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Prova 1 Junho 2015, questões e respostas

Direito das Obrigações A/B/C/D (Universidade Catolica Portuguesa)

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

ESCOLA DE DIREITO DO PORTO


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

ÉPOCA ORDINÁRIA (1.6.2015)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS (SEM TOLERÂNCIA)

ELEMENTOS A UTILIZAR: CÓDIGO CIVIL E ANEXO DE LEGISLAÇÃO

RESPONDA EM FOLHAS SEPARADAS E COM LETRA LEGÍVEL

1. Indique dois argumentos justificativos da defesa do critério abstrato de apreciação da


culpa do gestor de negócios. 1
2. Aníbal dirigiu-se a um campo de golfe, explorado por «X, S.A.» com intenção de aí jogar
uma partida de golfe. Para o efeito, inscreveu-se, na receção do recinto, para utilização
do campo e alugou um buggy para facilitar a sua deslocação no terreno. Ao conduzir o
buggy por um terreno íngreme e com uma curva acentuada, Aníbal não foi capaz de
segurar o veículo que capotou.
a)Sabendo que o terreno não estava vedado e que ninguém avisou Aníbal para evitar a
circulação em algumas partes do campo, indique os fundamentos legais em que Aníbal
poderia apoiar uma eventual pretensão reparatória (com base no Ac. do STJ, de 12-11-
2013). 2
b)Suponha, em alternativa, que é «X, S.A.» quem quer ser indemnizada pelos prejuízos
causados ao buggy, alegando que apenas um condutor muito inábil, sem o mínimo de
perícia necessário para circular num campo de golfe, teria causado aquele acidente.
Quid iuris? 2

II
1. Por que é que o instituto da “neutralização do direito” (Verwirkung ou suppressio)
deve ser aplicado restritivamente? 1
2. Em execução do contrato de prestação de serviços que celebrara com um reputado
centro de investigação científica, Anabela colaborou numa publicação científica
elaborada por este centro. Seis meses depois de ter cessado, por vontade de
Anabela, o aludido contrato de prestação de serviços, uma editora de publicações
científicas vem propor a Anabela que esta coordene uma obra de investigação
semelhante àquela em que Anabela participara enquanto prestadora de serviços do
centro. O centro de investigação considera que o comportamento de Anabela é
desleal e quer pôr-lhe cobro. Terá direito? 3

III
1. Distinga uma promessa unilateral de uma preferência convencional. 1

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2. Artur, quando conduzia uma das carrinhas da empresa de tecelagem Z, colidiu


com o veículo ligeiro conduzido por Jorge, seu proprietário. Chovia na noite do
acidente, a via onde se deu a colisão não era muito larga, mas não se conhecem
as causas do embate. Os veículos sofreram danos materiais, tendo ambos
atingido, ainda, o veículo de Júlia, quando esta se preparava para entrar na sua
garagem.
a)Jorge quer responsabilizar Artur, Z e a seguradora desta. Com razão? 2
b)Z, relativamente aos danos na carrinha, veio responsabilizar Artur e Jorge.
Quid juris? 1,5
c)Júlia quer que Artur, Jorge e Z respondam por culpa presumida ou, pelo
menos, com base na responsabilidade pelo risco. Aprecie a intenção de Júlia.
1,5

IV
1.Será possível aplicar à sub-rogação o disposto no artigo 585º do CC? 1
2.Querendo ser recordado na sua terra natal, Miguel, emigrado há vários anos
em França, decidiu comprar um quadro a uma conhecida pintora, Benedita,
nomeando, nesse momento, o museu da sua terra titular do direito a receber a
pintura. Como Benedita também era natural da mesma cidade, o quadro, no
valor de 100.000€, foi vendido por 20.000.
a)Identifique a dupla estrutura contratual utilizada no negócio entre Miguel e
Benedita. 2
b)Em que momento é que o museu ficou proprietário do quadro? 1
c)Poderia o museu exigir com êxito a entrega do quadro na hipótese de Miguel
não pagar os 20.000€? 1

