) vedar absolutamente
83
a derrogação da disciplina nela estatuída (a sua derrogação, portanto, mesmo por vontade unânime dos associados que
pretendam estabelecer disciplina divergente mormente nos estatutos ou pactos sociais.
... Por outro lado, a alínea em análise mostra que só há nulidade, em princípio - e salvas as excepções que
adiante veremos - quando a contrariedade a normas imperativas se traduz no conteúdo - e não no procedimento, no modo
ou processo de formação - das deliberações"- V. Xavier, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 118 -75 e ss.
O art. 58º, nº 1, engloba as hipóteses legais de anulabilidade, sistematicamente dispersas pelas três alíneas do
n.° 1, distinguindo P. Furtado quatro categorias perfeitamente diferenciadas:
a) - violação de lei não enquadrável no art. 56;
b) - violação de cláusula contratual;
c) - abuso do direito deliberativo;
d) - omissão de elementos mínimos de informação.
A disposição genérica da al. a) do n.º 1 do art. 58º - violação de disposição legal a que não caiba a nulidade -
impõe se analise as «hipóteses mais intuitivas de ilegalidades em deliberações dos sócios que deverão produzir
simplesmente a sua anulabilidade».
Ensina Carneiro da Frada, Novas perspectivas do direito comercial, 322, que " é preciso sancionar aqueles
actos que, embora formalmente conformes com as normas legais ou estatutárias, desrespeitam a intencionalidade material
que nelas vai subjacente. No fundo, a discrepância que aqui existe não é entre a deliberação e uma concreta disposição da
lei ou do pacto, mas entre aquela e as exigências de equilíbrio no uso de poderes jurídicos e de respeito pela materialidade
da regulamentação normativa que o sistema jurídico, enquanto tal, corporiza."
Há muito ensinou Ferrer Correia, Lições, II, 364, que o abuso do direito parece poder discernir-se muito
nitidamente quando os sócios da maioria procuram com o voto servir interesses extra-sociais, seus ou de terceiros, em
prejuízo da sociedade ou em detrimento dos sócios minoritários.
Precisando o conceito de abuso de direito, decidiu o STJ, no BMJ 423-551 que enquanto o artigo 334.° do
Código Civil representa o acolhimento em termos genéricos, da concepção objectiva, já o artigo 58.°, n.° 1, alínea b), do
Código das Sociedades Comerciais, representa o acolhimento, para uma área muito específica, da concepção subjectiva
(que, todavia, não pode prescindir, como é palpável na caracterização do abuso, de elementos de ordem objectiva).
P. Furtado, op. cit., 389, ensina que "a norma não quis, obviamente, aplicar sem mais a sanção de anulabilidade
à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas
características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva - como inequivocamente se realça no adjectivo "abusivos",
expressamente usado para classificar os votos que a compõem.
...para que tal deliberação seja tida por abusiva, será ainda preciso que o seu contexto envolva as proporções de
um excesso manifesto. Sem este ingrediente de flagrante e marcada iniquidade, não poderá haver abuso do direito..."
É função da Assembleia Geral proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade - art.
451º para as SA e 246º, 1, e), ambos do CSC, para as sociedades por quotas - e, mais concretamente, deliberar sobre o
relatório de gestão e as contas do exercício e sobre a proposta de aplicação de resultados - 376º, 1, a) e b), para as SA e
263º para as Sociedades por Quotas.
Para tanto os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o
relatório da gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a
cada ano civil, tudo elaborado de acordo com a lei, podendo o contrato de sociedade complementar, mas não derrogar,
essas disposições legais - 65º, 1 e 2.
84
Sob a epígrafe «Regime especial de invalidade das deliberações» criou a lei - art. 69º - normas específicas para
as deliberações que os sócios tomem nesta matéria.
De acordo com este dispositivo legal, "é fundamento de anulabilidade a violação dos preceitos legais relativos à
elaboração e apresentação do relatório de gestão das contas do exercício e demais documentos de prestação de contas
(n.º 1) e também a aprovação de contas em si mesmas irregulares...mas o nº 3 do preceito comina com a nulidade a
violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, bem como de preceitos cuja
finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público" - C. Frada, op. cit., 325.
O relatório da gestão deve conter, pelo menos, uma exposição fiel e clara sobre a evolução dos negócios e a
situação da sociedade, devendo indicar, em especial, a evolução da gestão nos diferentes sectores em que a sociedade
exerceu actividade, designadamente no que respeita a condições do mercado, investimentos, custos, proveitos e
actividades de investigação e desenvolvimento - 66º, 1 e 2, a).
Da conjugação destas normas resulta, como para o direito anterior ensinava Lobo Xavier, Anulação..., 493 que o
conteúdo da deliberação de aprovação vem, ao fim e ao cabo, a englobar o conteúdo do próprio balanço.
Por outro lado, a invalidade desta deliberação de aprovação andará normalmente a par com a nulidade ou
anulabilidade da que aprova a distribuição de resultados, pois a distribuição dos lucros do exercício só é possível depois de
aprovadas as contas do exercício - BMJ 446 - 312 e 314.
Da análise dos factos assentes e controvertidos, de posse dos ensinamentos dos Mestres e da Jurisprudência,
estamos em posição de concluir que à A. não assiste razão quando peticiona a anulação da deliberação em causa, tanto ao
abrigo do art. 69.º como do art. 58.º, n.º 1, al. b), ambos do CSC.
Quanto à aprovação de contas e destino de resultados, não se vê tenham sido violadas quaisquer normas
relativas à elaboração do relatório de gestão, das contas do exercício e de demais documentos de prestação de contas, ou
preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público, como se exprime o
art. 69º, 1 e 3, do CSC; nem se apurou que as contas sejam em si mesmas irregulares, por assentaram em documentos
falseadores dos resultados.
No tocante à aprovação abusiva das contas, vimos acima que, pura e simplesmente, não se provou o tal respeito
alegado.
Pelo que o recurso não colhe provimento.
Decisão
A acção de anulação pode ser movida pelo órgão de fiscalização ou qualquer sócio que não
tenham votado a favor da deliberação, nem a tenha aprovado expressa ou tacitamente a posteriori (art.
59º, nº 6). A acção está sujeita a prazo de caducidade de trinta dias, contado nos termos do art. 59º,
2, a) a c) do CSC.
85
No caso de convocação irregular dos sócios, o prazo conta-se, por aplicação analógica dos
art. 59º, nº 2, c), do CSC, 396º, nº 3, do CPC e 178º, nº 2, do CC, a partir da data em que o sócio teve
conhecimento da deliberação - Col. STJ 99-II-119.
I - «Os prazos da acção de anulação de deliberação social previstos nos artigos 59º, nº 2, do Código das
Sociedades Comerciais e 389º, nº 1, alínea a), do CPC, são autónomos ou independentes, designadamente quanto aos
seus efeitos; só o decurso do primeiro implica caducidade do direito substantivo de propositura da acção, limitando-se o
do segundo à caducidade da providência cautelar de suspensão da deliberação.»
II - «A pendência do procedimento cautelar não impede o decurso do prazo do citado artigo 59º, nº 2» - BMJ 487-
249.
I - O prazo de 30 dias para a propositura de acção de anulação de deliberação social, contado nomeadamente da
assembleia geral respectiva, nos termos do artigo 59º, nº 2, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, apenas se
interrompe pela instauração da acção.
Decorrido, por conseguinte, o aludido prazo sem que a acção seja proposta, caduca o direito de impugnar a
validade da deliberação, muito embora esta seja objecto de providência cautelar de suspensão ainda pendente [cfr. o artigo
389º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil].
II - Mercê da renovação de deliberação social, «os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado,
concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação, destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o seu lugar».
Convalidada, porém, a deliberação objecto de renovação pelo decurso do prazo da acção de anulação, torna-se
inútil a deliberação renovatória igualmente objecto de impugnação, com a consequente inutilidade da lide quanto à
apreciação da sua validade - Ac. STJ, 29.3.2000, BMJ 495-334.
Além disso, pode o sócio, comprovando essa qualidade e mostrando que uma deliberação
social contrária à lei ou ao contrato lhe pode causar dano apreciável, requerer a providência cautelar
de suspensão de deliberações sociais, no prazo máximo de dez dias a contar da data da
deliberação, ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, desde a
data em que teve conhecimento da deliberação (arts. 396º, maxime nº 3, a 398º do CPC).
A suspensão, se decretada, só subsiste se for tempestivamente intentada a acção anulatória
ou declaratória de nulidade da deliberação visada, atendendo-se aos prazos dos art. 389º, nº 1, a), do
CPC e 59º, nº 2 do CSC, como agora visto.
86
12 - Amortização de quotas - 232º a 238 - nulidade se ocorrer violação dos n.os 1 e 2 do art.
236º (ressalva do capital);
13 - Deliberação não precedida do fornecimento de elementos mínimos de informação -
anulabilidade - 58º, 1, c) e 214º e 220º, nº 3;
14 - Falta do relatório de gestão - anulabilidade - 58º, nº 1, a, 65º, n.os 1 e 5, 69º, nº 1 e 263º,
nº 1.
Inexistência
Tem sido também entendido que é inexistente uma deliberação que não tenha sido aprovada
com o número mínimo de votos, exigidos por lei ou pelo contrato, ou tenha sido aprovada com votos de
pessoas sem direito a voto, desde que o vício seja por tal forma ostensivo e patente a toda a gente,
que nem sequer externamente se possa configurar uma deliberação.
SOCIEDADES COOPERATIVAS
Exclusão de associado
Reserva absoluta de competência da assembleia geral
Deliberação inexistente - Deliberação nula
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II - É juridicamente inexistente a deliberação da assembleia geral que se propôs deliberar sobre a exclusão de
cooperadores «no âmbito dos princípios e sem personalizar os infractores», com total omissão do processo escrito onde
devia ser lavrada a proposta de exclusão a submeter a deliberação.
III - A competência para exclusão de cooperadores não pode ser delegada na direcção da cooperativa e, a ter esta
deliberado a exclusão, tal deliberação é nula - R.ão Porto, Col. 01-I-199
- Requisitos da providência
- Inexistência jurídica da deliberação
- Quorum
I - Na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, o requisito da legalidade deve ser objecto de
mero juízo de probabilidade, enquanto o do dano envolve a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do
mesmo, por efeito da execução da deliberação.
II - A nomeação de um administrador estranho à sociedade não é, só por si, facto susceptível de causar dano
apreciável.
III - Entre os vícios susceptíveis de afectarem as deliberações sociais conta-se o da inexistência jurídica (apesar
da falta de consagração legal desta figura), vício esse de conhecimento oficioso.
IV - A providência cautelar de suspensão de deliberações sociais pode fundar-se na inexistência jurídica da
deliberação.
V - Se a deliberação é inexistente, não é exigível o requisito do "dano apreciável".
VI - O vício de uma deliberação tomada em assembleia processada com infracção do quorum constitutivo cai na
área da anulabilidade.
***
Estar-se-á perante uma situação de inexistência jurídica das deliberações em referência?
A questão é complexa. Por um lado, não se pode falar, in casu, em inexistência de facto quanto à realização da
assembleia ou em "não deliberação" quanto à aceitação da renúncia da administradora e à nomeação, em sua substituição,
do novo administrador. Por outro lado, importa ponderar as dificuldades resultantes da falta de consagração legal expressa
do vício da inexistência jurídica como fundamento de impugnação de deliberações sociais. Na verdade, nos arts. 56º e 58º
do C. das Soc. Comerciais (CSC), diploma a que, doravante, pertencerão os normativos que se indiquem sem menção da
origem, enunciam-se os casos de nulidade ou de anulabilidade, omitindo-se eventuais casos de inexistência.
Tal omissão, em sede de consagração legislativa, não pode, no entanto, ser motivo bastante para impedir o
reconhecimento, pela doutrina e pela jurisprudência, da figura da inexistência jurídica de entre os vícios susceptíveis de
afectarem as deliberações sociais.
Assim, à semelhança do que aconteceu na dogmática do direito civil, onde, igualmente, a respectiva legislação
não falava deste vício, também, no âmbito do direito societário, importará considerar a figura da inexistência jurídica.
Tanto assim é que, apesar de o STJ raramente se ter pronunciado sobre a inexistência jurídica de deliberações
sociais, nos poucos casos em que o fez, e independentemente da solução adoptada, pressupôs tal possibilidade.
Diga-se, a propósito que, nos últimos cinco anos, este Supremo Tribunal, por duas vezes, se pronunciou sobre a
temática da "inexistência jurídica de deliberações sociais". Primeiro, em acórdão de 12.12.95 no sentido de que se trata de
um vício de conhecimento oficioso que, em princípio, dispensa uma declaração judicial, mas cujo conhecimento se pode
impor e deve ser declarado. Depois, em acórdão de 4.12.96, em sentido oposto, ou seja, de que não faz sentido o
requerente de uma providência cautelar de suspensão de uma deliberação social fundamentar-se na inexistência jurídica da
deliberação, uma vez que o pedido de suspensão pressupõe a existência da deliberação que se pretende ver suspensa.
Não se acompanha, no entanto, esta última posição, na medida em que a mesma pode deixar sem protecção
jurídica quem for vítima de um vício ainda mais grave do que a nulidade ou a anulabilidade. Acrescendo que, numa situação
conflitual, não é suficiente a invocação, perante a outra parte, da inexistência jurídica, uma vez que, havendo litígio, é
indispensável o recurso à tutela judicial, que não a poderá negar em face da disciplina constante do art. 2º, n.º 2 do CPC,
ainda que a intervenção se limite à simples declaração da inexistência.
3 - Sendo, como é, um vício de conhecimento oficioso, uma vez admitida a figura da inexistência jurídica, nada
obsta à sua apreciação na presente acção.
…
3.1. Como explica Pinto Furtado, uma coisa é a invalidade e outra a inexistência jurídica. Na primeira, estamos
perante uma realidade que, configurando a facti species legal de deliberação, apresenta, no entanto, afecções ou vícios
88
mais ou menos largamente impeditivos da produção de efeitos jurídicos que normalmente resultariam dessa
correspondência normativa. Na segunda, não se verifica uma verdadeira correspondência à facti species legal, pelo que não
chegam a poder brotar do facto em presença os efeitos próprios da facti species.
Ambos os casos se reconduzem à ineficácia lato sensu. No entanto, segundo o Autor que ora se acompanha, uma
tal ideia assenta correctamente à invalidade, ao passo que a inexistência jurídica será mais propriamente uma hipótese de
não eficácia.
