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1º ano de Direito Introdução ao Estudo do Direito CAD
Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia
para o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria
ligar os estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao preocuparmo-
nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja, no 1º ano,
começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º ano, ano
letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram apenas no fim
do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao longo do tempo
por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível e pedimos
também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja comunicado. Este
projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de Direito na nossa
universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio melhorar. Esperamos
ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de estudantes possíveis, já que
ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para todos nós. Se tiveres interesse
em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram. Somos vários estudantes da
licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com disponibilidade em ser ajudados.
Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por uma comunidade melhor,
saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.
Índice
Tema 1: Ordem Social......................................................................................................1
Tema 2: Ordem jurídica...................................................................................................5
Tema 3: Sistematicidade do Direito...............................................................................38
Tema 4: Orientações metodológicas:............................................................................41
Tema 5: Técnica jurídica................................................................................................43
Tema 6: Aplicação da lei no tempo................................................................................52
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Por isso, tem necessidade de criar instituições que o guiem e ofereçam, nas
relações com os outros, a segurança indispensável à previsibilidade em que assenta
a planificação da vida e o progresso.
Institutos:
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2. Ordens normativas:
Porque o Homem vive necessariamente na companhia de outros homens com os
quais estabelece várias relações, é absolutamente necessário que o seu
comportamento seja disciplinado por normas ou regras de organização e de
conduta.
a) Ordem Religiosa:
As normas religiosas são criadas por um Ser transcendente e ordenam as condutas
dos crentes nas suas relações com Deus. Apresentam características próprias que
as distinguem das demais normas sociais.
Características:
1. Instrumentais: preparam a vida além-terrena.
2. Intra-individuais: destinam-se ao íntimo do homem crente.
3. Sanções de foro espiritual: não são suscetíveis de imposição pelo Estado. Dizem
respeito à crença e à fé numa vida ultraterrena na qual cada homem receberá a
retribuição da sua conduta.
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b) Ordem Moral:
A moral refere-se à interioridade do ser Humano e determina-lhe um especifico
comportamento que visa o aperfeiçoamento da pessoa em função daquilo que se
considera ser o Bem e o Mal. As normas de conduta da ordem moral visam o
indivíduo e não a organização social.
5. Critério da forma ou dos meios: as normas morais são incoercíveis, isto é, o seu
cumprimento só poderá efetuar-se espontaneamente, não há recurso à força. As
normas jurídicas gozam de coercibilidade: há a possibilidade de se recorrer à força
para que sejam observadas.
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Dirigem a maioria dos nossos atos, como a forma de vestir, saudar e responder a
uma saudação, oferecer presentes a certas pessoas em determinadas épocas,
retribuir uma visita, dar os pêsames aos familiares de uma pessoa falecida, etc.
Estas normas revestem-se de duas características:
2. Coativas: impõe-se através da pressão exercida pelo grupo social a que se pertence
e a sua inobservância é punida com diversas sanções (ex: a perda de prestígios e de
dignidade, a marginalização e o afastamento do grupo, etc.).
d) Ordem Jurídica:
A ordem jurídica é constituída pelo conjunto de normas jurídicas que regulam os
aspetos mais relevantes da vida em sociedade. É a ordem regulada pelo Direito e
serve para assegurar a segurança das pessoas.
Características do Direito:
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c) Pode também suceder que o ordenamento jurídico proteja interesses não através
da concessão de direitos, mas restringindo a capacidade dos indivíduos: para
proteger os menores determina-se a sua incapacidade de exercício de direitos.
3. Teoria normativista: foi elaborada com maior rigidez por Kelsen que, procurando
tratar cientificamente o direito, depurou-o dos elementos não estritamente
jurídicos (ex: psicológicos, sociológicos, ideológicos). Considera o Direito uma
técnica peculiar de controlo social em que o único elemento juridicamente
relevante é a forma, a proteção e não a substância, o conteúdo. Numa palavra, a
norma (o dever ser) e não os factos (o ser). Suprime a dualidade direito objetivo –
direito subjetivo, anulando a especificidade deste perante aquele.
Concluindo, uma norma jurídica estabelece um dever e aquilo, a que se chama
direito subjetivo, não é senão um simples reflexo, uma consequência desse dever.
No entanto, também esta teoria suscitou críticas, das quais são de destacar:
a) O facto de ter identificado os direitos objetivo e subjetivo, confundindo norma e
faculdade, ou seja, proteção (judicial) e atuação (dos indivíduos). Ora, há direitos
subjetivos que carecem de proteção; e há caso em que a uma ação judicial pode
não corresponder um direito subjetivo.
b) Há, nesta teoria, uma abdicação valorativa, pois o direito reduz-se a uma simples
técnica de controlo social neutra: os valores, que não foram admitidos pelo direito
positivo, não se questionam e, por isso, não tem sentido falar-se de justiça.
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b) Direito Potestativo:
O Direito potestativo é um direito que se traduz na faculdade ou poder de, por ato
livre de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir
efeitos jurídicos que se impõem à contraparte. Corresponde-lhe a sujeição do
adversário, ou seja, a necessidade de suportar as consequências do exercício de
tais direitos.