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TÓPICOS DE SOLUÇÃO
I
1. A voluntariedade do ato gestório (mesmo do não profissional) e a intervenção,
impedindo a atuação de outras pessoas mais capazes podem justificar uma
avaliação abstrata da culpa.
2. a) Surge, nesta hipótese, um problema de concurso de responsabilidade, visto que
a omissão do dever de cuidado pela sociedade que explora o campo de golfe poderia
constituir quer um ilícito contratual – foi celebrado um contrato atípico para
utilização de instalação e equipamento desportivo, tendo sido violado o dever
lateral de aviso/informação e de cuidado com a pessoa da outra parte, art. 762.º,
n.º 2, CC – quer um ilícito extracontratual – a omissão do dever de aviso ou vedação
da área perigosa corresponde a um ilícito especialmente previsto na lei, no art. 486.º
CC, mais exatamente violação de um dever de prevenção do perigo. O problema de
concurso de responsabilidade contratual e extracontratual pode ser solucionado
essencialmente com base em dois critérios distintos: teoria do cúmulo (ação híbrida;
opção; duas ações) e teoria do não cúmulo (doutrina da consunção). A aplicação do
regime da responsabilidade contratual é mais vantajosa para o lesado visto que
define uma presunção de culpa (art. 799.º, n.º 1). Todavia, admitindo-se que a
instalação e equipamento desportivo podem constituir uma coisa perigosa, chegar-
se-ia à mesma solução por via da aplicação do art. 493.º, n.º 1, CC. 2
b) É sabido que a culpa é apreciada segundo o critério do bom pai de família, em
face das circunstâncias de cada caso (487.º CC) e que inclui não apenas a deficiência
da vontade mas também a deficiência da conduta (inabilidade para o desempenho
de certa tarefa). De qualquer modo, aplicando-se o regime da responsabilidade
contratual (poderia considerar-se igualmente o concurso de responsabilidade)
presumir-se-ia a culpa do devedor [agora é Aníbal que utiliza material pertencente
à outra parte sem o cuidado devido]. Para ilidir a presunção de culpa Aníbal teria de
alegar e provar que usou a devida diligência e que os danos causados ficaram a
dever-se a força maior, facto de terceiro ou imputável à outra parte.

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II

1.Tendo em conta a existência de prazos de prescrição há que ponderar bem se o


exercício tardio do direito traduz ou não uma conduta abusiva ou que mereça ser “neutralizada”.

2. Configura-se uma hipótese de eventual responsabilidade pós-contratual (culpa post


pactum finitum). O contrato celebrado entre Anabela e o centro de investigação já se extinguiu
e por vontade desta, pelo que os contraentes já não estão, em princípio, vinculados a quaisquer
deveres de cumprimento, ou seja, não haveria nenhum dever de prestar que pudesse ser
violado. Acresce que não fora estipulado qualquer dever de não concorrência entre os
contraentes, nem existe uma previsão normativa específica que imponha novos efeitos a uma
anterior relação contratual extinta. Admite-se, todavia, que, em certas hipóteses, o devedor
continue vinculado a observar ou a abster-se de adotar um comportamento, produzindo o
contrato certos efeitos ulteriores à sua extinção, de modo a que não se venha a frustrar o escopo
prosseguido com o contrato. Fundamento frequentemente invocado para justificar a eficácia
pós-negocial das obrigações é o princípio da boa fé associado ao conceito de relação
obrigacional complexa que postula a observância de certos deveres acessórios que podem
manter-se mesmo depois de extintos os deveres principais e secundários de prestar.

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III

1.Ambas as figuras são contratos e nas duas só existe uma pessoa obrigada e que deve
assinar o acordo. Na promessa unilateral o promitente vinculado obriga-se a celebrar o contrato-
prometido (por ex., uma compra e venda) se a contraparte assim o desejar. Na preferência
convencional, o obrigado não se vincula a contratar, mas a, se contratar, dar primazia, em
igualdade de condições, ao titular do direito.