Como critério prático auxiliar para a distinção entre as situações concretas de invalidade - nulidade ou
anulabilidade - e de inexistência jurídica, Pinto Furtado indica-nos o seguinte caminho: "(…) tendo o nosso Código (das
Sociedades Comerciais) estabelecido uma enumeração taxativa dos casos de nulidade, atirando para a regra geral da
anulabilidade todas as deliberações dos sócios não configuradas na facti species do art. 56º, poderemos deste modo
subtrair à regra da invalidade e submeter a total ineficácia todos aqueles casos que, não sendo enquadráveis em nenhuma
das hipóteses arroladas na enumeração taxativa do art. 56º, não apresentem, todavia, real correspondência, sequer, à facti
species de deliberação.
A figura da inexistência jurídica aplicada às deliberações sociais conduz-nos, pois, para o campo das deliberações
de pura aparência, das pseudo-deliberações, cuja submissão ao enquadramento da inexistência jurídica oferecerá real
relevância, pois, de outro modo, não cabendo elas na enumeração taxativa do art. 56º, acabariam por ser relegadas,
indevidamente, para a mera anulabilidade.
Conforme previne Pinto Furtado, "não será fácil determinar, com rigor, quando estaremos verdadeiramente
perante uma concreta hipótese de falta de integração da facti species de deliberação, dominando na matéria um grande
subjectivismo - mas esta dificuldade inevitável não deverá determinar-nos a abandonar o tratamento da figura da
inexistência jurídica (…).
3.2. Tendo sempre presente o concreto caso dos autos, vejamos qual o entendimento da doutrina relativamente a
situações próximas daquela.
Consideremos, pois, qual a sanção que corresponderá à deliberação emitida com insuficiência da maioria exigida
por lei. Está em causa o problema resultante de não se terem consubstanciado na concreta deliberação os votos bastantes
para se formar a maioria legal. Trata-se de uma situação que o Projecto do CSC (ar. 75º, n.º 1) se propôs disciplinar como
uma verdadeira inexistência de deliberação, solução contra a qual se ergueu, com sucesso, uma significativa parte da
doutrina (16), acusando-a de estreme radicalismo, tendo o Código relegado o defeito da maioria requerida para a concreta
deliberação em presença para a área da anulabilidade.
A mesma sanção cabendo à deliberação tomada em assembleia processada com infracção do quorum
constitutivo.
Encaremos mais de perto a hipótese de a assembleia ter aprovado a deliberação sem estar reunido o quorum,
sendo este uma exigência de defesa da maioria, em regra exigido como de funcionamento da assembleia, e não apenas, na
sua fase constitutiva, assimilando-se, portanto, a insuficiência de votos, à falta de maioria.
Ora, a respeito da falta da maioria requerida, já se tem sustentado que ela integra um verdadeiro caso de nulidade
ou mesmo de inexistência: deliberação a que faltem os votos necessários à sua formação não é ainda uma verdadeira
deliberação.
A generalidade dos autores vai, no entanto, no sentido de considerar a deliberação com insuficiência de maioria
legal ferida apenas de anulabilidade.
Como já se disse, a controvérsia perpassou durante a elaboração do CSC, começando o Projecto por contemplar
a hipótese como um caso de inexistência da deliberação. No entanto, o normativo proposto no Projecto (o citado art. 75º, n.º
1) não foi aprovado, tendo sido pura e simplesmente eliminado durante a revisão final do Código, sem qualquer
transposição da situação para as hipóteses de nulidade previstas. Assim, com a exclusão da norma do art. 75º, n.º 1 do
Projecto, tudo aponta para que o legislador tenha querido optar pela sujeição da hipótese à regra da anulabilidade. Segundo
Pinto Furtado, a deliberação a que falte a maioria imposta por lei, ou por erro quanto à maioria necessária (mais exigente)
ou em consequência de uma ulterior inutilização de votos determinantes da maioria requerida, enquadra-se na facti species
da primeira parte da al. a) do art. 58º, n.º 1, correspondendo-lhe, portanto, a sanção da anulabilidade.
3.3. Acompanhando Lobo Xavier, importará ainda esclarecer qual a facti species que se tem em vista quando se
fala de uma deliberação a que falta a maioria de votos. Como escreve este Autor, a tese da inexistência parece óbvia, uma
vez que, se a proposta não obteve a aprovação da maioria dos votos da assembleia, nem sequer se revela exteriormente
algo que possa configurar-se como uma deliberação (positiva). Mas logo acrescenta que nem sempre as coisas assim se
apresentam.
"Acontece por vezes que se verifica um erro de facto no apuramento da votação efectuada, ou que se conta o voto
de participantes que não tinham o direito a emiti-lo, ou que vêm ulteriormente a ser anulados determinados votos (…), ou,
finalmente, que se forma apenas maioria simples (…). É nestes casos, em que ostensivamente aparece como tomada uma
certa deliberação positiva - maxime porque assim foi proclamada pelo presidente da assembleia, quando o haja (…) - que o
problema das consequências da falta da maioria assume verdadeira acuidade. Ora, a nosso ver, se o procedimento
89
deliberativo atingiu ostensivamente um resultado, a circunstância de, perante os factos e o direito aplicável, não se haver na
realidade obtido a maioria (simples ou qualificada) que na espécie se requeira, não justifica que se fale de inexistência do
acto".
Para o Autor que vimos acompanhando, neste caso, a ilegalidade ocorrida no processo formativo da deliberação
que não tenha na sua base uma maioria de votos determina apenas a sua anulabilidade. Não estão agora em jogo senão
interesses dos sócios que o forem no momento da deliberação interesses que, portanto, podem perfeitamente ser
defendidos através da acção anulatória, e que não se mostra sejam indisponíveis.
4 - O presente recurso, realizado em torno de ensinamentos doutrinários que merecem a nossa concordância,
feitos a propósito da apreciação de algumas hipóteses com manifestas afinidades com a situação sub judice, ajuda a
esclarecer, em face do silêncio da lei, as dificuldades da resposta à questão de saber quando estamos perante uma
deliberação social inexistente.
Concordando-se com a posição defendida pelos autores indicados, considera-se não ocorrer, in casu, uma
situação de deliberação social juridicamente inexistente.
O vício de uma deliberação tomada em assembleia alegadamente processada com infracção do quorum
constitutivo cairá, pelas razões expostas, na área da anulabilidade.
Assim sendo, o presente agravo apenas poderia ter provimento no caso de se concluir pela existência de um
"dano apreciável" justificativo da suspensão da deliberação social em causa, um dos pressupostos, como se viu, exigidos
pelo art. 396º, n.º 1 do CPC.
….
A inexistência pode ser declarada mediante uma acção de simples apreciação, em termos
idênticos à acção de declaração de nulidade. Não nos parece, entretanto, que possa cogitar-se de
renovação da deliberação inexistente, não sendo caso de aplicação do art. 62º do CSC.
Colmatando uma lacuna que se fazia sentir na legislação anterior, o CSC veio traçar
expressamente o regime da invalidade das deliberações dos órgãos de administração e do
conselho geral.
O Código adoptou o delineamento geral do regime da invalidade das deliberações da
assembleia-geral, ao distinguir deliberações nulas e anuláveis, consoante os casos, do conselho de
administração (arts. 411º e 412º), da direcção (art. 433º, nº 1), e do conselho geral (art. 445º, nº 2).
Pelo Ac. 415/2003, no DR, II, de 17.11.2003, o Tribunal Constitucional negou provimento ao
recurso para ele interposto do Ac. da Relação do Porto que decidira não caber impugnação judicial das
deliberações do Conselho de Administração. Nos termos do art. 412º do CSC, o interessado deve
recorrer para a Assembleia Geral e da deliberação desta é que cabe impugnação judicial. Entendeu o
TC que este art. 412º, assim interpretado, não violava o direito de acesso aos Tribunais, consagrado no
art. 20º da Constituição.
SOCIEDADES COMERCIAIS
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
Sentença do Juiz da 3ª Vara Cível – 1ª Secção – da Comarca de Lisboa, Dr. Pedro Gil Amorim Caetano
Nunes, na Col. Jur. (STJ) 2003-III-17 e ss
SUMÁRIO:
90
V - Esta concepção constitui uma limitação da sindicabilidade do mérito das decisões empresariais (com
correspondência na business judgement rule).
VI - A sociedade (ou o sócio, em substituição processual) tem o ónus de prova indiciária sobre a acção (ou
omissão) violadora de um dever, sobre os danos e sobre o nexo de causalidade. O administrador tem o ónus de prova de
inexistência de ilicitude, de inexistência de culpa e de que os danos teriam ocorrido face ao comportamento lícito alternativo.
…
«Atentemos, ora, no regime legal da responsabilidade civil dos administradores de sociedades.
Expressa o Código das Sociedades Comerciais, por um lado, que os gerentes, administradores ou directores de
sociedades respondem para com os credores desta quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou
contratuais destinadas à protecção deles, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos
(artigo 78º, nº 1).
E, por outro, no caso de falência da sociedade, que os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o
processo de falência, pela administração da massa falida e que ao direito de indemnização é aplicável o disposto no artigo
72º, nºs 2 a 5, 73º e 74º, nº 1 (artigo 78º, nºs 4 e5).
Assim, os gerentes, directores ou administradores de sociedades não são responsáveis pelos danos resultantes
de deliberações colegiais em que não tenham participado ou hajam votado vencidos, desde que façam registar a sua
declaração de oposição nem pelas deliberações dos próprios sócios ou accionistas (artigo 72º, nºs 2 a 5, do Código das
Sociedades Comerciais).
Estamos perante a responsabilidade civil por factos ilícitos e danos causados na esfera jurídica dos credores de
sociedades, cuja acção ou omissão, envolvida de culpa lato sensu dos gerentes, directores ou administradores, se deve
traduzir na violação de normas contratuais ou legais destinadas à protecção dos primeiros.
Assim, a ilicitude do acto traduz-se na violação de normas legais ou contratuais que visem a protecção dos
interesses dos credores sociais.
O critério da culpa dos administradores de sociedades é medido pela diligência de um gestor criterioso e
ordenado, no interesse da sociedade, dos accionistas e dos trabalhadores (artigo 64º do Código das Sociedades
Comerciais).
A lei não dispensa, como é natural, o nexo de causalidade adequada entre a referida acção e ou omissão ilícita e
culposa e o dano, e o ónus de prova dos vários pressupostos incumbe aos credores sociais lesados (artigos 342º, nº 1,
483º, nº 1, 487º, nº 1, 562º e 563º do Código Civil).
As disposições contratuais a que a lei se reporta são, naturalmente, as que constam dos respectivos pactos
sociais e visem a protecção directa ou indirecta dos credores das sociedades».
***
A responsabilidade dos gerentes, administradores ou directores das sociedades
comerciais tem uma frente tripla de titulares; respondem eles perante:
91
A primeira, também dita acção social, uti universi, é proposta pela sociedade; depende de
deliberação prévia dos sócios, tomada por simples maioria em assembleia geral; e tem de ser proposta
no prazo de seis meses a contar da deliberação - nº 1 do art. 75º.
Esta acção social uti universi pode ser proposta por representantes especiais designados:
a) - pela assembleia geral - parte final do n.º 1 do art. 75º;
b) - pelo tribunal, a requerimento de um ou mais sócios que possuam, pelo menos, 5% do
capital social, quando os sócios não tenham procedido à nomeação de representante especial
ou se justifique a substituição do representante nomeado pelos sócios – n.º 1 do art. 76º.
Em ambos os casos, a pessoa designada pode ser diferente daquelas a quem cabe
normalmente a representação da sociedade.
A acção social uti singuli é subsidiária da antes considerada, uma vez que só pode ser
proposta, nos termos do art. 77º, nº 1, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por
a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de
seis meses sobre a deliberação sem propor a acção.
Trata-se de acção social e não de acção pessoal porque os sócios vão pedir a condenação dos
administradores na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles
próprios.
Portanto, é uma acção social da iniciativa de algum ou alguns dos sócios que aproveita,
directamente, à sociedade e, por via disso, aproveita, indirectamente, a todos os sócios e não apenas
àqueles que a propuseram.
A doutrina aceita que se trata de uma acção de natureza sub-rogatória indirecta ou oblíqua.
Como se trata de uma acção social de algum ou alguns dos sócios, naturalmente que proposta
no interesse da sociedade, e de uma acção sub-rogatória, natural é que a lei exija a intervenção desta
na acção à semelhança do que se passa com qualquer acção sub-rogatória.
Por isso é que o nº 4 do art. 77º impõe - "deve" - o chamamento da sociedade à causa.
Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário activo imposto por lei, cuja violação determina
ilegitimidade activa nos termos do nº 1 do art. 28º do Cód. de Processo Civil (CPC).
Isto é, na acção social uti singuli, o sócio ou sócios que propõem a acção fazem-no
como substitutos processuais. Mas, trata-se de substituição imprópria "em que se exige a presença
simultânea do substituto processual e da parte substituída".
Os sócios podem cumular a acção social uti singuli com a acção pessoal, deduzindo os
pedidos correspondentes a favor da sociedade e em beneficio próprio, individual - Col. Jur. STJ 2000-
II-41
I – A responsabilidade dos gerentes para com a sociedade é uma responsabilidade contratual e subjectiva e
pode derivar:
a) de actos praticados com vista à constituição da sociedade;
b) de actos praticados no exercício das suas funções de gerência.
II – A responsabilidade prevista no nº 1 do art. 72º do Código das Sociedades Comerciais é uma responsabilidade
funcional, ou seja, apenas incide sobre os actos praticados pelos administradores no e por causa do exercício das suas
funções.
92
III – A acção social proposta pelos sócios, acção social «uti singuli», só pode ser proposta, nos termos do artigo
77º, nº 1, daquele Código, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral
não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a
acção.
IV – Na acção «uti singuli» o sócio ou sócio que propõem a acção fazem-no como substitutos processuais,
embora se trate-se de substituição imprópria em que se exige a presença simultânea do substituto processual e da parte
substituída. Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário activo imposto por lei, artigo 77º, nº 4, cuja violação determina
ilegitimidade activa.
V – Os sócios podem cumular a acção social «uti singuli» com a acção pessoal, deduzindo os pedidos
correspondentes a favor da sociedade e em benefício próprio, individual. Neste último, actua-se a responsabilidade civil
extracontratual, ao abrigo do nº 1 do artigo 79º do mesmo Código, cumprindo ao lesado aprova dos respectivos requisitos: o
facto, a ilicitude, o dano, a culpa e a imputação objectiva do dano ao lesante - Ac. do STJ de 03-05-2000 (P. 171/2000), no
BMJ 497 - 389
EMPRESA COMERCIAL
- Responsabilidade do gerente para com os credores sociais
- Insolvência da empresa
93
Este normativo reporta-se a uma acção pessoal e directa para o exercício de um direito próprio do credor (13),
independente da responsabilidade para com a sociedade.
