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Teoria Geral das Obrigações - 2º teste de Avaliação Contínua - 19/4/2021

I
Ana vende à sociedade XPTO 100 livros de Agatha Christie, intitulado A Morte
no Nilo, de um conjunto de muitos outros que tem na sua livraria, a € 50 cada.
Ana obrigou-se a entregar os livros no seu estabelecimento comercial, no dia 1
de junho de 2020.
No início da manhã do dia 30 de maio de 2020, Ana empacotou os livros que
seriam entregues à referida sociedade.
Ao final da tarde desse dia, Ana recebeu um e-mail da sociedade XPTO a
referir que “apenas conseguia recolher os referidos livros no dia 5 de junho de 2020,
atento o facto de o funcionário encarregue da recolha se encontrar doente”.

1) No dia 3 de junho de 2020, ocorreu um furto no estabelecimento de


Ana, tendo os referidos livros desaparecido. A sociedade XPTO tem
que pagar o preço dos livros? (3 v.)

Obrigação genérica (noção)


Processo de individualização (ocorre quando Ana empacota os livros;
regra geral: a escolha pertence ao devedor – art. 539º)
A devedora (da entrega) estava obrigada a proceder à entrega dos
livros no seu estabelecimento no dia 1 de junho de 2020. Todavia, já
depois de efetuada a separação, a sociedade (credora da entrega)
vinculou-se à recolha dos mesmos para um dia posterior (5 de junho
de 2020), alterando o procedimento de entrega. Verificou-se a
concentração da obrigação. O devedor praticou todos os atos para o
efeito. Já o credor não praticou todos os atos necessários ao
cumprimento da obrigação, incorrendo em mora (art. 813º). Por essa
via, há lugar à inversão do risco de perda ou deterioração da coisa (art.
815º e art. 541º)
O furto ocorrido no estabelecimento (não imputável ao devedor da
entrega), levando à perda dos livros, é suportado pelo credor da
entrega. O credor tem de pagar o preço dos livros.

2) A resposta seria a mesma se o furto tivesse ocorrido ao final da manhã


do dia 30 de maio de 2020? (3 v.)
Ao final da manhã, não tinha havido ainda a concentração da
obrigação (explicar), mas apenas a separação dos livros, por via do
empacotamento efetuado.
Logo, sendo a propriedade dos livros ainda de Ana, seria ela que
suportaria o risco da sua perda. A sociedade não tinha de pagar o preço
daqueles livros.
Todavia, como ainda havia livros no seu estabelecimento, o devedor
não fica exonerado de cumprir, já que a prestação ainda é possível (art.
540º).

II
No dia 1 de fevereiro de 2020, por escritura pública, Aloísio (casado com
Belinda, sob o regime da comunhão de adquiridos) prometeu vender a Carlota e
Doroteia (e estas prometeram comprar) a sua moradia (um bem próprio daquele),
pelo preço de 150.000 €.
O contrato continha, entre outras, as seguintes cláusulas:
- “nos dias 1 de abril de 2020 e 1 de julho de 2020, as promitentes-
compradoras devem entregar a Aloísio as somas de 10.000 € e de 15.000 €,
respetivamente, sendo as mesmas solidárias quanto aos referidos
pagamentos;
- na falta de entrega dos valores identificados, Carlota e Doroteia estão
obrigadas, a título de cláusula penal, ao pagamento de uma taxa de juro de
20% ao ano”;
- “as partes atribuem à referida promessa eficácia absoluta”.
O negócio foi registado no dia 1 de fevereiro de 2020.

1) Qualifique a promessa em causa quanto à eficácia. Justifique (4 v.)


Trata-se de uma promessa com eficácia real, porquanto estão preenchidos
os pressupostos previstos no art. 413º:

Preenchimento dos pressupostos para que se qualifique a promessa


com eficácia real
- pressupostos substanciais (a existência de uma promessa de
transmissão ou de constituição de um direito de propriedade; trata-
se de uma bem imóvel; atribuição de eficácia real- explicar
especificamente a convenção) – art. 413º/1;
- pressuposto formal (no caso, a escritura pública) – art. 413º/2;
- pressuposto registral – art. 413º/1, parte final).

2) Sabendo que Belinda não interveio no ato, diga qual o valor jurídico do
contrato-promessa celebrado. Justifique. Caso Aloísio e Belinda fossem
casados no regime de separação de bens, a resposta seria idêntica? (5 v.)

Em sede de contrato-promessa, vale o princípio da equiparação de


regimes (à promessa aplica-se o regime do contrato prometido).
No caso, ao contrato prometido (de compra e venda) seria aplicável o
art. 1682º/A, nº 1 (explicação da norma), que exigia o consentimento do
outro cônjuge (atento o regime de bens do casamento e o tipo de bem em
causa), sob pena de anulabilidade do ato (art. 1687º, nº 1).
No entanto, este preceito, pela sua razão de ser, não é extensível ao
contrato-promessa, pois este apenas produz efeitos obrigacionais
(identificar os efeitos), conquanto se trate de uma promessa com eficácia
real. O contrato-promessa é válido.
Se os cônjuges fossem casados no regime de separação, a contrario
sensu do art. 1682º-A, não seria sequer necessário o consentimento do outro
cônjuge para a outorga do contrato definitivo. Assim, o contrato-promessa
seria perfeitamente válido.

3) Carlota e Doroteia não entregaram, nas datas aprazadas, os valores em


causa a Aloísio. Este aciona Carlota exigindo-lhe o pagamento da soma de
20.000 €, acrescido dos juros estipulados. Sabendo que Carlota é credora de
Aloísio no valor de 15.000 €, diga como se pode defender na ação intentada
por Aloísio (5 v.)

Trata-se de uma obrigação plural, pecuniária, de quantidade (art. 550º).


Vigora, quanto à específica obrigação plural, o regime da solidariedade
passiva (art. 513º), por força de convenção aposta no contrato.
Atento o incumprimento da obrigação, verifica-se a constituição das
devedoras em mora (a partir dos dias 1 de abril e 1 de julho,
respetivamente) – art. 804/2 e art. 805/2, a).
Nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a
contar da data da constituição em mora (art. 806º).
Relativamente a solidariedade, Aloísio aciona apenas Carlota (noção de
solidariedade passiva e suas características – art. 512º), mas não pela
totalidade do valor da dívida (o que é possível, nos termos do art. 519º).
Quanto à possível defesa de Carlota,
- pode invocar o instituto da compensação (art. 523º/art. 847º),
extinguindo parte da sua obrigação (apenas tendo de pagar 5.000 €);
- pode, invocar a excessiva taxa de juros moratória convencionada; a
taxa de juro legal moratória é de 4% - Portaria 291/2003; ora, o art. 559º-A
remete para o art. 1146º, especialmente o nº 2, que prevê que,
convencionalmente, a taxa de juro moratória pode exceder a legal em 9%
(atendendo a que não há garantia real), pelo que a taxa convencionada
tinha como limite 13%; assim, nos termos do nº 3 do art. 1146º, a taxa de
juros estipulada será reduzida ao máximo fixado.

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