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4. Não essenciais: direitos concebíveis sem a pessoa (ex: direitos de crédito, reais e
sucessórios).
5. Pessoais: Direitos que não podem ser reduzidos a um valor pecuniário (ex: direitos
de personalidade).
11. Simples: direitos que se traduzem numa pretensão e numa prestação especifica
(ex: direito de crédito em que o devedor se obriga a restituir determinada quantia
de dinheiro ou uma certa coisa).
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São direitos que os cidadãos podem invocar contra o Estado, exigindo certa
atuação ou impondo limites ao exercício dos seus poderes (ex: direito à segurança
social, direito ao segredo de justiça, direito ao Trabalho, etc.).
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São interesses tutelados pela ordem jurídica a que não correspondem direitos
subjetivos.
Na vida são inúmeros os interesses que a ordem jurídica tutela e em cuja proteção
estamos individualmente interessados, sem que possamos falar de direitos
subjetivos (ex: o interesse do automobilista na boa conservação das estradas).
Direitos reflexos:
São posições jurídicas que nos são tuteladas por efeito de especiais obrigações que
oneram (obrigam) os outros (ex: no direito civil, com a posição dos filhos
(segurança, saúde, sustento) que resulta das obrigações parentais).
Expectativas jurídicas:
São situações em que se encontra uma pessoa que ainda não tem um direito
subjetivo, mas conta razoavelmente vir a ter (ex: a probabilidade de um filho vir a
ser herdeiro legitimário do pai. Enquanto este viver, aquele só tem uma
expectativa e não um direito à herança paterna: ainda não há sequer herança; o
pai pode dispor do seu património e pode suceder que, à sua morte, não deixe
bens. Todavia, a expectativa do filho existe e o direito protege-a).
4. Fins do Direito
4.1. Justiça:
A justiça é um dos fins primordiais do Direito. Consiste na vontade constante e
perpétua de atribuir a cada um o seu direito. Apontam-se-lhe várias características:
a) Impessoalidade: a justiça estabelece um limite e uma medida, diferenciando-
se do amor e da caridade que, sendo o que mais de pessoal há no homem, não
conhecem limites nem medida;
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c) Alteridade: a justiça orienta-se para o social. É uma categoria ética que aspira à
socialização.
2. Participação pessoal na realização dos valores e no domínio dos bens que formam
o património do todo social, de modo a que cada membro da comunidade em
causa possa constituir uma participação pessoal própria.
Modalidades da justiça:
Consoante os sujeitos de relação, distinguem-se as seguintes modalidades de justiça:
a) Comutativa: visa corrigir os desequilíbrios que se verifiquem nas relações
contratuais e nos atos ilícitos. Assegura a equivalência entre prestações ou entre
dano e indemnização, atribuindo a cada um o que é seu. É a justiça das relações de
coordenação e pertence ao direito privado.
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económica e social dos membros da comunidade, para uma sociedade mais justa. É
a justiça própria das relações de subordinação e pertence ao direito público.
Equidade:
É a forma de solução de conflitos jurídicos que assenta na aplicação da justiça
conforme as circunstâncias específicas de cada caso em concreto. Opõe-se à justiça
geral.
Concluindo, a equidade é a justiça do caso concreto ou, uma virtude especial que faz
parte da justiça.
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ao infrator, não pode ser permitido que o mesmo alegue a sua ignorância com a
intenção de fugir à pena que lhe é imposta.
b) O caso julgado: é também uma exigência da segurança, pois seria absurdo que um
litígio se arrastasse para sempre, sem ninguém estar seguro do seu desfecho.
Portanto o caso julgado traduz a impossibilidade de o mesmo conflito voltar a ser
apreciado quer no âmbito do mesmo processo quer noutro processo.
c) A não retroatividade da lei: constitui uma imposição da segurança jurídica que não
tolera que as nossas condições de vida, que o direito reconhece e protege, sejam
destruídas por uma lei que se aplique ao passado.
e) Caducidade: é um instituto por via do qual um direito se extingue pelo facto de ter
decorrido o prazo assinalado na lei ou derivado da vontade das partes.
5.2. Estado:
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Elementos de um Estado:
Na definição de Estado observamos três elementos essenciais: o povo, o território e
poder politico.
1. Povo: Conjunto de cidadãos ou nacionais, ou seja, de pessoas ligadas ao Estado
pelo vínculo jurídico de nacionalidade que lhes reconhece o gozo de direitos
políticos.
b) Espaço aéreo: é toda a extensão aérea existente sobre o solo terrestre e mar
territorial.
c) Espaço marítimo:
Mar territorial: corresponde à faixa de águas marítimas adjacentes à costa
marítima, sendo a sua distância medida a partir da costa até às 12 milhas,
onde os Estados exercem plena jurisdição.
3. Poder político: é a faculdade exercida por um povo de, por autoridade própria,
instituir órgãos que exerçam, com relativa autonomia, a jurisdição sobre um
território, nele criando e executando normas jurídicas.