"Tem natureza delitual ou extracontratual, que não obrigacional ou contratual, pois não existe, anteriormente ao
acto ilícito, qualquer direito de crédito do credor social perante o administrador. Existe apenas um interesse juridicamente
protegido a que corresponde um dever de carácter geral." (14)
"Não se trata .... (15) saber se o administrador tem ou não o dever de cumprir a obrigação da sociedade para com
o credor social, mas antes de saber se o administrador tem ou não, perante certo credor social, o dever de não afectar o
património social em violação das leis destinadas a proteger os credores sociais»
"O administrador constitui-se no dever de indemnizar os credores sociais sempre que pratique um acto danoso,
ilícito e culposo, com os elementos específicos indicados no n.º1 (16)
A responsabilidade só surge se o dano atingir o património social e o devedor o tornar insuficiente para a
satisfação dos créditos dos credores da sociedade. Há-de ser um dano patrimonial para a sociedade"
. que o facto do gerente constitua uma inobservância culposa de disposições legais destinadas à protecção dos
interesses dos credores sociais;
. que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos;
. que o acto do gerente possa considerar-se causa adequada do dano. (17)
No caso dos autos, a norma violada que protegia os interesses dos credores é o art. 6.º do CPEREF (18), já que
os RR. deveriam ter apresentado à falência a sociedade de que eram sócios e não dissolvê-la.
Como acima vimos, o pedido formulado teve como suporte apenas a circunstância de os RR. não terem prestado
a caução a que alude o art. 154.º, 2 do CSC que, como se viu, não tem aplicação no caso concreto por os RR. não terem
partilhado bens da sociedade dissolvida.
E mesmo que a acção tivesse por fundamento a invocada omissão de apresentarem à falência a sociedade
dissolvida, não vêm alegados nem demonstrados os pressupostos da responsabilidade aquiliana de que depende a
responsabilização dos RR. nos termos do art. 483.º, 1 do CC, designadamente, factos donde resulte que a não
apresentação à falência trouxe danos à A e que ocorre nexo causal entre os danos e a omissão dos RR.
Como se doutrina no ac. da RP de 30.4.98 (19), "a responsabilidade pessoal daqueles sócios (20) para com os
credores sociais só poderá ocorrer se estes alegarem e provarem que naquela declaração de falta de bens no património da
sociedade dissolvida não é verdadeira, designadamente por existirem bens partilháveis à data da dissolução".
Finalmente, diga-se que a questão do abuso de direito suscitado apenas nas conclusões - que, por isso, não
emerge das respectivas alegações - é questão nova; sendo embora o abuso de direito questão oficiosa, sempre se dirá que
os factos em que a recorrente se baseia para fundamentar o abuso de direito se não verificam no caso concreto.
Por tudo quanto deixa dito, improcedem também as demais conclusões não merecendo provimento o recurso.»
I - Em termos de teoria da causalidade adequada são de considerar dois momentos - a existência de um concreto
facto condicionante de um dano e revelar-se ele em abstracto e em geral apropriado para provocar o dano; ali, matéria de
facto, aqui, questão de direito.
II - Da articulação dos arts. 259, 252-1, 64 e 78-1 do C. S. Com. resulta que para responsabilizar os gerentes
perante os credores sociais não se afastou o requisito da ilicitude da sua conduta e que os actos ilícitos que causem um
dano abrangem tanto o ilícito em geral ou comum como o ilícito específico, isto é, que viole obrigações próprias do direito
das sociedades.
III - Tendo os gerentes de uma sociedade, em estado de insolvabilidade, praticado actos que traduzem uma
concreta e real sobreposição de facto, que não jurídica, ao criar outra sociedade que tudo dela absorveu, nem a tendo
apresentado à falência ou requerido a recuperação da empresa, violaram culposamente os deveres que sobre si, enquanto
tais, impendiam e praticaram actos que, apreciados no seu conjunto, foram causa da insuficiência do património social para
a satisfação dos respectivos créditos, nomeadamente do reclamado pela autora.
94
Decisão
1 . Nega-se a revista.
2 . Condena-se a recorrente nas custas.
SOCIEDADES COMERCIAIS
- Teoria da desconsideração
- Relação dos administradores com a sociedade
- Art. 79º do CSC
I - A teoria da desconsideração ou ficção da pessoa colectiva não vem sendo aceite no nosso direito.
II - A teoria que melhor traduz a relação dos administradores com a sociedade é a contratualista, agindo os
administradores nas relações externas como mandatários da representada.
95
III - O mandato concedido aos administradores tem como fim primeiro a representação da sociedade e como
referência o interesse dos sócios e dos trabalhadores.
IV - O que o art. 79º do Cód. das Soc. Comerciais tem em vista são os danos causados directamente pelo gerente
aos sócios ou a terceiros de forma delituosa ou em violação de uma obrigação e não aqueles outros danos que resultam
duma gestão que os prejudique.
…
«Dispõe o art. 64º do CSC:
«Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência dum gestor
criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores».
O entendimento de alguma doutrina sobre este preceito é o de que se trata duma norma «genérica e imprecisa,
mais retórico do que realista destinado a definir o grau de diligência exigível dos responsáveis pela gestão da sociedade,
capaz de interessar ao requisito da culpa… para que, como mandatários da sociedade ou equiparados, respondam
civilmente perante ela pelos danos provenientes dos seus actos» (A. Varela, RLJ 126-315). No mesmo sentido, Soares
Machado (ROA 54-948).
É discutível a natureza da relação do administrador com a sociedade, havendo a tese contratualista (Teresa Vaz,
ROA, 128-333 e Lobo Xavier, "Anulação da Deliberação Social e Deliberações Conexas", pág. 102, nota 7, e Ac. do STJ de
19/11/87, BMJ 371º-473) e quem considere o Conselho de Administração como um membro dum órgão da sociedade ligado
a ela por um contrato de emprego de direito comum e não de mandato (Soveral Martins, "Os Poderes de Representação
dos Administradores de Sociedades Anónimas", pág. 59).
O CSC atribui ao Conselho de Administração poderes de gestão (art. 405º) e de representação (art. 408º). Os
primeiros têm efeitos na ordem interna e os segundos na ordem externa, isto é, para com terceiros. A representação supõe
que o representante actue em nome e por conta do representado.
Os administradores têm deveres em relação à pessoa colectiva, como os deveres de diligência (art. 64º do CSC,
Brito Correia, "Os Administradores das Sociedades Anónimas") que se situam no âmbito das relações internas. Por outro
lado, como órgãos da pessoa colectiva praticam actos jurídicos com terceiros e em sua representação. Os arts. 408º e 409º
do CSC estabelecem um regime no qual os terceiros sabem que ao contratar com os administradores estão a contratar com
a sociedade. E os poderes de representação não se confinam aqui aos actos de administração ordinária, gozando duma
maior autonomia (Brito Correia, ob. cit., págs. 546 e 551).
Entendemos que a teoria que melhor traduz a relação dos administradores com a sociedade é a contratualista,
agindo os administradores nas relações externas como mandatários da representada, sem prejuízo de a administração
funcionar como órgão da sociedade na deliberação e gestão dos actos a praticar.
Na sua actuação o administrador tem de agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da
sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. Trata-se, em suma, «do interesse colectivo ou
comum dos sócios, quer no interesse dos sócios como sócios, quer o resultado da solidariedade de quaisquer interesses
individuais dos sócios» (Raul Ventura e Brito Correia, "Responsabilidade Civil da Sociedade Anónima e dos Gerentes das
Sociedades por Quotas").
Do art. 64º do CSC resulta que o mandato concedido aos administradores tem como fim primeiro a representação
da sociedade ("no interesse da sociedade") e como referência o interesse dos sócios e dos trabalhadores. Ou seja: o fim
social e comum da sociedade. Não se trata dum dever para com os sócios ou trabalhadores, autonomizado, mas para com
a sociedade como mandante. Este dever de diligência deve ser apreciado em cada caso concreto e situa-se acima da
exigência prevista para o bonus pater familiae, critério que tem a sua importância para averiguação da responsabilidade
civil.
Desta forma, o que está em causa neste artigo é o cumprimento do dever de actuar perante a sociedade e
no seu interesse, com os reflexos ("tendo em conta") que daí resultam para os sócios e os trabalhadores . Nos
sistemas de maior desenvolvimento económico e organização societária, tal princípio, longe de ser uma norma
programática, pode funcionar e funciona como meio de controlo dos investidores organizados sobre a forma de gestão das
sociedades e de que são exemplo as corporate governance (ver Soares da Silva, ROA 57-617). E também entre nós se
pode dizer que com o DL 82/98, de 02/04, o fim de fiscalização da Administração não é uma hipótese remota. Nos termos
do art. 1˚ se diz que se consideram «sociedades gestoras de empresas (SGE) as sociedades que tenham por objecto
exclusivo a avaliação e a gestão de empresas, com vista à sua revitalização e modernização», com a possibilidade de
indicar «de entre os seus sócios, uma ou mais pessoas singulares que sejam designadas gerentes, administradoras ou
directoras de outra sociedade comercial…» (art. 5˚, n˚ 1).
Entendemos que esta norma visa salvaguardar o bom funcionamento da sociedade e não defender os sócios
contra actos ilegais que especificamente e de forma individualizada os atinjam. A relação nela contemplada não visa
salvaguardar o interesse individual do sócio perante a sociedade, mas o dever do administrador para com a sociedade e a
defesa do interesse social que a sua função determina. Não pode, assim, encontrar-se nela fundamento para a
responsabilização do(s) administrador(es) para com o sócio.
96
Como refere Raul Ventura (BMJ 195-60) «a responsabilidade para com terceiros regulada no n˚ 1 do art. 24º
(actualmente art. 79º do CSC) tem natureza subjectiva, pois é essa também a regra do direito civil português». E Pereira de
Almeida ("Sociedades Comerciais", pág. 139) dá como exemplos, v.g., o facto dos administradores não pagarem os
dividendos votados no prazo legal, não notificarem os sócios para o exercício de preferência e outros que aí se indicam.
Quer se trate de terceiros, quer dos próprios sócios, sempre está em causa a responsabilidade directa dos
gerentes por actos obrigacionais ou ilícitos, dos administradores perante os sócios.
A este propósito, por actividades delituais, escreveu-se no Ac. do STJ de 25/11/97, CJ/STJ, V-III-141:
«Mas, fundamentalmente o que interessa aqui realçar é que a responsabilidade do gerente - definida no âmbito de
qualquer dos preceitos enfocados - se configura, em ambos os casos como uma responsabilidade delitual, que o art. 79º,
que nos interessa particularmente, como vimos, remete para os termos gerais e alude logo para o art. 483º do Cód. Civil
(Prof. Duarte Rodrigues, ob. cit., pág. 224, e segs.; Prof. Armando Braga, "Código das Sociedades Comerciais", pág. 171)».
A existir violação dos direitos sociais, há que ter em conta que os administradores têm obrigações perante a
sociedade, por virtude da representação, mas não perante os sócios, como tais, salvo o caso das acções ut universi ou ut
singuli, mas nestes casos, a responsabilidade provém da relação para com a sociedade e não perante o sócio, não
existindo acção individual do sócio relativamente aos administradores de forma directa, a não ser nos casos acima referidos
de responsabilidade obrigacional ou delitual que tenha o administrador como directamente responsável. Aliás, a aceitar-se,
dum modo geral, a responsabilização dos administradores perante os sócios em acções propostas pela sociedade e
também as propostas pelos sócios, estar-se-ia a admitir uma duplicação de sujeitos activos na propositura de acções com o
mesmo tipo de responsabilidade. Permitindo a lei a utilização da acção ut singuli para os sócios que reunissem 5% do
capital social (art. 77º do CSC), não é de aceitar que o legislador permitisse uma proliferação de acções de indemnização,
quando estivesse em causa um interesse social e uma relação entre os actos de administração e a sociedade, por tal
redundar num possível prejuízo para o funcionamento e imagem social da sociedade.
No sentido de os sócios das sociedades anónimas não poderem exercer acção individual directa contra os
administradores quando não haja a possibilidade de usar da acção ut universi ou ut singuli (veja-se Brito Correia,
ob. cit., pág. 611).
Sociedades Comerciais, pág. 259/260, 4.ª ed., Set.º de 2006, do Prof. A. Pereira de Almeida:
«A título de exemplo podemos citar algumas condutas ilícitas dos administradores susceptíveis de se fazer
incorrer em responsabilidade civil perante os sócios ou terceiros:
- Os administradores que não paguem os dividendos votados no prazo legal - arts. 217.°, n.° 2, e 294.°, n.° 2.
9
- Redacção introduzida pelo Dec-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.
97
- Os administradores que não notifiquem os sócios para o exercício do direito de preferência em casos de
aumento de capital social - arts. 266.° e 458.° e segs.
- Os administradores que recusem ilicitamente informações que estão obrigados a prestar ou que forneçam
informações falsas que causem prejuízos aos sócios - arts. 214.° e segs. e 518.° Os administradores que prestem
informações públicas falsas sobre a vida ou situação patrimonial da sociedade que levem, por exemplo, os
terceiros a subscrever acções com falsas expectativas - art. 519.°
- Os administradores que não tenham observado a diligência devida em operações de fusão (art. 114.°).
- Responsabilidade pelo prospecto e pelo conteúdo da informação fornecida aos mercados (arts. 149.° e 251 ° do
C.V.M.).
Muitos outros exemplos de condutas ilícitas poderiam ser citados, mas, em todos os casos a responsabilidade civil
dos administradores só terá lugar se agirem com dolo ou culpa grave e aqui, mais uma vez, a culpabilidade não se
presume, como resulta do facto do art. 79.°, n.° 2, remeter para os n.°s 2 a 6 do art. 72.° excluindo assim a presunção de
culpa que advém do n.° 1 daquele preceito. Frequentemente, a responsabilidade dos administradores perante terceiros é
cumulativa com a da própria sociedade.
Em alguns casos, ocorrendo dolo, a responsabilidade não é apenas civil, mas também criminal - arts. 518.°, 519.°
e 527.°
Outro pressuposto da responsabilidade civil são os prejuízos. Estes têm de ser causados directamente no
património dos sócios ou de terceiros - art. 79.°, n.° 1. Por consequência, os danos provocados no património social que
indirectamente prejudicam os accionistas, diminuindo o valor das suas participações, não fundamentam a responsabilidade
civil dos administradores para com os sócios. Estamos já fora do domínio da acção social. Com esta acção individual não se
pretende qualquer reparação à sociedade e ela aproveita pessoalmente aos sócios ou terceiros que a intentaram.
