No dia 1 de fevereiro de 2020, Aloísio vendeu a Belchior o seu
computador, pelo preço de 3.000 €. Ficou convencionado que o preço seria pago em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas (no valor de 250 € cada), com início no dia 10 de fevereiro de 2020. Belinda foi constituída fiadora da obrigação em causa. O computador foi, de imediato, entregue a Belchior.
1) Admita que a 25 de janeiro de 2020, Aloísio tinha dado em comodato o
computador a Diana pelo período de 3 meses. Qual a situação jurídica de Diana após a celebração do contrato de compra e venda? (3 v.) Constituição de um direito pessoal de gozo (contrato de comodato – art. 1129º) anterior a um direito real (contrato de compra e venda – art. 874º)) Prevalência total do direito real; caducidade do comodato; inexistência de norma semelhante à do art. 1057º/1 CC
2) Belchior encarregou Belinda de pagar a segunda prestação junto de
Aloísio. Todavia, Belinda esqueceu-se de proceder ao pagamento. Aloísio, no dia 15 de março de 2020, remete uma carta a Belchior e a Belinda, onde “exige, de ambos, o pagamento imediato das prestações vincendas”. Imagine que, em vez disso, Belchior “declara a resolução do contrato”. Analise, justificando, as duas situações invocadas. (4 v.) Trata-se de uma prestação pecuniária, logo fungível (art. 767/1), pelo que Belinda podia pagar o preço em causa. Há incumprimento temporário de Belchior. Quanto à invocação da perda do benefício do prazo pelo credor, a questão é resolvida negativamente pelo art. 934º: se bem que se trate de uma venda a prestações e a coisa tenha sido entregue, está em causa o não pagamento de uma só prestação que não excede a oitava parte do preço. De todo o modo, a perda do benefício do prazo jamais afetaria a posição do fiador (art. 782º) Em relação à resolução do contrato, o art. 934º não era aplicável (porque não tinha ocorrido a reserva de propriedade), mas já era aplicável o art. 886º, pelo que o negócio não podia ser resolvido.
Admita agora que, aquando da conclusão do contrato, foram apostas as
seguinte cláusulas: - “o vendedor reserva para si a propriedade do computador até integral pagamento do preço”; - “se o comprador faltar ao pagamento de duas prestações sucessivas, o vendedor só pode resolver o contrato se as mesmas globalmente excederem 1/5 do preço; para o efeito, é bastante uma declaração resolutiva dirigida à contraparte, prescindindo as partes da via admonitória”. 3) Belchior não pagou as prestações dos meses de abril e de maio de 2020. O que aconselharia Aloísio a fazer? Explicite, fundamentando a sua resposta legalmente. (8 v.) Estando duas prestações em falta, não se aplica o regime do art. 934º do CC. Aloísio podia invocar o instituto da perda do benefício do prazo, nos termos do art. 781º, o qual não afetava a posição do fiador (art. 782º). Quanto à resolução do contrato, há que apreciar, em primeiro lugar, a cláusula prevista. Há luz do princípio da liberdade de modelação do conteúdo do contrato, o critério acordado (2 prestações que excedam 1/5 do preço, ou seja, 600 €) é perfeitamente é válido, favorece de resto o comprador a prestações reservatário. Quanto ao facto de as partes prescindirem da interpelação admonitória, podendo logo declarar resolvido o contrato, é perfeitamente legítima, desde que o comprador tenha consciência do facto, o que é o caso. De todo o modo, a resolução não é possível. Está em causa a falta de pagamento de duas prestações sucessivas, mas globalmente não excedem a 1/5 do preço.
4) Admita que, a 2 de junho de 2020, o computador foi furtado de casa de
Belchior, na sequência de um assalto. Este alega o facto de o assalto não lhe ser imputável para - baseando-se na figura da exceção de não cumprimento do contrato -, deixar de pagar as prestações seguintes. Terá razão? (5 v.) A venda a prestações com reserva de propriedade e entrega da coisa está sujeita a um regime específico quanto ao risco de perda da coisa. O risco corre por conta do comprador reservatário, pois é ele que detém materialmente a coisa. Os argumentos são falaciosos. Por um lado, o regime aplica-se justamente no caso de o ato não ser imputável ao adquirente a prestações. Por outro lado, a figura da exceção de não cumprimento do contrato pressupõe que não havia prazos diferentes para o cumprimento das obrigações e pressupõe a mora da contraparte. Nenhuma dessas situações se verificava no caso. Belchior está obrigado ao pagamento das prestações.