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Poderes do Estado:
Funções do Estado:
Interessa, conhecer algumas doutrinas que assinalam pontos de vista diferentes acerca
da relação entre o Estado e o Direito. Destacam-se:
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Acontece que, tanto o Estado de Kelsen como o Estado marxista, não refletem a
realidade. O Direito não se confunde com o Estado: cabe-lhe limitá-lo e legitimá-lo,
funções que seria impossível desempenhar se se confundissem. Ao Direito cumpre
realizar a justiça; mas também o Estado, a quem incumbe instituir e garantir a
ordem jurídica, lhe deve obediência. Numa palavra, o Estado só pode ser de
Direito.
6. Fundamento (95)
6.1. O problema:
Jamais o homem deixou de questionar: por que devemos obedecer à lei? Em que
se fundamenta a obrigatoriedade do direito? E este trata-se do problema da
justificação das leis.
Entendido como a justiça do caso concreto que se projeta na ordem social ou, com
um ordenamento de raiz ética que a razão retira de uma ordem objetiva inserida
nas coisas e nos homens, o Direito Natural sempre esteve presente no
pensamento jurídico.
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Críticas:
Hoje, o Direito Natural hibernou semiesquecido por uns e superado ou recusado
pelo diferente pensamento jurídico de outros.
São várias as críticas dirigidas ao Direito Natural, das quais se destacam as seguintes:
Há, também, quem o considere uma pura moral, o reduza a uma metáfora ou a
simples reflexo do direito positivo de uma época; quem o recuse, por apoiar, com
igual eficácia, o absolutismo e a democracia; quem entenda que a ideia de Direito
Natural é multívoca e responde a conceção do mundo de cada pensador.
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Críticas:
Critica-se o positivismo jurídico afirmando que é insustentável: o seu agnosticismo
(não conhecimento) axiológico e a neutralidade cientifica constituem uma
experiência particularmente dolorosa.
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1. Identificação do direito com a lei e esta com o Código Civil. A lei é a expressão da
vontade geral e, como a vontade geral é sempre justa, logo conclui-se que não há
leis injustas.
Criticas:
No positivismo legalista observa-se que a lei perdeu a sua mística santidade e a
infalível injustiça que lhe era pressuposta pelo facto de nascer democraticamente:
é um facto humano que pode, como todos os factos humanos, ser bom ou mau,
justo ou injusto. Ademais, a lei é insuficiente: não pode prever todas as situações
com que a vida nos surpreende. E o juiz não pode ser escravo da lei; deve assumir
uma atitude crítica na procura da solução mais justa.
Positivismo normativista:
Hans Kelsen, criou uma das mais grandiosas e coerentes doutrinas de todos os
tempos em que representa o marco mais importante na história do pensamento
jurídico do século XIX: a teoria pura do direito.
Por isso, Kelsen começou por separar radicalmente a realidade social e histórica (o
mundo do ser) das normas (o mundo do dever-ser). Considera, assim, o direito um
conjunto de normas desligadas da realidade social em que atuam.
A validade de uma norma é conferida por uma norma superior que determina o
seu modo de produção e o órgão competente. Kelsen construiu, portanto, uma
cadeia de validades segundo uma hierarquização de normas em pirâmide, cujo
vértice positivo culmina na Constituição política. Mas em que se funda esta
validade? Numa norma fundamental que manda obedecer à Constituição. Não se
trata, porém, de uma norma real, mas hipotética, pressuposta, que tem por função
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Críticas:
No positivismo normativista observa-se que a inconsideração de juízos de valor
transforma o direito numa peculiar técnica de controlo social suscetível de ser
utilizada para a realização de quaisquer fins por mais iníquos (injustos) que sejam;
e atribui a validade do ordenamento jurídico a uma norma fictícia que manda
obedecer à Constituição.
Ora, nem a validade das normas jurídicas se resolve em meras suposições lógicas,
nem o direito se reduz a uma mera técnica de controlo social indiferente aos fins e
valores a realizar.
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comunitário, urge procurar esses valores no fundo ético da nossa cultura, neste
momento histórico, ou seja, no momento histórico-cultural e comunitário em que
o problema se põe.
7.2. Características:
A norma jurídica apresenta as seguintes características:
a) Hipoteticidade: os efeitos jurídicos, que a norma estatui, só se produzem se se
verificarem as situações ou factos previstos; se não ocorrerem, a norma jurídica
não se aplicará.
b) Generalidade: a norma jurídica aplica-se a uma categoria abstrata de pessoas e
não a uma ou a uma pluralidade de pessoas determinadas no momento da sua
elaboração.
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2. Especiais: consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos mais restritos
de pessoas, coisas ou relações, mas não diretamente oposta ao regime comum das
normas gerais (ex: normas que regulam as relações jurídicas dos comerciantes).
2. Não autónomas: não têm um sentido completo e, para o obterem, remetem para
outra ou outras normas que as complementam. Importa distinguir as normas de:
II. Não modificativa: a norma limita-se a remeter para outra que a completa,
sem modificar o seu alcance.
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3. Leges minus quam perfectae (leis menos que perfeitas): não estabelecem a
invalidade do ato contrário, mas determinam que não produzirá todos os seus
efeitos (ex: no casamento de um menor, com mais de 16 anos de idade, sem a
autorização dos pais ou do tutor: o casamento é válido, mas o menor não deixa de
o ser quanto à administração de bens que leve para o casal ou adquira
posteriormente a título gratuito).