Mas, tratando-se de uma acção pessoal de natureza delitual, não se vislumbra porquê o art. 79.°, n.° 2, ao
remeter para o n.° 5 do art. 72.°, mantém a execução de uma deliberação da assembleia como causa de exoneração da
responsabilidade dos administradores. De qualquer forma, entendemos que esta disposição deve ser interpretada
restritivamente no sentido de o administrador só ficar isento de responsabilidade quando deve efectivamente obediência à
deliberação dos sócios, o que não acontecerá quando estiver em causa a violação de disposições legais imperativas
destinadas à protecção dos sócios ou de terceiros.
Do mesmo modo, não se compreende a remissão do art. 79.°, n.° 2, para o n.° 2 do art. 72.°, uma vez que os
terceiros nada têm a ver com os deveres dos administradores para com a sociedade, não tendo qualquer sentido a
aplicação do princípio business judgement rule à responsabilidade directa dos administradores para com os sócios e
terceiros.
«Expressa o Código das Sociedades Comerciais, por um lado, que os gerentes, administradores ou directores de
sociedades respondem para com os credores desta quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou
contratuais destinadas à protecção deles, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos
(artigo 78º, nº 1).
E, por outro, no caso de falência da sociedade, que os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o
processo de falência, pela administração da massa falida e que ao direito de indemnização é aplicável o disposto no artigo
72º, nºs 2 a 5, 73º e 74º, nº 1 (artigo 78º, nºs 4 e5).
Assim, os gerentes, directores ou administradores de sociedades não são responsáveis pelos danos resultantes
de deliberações colegiais em que não tenham participado ou hajam votado vencidos, desde que façam registar a sua
declaração de oposição nem pelas deliberações dos próprios sócios ou accionistas (artigo 72º, nºs 2 a 5, do Código das
Sociedades Comerciais).
Estamos perante a responsabilidade civil por factos ilícitos e danos causados na esfera jurídica dos credores de
sociedades, cuja acção ou omissão, envolvida de culpa lato sensu dos gerentes, directores ou administradores, se deve
traduzir na violação de normas contratuais ou legais destinadas à protecção dos primeiros.
Assim, a ilicitude do acto traduz-se na violação de normas legais ou contratuais que visem a protecção dos
interesses dos credores sociais.
O critério da culpa dos administradores de sociedades é medido pela diligência de um gestor criterioso e
ordenado, no interesse da sociedade, dos accionistas e dos trabalhadores (artigo 64º do Código das Sociedades
Comerciais).
A lei não dispensa, como é natural, o nexo de causalidade adequada entre a referida acção e ou omissão ilícita e
culposa e o dano, e o ónus de prova dos vários pressupostos incumbe aos credores sociais lesados (artigos 342º, nº 1,
483º, nº 1, 487º, nº 1, 562º e 563º do Código Civil).
98
As disposições contratuais a que a lei se reporta são, naturalmente, as que constam dos respectivos pactos
sociais e visem a protecção directa ou indirecta dos credores das sociedades.
Fusão - 97º a 117º; Cisão - 118º a 129º; Transformação - 130º a 140º; Dissolução - 14º a
145º e liquidação - 146º a 165º.
«Vejamos agora se há ou não fundamento legal para a absolvição de F Ldª do pedido, que a recorrente "A", SA
impugnou no recurso.
No tribunal da 1ª instância não foi conhecida a questão da personalidade judiciária "F", Ldª e esta foi condenada
na sentença final e absolvida do pedido na Relação com fundamento na sua extinção antes da propositura da acção.
A recorrente "A", SA afirmou dever manter-se a condenação daquela sociedade, sob a argumentação de poder
voltar à actividade e prosseguir o seu objecto social, designadamente para pagar as respectivas dívidas.
Mas a referida sociedade foi dissolvida e liquidada no dia 11 de Junho de 1999 e a sua liquidação levada nessa
data ao registo comercial.
Ora, expressa a lei que, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios é que respondem pelo
passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberem em partilha, salvo o caso de sócios de
responsabilidade ilimitada (artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais).
Trata-se, pois, de normativo protector dos credores sociais, terceiros quanto à dissolução extrajudicial da
sociedade, na medida em que lhes garante a realização dos respectivos direitos de crédito depois de extinta a sociedade,
naturalmente provando a sua existência.
O referido regime é conforme com a circunstância de a sociedade dissolvida e liquidada só manter a
personalidade jurídica até ao termo da liquidação (artigo 146º do Código das Sociedades Comerciais).
Dissolvida e liquidada que foi a referida sociedade, deixou de ter personalidade jurídica e personalidade
judiciária e, consequentemente, deixou de poder ser parte em qualquer acção ou procedimento (artigo 5º do Código
de Processo Civil).
Estamos, assim, perante uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que implica a sua absolvição
da instância (artigos 288º, nº 1, alínea c), 493º, nº 2, 494º, alínea c), e 495º do Código de Processo Civil).
Impõe-se, por isso, nesta parte, a revogação do acórdão recorrido no que concerne ao segmento decisório que
absolveu a mencionada sociedade do pedido, e a prolação de decisão de absolvição da mesma da instância.»
A propósito do art. 490º do CSC, veja-se o ac. do STJ, de 2.10.97, assim sumariado no BMJ
470-618:
AQUISIÇÕES TENDENTES AO DOMÍNIO TOTAL
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITO À INICIATIVA PRIVADA
O artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais permite que uma sociedade titular de participações
sociais correspondentes a 90%, pelo menos, do capital de outra sociedade, se volva em sociedade dominante desta,
podendo, só por isso, impor aos sócios livres, prevalecendo-se da posição minoritária destes, a alienação das suas
participações sociais, mediante um preço em cuja formação os mesmos não intervêm segundo as leis do mercado que
regem o direito à iniciativa privada.
Nesta medida, o artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais é materialmente inconstitucional por ofensa
dos artigos 13º, n.os 1 e 2, 61º, nº 1, e 62º, nº 1, da Constituição.
99
No entanto e em estudo publicado no BMJ 480, pág. 5 a 29, o Prof. Menezes Cordeiro conclui
pela constitucionalidade deste regime, como também o STJ, em Ac. de 10.4.2003, na Col. Jur. (STJ)
2003-II-26:
I - O artigo 490º, n.º 3, do CSC, tem como objectivo assegurar a boa gestão das sociedades comerciais e facilitar
a integração das sociedades dominadas no grupo da sociedade dominante.
II - Esta norma não viola o direito à livre iniciativa privada, o direito de propriedade, o princípio da igualdade ou o
princípio da proporcionalidade (artigos 61, 62º, 13º e 18º da CRP), não sendo inconstitucional.
Empresas Comerciais10
Desde o conceito de empresa do art. 230º do C. C.al, mais virado para as actividades de
indústrias e serviços até ao conceito de empresa que nos dava o art. 2º do Código de Falências e
hoje se vê no 5º do CIRE - Para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de
capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica, ocorreu enorme
evolução até esta norma a considerar basicamente como unidade económica de produção.
Sobretudo o direito do trabalho fez da empresa uma instituição jurídica, acentuando
expressivamente a vinculação jurídica do trabalhador à empresa onde trabalha, mais do que ao
empresário sob cuja direcção se coloca, numa orientação que é, mesmo, designada por teoria da
empresa.
A empresa pode ser encarada como sujeito - incluindo aqui tanto o empresário como os
trabalhadores; como objecto - conjunto de factores de produção com vista ao exercício da sua
actividade, sinónimo de estabelecimento e como unidade institucional
... assiste-se a uma pré-personificação da empresa, que transparece em tantas disposições do
direito do trabalho e do direito económico mais recentes, onde se esboça uma visão institucional que
prenuncia uma formação, por via sedimentar, de uma nova concepção jurídica. A empresa, assim
concebida, não será ainda um sujeito de direitos e obrigações, uma pessoa jurídica. «A evolução ainda
não está acabada». Mas está, provavelmente, em curso.
10
- Miguel Pupo Correia, Direito Comercial, 8ª ed., 285 a 292 e 330 a 420 (inclui propriedade
industrial)
100
2 - No Direito do Trabalho pode definir-se empresa laboral como organização de meios que
constitui um instrumento de exercício relativamente continuado de uma actividade de produção, cujos
trabalhadores estão sujeitos, individual e colectivamente, ao regime do direito do trabalho.
101
FIRMA
A firma-assinatura desapareceu como forma de obrigar a sociedade. Rege hoje o disposto nos
n.os 4 do art. 260º (SPQ) e 409º (S.A.), como visto.
Verdade - 10º do CSC, e 32º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo Dec-lei nº
129/98, de 13 de Maio,
Novidade (e exclusividade: cada titular tem uma só firma - 38º, 1, do Regime) - 33º do dito Regime.
da Unidade (9º, 1, c) do CSC) e 38º do Regime.
Com o primeiro, garante-se que a indicação de nome dos sócios fundadores, ou do objecto social, seja fidedigna.
Com o segundo, que uma firma seja original, não repita ou constitua imitação de alguma já registada. Com o terceiro, que,
como no nome da pessoa singular, cada titular tenha uma só firma reveladora da sua identificação.
O princípio da verdade é hoje garantido pelo normativo constante do art. 32º, nº 1, do Regime aprovado pelo
Decreto-Lei nº 129/98, 13 de Maio (RRNPC), ao impor que «os elementos componentes das firmas e denominações devem
ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular», não podendo incluir-se
neles elementos que sugiram actividades diferentes das suas ou que possam induzir em erro acerca das carac terísticas da
entidade que se destina a identificar.
O princípio da novidade (ou exclusividade) está consagrado actualmente no art. 33º, n.º 1 do mesmo RRNPC,
quando este preceito proclama que "as firmas e as denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou
erro [o erro não é mais, afinal, do que aquilo que resulta da confusão] com as registadas ou licencia das no mesmo âmbito
de exclusividade, mesmo [outra vez, mesmo] quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já
registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas" - e, para as sociedades comerciais e civis sob
forma comercial, funciona ou é entendido em relação à área geográfica que compreende todo o território nacional (art. 37º,
n.º 2).
Os "vocábulos de uso corrente", porém, "e os topónimos, bem como qualquer indicação de proveniência
geográfica, não são considerados de uso exclusivo" - como deslocadamente, a propósito do princípio da verdade, se
proclama no art. 32º, n.º 4, do RRNPC, aprovado elo Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de Maio.
O imperativo de unidade decorre naturalmente dos princípios. Se a firma é o sinal de identificação da entidade
que a faz registar, mal se compreenderia que houvesse duas firmas, que o mesmo é dizer dois nomes, para a mesma
entidade. De qualquer modo, como salienta Pupo CORREIA, este princípio resulta do disposto no art. 38º, n.º 1 do
RRNPC11.
11
- Pinto Furtado, op. cit., 287 e ss.
102
Dado que os problemas levantados pelas marcas e firmas são essencialmente os mesmos,
transcreve-se parte do Ac. da R.ão do Porto que versou a questão da semelhança entre as marcas
ou firmas Seculum e Seculorum, de duas empresas distintas que se dedicam, ambas, ao comércio e
ou fabrico de mobiliário clássico.
Sendo estes os factos relevantes e sintetizando-os, temos que a Apelada é, desde Novembro de 1992, titular da
marca nacional nº 266203 Seculorum, destinada a móveis e peças de mobiliário, tem estabelecimento comercial e sede em
Valongo e adoptou, em data que se ignora, o tipo de sociedade anónima.
A Apelante é uma sociedade por quotas que se constituiu com a firma Camarinha & Ferreira, Limitada, alterada
em 1996 para Silva, Gomes & Ferreiras, Lda e em 5 de Janeiro de 1998 para a actual denominação, depois de obtido, em
Agosto de 1997, o certificado de admissibilidade de Seculum - Mobiliário Clássico, Lda. Tem sede em Vila Nova de Gaia e o
seu objecto é a indústria de mobiliário e decorações.
Nos termos dos art. 5º, n.os 1, 3 e 5, do Código de Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec. Lei nº 16/95, de 24
de Janeiro,12 doravante designado por CPI, o registo de marca abrange todo o território nacional e constitui fundamento de
recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com ela confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam
posteriores aos respectivos pedidos de registo.
É que, conforme o art. 167º, registada a marca, o seu titular gozará da propriedade e exclusivo dela, tendo o
direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou
confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou
que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no
espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca - art. 207º.
Ainda nos termos do nº 1 do art. 193º deste CPI, a marca considera-se imitada ou usurpada quando a marca
registada tiver prioridade, ambas se destinem a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta e tenham
tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda
um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas
marcas senão depois de exame atento ou confronto.
O nº 2 desta norma caracteriza como imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de
fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.
As expressões produtos «similares», «semelhantes», «afinidade manifesta» e «idênticos» representam a mesma
realidade jurídica.
A lei não define o conteúdo de afinidade.
Entre nós é jurisprudência assente que ela é aferida quando os produtos concorrentes no mercado têm a mesma
utilidade e finalidade13.
Regulando os requisitos da firma e na sequência dos dizeres do Código Comercial (art. 27º), dispõe o Código
das Sociedades Comercias - art. 10º - que a firma da sociedade constituída por denominação particular ... não pode ser
idêntica à firma registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro...
12
- Com as rectificações publicadas no DR, IA, 2º suplemento, de 29 de Abril de 1995.
13
- BMJ 449-370.
103
Coerentemente com este regime legal, na medida em que manda que as firmas da sociedades comerciais seja
composta nos termos do CSC, sem prejuízo da sua aplicação no que se não revele incompatível com aquela legislação (art.
37º), o Regime do RNPC aprovado pelo Dec-lei nº 129/98, de 13 de Maio 14, dispõe no art. 33º e sob a epígrafe Princípio
da novidade:
1 - As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou
licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras
já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.
2 - Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa,
o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas.
....
5 - Nos juízos a que se refere o nº 2 deve ser ainda considerada a existência de nomes de estabelecimentos,
insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
6- Para que possam prevalecer-se do disposto no número anterior, os titulares de nomes de estabeleci mento,
insígnias ou marcas devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC.
Entrando na apreciação deste art. 33º, não é difícil concluir da leitura destes normativos que as firmas e
denominações se destinam a identificar os seus titulares e a precisar a natureza ou as actividades destes. Os elementos
que as compõem têm, por isso, de ser verdadeiros. Mas não basta que os seus elementos componentes sejam
verdadeiros para, sem mais, se poder constituir validamente uma firma ou uma denominação. É ainda necessário que da
conjugação dos seus diversos elementos não resulte uma firma ou uma denominação susceptível de confusão ou erro com
outra já existente.