2. a) O caso não nos revela como ocorreu o acidente, conhecendo-se algumas circunstâncias que
envolveram o acidente e sabendo-se, apenas, que Artur, presumivelmente, é comissário de Z,
conduzindo, na altura, no exercício das suas funções, e que Jorge é um detentor. É preciso,
ainda, não confundir responsabilização (à luz do CC) com reparação (neste caso, a cargo de uma
Seguradora). Não podemos entender que o acidente esteve, pura e simplesmente, relacionado
com o risco ou com a culpa, havendo, pois, que colocar várias hipóteses, a saber:

(i) Jorge pode responsabilizar o comissário Artur por culpa provada ou presumida (arts. 487º,1,
503º,3 e Assentos 1/83 e 3/94)) e Z, pelo menos pelo risco ou na sua qualidade de comitente
(art. 500º), demandando a Seguradora deste com base nos arts. 15º e 64º do DL nº 291/2007,

(ii) Se o comissário afastar a presunção de culpa, irá responder Z como detentor (art. 503º,1),
caso não possa ser aplicado o art. 505º (seria necessário provar-se que a colisão ficou a dever-
se apenas à conduta de Jorge) e sendo ainda de considerar a possível aplicação do art. 506º
(contribuição do veículo de Jorge para os danos);

(iii) Não conduzindo o veículo como comissário, Artur responderia com base na parte final do
art. 503º,3, sendo possível ser aplicado o art. 506º (contribuição do risco associado ao veículo
do lesado Jorge);

(iiii) Caso Jorge prove a culpa de Artur (respondendo o comitente com base no art. 500º), pode
vir a ser provada uma eventual culpa do lesado Jorge (arts. 570º e 506º,2). Esta culpa pode, até,
afastar uma culpa presumida de Artur.

b) Relativamente aos danos no veículo de Z, é duvidoso que possa funcionar a culpa presumida
de Artur (o Assento 1/83 fá-la valer nas relações entre o comissário e o lesado). A melhor solução
é Z provar a culpa de Jorge, e este provar a culpa de Artur para o efeito da aplicação do art. 571º
(consideração de Z como lesante e lesado). A prova por Z das culpas de Artur e de Jorge
conduziria ao mesmo resultado, pois a culpa de Artur repercute-se no lesado Z. Estando Artur a
conduzir fora do exercício das funções, é plausível serem ambos (Artur e Jorge)
responsabilizados pelo risco (arts. 506º e 507º), assim como Z pode tentar provar a culpa
exclusiva de Jorge.

c) Júlia não teve culpa, nem sequer pode ser corresponsabilizada pelo risco. Como lesada (art.
504º,1), ela pretende que Artur, Z e Jorge respondam solidariamente, e desde logo, por culpa
presumida. Acontece que só Artur pode ser responsabilizado com esse fundamento, pois,
quanto a Jorge, a sua culpa tem que ser provada (Assento1/80) e o comitente Z não responde
por culpa presumida.

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Relativamente ao fundamento subsidiário objetivo, é possível, em teoria, responsabilizar Jorge


(art. 503º,1), Z (responde com base no art. 500º pela culpa de Artur ou com base no art. 503º,1,
não havendo culpa de Artur) e Artur (só com base na parte final do nº 3 do art. 503º).

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IV

1.Só é possível aplicar à sub-rogação legal e à sub-rogação voluntária pelo credor. Quanto à sub-
rogação voluntária pelo devedor é necessário que este tenha informado o terceiro da existência
do meio de defesa.

2.a) Entre o promissário Miguel e a promitente Benedita foi celebrado um contrato a favor de
terceiro (o Museu). Atendendo à circunstância de o preço (da relação de cobertura) ser muito
inferior ao valor do quadro parece estarmos, também, perante uma doação mista.

b)A propriedade é adquirida no momento da celebração do contrato a favor de terceiro, dada a


eficácia translativa da compra e venda (art. 408º), realizada com animus donandi a favor de
terceiro.

c) Benedita pode recusar a entrega, invocando o art. 449º.

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