8. Sanção
8.1. Noção:
A sanção pode definir-se como uma consequência, ou efeito, imposto pela ordem
jurídica. No entanto, podem distinguir-se duas aceções:
De realçar ainda que a sanção nem sempre está presente nas normas jurídicas: as
obrigações naturais, porque não são judicialmente exigíveis, não a admitem
8.2. Classificação:
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3. Punitivas: visam impor um castigo ao infrator que violou uma norma jurídica.
Tratam-se de punições particularmente graves que funcionam quando os valores
fundamentais da ordem jurídica são desrespeitados. Implicam a privação de um
bem (a vida, a liberdade, bens patrimoniais) e a reprovação da conduta do infrator.
Estas sanções podem ser:
b) Civis: são estabelecidas pelo Direito Civil em relação a condutas indignas (ex: a
incapacidade sucessória por motivos de indignidade – art.º 2034).
4. Preventivas: visam afastar futuras violações, sujo receio é justificado pela prática
de um determinado ilícito (ex: medidas de segurança, inibição do exercício de
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3. Ineficácia em sentido estrito: ocorre quando o ato que transgrediu a lei não
produz todos ou parte dos seus efeitos.
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Tutela preventiva:
Funciona antes da violação do direito e procura evitá-la, dificultando-a ou
tornando-a inconveniente. Importa destacar:
1. A autoridade pública que fiscaliza, limita e sujeita a autorização prévia de
certas atividades para evitar danos sociais a que podiam conduzir.
Tutela repressiva:
A tutela repressiva funciona depois de consumada a violação do direito e consiste
na reação traduzida na aplicação de uma sanção, ou seja, na aplicação de
determinados efeitos jurídicos desfavoráveis ao infrator. Relaciona-se com a
coercibilidade que, por sua vez, se traduz na suscetibilidade de aplicação de
sanções com recurso à força.
O aparelho estadual
Os tribunais:
Função e princípios estruturantes:
A tutela pública realiza-se, principalmente, através da intervenção dos tribunais. Os
tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo. Pertence-lhes, portanto, o exercício da função jurisdicional do
Estado, que se traduz na aplicação da Constituição e das outras normas jurídicas,
para resolverem os conflitos, não só entre interesses privados, mas, também, entre
interesses privados e públicos. Os tribunais estruturam-se segundo os seguintes
princípios:
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Organização judicial:
Além do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, existem,
fundamentalmente, duas categorias de tribunais estaduais: os tribunais judiciais e
os tribunais administrativos e fiscais.
Administração Pública:
A administração pública é um conceito da área do direito que descreve o conjunto
de funcionários, serviços e órgãos instituídos pelo Estado, com o objetivo de fazer a
gestão de certas áreas de uma sociedade, como a Educação, a Saúde, a Cultura,
etc. O seu principal objetivo consiste em trabalhar a favor do interesse público, e
dos direitos e interesses dos cidadãos que administra.
Garantias administrativas:
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Tutela jurisdicional
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Ministério Público:
O Ministério Público é um órgão constitucional da administração da justiça. Goza
de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, mas
não é um órgão de soberania, nem se confunde com os órgãos do poder judicial,
porque não tem competência para praticar atos materialmente jurisdicionais.
Dispõe de estatuto próprio e é constituído por um corpo de magistrados
responsáveis e hierarquicamente subordinados. Compete ao Ministério Público:
representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os incapazes e os
incertos; exercer a ação penal; defender a legalidade e a constitucionalidade.
Jurisdição e administração:
É necessário distinguir a Jurisdição da Administração. A Jurisdição traduz-se na
apreciação e decisão de uma situação jurídica concreta, a cargo de órgãos do
Estado independentes e imparciais, nos termos de um processo organizado e
disciplinado pela lei. Pelo contrário, enquanto que a Administração é
desempenhada por órgãos que são parte nas suas decisões.
c) Legitima defesa: é o ato que afasta uma agressão atual ou iminente ilícita
contra a pessoa ou o património do agente ou de terceiro, quando não for
possível recorrer à autoridade pública e, o prejuízo causado não exceder o que
puder resultar da agressão (art.º 337).
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1. A lei:
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Classificação:
Atendendo à solenidade, as leis podem classificar-se em:
a) Solenes – Revestem determinada forma prevista da Constituição da República
Portuguesa. São:
1. Leis constitucionais;
2. Leis ordinárias: leis e decretos-leis;
3. Decretos legislativos regionais.
Hierarquia:
A necessidade de algumas leis se ocuparem dos aspetos gerais e outras dos
pormenores e da possibilidade de surgirem conflitos entre as leis justificam que
estas sejam dispostas num sistema piramidal hierarquizado que tem, no seu
vértice, a lei mais importante e, nos escalões sucessivamente inferiores, as leis
cada vez menos importantes.
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Resolução de conflitos:
Pode suceder que das leis se retirem normas jurídicas conflituantes. Neste caso,
importará recorrer aos critérios da:
1. Superioridade: aplica-se a lei superior.
2. Posterioridade: aplica-se a lei mais recente.
3. Especialidade: aplica-se a lei especial que prevalece sobre a lei geral, salvo se
outra for a intenção inequívoca do legislador.