São os princípios da verdade e do exclusivismo a que a lei, por razões bem conhecidas, manda atender na
composição das empresas e do público em geral: das primeiras na medida em que, se assim não fosse, operada a
concorrência entre elas, facilmente se locupletariam umas à custa das outras e do público em geral por também este ter
todo o interesse em saber com quem negoceia ou se propõe negociar.
A denominação da nova empresa tem, pois, de ser distinta e insusceptível de confusão ou erro com a
primeiramente registada.
E evidente que no exame a fazer sobre quaisquer denominações com vista a apurar se são distintas e
insusceptíveis de confusão ou erro se não pode olhar apenas ao que nelas é igual ou parecido. Há que olhar também ao
que efectivamente as distingue, isto é, a todo um resultado final, tanto mais quanto é certo ser este um campo em que,
tanto ou mais que a expressão gráfica ou fonética dos termos, releva a «aparência» das coisas.
De resto, prescrevendo a lei que as firmas e as denominações devem ser insusceptíveis de confusão ou erro com
as registadas no mesmo âmbito de exclusividade e sendo de considerar nesta apreciação o homem médio que não o de
nível superior, o que se impõe fazer é evitar todos os riscos de confusão que não apenas diminuí-los 15.
A marca pode ser definida em termos gerais, como o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto
ao consumidor (ver Dr. Carlos Olavo, «Propriedade industrial. Noções fundamentais», Colectânea de jurisprudência, ano
XII, 1987, tomo II, pág. 20).
A firma é o nome ou designação que identifica o comerciante na sua actividade mercantil.
Mas isso não impede que sejam susceptíveis de confusão, quando não pertençam ao mesmo interessado, como
se salienta no acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Janeiro de 1983 (Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo I,
pág. 21)16.
Pelo que as disposições do Código da Propriedade Industrial são aplicáveis ao confronto entre marcas e
denominações sociais.
E quanto a firmas ou denominações a lei exige que entre elas e a marca exista tal semelhança que possa induzir o
público em erro sobre a titularidade dos sinais distintivos, o que significa que a lei não permite que os elementos
caracterizadores da firma ou denominação sejam semelhantes aos de uma marca de outrem, quando entre a actividade a
que aquela se destina e os produtos ou serviços a que esta se reporta haja alguma afinidade 17.
14
- Estabelece o regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e revogou, além doutros,
o Dec-lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro, regulador da matéria.
15
- BMJ 417-652 e ss.
16
- BMJ 454, 746.
17
- Ib., 747.
104
De sorte que tanto na marca como na firma ou denominação social e no confronto entre uma e outra faz a lei
respeitar o princípio da novidade, com a diferença de que a garantia representada por esse princípio é, em relação às
marcas, mais extensa: não tem limites territoriais que não sejam os próprios limites territoriais do Estado 18.
Daí que sejam de observar, nas marcas e nas firmas, as mesmas regras na aplicação concreta do referido
princípio da novidade ou do exclusivismo, como resulta do nº 5 do art. 33º do Regime do RNPC.
Assim, haverá imitação quando, postas em confronto, as marcas (ou a marca e a denominação) se confundam.
Mas a confusão subsistirá quando, tendo-se à vista apenas a marca a constituir, se deva concluir que ela é susceptível de
ser tomada por outra de que se tenha conhecimento.
Com efeito, o consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já
conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter
convencido de que a marca que o assinala é aquela que retinha na memória.
E tal como para a firma, no exame comparativo das marcas, feito nestes termos, deve considerar-se decisivo o
juízo que emitiria o consumidor médio do produto ou produtos em questão19.
Concretamente quanto às marcas mistas e complexas, deverão ser consideradas globalmente, como sinais
distintivos de natureza unitária, mas incidindo a averiguação da novidade sobre os elementos prevalentes - sobre os
elementos que se afigurem mais idóneos a perdurar na memória do público. Uma marca mista ou complexa não será nova
quando o seu núcleo se confunda com marca mais antiga.
...“o que interessa é o núcleo da firma, o Firmenkern da doutrina alemã”, negando carácter distintivo individual às
indicações genéricas sobre o tipo de actividade exercido e o tipo societário escolhido que são comuns às demais do mesmo
tipo20.
Não é outra a doutrina de Ascarelli, citado pelo Ac. do Supremo Tribunal de 10.12.96, quando ensina:
Confundibilidade que deverá valorar-se «tendo em conta um consumidor de tipo médio e em relação à representação
completa de produtos, empresas, actividades, de modo que o exame analítico de forma deve acompanhar-se um exame
sintético, com atenção especial à impressão geral que o aspecto pode provocar na média do público» 21.
E há muito ensinou o Prof. J. G. Pinto Coelho que deve afastar-se a falsa ideia de que só há imitação quando as
semelhanças sejam tão marcadas ou antes, as dissemelhanças sejam tão ténues que se torne necessário o confronto para
as distinguir. Devem considerar-se imitadas, também, as marcas que contêm dissemelhanças mas que escapam facilmente
ao olhar distraído do consumidor desculpavelmente desatento 22.
Resta dizer que, tal como sucede com a marca (art. 5º, nº 5, do CPI), também o princípio da novidade e ou
exclusivismo tem âmbito nacional, pois as sociedades comerciais têm direito ao uso exclusivo da sua firma em todo o
território nacional - 37º, nº 5, do Regime do RNPC aprovado pelo Dec-lei nº 129/98.
Pelo que têm pouco interesse, neste particular, o âmbito territorial e o tipo de pessoa em presença e o seu
domicílio ou sede, pois tanto a marca como a firma de sociedades conferem direito ao uso exclusivo em todo o território
nacional; estes índices de apreciação referidos no nº 2 do Regime aprovado pelo Dec-lei nº 129/98 apenas ganham relevo
quando se trate de comerciantes cuja firma apenas confere direito ao uso exclusivo no âmbito da competência territorial da
conservatória onde foi definitivamente registada - 38º, nº 4 - dependendo de autorização do director-geral dos Registos e
Notariado a extensão do exclusivo a todo o território nacional - nº 5.
De resto, este nº 2 manda ter em conta o tipo de pessoa e não o tipo societário....
Mais relevante é o comando do nº 5 do mesmo art. 33º quando manda ter em conta a existência de nomes de
estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses
sinais distintivos.
ESTABELECIMENTO COMERCIAL23
18
- Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1973, II, 328.
19
- Idem, a pág. 280 para a firma e 330 para a marca.
20
- Col. Jur. 1998-V-75.
21
- BMJ 462-451.
22
- RLJ 89º-26, na Col. Jur. 1990-V-47.
23
- Trabalho da autoria, no essencial, do Cons.º Araújo Barros. Ver a obra do Sr. Prof. Pupo Correia,
acima referida, pág. 294 a 329.
105
A empresa (art. 230º C. Com.), num ponto de vista objectivo, confunde-se com o
estabelecimento comercial - pode ser sinónimo - embora se deva entender que o estabelecimento
representa apenas a base ou pressuposto do exercício da empresa.
O estabelecimento e a loja: são confundidos, até na lei, mas não são a mesma coisa.
Pode dizer-se que o estabelecimento comercial é o complexo da organização comercial do
comerciante, o seu negócio em movimento ou apto para entrar em movimento (Ferrer); um conjunto de
bens organizados para um aptidão funcional que os bens isolados não possuem (Ascensão).
d) - o estabelecimento como uma coisa imaterial: ideia criada pelo trabalho humano que se
organiza num complexo de pessoas e bens que compõem a empresa, sem todavia se
confundir com eles - unidade jurídica (Ferrer Correia).
Pupo Correia - universalidade e um bem móvel (art. 204º e 205º CC) incorpóreo: uma unidade
jurídica, consistente na aptidão lucrativa de um conjunto organizado de factores produtivos ao
106
serviço de uma determinada actividade mercantil e que o direito torna objecto de um direito
único.
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
BENFEITORIAS
…
1. O estabelecimento comercial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de
coisas corpóreas e incorpóreas organizadas com vista à realização do respectivo fim.
2. O contrato de cessão de exploração é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente,
juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento.
3. O contrato de trespasse é o módulo por via do qual uma pessoa transmite a outra, onerosa ou gratuitamente,
determinado estabelecimento.
4. A nulidade do contrato de trespasse da taberna por falta de forma não obsta a que, com base em contrato
celebrado entre os trespassários e a sucessora do trespassante, os primeiros tenham direito ao recebimento do valor das
benfeitorias por eles realizadas no estabelecimento sob condição da última proceder ao seu trespasse.
5. Há contradição entre o facto de a dona do estabelecimento o ter cedido e passado a ser explorado por terceiros
desde determinada data e de ela nesse mesmo mês ter entregue as chaves ao senhorio e posto termo ao contrato de
arrendamento.
6. A aplicação do direito ao caso concreto depende da superação pelas instâncias da mencionada contradição, o
que implica a anulação para o efeito do acórdão recorrido.
107
A questão essencial decidenda é a de saber se os recorrentes têm ou não o direito a exigir da recorrida o
pagamento da quantia equivalente a € 30 000.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação dos recorrentes, sem prejuízo de
a solução a uma prejudicar a solução de outra ou de outras, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte
problemática:
1.
Comecemos pela análise dos tipos contratuais susceptíveis de conexão com os factos provados.
Face aos factos provados com algum relevo na decisão da causa, os módulos negociais a considerar são os de
trespasse e de cessão de exploração de estabelecimento industrial.
Considerar-se-á, por virtude do disposto no artigo 12º, nº 1, do Código Civil, o regime legal vigente ao tempo da
contratação em causa, constante do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de
Outubro - RAU.
Importa atentar no conceito de estabelecimento, a que a lei se refere em várias normas, embora sem o
caracterizar expressamente, designadamente nos artigos 316º, 317º, alínea a), 495º, nº 2,1559º, 1560º, nº 1, alínea a),
1682º-A, nº 1, alínea b), 1938º, nº 1, alínea f), 1940º, nº 4 e 1962º, nº 1, do Código Civil, 862º-A do Código de Processo Civil
e 111º, 115º e 116º do Regime do Arrendamento Urbano.
A noção mais concreta do conceito de estabelecimento decorre do artigo 862º-A do Código de Processo Civil,
que se reporta à respectiva penhora, donde resulta que ele é susceptível de integrar bens e direitos de crédito e de outra
natureza.
Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de
uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos
de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim.
A referida estrutura varia, como é natural, em função de circunstâncias diversas, desde logo em razão dos
diversos ramos de actividade que operem. Por outro lado, o conjunto dos elementos de determinado estabelecimento
comercial ou industrial, incluindo o humano, é variável ao longo do tempo, consoante a vontade do respectivo titular,
segundo os seus interesses, em regra condicionados, além do mais, pela evolução da tendência de mercado, pelas
necessidades de reestruturação, de especialização ou de economia de meios.
Não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e
onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial
nele instalado (artigo 111º, n.º 1).
Pretendeu a lei que ficasse salvaguardada a validade do referido tipo contratual, não obstante o seu duplo objecto
mediato, envolvente do prédio sede do estabelecimento, e dos bens móveis e direitos integrantes do seu substrato material,
e que o mesmo não ficasse abrangido pela regra de renovação automática própria dos contratos de arrendamento.
Face ao mencionado normativo, o contrato de cessão de exploração é aquele pelo qual uma pessoa transfere,
temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou
de serviços nele instalado.
É essencialmente um contrato de locação de estabelecimento porque o respectivo titular cede a outrem,
temporária e onerosamente, a fruição da universalidade dos elementos materiais e dos direitos que o integram (artigo 1022º
do Código Civil).
É regido pelas cláusulas postas pelas partes, de harmonia com a liberdade contratual, prevista no artigo 406º, n.º
1, do Código Civil, e, subsidiariamente, pelas pertinentes normas de aplicação não excluída do contrato típico de estrutura
mais próxima - o arrendamento comercial - e, na sua falta, pelas regras comuns dos contratos (artigos 1022º, 1023º e
1086º, n.º 1, do Código Civil, 1º e 110º do RAU).
108
O referido diploma estabelece, ademais, por um lado, ser permitida a transmissão por acto entre vivos da posição
de arrendatário, sem dependência de autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou
industrial (artigo 115º, nº 1).
E, por outro, não haver trespasse quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto,
das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento (artigo 115º, nº 2).
Face a este normativo de estrutura negativa, à míngua de caracterização legal do contrato de trespasse, pode ser
caracterizado como o módulo por via do qual uma pessoa transmite a outra, onerosa ou gratuitamente, determinado
estabelecimento comercial ou industrial.
Exigia a lei para os contratos de trespasse e de cessão de exploração de estabelecimento comercial, ao tempo da
sua celebração, a escritura pública (artigos 111º, nº 3 e 115º, nº 3, do RAU e 80º, nº 2, alíneas l) e m), do Código do
Notariado).
….
Conforme já se referiu, os recorrentes e o cônjuge da recorrida celebraram um contrato de trespasse de um
estabelecimento de taberna, mas não o reduziram a escritura pública.
Mas era essa a forma legalmente exigida para a sua validade, conforme resulta do que se prescreve nos artigos
364º, n.º 1, do Código Civil, 111º, nº 3, do Regime do Arrendamento Urbano e 80º, nº 2, alínea l), do Código do Notariado.
Em consequência está o referido contrato de trespasse de estabelecimento afectado de nulidade por falta de
forma, de conhecimento oficioso pelo tribunal (artigos 220º e 286º do Código Civil).
Afectado de nulidade, não pode o mencionado contrato produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios, sem
prejuízo de se dever considerar a situação de facto que as partes, por virtude da sua vontade, delinearam.
A consequência jurídica essencial do mencionado vício contratual – nulidade por falta de forma – é a de restituição
de tudo o que foi prestado ou, se tal não for possível, do valor equivalente (artigos 286º e 289º, nº 1, do Código Civil).
A contrapartida monetária da alienação do estabelecimento em causa cifrou-se em 900 000$.
Sucede que os recorrentes devolveram o estabelecimento à recorrida, na qualidade de cônjuge do trespassante,
mas ela procedeu, por eles, ao pagamento de rendas, energia eléctrica e água no montante de 1 031 160$.
Perante este quadro de facto, não há fundamento legal para se operar qualquer restituição, independentemente
da questão de saber se ela poderia operar sem a formulação de pedido nesse sentido pelos recorrentes, a qual nos
remeteria para o Assento nº 4/95, de 28 de Março, deste Tribunal, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de
Maio de 1995».
Artigo 10º
Dívidas pelas quais responde o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada
Artigo 11º
Responsabilidade pelas dívidas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada
2 - No entanto, em caso de falência do titular por causa relacionada com a actividade exercida naquele
estabelecimento, o falido responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício, contanto que se
prove que o princípio da separação patrimonial não foi devidamente observado na gestão do estabelecimento.
24
- Redacção introduzida pelo Dec-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.
109
3 - No caso previsto no número anterior, a responsabilidade aí cominada recai sobre todo aquele que, tendo
exercido anteriormente a administração do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, haja transgredido nessa
administração o princípio da separação de patrimónios. Se forem vários os obrigados, respondem solidariamente.
Nome de estabelecimento
Concorrência desleal
Ac. do STJ de 27.3.2003, Pº 03B322:
…
3. O velho Código Comercial, no artigo 19º, diz que «que todo o comerciante, nos termos do artigo 13º, será
designado, no exercício do seu comércio, sob um nome comercial, que constituirá a sua firma, e com ele assinará todos os
documentos, àquele respectivos».
O nome do estabelecimento comercial consiste em um sinal distintivo nominativo. A lei, independentemente até,
de registo, atribui-lhe protecção em função da notoriedade nominativa, ou reconhecimento público, que ele pode
representar, como sinal identificador próprio, isto é, individualizador de certo estabelecimento, e só daquele!
Não outro idêntico, com aquele nome!
O Código da Propriedade Industrial, que desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela
atribuição de direitos privativos, considerando a função social desta categoria de direito de propriedade (artigo 1º), não é,
nem poderia ser alheio, ao interesse protector do nome do estabelecimento, qualquer que seja a actividade social lícita, que
prossiga.
«Todos têm direito de adoptar um nome de estabelecimento ...», segundo o artigo 228º do indicado Código
(diploma a que pertence, doravante a indicação dos respectivos preceitos, salvo menção diferente). (1).
E pode ser constituído «... pelo nome do estabelecimento... ou local...; pelo nome, firma ou denominação social,
pseudónimo ou alcunha do dono». [(Artigo 229º, alíneas c) e d)].
Por nome comercial se deve entender, quer a firma, quer o nome ou a insígnia do estabelecimento, quer o
logotipo (2).
O nome, como elemento formal, caracterizador de uma essência, não pode ofender o princípio da verdade, isto é,
deve identificar autenticamente, o objecto que designa; e deve ainda respeitar o princípio da novidade para evitar confusão
com outro, dentro de certos limites territoriais (artigo 228º).
O nome do estabelecimento (ou de uma pessoa singular) traduz um património moral dotado de eficácia
identificativa (pelo bem ou pelo mal, ou por outra qualquer condição de relação social).
O que tem é que imprimir efeito distintivo, e individualizador, do nomeado, por forma a saber-se que é aquele o
sujeito em questão ou objecto identificado, através de uma forma nominal fidelizadora do conteúdo, para que não engane
ninguém, nem se sobreponha a outrem.
O nome, e em especial o bom nome é um direito fundamental da personalidade (artigo 26º-1, da Constituição da
República, e 72º e 484º, do Código Civil), e não pode dissociar-se da pessoa (singular, jurídica ou equiparada) ou do
objecto a que esteja ligado, por forma identificadora crismática.
4. O bem jurídico protegido de imediato, é o próprio nome, ele próprio enquanto indissociado do sujeito ou do
objecto que personaliza.
Mas não releva apenas este interesse distintivo ou identificador do nome, sob cuja égide se organizou e se
desenvolveu certo ramo de comércio, de indústria, ou de outra actividade lícita (3).
O nome assegura ainda outros valores, que são consequência do valor nominativo identificador, reportado à coisa
ou sujeito identificado.
Concorrência que a lei, reforçando a protecção, também subscreve como crime público (5).
5. Mas a protecção não se esgota a benefício do titular, nos termos que acabaram de enunciar-se. Procede ainda
- e procede fundamentalmente - a favor da protecção do consumidor.
110
111
A lei recusa o registo de nome de estabelecimento ou insígnias (paralelamente às marcas - alínea e), transcrita,
do artigo 231º) que contenham: «A firma, denominação social ou nome do estabelecimento que não pertença ao requerente
do registo da marca, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar... se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou
confusão».
E recusa ainda o registo de nome quando «todos ou alguns dos seus elementos (do nome a registar) contenham
sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre natureza, qualidades, utilidade ou
proveniência geográfica do produto ou serviço a quem a marca (aqui o nome) se destina». [(Transcritas alíneas, f) e l), do
artigo 189º)].
11. O que significa, segundo julgamos, que o registo, no serviço competente da Propriedade Industrial, do nome
de estabelecimento "E", é susceptível de induzir o consumidor em erro, favorecendo a concorrência desleal entre entidades
que realizam, no mesmo local, o mesmo tipo de prestação de cuidados de saúde, em que uma, a ré, se pode fazer passar
pela outra, a autora, no exercício de uma prestação que é essencialmente idêntica; e, ainda por cima, prestada no mesmo
edifício.
Sem deixar, outrossim, de recordar que, a verdade do nome do estabelecimento clínico fica também falseada em
relação ao autêntico, verdadeiro e originário estabelecimento da "E", que é, de facto, actualmente, a da autora.
Não são assim correctas, entre outras as conclusões S a W, que traduzem o essencial da revista.
Porque - reforçando, agora em jeito de síntese, o que já se expôs - este "enfeitar com penas alheias" é proibido
pela lei, seja em benefício da verdade do conteúdo traduzido pelo nome, seja em favor da concorrência sadia e
transparente entre "oficiais do mesmo oficio", seja em defesa do consumidor que tem confiança na qualidade do serviço e,
por isso, o procura - não podendo ser enganado.
Ao fim e o cabo, estamos perante o cenário do "encostar, figura apelativa, por recurso ao outro" de que falam os
autores alemães (7).
O que leva a considerar que as normas indicadas, que foram ofendidas pela realização do registo, não consentido,
do nome do estabelecimento em causa, revestem natureza proibitiva, de interesse e ordem pública, ferindo de nulidade o
titulo de propriedade industrial, quando o seu objecto, como é o caso, é insusceptível de protecção, segundo está disposto
no artigo 32º, n.º 1, alínea a).
Mesmo que, como era o caso - volta a lembrar-se - não houvesse registo do nome do estabelecimento "E"! (8)
Consequentemente, o registo, oficialmente concedido, é nulo, como declarou a sentença do Tribunal de Primeira
Instância e que a Relação confirmou.
V
Decisão
Termos em que, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento à revista, confirmando a decisão
recorrida.
Custas pela recorrente.
112
(5) Para este e outros aspectos ligados à concorrência desleal e à propriedade industrial, veja-se a Colecção de
textos, publicada pela Livraria Almedina, relativa a um curso promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, em 1997, em especial a páginas 53 e seguintes, trabalho do Professor Carlos Olavo, entre outros.
(6) Professor Oliveira Ascensão, trabalho citado na nota antecedente, páginas 29 (n.º 22, conclusão).
(7) Fonte Informativa: a publicação indicada na nota n.º 2, num artigo da autoria do Professor Oliveira Ascensão,
páginas 7/8
(8) Neste sentido, também, o Professor Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume I, página 310,
Edição da Livraria Almedina, 1998.
- noção – antigo art. 110º do RAU, hoje englobado na categoria geral de arrendamentos para
fins não habitacionais do 1108.º CC.
- cessão de exploração comercial ou locação de estabelecimento (art. 1109º) - não é
arrendamento.
- contrato atípico a que não são aplicáveis as disposições legais do contrato de arrendamento
vinculístico, nomeadamente a renovação automática e as causas de resolução (arts. 801º, 802º e 808º
CC - Baptista Machado).
- Pode ser relativo a estabelecimento que ainda não começou a funcionar (Ac. STJ de 26/1/91,
in “O Direito”, 123º, pag. 427).
Não é necessária autorização do senhorio mas o actual n.º 2 do art. 1109.º CC manda
comunicar a transferência temporária ao senhorio;
113
b) - o trespasse sem escritura era nulo (arts. 80º, nº 2, al. m) e 81º, al. f) do C.Not.- sanção
decorrente do art. 220º CC) - logo, daria origem ao despejo, visto tratar-se de cedência, inválida, da
posição contratual. Hoje, com a revogação da al. m) do nº 2 do C. Not. e a nova redacção do art.
1112º, nº 3, do CC, o trespasse deve ser celebrado por escrito, sob pena de nulidade. Aplicação das
leis no tempo.
d) - o trespasse e a instalação de ramo diferente, mas autorizado pelo contrato (cláusula intuitu
personae?)
f) - o trespasse do local: a convenção das partes sobre a transmissão do gozo do imóvel não
constitui, pelo menos em face do senhorio, um trespasse do estabelecimento.
I - O trespasse de estabelecimento comercial, se for feito com a sua dimensão máxima, com “todo o activo e
passivo”, importa, nas relações internas, a obrigação para o trespassário de satisfazer (perante o trespassante) as dívidas
aos credores.
II - Nas relações externas, o trespassante continua obrigado a satisfazer as dívidas aos credores se estes o não
exonerarem, por declaração expressa, dessa obrigação.
III - A extinção dos contratos por distrate só pode fazer-se por acordo de ambas as partes.
IV - A exigência de forma opera, tão-só, perante o cerne, o núcleo central do negócio.
114
V - O passivo não faz parte do núcleo essencial, do âmbito mínimo necessário ao trespasse do estabelecimento.
VI - Se as partes o integrarem no contrato de trespasse, podem modificar, posteriormente, esta cláusula acessória
por acordo constante do simples documento particular ou mesmo por estipulação verbal, enquanto não houver ratificação
do credor - Col. STJ 00-I-148, ac. de 28.3.2000.
I - O que é essencial para que exista o trespasse é que se transmita a titularidade do estabelecimento comercial
ou industrial, como unidade económica, como um todo destinado ao fim próprio dessa unidade.
II - A «clientela» não é elemento constitutivo do estabelecimento.
III - Num sistema de livre concorrência, como é o nosso, não é concebível um «direito sobre a clientela» - BMJ
461-451.
Por isso se decidiu não ser indemnizável o dano sofrido pelo trespassário de um
estabelecimento por o trespassante ter aberto um outro estabelecimento ao lado do que trespassou ao
A. do pedido de indemnização, com o mesmo ramo de negócio, tendo-o publicitado junto da antiga
clientela.
«I - Com o trespasse do estabelecimento comercial o trespassante fica implicitamente obrigado a não concorrer,
durante certo tempo e num certo espaço, com o trespassário. Essa obrigação implícita de não concorrência tem o seu
fundamento, segundo o tradicional ensinamento da doutrina, no dever de entrega que impende sobre o trespassante.
II - A doutrina e a jurisprudência têm ido, porém, mais longe na definição do âmbito subjectivo da obrigação
implícita de não concorrência, fazendo-a abranger outros sujeitos que não apenas o trespa-ssante do estabelecimento (e,
sendo este um empresário em nome individual, o seu cônjuge), quando se prove que, em concreto, a concorrência desses
outros sujeitos seria particularmente perigosa para o trespassário, atentos os vínculos que mantinham com o
estabelecimento trespassado;
III - Pela obrigação implícita de não concorrência poderá ser também vedado ao trespassante a assunção da
qualidade de sócio de uma sociedade em nome colectivo, que explore um estabelecimento concorrente com o do
trespassário sempre que, atentas as circunstâncias do caso concreto, se justifique a desconsideração da personalidade
jurídica da sociedade, por forma a ser possível dizer que é o sócio (trespassante) quem efectivamente concorre com o
trespassário;
IV - É admitida a validade de "pactos de não concorrência" que nunca poderão exceder a duração de três anos
quando, cumulativamente, se verifiquem três requisitos:
a) - forma escrita;
b) - proibição respeitante a actividade cujo exercício pelo trabalhador possa causar prejuízo à entidade patronal;
c) - remuneração do trabalhador durante o período da limitação da sua actividade.»
Acórdão do TC n.º 632/2005 - Processo n.º 540/2003 D.R. II SÉRIE, 29 de Dezembro de 2005
A - Relatório.
- 1 - Intimidades, Lingerie e Confecções, Lda., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 70.º, n.º 1,
alínea b), e 72.º, n.º 1, alínea b), ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a
constitucionalidade do artigo 405.º do Código Civil, quando interpretado "no sentido de que o princípio da liberdade
contratual abrange a liberdade de as partes optarem livremente, em alternativa, pelo modelo contratual típico de
arrendamento comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente designado de contrato de instalação de lojista em
centro comercial", por violação do "princípio da confiança do cidadão, emanado do princípio do Estado de direito
democrático na sua vertente de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa".
…
B - Fundamentação.
- 3 - O objecto do recurso consiste em sindicar se o artigo 405.º do Código Civil quando interpretado "no sentido
de que o princípio da liberdade contratual abrange a liberdade de as partes optarem livremente, em alternativa, pelo modelo
115
contratual típico de arrendamento comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente designado de contrato de
instalação de lojista em centro comercial", é inconstitucional por violação do "princípio da confiança do cidadão, emanado do
princípio do Estado de direito democrático, na sua vertente de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da
República Portuguesa".
3.1 - No artigo 405.º do Código Civil dispõe-se, sob a epígrafe "Liberdade contratual", que:
"1 - Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar
contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2 - As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente
regulados na lei."
2 - Por sua vez, o artigo 2.º, "Estado de direito democrático", da Constituição da República Portuguesa, de onde
a recorrente extrai o "princípio da confiança do cidadão", tem a seguinte formulação:
"A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de
expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades
fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e
cultural e o aprofundamento da democracia representativa."
…
O problema da qualificação dos "contratos de instalação de lojistas em centros comerciais" não é, ainda hoje,
ultrapassado o "impacte" ou o "choque" do confronto com o pedaço da realidade recente que o postulou, uma matéria
pacífica.
Uns defendem que a relação contratual estabelecida entre a entidade gestora de um centro comercial e o(s)
lojista(s) se enquadra no âmbito do tipo legal do arrendamento para comércio (cf., na doutrina, inter alia, Galvão Telles,
"Contrato de utilização de espaços nos centros comerciais", in O Direito, ano 123.º, t. IV, 1991, pp. 521 e segs., e "Utilização
de espaços nos shopping centers - Parecer com a colaboração de Januário Gomes", in Colectânea de Jurisprudência, ano
XV, t. II, 1990, pp. 25 e segs., Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade - As Empresas no Direito, Coimbra, 1999, pp. 320 e
segs., e Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3.ª ed., Coimbra, 2001, pp. 259 e segs., e Os Centros Comerciais
e o Seu Regime Jurídico, 2.ª ed., Coimbra, 1998, pp. 51 e segs.; v., também, ao nível da jurisprudência, os Acórdãos do
Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1984, de 26 de Novembro de 1992 e de 14 de Outubro de 1997, publicados,
respectivamente, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 122.º, pp. 59 e segs., no Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 421, de 1992, pp. 435 e segs., e na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,
ano V, t. III, pp. 77 e segs.).