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c) Ineficaz: a lei sofre de um vício que a impede de produzir os seus efeitos (ex: a não
publicação no Diário da República).
Aspeto dinâmico:
Publicação:
Para concluir o processo legislativo a lei deve ser publicada porque, para poder
orientar as nossas condutas, é necessário que seja conhecida.
Vacatio legis:
A vacatio legis é o tempo que decorre entre a publicação e a entrada em vigor da
lei, considerado necessário para que a lei possa ser conhecida.
Retificações:
Pode suceder que, por virtude de falhas técnicas na revisão das provas tipográficas
e de anomalias do processo legislativo, o texto publicado no Diário da República
divirja do texto real. Importa, por isso, fazer as necessárias retificações.
Cessação da vigência:
Segundo o nosso Código Civil, a vigência de uma lei pode cessar por:
1) Caducidade: a lei deixa de vigorar quando ocorre um facto que ela própria
prevê ou desaparece a realidade que disciplinava.
2) Revogação: a lei cessa a sua vigência por efeito de uma lei posterior de valor
hierárquico igual ou superior. Pode ser:
a) Expressa: a nova lei declara que revoga a lei anterior.
b) Tácita: resulta de uma incompatibilidade entre as leis nova e antiga.
c) Global: a lei nova regula completamente um instituto jurídico ou um ramo do
direito e, por isso, ficam revogados os respetivos preceitos da lei anterior.
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d) Individualizada: a lei nova revoga a lei anterior ou uma ou algumas das suas
normas.
e) Total: a lei anterior cessa totalmente a sua vigência.
f) Parcial: só uma parte da lei deixa de vigorar.
2. Normas corporativas:
O nosso Código Civil considera as normas corporativas fontes imediatas do direito
e, podemos defini-las, como as regras ditadas pelos organismos representativos
das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no
domínio das suas atribuições, bem como os respetivos estatutos e regulamentos
internos. Tais normas constituem leis em sentido material, disciplinam
determinados setores da vida social, são ditadas por entidades competentes e
devem obedecer às formas estabelecidas para a criação normativa.
3. Jurisprudência:
Entende-se por jurisprudência o conjunto das decisões em que se exprime a
orientação seguida pelos tribunais, ao julgarem os casos em concreto que lhes são
submetidos. Embora não seja fonte do direito, a jurisprudência não deixa de ter
um contributo importante quer na formação do ambiente necessário à elaboração
das leis, quer na criação do direito.
4. Doutrina:
A doutrina são as opiniões ou decisões dos jurisconsultos acerca de uma questão
do direito, expostas em tratados, manuais, monografias, etc.
Entre nós, a doutrina foi também uma importante fonte do direito que lhe deve a
modernização por que sucessivamente passou. No entanto, a lei da boa razão
afastou das fontes do Direito a opinião comum dos doutores.
Assim, desapareceu a doutrina como fonte do nosso direito, mas o seu elevado
valor continua irrecusável. Na verdade, sendo a doutrina o estudo científico do
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Relação costume-lei:
Embora a lei seja atualmente a fonte do direito predominante, não está acima do
costume: a sua juridicidade radica nos mesmos valores e princípios normativos da
consciência jurídica geral de uma comunidade. Por isso, na sua relação com a lei o
costume pode ser:
1. Secundum legem (de acordo com a lei): quando o costume coincide com a lei,
nada lhe acrescentando, mas antes a confirmando.
2. Praeter legem (além da lei): o costume vai além da lei, num claro alargamento
da juridicidade, disciplinando matérias que a lei não previu.
3. Contra legem (contra a lei): o costume opõe-se à lei, ao produzir normas que
são antinómicas ao que esta dispõe.
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10.5. O uso:
O uso é uma prática mais ou menos constante e reiterada, mas desacompanhada
do sentimento ou convicção da sua obrigatoriedade jurídica: há um corpus, mas
falta o animus para ser costume, e, portanto, fonte antónoma do direito.
A lei reconhece aos usos, que não sejam contrários aos princípios da boa fé, o
caráter de fonte mediata do direito. Apesar de em muitos casos minimizar o
contributo dos usos para as mais diversas esferas politicas, existem, no nosso
ordenamento jurídico, referencias pontuais em que a lei recorre aos usos, como
por exemplo: valor do silêncio como declaração negocial.
Quanto ao Código Civil, este admite, igualmente, vários desses princípios como a
não retroatividade da lei, a liberdade contratual, a responsabilidade civil por culpa,
etc. Questionar-se-á o lugar que ocupam os princípios fundamentais do direito no
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quadro das fontes de direito e a resposta poderá passar pela supremacia que
exercem sobre a constituição sendo que esta não os pode recusar.
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Direito público:
1. Direito Internacional Público:
2. Direito Constitucional:
O Direito Constitucional ocupa-se da organização e do funcionamento do Estado e
dos entes públicos menores e, dos direitos e deveres fundamentais das pessoas.
Constitui a pedra angular do ordenamento jurídico, quer porque estrutura os
órgãos do poder, quer porque estabelece as esferas de ação do poder público e
dos cidadãos.
3. Direito Administrativo:
O Direito Administrativo é o sistema de normas jurídicas que regulam a
organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações
por ela estabelecidas com outros sujeitos de direito no exercício da atividade
administrativa de gestão pública.