Outros sustentam que os contratos de instalação de lojistas em centro comercial se configuram como sendo
legalmente atípicos, não estando, por isso, sujeitos ao regime vinculístico da relação arrendatícia [cf., neste sentido,
Antunes Varela, "Anotação ao Acórdão do STJ de 26 de Abril de 1984", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
122.º, pp. 62 e segs.; "Os centros comerciais (shopping centers)", in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor A. Ferrer
Correia, vol. II, Coimbra, 1989, pp. 43 e segs.; Centros Comerciais (Shopping Centers) - Natureza Jurídica dos Contratos de
Instalação dos Lojistas, Coimbra, 1995; Oliveira Ascenção, "Lojas em centros comerciais; integração empresarial; forma -
Anotação ao Acórdão do STJ de 24 de Março de 1992", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 54.º, 1994, pp. 819 e
segs.; Pedro Pais de Vasconcelos, "Contratos de utilização de lojas em centros comerciais - Qualificação e forma", in
Revista da Ordem dos Advogados, ano 56.º, 1996, pp. 535 e segs.; Pedro Malta da Silveira, A Empresa nos Centros
Comerciais e a Pluralidade de Estabelecimentos - Os Centros Comerciais como Realidade Juridicamente Relevante,
Coimbra, 1999, pp. 186 e segs., e Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Coimbra, 2000, pp. 165 e segs.;
na jurisprudência, vê-se reflectida esta posição, inter alia, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de
1994 e de 1 de Fevereiro de 1995, publicados, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, t. II, pp. 59 e
segs., e na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 128.º, n.os 3858 e 3859, pp. 307 e segs.].
Numa linha matizante destas posições, há também quem defenda, "constatando [...] uma deformação 'por
excesso' do tipo legal arrendamento para o exercício de comércio", uma qualificação do "contrato de instalação de lojista em
centro comercial como 'inominado impróprio' ou “atípico misto”, uma vez que "os contraentes partem, é certo, da
celebração de um contrato de cedência do gozo de um espaço para o exercício de uma actividade comercial, mas este é
adaptado aos interesses e características específicas do centro comercial" - neste sentido, cf. Ana Isabel da Costa Afonso,
Os contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais - Qualificação e Regime Jurídico, Porto, 2003, pp. 231 e
segs.
116
Na decisão recorrida prevaleceu a tese da inaplicabilidade das normas do contrato de arrendamento para
comércio aos contratos de instalação de lojistas em centro comercial, tendo o tribunal justificado esse entendimento com a
consideração de que "a nova realidade traduzida nos centros comerciais reveste tal complexidade que, pelas razões de
forma exaustiva expostas no acórdão recorrido e na sentença da 1.ª instância, se torna incompatível com o regime próprio
dos contratos de arrendamento de prédios urbanos para fins comerciais apesar da existência de elementos comuns, o que
determina a qualificação dos contratos de instalação de lojistas nos respectivos espaços de tais centros, não por virtude da
sua localização geográfica mas por força da organização em que ficam integrados, e precisamente face à sua característica
de integração empresarial, inexistente nos contratos de arrendamento, como contratos atípicos, por se tratar de relações
jurídicas ainda não legalmente regulamentadas de forma específica. É isto o que vem sido entendido maioritariamente na
doutrina e na jurisprudência, com destaque para os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 12 de Julho de 1994 (comentado
por Antunes Varela, em Centros Comerciais, 1995), de 24 de Outubro de 1996 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do
Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, t. III, p. 72) e de 18 de Março de 1997 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do
Supremo Tribunal de Justiça, ano V, t. II, p. 26), do que resulta ter de se concluir não serem aplicáveis a tais contratos as
normas legais respeitantes aos contratos de arrendamento, inclusive as que consagram a renovação automática após o
termo do período acordado para a sua vigência, mesmo contra a vontade do senhorio (artigos 1054.º do Código Civil e 68.º,
n.º 2, do RAU), tanto mais que se torna necessário que a entidade que administra ou explora o centro e celebra os contratos
com os lojistas tenha liberdade de pôr rapidamente termo, no fim do respectivo prazo de duração, a algum contrato cuja
subsistência, nomeadamente pela conduta do respectivo lojista ou pelo género de comércio a que se dedique, possa afectar
o interesse geral do todo orgânico que é o centro comercial, e portanto o interesse da sobrevivência dos demais que se
integram na vasta organização que tal centro constitui".
E, com relevância para o presente recurso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal de Justiça acrescentou que
"a interpretação feita do artigo 405.º do Código Civil em nada colide com os princípios constitucionais da segurança jurídica
e da confiança dos cidadãos, na medida em que estes, no exercício da faculdade de liberdade contratual naquele
dispositivo consagrada, podem livremente optar pelos modelos contratuais que entendam desde que se mantenham dentro
dos limites da lei, ficando por via disso titulares dos direitos e sujeitos às obrigações do modelo, típico ou atípico, adoptado;
e, na hipótese dos autos, as rés limitaram-se a usar dessa faculdade, optando expressamente pela celebração do contrato
atípico conhecido por instalação de lojista em centro comercial [...] e não pela celebração do contrato típico de
arrendamento comercial. Foi apenas esse o resultado da interpretação que o acórdão fez daquele dispositivo, atendendo à
vontade das partes declarada no contrato e aplicando-o aos factos assentes, sem que se detecte na interpretação
adoptada, que nitidamente obedece ao princípio da liberdade contratual, a mínima inconstitucionalidade".
Vejamos, pois, se o critério normativo supra-identificado padece da invocada inconstitucio-nalidade.
4.1 - Começando por enquadrar e densificar o sentido jurídico-normativo subjacente ao reconhecimento,
corporizado na norma em crise, da "liberdade contratual", pode dizer-se que, qua tale, estamos perante a afirmação de um
princípio transpositivo - conformador, portanto, do universo juscivilista - que constitui, em si, expressão de uma ineliminável
e suprapositiva autonomia privada.
De facto, perspectivado esse auto-nomos - que radica na pressuposição axiológica da pessoa humana, enquanto
centro de imputação de uma inviolável dignidade ética -, como a essência de uma livre autodeterminação pessoal (v.
Konrad Hesse, Derecho Constitucional y Derecho Privado, trad. de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez, Madrid, 1995, p. 77),
desenvolvida comunitariamente num "processo de ordenação que faculta a livre constituição e modelação de relações
jurídicas pelos sujeitos que nelas participam, que ficam obrigados à observância dos efeitos vinculativos da regra por si
criada" (cf. Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato. As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual,
Coimbra, 1999, pp. 21 e segs.), não pode deixar de sublinhar-se a dignidade constitucional da autonomia privada, que,
compreensivelmente, irradia a concreta manifestação desta como liberdade contratual (sobre o princípio da liberdade
contratual e a autonomia privada, cf., entre outros, Pugliatti, "Autonomia privata", n.º 5, Enciclopedia del Diritto; Carlos
Alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, 2005, pp.
102 e segs.; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 8.ª ed., pp. 240 e segs.; Capelo de Sousa, Teoria Geral do Direito
Civil, vol. I, Coimbra, 2003, pp. 57 e segs.; v., também, sobre a "relação" desse princípio com a ordem constitucional,
Konrad Hesse, Derecho Constitucional y Derecho Privado, cit., pp. 75 e segs., especialmente pp. 86-87; Francisco Neto, "A
autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica. Perspectivas estrutural e funcional", in Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Ferrer Correia, cit., pp. 29 e segs., e Ana Isabel da Costa Afonso, Os contratos de
Instalação de Lojistas em Centros Comerciais, cit., pp. 124 e segs.).
4.2 - Todavia, mesmo reconhecendo, na liberdade contratual, esse fundamento nuclear constitucionalmente
comprometido, não pode ignorar-se que não nos encontramos perante um princípio absoluto e ilimitado. É, aliás, a própria
norma do Código Civil que começa por afirmar que "Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o
117
conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes
aprouver (itálico aditado)".
São conhecidos os motivos subjacentes à imposição, ex lege, de um conjunto de normas de carácter imperativo
ou injuntivo que cerceiam, com uma geometria variável, o princípio da liberdade de contratar e de livremente fixar o
conteúdo dos contratos. Desde razões de ordem pública, justificadas pela segurança do tráfego jurídico, até ao
reconhecimento de uma diferenciada posição fáctica das partes, a justificar uma regulamentação de tutela dos interesses da
"parte mais fraca" - não raras vezes, com a finalidade de realizar prático-normativamente a intenção material da liberdade
contratual -, não é difícil encontrar no direito dos contratos exemplos típicos da imposição de um regime vinculístico,
insusceptível de modelação ex voluntate dos particulares, sendo essas derrogações - recte, limitações - da liberdade
contratual acopladas de um potencial sancionatório, determinante da invalidade de qualquer disposição contratual que se
lhes oponha, assim se inviabilizando uma "fraude à lei" orientada a contornar as imposições legais.
4.3 - Considerou o Supremo Tribunal de Justiça que a qualificação do contrato celebrado pelas partes aqui em
juízo se conformava e compatibilizava com os "limites da lei", estando, assim, abrangido por legítimo exercício da liberdade
contratual.
Tal qualificação jurídica teve como base pressuponente a interpretação da vontade das partes, tal como esta se
encontra espelhada no texto contratual, daí resultando, em consideração do conteúdo clausulado e atendendo à realidade
disciplinada, a qualificação do contrato como de "instalação de lojista em centro comercial".
Note-se, a esse propósito, que, na economia da decisão recorrida, a "liberdade de opção" não vai configurada em
termos puramente nominalísticos, de forma que o mesmo contrato pudesse ficar sujeito a dois regimes diferenciados,
deixando de existir qualquer marca de contraste ou critério distintivo susceptível de recortar juridicamente as diferenças de
um regime concretamente estabelecido.
O que aí se deixa em aberto é a possibilidade de as partes concluírem um contrato susceptível de ser qualificado
como de arrendamento para comércio, ou um outro, em função da realidade que nele fosse vertida e da vontade contratual
que se manifestasse - e, in casu, não pode ignorar-se que a qualificação operada arranca precisamente desse pressuposto.
Pelo que, segundo o critério do Tribunal, se a relação jurídico-contratual estabelecida entre as partes não pode
caracterizar-se como uma relação arrendatícia, e se, nessa medida, elas não se encontram vinculadas pelo regime
imperativo que rege os contratos de arrendamento, fica legitimada a possibilidade de livre fixação do conteúdo do contrato.
Por outras palavras, dir-se-á que, segundo esse critério, o regime do arrendamento para comércio não pode ter-se como o
regime próprio - e, por isso, vinculativo, imperativo - da instalação de lojistas em centros comerciais.
4.4 - Ora, este entendimento, onde se renova a qualificação jurídica operada pelas instâncias, é, na perspectiva
do recurso de constitucionalidade, insindicável, não cabendo a este Tribunal qualquer pronúncia sobre o mérito jurídico da
decisão recorrida, na aplicação que aí vai feita ao caso concreto.
Não cabe, assim, neste recurso - que é de fiscalização normativa - a produção de um qualquer juízo sobre a
controvérsia de que se deu conta, designadamente quanto à questão de saber se existe ou deve existir - tal liberdade de
opção entre os referidos modelos contratuais, mas apenas - e só - a sindicância do critério normativo mobilizado pelo
Supremo Tribunal de Justiça para decidir, aceitando-se como "um dado" o juízo aplicativo determinado pela decisão
recorrida, relativamente à qualificação do contrato celebrado entre as partes, cumprindo apenas apurar se, em tais
circunstâncias, a liberdade de as partes poderem optar pela celebração de um contrato legalmente típico de arrendamento
para comércio ou pela conclusão de um contrato - apenas socialmente típico, mas legalmente atípico ou inominado - de
instalação de lojista em centro comercial, estando essa opção legitimada, na perspectiva do Supremo, pela liberdade
contratual e ainda integrada "dentro dos limites da lei", há-de ter-se por violadora do princípio da protecção da confiança,
materialmente ínsito na concepção de um Estado de direito democrático.
4.5 - Perante este quadro, pode afirmar-se que o critério normativo em crise não contraria o referido princípio da
protecção da confiança do cidadão.
Na verdade, desde logo, esse princípio não tem a virtualidade de impor que seja recusada às partes a
possibilidade de contratar em termos distintos dos que a lei prevê num contrato típico, como o do arrendamento, e nos
casos em que se verificam as especificidades aludidas, e que, aliás, justificaram o debate doutrinal e jurisprudencial
referido.
Assim, bem vistas as coisas, o que a "liberdade de opção" assumida pelo Tribunal a quo acaba por determinar
não é mais que o cumprimento do clausulado pré-estabelecido e a vinculação a uma vontade manifestada por acordo,
fazendo-se prevalecer o que foi, em concreto, contratado.
De facto, reconhecendo-se às partes liberdade de opção e escolha contratuais, as partes podiam - e deviam -
contar, antes de mais, com o cumprimento das regras por elas estabelecidas na modelação do conteúdo do contrato,
podendo mesmo sustentar-se, com ressalva das situações características de um autêntico venire contra factum proprium,
que uma alteração do sentido contratual, por interposição de um regime legal imperativo, não deixa também de ir contra a
118
vontade expressa pelo contraente que dela poderá aproveitar, porquanto determina o afastamento de uma norma à qual se
deu prévio acordo.
Assim, admitindo-se, no âmbito de uma determinada relação jurídica, a existência de uma esfera de liberdade
contratual, não se compreende como o resultado do seu exercício, em conformidade com uma vontade declarada, possa
ser tido como surpreendente e inesperado, para um determinado contraente.
Tal só sucederia, justamente, na hipótese inversa em que não se reconhecesse a existência dessa margem de
liberdade e se vinculassem as partes, ex lege, a um específico tipo contratual. Aí sim, poderia discutir-se a sorte das
disposições do contrato que contendessem com o regime legal injuntivo.
Contudo, in casu, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça foi, ao invés, o de reconhecer às partes,
atendendo à realidade disciplinada, a liberdade de fixação do conteúdo do contrato. Pressuposta essa liberdade, hão-de as
partes conformar-se com o regime convencionado.
Nem se diga, por isso, na lógica do discurso formulado pela recorrente, que sempre haveria de tutelar-se a
confiança do contraente que, partindo da qualificação do contrato como de arrendamento, contaria com a aplicação do
regime nele estabelecido e com as correspondentes limitações à liberdade contratual para fixar um regime diverso.