4. Direito Penal:
O Direito penal é um conjunto de normas jurídicas que definem os crimes e
estabelecem as correspondentes penas e medidas de segurança.
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1º ano de Direito Introdução ao Estudo do Direito CAD
5. Direito Processual:
O Direito Processual é o complexo das normas que disciplinam a atividade de
quem participa na realização jurisdicional de direitos ou interesses juridicamente
tutelados.
Merecem destaque dois setores pela sua particular importância:
1. Direito Processual Civil: disciplina a atividade nos tribunais com vista à realização
de direitos privados que não lhe foram subtraídos; por isso, constitui o processo
comum.
Direito Privado:
O Direito Privado é constituído por normas que disciplinam as relações jurídicas
quer entre simples particulares quer entre estes e o Estado.
1. Direito Civil:
O Direito Civil pode definir-se como um conjunto de normas jurídicas que
disciplinam as relações em que se destacam os aspetos espiritual e afetivo do
homem (personalidade, família e a sucessão na sua esfera jurídica) e o património
normal (direitos de crédito e das coisas).
2. Direito Comercial:
O Direito Comercial é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam os atos de
comércio quer objetiva, quer subjetivamente, considerados. Os primeiros estão
especialmente previstos na lei comercial; os outros são, na terminologia do nosso
Código Comercial, os contratos e as obrigações dos comerciantes, que não forem
de natureza exclusivamente civil.
3. Direito do Trabalho:
O Direito do Trabalho é um conjunto de normas que disciplinam as relações
jurídicas privadas de trabalho livre, remunerado e subordinado.
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Ações fictícias: para permitir que o direito civil (ius civile) se aplicasse também a
estrangeiros, fingiam que estes eram cidadãos romanos.
Ações ad exemplum: estendiam, por analogia, uma ação civil a casos não previstos.
Ações in factum: são ações que permitiam integrar as lacunas do ius civile quando
fosse impossível recorrer à analogia.
Merece ainda referência o recurso à boa fé, que se impôs no mundo inteiro,
sobretudo nos contratos; officium que nos ensina a ser úteis: tutela, poder
paternal, mandato, gestão de negócios; equidade; amizade; humanidade e outros
valores que assinalam a humanização do direito romano e o cristianismo viria a
adotar.
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Nos finais do século XI, o Direito Romano e a ciência jurídica renascem em Bolonha.
Explicam este renascimento fatores de natureza política, religiosa, económica e
cultural.
Esta Escola parte de uma nova antropologia que vê no homem uma obra divina,
mas um ser natural; e, em consequência, o novo pensamento liberta-se da
Teologia e defende a autonomia científica do Direito Natural como ciência dos
princípios supremos da convivência social.
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15.2. Modalidades:
Interpretação autêntica:
A interpretação autêntica provém de uma “fonte” não hierarquicamente inferior à
que se interpreta. Ocorre através de uma lei (dita interpretativa) que se integra na
lei interpretada. Trata-se, portanto, da explicitação legislativa de uma lei duvidosa,
carecida de esclarecimento, que tem força vinculativa.
Interpretação doutrinal:
A interpretação doutrinal é a interpretação feita por qualquer pessoa seja ou não
jurisconsulto, juiz, jurista ou executor de um ato administrativo, em obediência aos
cânones de uma metodologia correta.
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15.3. Objetivo:
Teoria subjetivista:
A teoria subjetivista, denominada tradicional ou clássica, foi elaborada no início do
século XIX e é representada pela Escola Alemã.
Teoria objetivista:
A teoria objetivista, que se considera uma posição moderna e hoje dominante, foi
exposta por autores que se destacaram na ciência jurídica alemã.
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Em abono desta teoria sustenta-se, ainda, que à lei é atribuído um conteúdo mais
amplo, rico e fecundo que permite a sua mais fácil adaptação às exigências da
justiça e às necessidades da prática; e que melhor concilia a certeza e a retidão do
direito.
Elemento literal:
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1. Negativa (ou de exclusão): afasta a interpretação que não tenha uma base de
apoio na letra da lei;
Elementos lógicos:
a) Elemento histórico:
Este elemento atende à génese da lei e é constituído por:
1. Trabalhos preparatórios: são os projetos que registam as discussões nas comissões
e nas sessões parlamentares, etc. São importantes para determinar o sentido das
leis e a vontade do legislador.
b) Elemento sistemático:
Na base deste elemento está a ideia de que a ordem jurídica tem unidade e
coerência jurídico-sistemática, pelo que a compreensão de uma norma requer o
conhecimento das normas afins ou paralelas. Com efeito, as normas jurídicas
relacionam-se por:
1. Subordinação: é a relação entre uma norma e os princípios gerais do sistema
jurídico.
Este elemento constitui o fim ou objetivo prático que a lei se propõe atingir. Revela
a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina
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Interpretação declarativa:
É a interpretação em que o sentido ou “espírito” da lei, determinado pelos
elementos lógicos, coincide perfeitamente com o significado das suas palavras.
Ocorre, quando o significado literal é indeterminado ou ambíguo e o intérprete se
limita a clarificar e a fixar um.