Na verdade, como se afirmou, uma tal hipótese acabaria por radicar no pressuposto de não se admitir a referida
"liberdade de opção". Mas não foi esse o critério seguido pelo Tribunal.
Pelo que, impõe-se concluir que o artigo 405.º do Código Civil, quando interpretado no sentido de que o princípio
da liberdade contratual abrange a liberdade de as partes optarem livremente pelo modelo contratual típico de arrendamento
comercial ou pelo modelo contratual atípico comummente designado de contrato de instalação de lojista em centro
comercial não é inconstitucional por violação do "princípio da confiança do cidadão, emanado do princípio do Estado de
direito democrático na sua vertente de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República
Portuguesa".
…
5 - Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
…
Lisboa, 15 de Novembro de 2005. - Benjamim Rodrigues - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Mário José
de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.
CENTRO COMERCIAL
CLÁUSULAS ABUSIVAS
GARANTIA BANCÁRIA
Sumário:
1) - É atípico, ou inominado, o contrato de cedência temporária do gozo de um espaço para instalação de uma loja
num centro comercial.
2) - Os contratos atípicos só estão sujeitos a forma se a lei o impuser expressamente, na ponderação do seu
objecto ou efeitos.
3) - Os contratos de cedência referidos em a) não estão sujeitos a escritura pública.
4) - Tem o ónus de alegar os factos, com indicação expressa das cláusulas, quem pretende fazer-se valer da sua
natureza abusiva ou iníqua.
5) - Terá de verificar-se um desequilíbrio importante e notório nas prestações com grave violação dos princípios
da boa fé e lisura contratuais quando se apela para o nº2 do artigo 9º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
6) - A garantia bancária é estabelecida em benefício do credor não podendo o devedor invocar o seu não
accionamento como causa do agravar a sua prestação.
“AA Imobiliária – Gestão SA” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB, Lda.” e CC, pedindo a sua
condenação a pagar que as quantias que discrimina a fls. 13, acrescido de juros, vencidos e vincendos; e se considere
existente a declarada resolução do contrato celebrado com os Réus, com as legais consequências de desocupação da loja;
em qualquer dos casos se condenem os Réus a pagar a quantia mensal que discrimina a fls. 14, sob a alínea c) relativa à
loja .. do Gaia Shopping, por cada mês em que o 1º Réu ocupe a loja, até que se verifique a sua desocupação entrega,
acrescido de juros de mora e eventuais actualizações.
119
Na 12ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente tendo a respectiva sentença:
a) Condenado solidariamente os RR a pagar à A. a importância de €91.094,77, correspondente a Esc.
18.262.862$00, acrescida de juros vencidos e vincendos,
b) Condenado solidariamente os Réus a pagar o montante de € 7.693,65, correspondente a 1.542.438$00/mês
contados desde Outubro de 1999 até Janeiro de 2000, acrescido de juros vencidos e vincendos,
c) Declarado a resolução do contrato celebrado entre as partes.
…
1 - Contrato de exploração em Centro Comercial.
O primeiro – e eventualmente a “pulcra quaestio” – segmento conclusivo do apelante prende-se com a nominação
contratual.
Perante o acervo de factos acima elencados há que determinar se se perfila um arrendamento ou um contrato
inominado de cedência temporária de gozo de uma loja instalada num centro comercial.
Diga-se, desde já, que a nova realidade dos “shopping centers”, surgida há pouco mais de trinta anos, não
permitiu o estudo da respectiva dogmática e a sua consagração legal em sede doutrinária em paralelo com outros institutos
do ramo obrigacional que apresentam semelhanças em termos de objecto do negócio.
Daí que a jurisprudência tivesse oscilado, ao longo das ultimas décadas, entre a qualificação dos contratos (em
que uma das partes cede à outra o gozo de determinada área de um centro comercial para aí explorar um estabelecimento)
ou como de arrendamento, ou, como contrato misto de arrendamento comercial e de prestação de serviços ou, ainda, como
contrato atípico ou inominado.
O Prof. Galvão Telles (apud CJ, XV, 2, 23 ss) defende tratar-se de contrato típico de arrendamento de imóvel (cf.,
no mesmo sentido, o Cons. Pinto Furtado – “Os centros comerciais e seu regime jurídico”, 27 e Doutor Coutinho de Abreu,
in “Da empresarialidade – As empresas no Direito – 1996, 320-323), enquanto o Prof. Antunes Varela (“Das obrigações em
geral”, 7ª ed, I, 300 ss) opina que o contrato não é “enquadrável nos contratos típicos com ele mais ou menos aparentados
(arrendamento para comércio e locação de estabelecimento comercial) e deve ser qualificado como um contrato atípico ou
inominado de exploração de loja integrada em Centros Comerciais”. (cf., também, “Centros Comerciais/Shopping Centers”,
1995, e RLJ, 128, 315 e 129 49 ss).
E apesar da divergência, todos reconhecem que nestas situações, e para alem da cedência temporária do gozo
de certo espaço mediante uma retribuição, o centro comercial proporciona ao lojista um conjunto de facilidades (que
passam por inserção num espaço físico atraente e frequentado, por existência de múltiplas opções e ramos comerciais,
segurança, limpeza de áreas comuns, por vezes, água, luz, telefone, elevadores, estacionamento, ar condicionado e, até,
certos confortos e higiene) que valorizam especialmente o negócio e atraem uma clientela mais favorável, poupando,
outrossim, despesas que, necessariamente, teria se instalado solitariamente numa qualquer via pública.
O Prof. Oliveira Ascensão (in “Integração Empresarial e Centros Comerciais”, BMJ 407) defende tratar-se de
contrato inominado de integração empresarial, chamando a atenção para a integração da empresa (“cada uma das lojas, na
empresa mais vasta, o centro comercial, com uma gestão unitária e uma dinamização empresarial do conjunto que
sobreleva o mero aspecto de gozo estático de cada uma das lojas”.).
E convém ter presente a noção constante da Portaria nº 424/85 de 25 de Julho e o Decreto-lei nº 190/89 de 6 de
Junho que apontam para as figuras da integração e da unidade de gestão.
Lançando mão do critério dos índices do tipo contratual (aqui os índices objecto, contrapartida, sentido,
estipulação e configuração), o Dr. Pedro Pais Vasconcelos conclui que “as partes nunca querem celebrar contratos que
sejam o arrendamento típico ou a típica cessão de exploração de estabelecimento comercial. No que respeita ao último, não
querem os lojistas adquirir e explorar um estabelecimento comercial já existente e a funcionar, porque querem antes instalar
o seu; no que respeita ao arrendamento, também não querem a vigência do regime vinculistico; em relação a ambos os
tipos, não querem nem a desintegração atomística que lhes é característica. (…). Os contratos celebrados entre entidades
exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são pois contratos legalmente atípicos”. (in “Contratos de
Utilização de Lojas em Centros Comerciais. Qualificação e Forma”, apud “Revista da Ordem dos Advogados”, 56, Agosto
1996, 544/5).
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Aderimos incondicionalmente a esta argumentação (aliás, na linha, quase uniforme, dos Acórdãos do STJ de 24
de Março de 1992 – 080755 – de 6 de Dezembro de 1990 – 079450 – de 20 de Maio de 1996 – 06 A765 – de 27 de Outubro
de 1998 – 98 A834 – de 20 de Janeiro de 1998 – 97 A949 – de 11 de Abril de 2002 – 02B826 – de 12 de Outubro de 2006 –
05B2093 – e de 23 de Janeiro de 2007 – 06 A4201 – “inter alia”), não só, também, acompanhando o Prof. Antunes Varela
(“quem confere à loja dos centros a sua utilização privilegiada, quem lhe assegura a complementaridade valiosa de outras
lojas, quem lhe dá a vizinhança de estabelecimentos doutros ramos de alta qualidade, com grande poder de atracção sobre
o público, quem lhe garante a organização complexa de todo o conjunto … é uma entidade estranha ao seu negócio, é o
fundador do centro” – in “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia”, II, 64) mas, e ainda,
porque as obrigações do lojista coexistem com uma intervenção activa do fundador ou organizador, dando sempre a este
um direito de opção sobre o tipo de comércio e a sua apresentação, em termos do centro surgir como um todo plurifacetado
e harmónico.
Ora, tal implica uma maior agilização ou rapidez, negocial que não se compadece com a natureza vinculistica e
muito mais formal do arrendamento. (Aqui, apesar de, recentemente, se ter procurado flexibilizar o arrendamento, comercial
com a introdução dos contratos de duração limitada – Decreto-lei nº 257/95 de 30 de Setembro – ou com a eliminação da
exigência da escritura pública – Decreto-lei nº 64/A2000, de 22 de Abril – e revogação do artigo 1029º CC pelo artigo 2º nº1
da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro).
Estamos pois perante um contrato atípico. ( cfr ainda Dr. Hugo Duarte Fonseca in “Sobre a Atipicidade dos
Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais”apud BFDC LXXX, 2004,720).
2 - Forma.
Os contratos inominados – ou atípicos – regem-se em primeira linha pelo estipulado pelas partes e, se necessário
e onde puder recorrer-se à analogia do clausulado, pelos contratos típicos com afinidade, sempre considerando que, em
principio, foi afastada a tipificação dos contratos padronizados.
O recorrente imputa nulidade ao contrato por entender – na linha do arrendamento comercial como, ao menos, o
contrato próximo – dever ter sido celebrado por escritura pública.
Ainda sem razão.
Os contratos atípicos não estão, como regra, sujeitos a forma.
A consensualidade só é afastada se a lei impuser forma especial (artigo 219º CC) o que acontece perante o
objecto e (ou) os efeitos do contrato.
“In casu”, a lei não o impõe expressamente não valendo o disposto na alínea k) do artigo 89º do Código do
Notariado (já que não se trata de ter por objecto o gozo de um estabelecimento comercial que não existe aquando da
celebração do contrato) sendo que a qualificação como atípico sempre afastaria a aplicação das coevas regras de forma do
arrendamento.
Aliás, embora aqui irreleve, o Decreto-lei nº 207/95 alterou esse artigo 89º – agora 80º – deixando de incluir a
transmissão do gozo do estabelecimento.
É que uma das consequências da atipicidade é, precisamente, a não aplicação das exigências de forma dos
vários tipos coenvolvidos, por não serem contratos coligados (ou união de contratos) nem contratos mistos.
A diferença está em que, nestes, os tipos coexistem sem perda das respectivas tipicidades; ou se a um tipo
principal são acrescentadas meras cláusulas acessórias que não o arredam da sua linha primária, que se regem ou pela
absorção ou pela combinação.
Mas como vimos em nenhuma destas classificações se insere o contrato “sub judicio”, inserível na atipicidade
coincidente com o princípio do “numerus apertus” vigente no direito das obrigações.
Não se verifica, em consequência, a nulidade contratual invocada.
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economicamente rentável” satisfazendo as lojas “o maior número possível de necessidades do consumidor, para que este
não necessite de completar as suas compras em outro local”, como em geral acontece nos centros comerciais (vide
Conselheiro Aragão Seja, ob. cit., pág. 655). Tudo aponta efectivamente no sentido de as cláusulas constantes do contrato
se destinarem a permitir que o centro comercial possa ser um conjunto com harmonia e economicamente rentável,
permitindo o seu funcionamento e impedindo o encerramento das lojas.
E, beneficiando a 1ª ré dos vários serviços prestados pela autora (vide nº 2 dos factos provados, atrás
reproduzidos), não existe o invocado desequilíbrio.”
Ademais, impor-se-ia a explicitação das que surgiam como abusivas ou iníquas, o que não aconteceu, limitando-
se o recorrente, a nível conclusivo a referir todo o clausulado.
O Acórdão do STJ de 25 de Maio de 2006 – 06B1016 – decidiu que quem se quer fazer valer da violação de
deveres consignados no Decreto-lei nº 446/85 tem o ónus de alegar a factualidade de onde resulte essa infracção.
Mas sempre, e como se julgou no Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2007 – Pº 1337/07-1ª – desta mesma
conferencia, “quando se apela para o nº 2, “in fine” do artigo 9º do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, há que verificar a
existência de um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé e da lisura contratuais”.
Ora da análise do contrato não resulta qualquer desequilíbrio ostensivo.
4 - Excessiva onerosidade.
Finalmente, no último segmento das conclusões aponta para a excessiva onerosidade da sua prestação já que ao
não accionar a garantia bancária, e ao não informar o recorrente do incumprimento, a recorrida contribuiu para um
agravamento da prestação violando deveres acessórios da conduta contratual.
Vejamos,
De acordo com o ponto 21 dos factos assentes a recorrida respondeu ao recorrente – carta de fls. 118 – nestes
termos:
“Em resposta à solicitação que nos dirigiu por carta de 14 de Julho último, somos a enviar cópia dos contratos de
utilização das lojas adiante discriminadas, nos quais interveio, quer como fiador, quer como sócio da sociedade a quem foi
conferido o direito de utilização das mesmas:
a) Loja .. do Centro Comercial Continente de Gaia (contrato+aditamento),
b) Loja n°…/../../.. do Centro Comercial Guimarãeshopping (contrato+aditamento),
c) Loja … do Centro Comercial Continente de Leiria; e
d) Loja … do Centro Comercial Coimbra shopping.
Relativamente à informação, também solicitada, sobre os montantes em débito, dado que a entidade devedora é a
sociedade BB e que só a esta tem sido exigido o seu pagamento, e dado ainda que na sua qualidade de sócio e fiador da
mesma poderá exigir-lhe essa informação, cremos não nos caber a nós disponibilizar-lha. Cremos ainda que deverá obter a
cópia dos contratos da loja … do Centro Comercial do Seixal e da loja …do Centro Comercial Continente da Amadora da
Sociedade BB, pois nestes contratos o Senhor não é parte.”
Trata-se de uma informação bastante sobre as obrigações, como “sócio” e como “fiador”, sendo, outrossim, que
dela ressalta a dupla qualidade do recorrente, que, na primeira, sempre poderia ter lançado mão do direito que lhe é
conferido pelo artigo 214º do Código das Sociedades Comerciais.
Irreleva, outrossim, o não ter lançado mão da garantia bancária que é estabelecida a favor do credor e não para
propiciar ao devedor quaisquer facilidades no cumprimento da obrigação, pelo que o seu não accionamento não pode ser
invocado pelo incumpridor como causa de agravamento iníquo da sua prestação. (cfr, neste sentido, recente Acórdão do
STJ de 17 de Abril de 2007 – Pº 418/07-2ª).
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