Interpretação extensiva:
Esta interpretação verifica-se quando o intérprete, observando uma desarmonia
entre o significado literal e o espírito da lei, corrige aquele para, deste modo,
obedecer à mente e à vontade da lei. A prevalência desta justifica-se por serem as
palavras um meio de a exprimir e poderem atraiçoá-la: o legislador disse menos do
que queria e, por isso, o sentido literal é estendido até coincidir com o espírito da
lei.
Interpretação restritiva:
A interpretação restritiva cumpre a função oposta à da interpretação extensiva:
perante um sentido literal que, sendo demasiado amplo, não corresponde ao
espírito da lei fornecido pelos elementos lógicos, o intérprete restringe, encurta o
significado das palavras da lei para colocar a expressão em harmonia com o seu
espírito. O legislador foi traído pelas palavras e disse mais do que quis dizer.
Interpretação ab-rogante:
É a interpretação em que, concluindo haver uma contradição irremediável entre o
significado literal e o espírito da lei, o intérprete limita-se a reconhecer que a
“fonte” jurídica não apresenta nenhuma norma jurídica. Não se trata da revogação
da lei porque nada mais existe do que uma simples aparência da lei: as suas
palavras repugnam ao seu espírito e, por isso, concluindo que a lei é produto de
um equívoco do legislador, o intérprete considera-a inexistente. As contradições,
que justificam esta interpretação, podem ser lógicas e valorativas: lógica – há uma
impossibilidade prática em obter uma solução; valorativa – as valorações
subjacentes às disposições a interpretar são incompatíveis entre si.
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Interpretação enunciativa:
É a interpretação já não de uma “fonte” do direito, mas de uma norma jurídica e
traduz-se no desenvolvimento ou exploração das suas virtualidades através do
raciocínio e da intuição.
Esta interpretação pode conduzir-nos aos seguintes resultados:
1. A lei que permite o mais também permite o menos;
2. A lei que proíbe o menos também proíbe o mais;
3. A lei que disciplina um caso excecional pressupõe uma disposição contrária para os
casos não excecionais ou comuns.
16.Integração:
16.1. Lacuna:
Noção:
Entende-se por lacuna a ausência de uma norma jurídica que permita resolver uma
situação da vida social que reclama uma solução jurídica.
Espécies:
As lacunas, que o ordenamento jurídico pode apresentar, compreendem várias
espécies.
Segundo uma perspetiva, há lacunas:
1. Voluntárias: a inexistência de disciplina jurídica é querida pelo legislador.
2. Involuntárias: o legislador não previu o caso que reclama solução jurídica e, por
isso, não elaborou a correspondente lei.
Noutra perspetiva, a lacuna pode ser:
1. Da lei: ocorre no âmbito do direito legislado.
a) Manifestas: a lei não contém nenhuma norma jurídica, embora, a devesse ter;
b) Ocultas: a lei contém uma norma jurídica aplicável a uma certa categoria de
casos, mas não considerou situações especiais que constituem uma
subcategoria, a que não deve aplicar-se.
c) De colisão: surge, quando várias normas jurídicas contraditórias disciplinam
uma determinada situação e, na falta de um critério que afaste o conflito,
nenhuma se aplica.
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Espécies:
Dentro da analogia, distinguem-se tradicionalmente a:
1. Analogia legis: é a operação mental que, partindo de uma norma jurídica concreta,
purifica a sua ideia fundamental através da eliminação dos elementos não
essenciais e, depois, aplica-a aos casos lacunosos, aos quais só se distinguem da
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situação prevista naquela norma em pontos secundários e, por isso, não afastam
intrinsecamente a essência da norma.
Limites:
O recurso à analogia está proibido em determinadas matérias:
1. Nas normas penais positivas. São as regras incriminatórias, onde o princípio “não
há crime sem lei, não há punição sem lei”, implica a proibição de fundar a
condenação e a punição numa lei que apenas mediatamente seja aplicável.
Discricionários:
Segundo este sistema, a integração das lacunas ocorreria quando se atribui a uma
entidade administrativa o poder de resolver, com base em razões de oportunidade
ou conveniência, determinadas situações. Porém, apenas se oferece uma solução
em concreto e não disposições genéricas (normas jurídicas); por isso, esgotando-se
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Equitativos:
Além de outras funções, a equidade desempenharia, segundo o entendimento
tradicional, uma função integradora: a de ponderar as circunstâncias do caso
(lacunoso) que reclama uma solução jurídica.
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1º ano de Direito Introdução ao Estudo do Direito CAD
Esta interpretação ocorre quando a norma jurídica abrange outras hipóteses que o
espírito da lei não comporta. O intérprete verifica que as circunstâncias
determinantes da formulação da lei se alteraram e, por isso, corrige o texto da lei
para realizar a sua intenção prática, considerando que o legislador não teria
querido a norma se tivesse previsto esse resultado.
Extensão teleológica:
A extensão teleológica ocorre quando o teor liberal da lei é demasiado restrito e,
com fundamento na sua inerente teleologia, alarga-se o seu campo de aplicação a
casos literalmente não abrangidos.
Redução teleológica:
Esta redução verifica-se quando o âmbito de aplicação de uma norma se reduz
mais do que o limite resultante do sentido literal. Os casos abrangidos pela sua
letra são excluídos do seu campo de aplicação com fundamento na teleologia
inerente a essa norma e no princípio de justiça de tratar desigualmente o desigual.
Em causa estão situações que, tendo a sua origem no passado, prolongam os seus
efeitos no futuro e a entrada em vigor de uma lei nova deve respeitar essa
continuidade. Trata-se de um problema delicado que adquire maior importância
prática em virtude das alterações legislativas cada vez mais frequentes.
17.2. A solução:
O direito transitório:
O direito transitório é a disciplina que a própria lei nova oferece para a resolução
do seu conflito com a lei antiga.
Pode ter caráter:
1. Formal: limita-se a determinar a lei que se aplica (ex: as atribuições do
testamenteiro são as que lhe foram fixadas pela lei vigente à data da feitura do
testamento, ou seja, a lei antiga);
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17.4. Fundamentação:
A doutrina dos direitos adquiridos:
Segundo esta doutrina, que se considera clássica, os direitos adquiridos à sombra
de uma lei devem ser respeitados pelas leis posteriores.
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A lei nova deve respeitar os direitos adquiridos, mas não as faculdades legais e as
simples expectativas.
Porém, logo se criticou esta doutrina: primeiro, porque o direito não deriva do seu
exercício; depois, porque nem sempre é fácil distinguir um direito subjetivo e uma
expectativa; finalmente, porque nem todos os direitos permanecem
indefinidamente sujeitos à disciplina do direito vigente quando se constituíram.
Aos efeitos jurídicos já consumados sob o império da lei antiga (facta praeterita),
aos ainda pendentes quando a lei nova surge (facta pendentia) e mesmo aos que
ainda não se produziram, a todos se aplica a lei antiga: a lei em vigor quando
ocorreu o facto que os produziu.
A crítica a esta doutrina destaca que os efeitos jurídicos são consequência imediata
dos factos jurídicos e, portanto, existem desde a sua ocorrência, mesmo que
dependam também de factos novos; por isso, se a lei nova modificar ou destruir o
que já existia, será necessariamente retroativa.
A crítica destaca que as situações jurídicas subjetivas nem sempre resultam apenas
da vontade dos interessados. Também a liberdade de estipulação nem sempre
existe e não seria razoável aplicar-se a lei nova a estas situações jurídicas
subjetivas. E há situações objetivas (que não dependem da vontade de ninguém) a
que seria injusto aplicar a lei nova.
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Consagração constitucional:
Consagrado na Carta Constitucional de 1826, o princípio da não retroatividade da
lei não assume, nas modernas constituições, uma dimensão constitucional.
Em certas áreas é expressamente proibido. Entre nós, refere-se:
1. O Direito Penal positivo: é proibida a aplicação retroativa da lei penal que crie
novos crimes ou medidas de segurança ou agrave as penas ou medidas de
segurança anteriores;
2. O Direito Fiscal: é proibida a aplicação retroativa da lei que crie impostos;
3. O caso julgado: a lei nova não deve aplicar-se retroativamente, atacando uma
decisão judicial definitivamente fixada em sentença que transitou em julgado.
4. Leis restritivas, liberdade e garantias: não podem ter efeito retroativo.
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17.7. Prazos:
O decurso de um prazo pode ter o valor de facto constitutivo ou extintivo de um
direito e pode suceder que uma lei nova altere, aumentando ou diminuindo, um
prazo que, estando em curso, ainda não permitiu que o direito se constituísse ou
extinguisse. Por isso, é necessário saber qual das leis se aplica: a lei antiga ou a lei
nova.
O nosso Código Civil disciplina esta matéria no art.º 297, distinguindo:
1. Se a lei nova estabelecer um prazo mais curto, aplicar-se-á também aos prazos
ainda em curso, mas o tempo só se conta a partir da sua entrada em vigor. Todavia,
se faltar menos tempo para o prazo se completar segundo a lei antiga, aplicar-se-á
esta;
2. Se a lei nova fixar um prazo mais longo, aplicar-se-á igualmente aos prazos em
curso, mas contar-se-á o tempo decorrido antes.
Há, no entanto, prazos a que este regime não se aplica: são os prazos não
constitutivos, modificativos ou extintivos de relações jurídicas (ex: o período legal
de conceção e gestação e o prazo internupcial. Nestes casos, o tempo decorrido
não interessa: só o nascimento e a celebração do novo casamento são factos
constitutivos de situações jurídicas. Por isso, se a lei nova encurtar o prazo
internupcial, aplicar-se-á imediatamente sem a acomodação exigida: o tempo
decorrido será computado no novo prazo).
2. Estatuto real: quanto à aquisição de um direito real, aplica-se a lei vigente nesse
momento: a lei antiga. Porém, se a lei nova alterar o conteúdo desse direito, será
de aplicação imediata;
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decidem contratar e seria uma violência aplicar a lei nova que altere o equilíbrio
que arquitetaram. Todavia, o legislador deve atuar com sacrifício da autonomia da
vontade dos indivíduos quando se impõe a necessidade de proteger a parte mais
fraca. Por isso, a aplicação imediata da lei nova deve ter sida em consideração se o
interesse social determinar a tutela das categorias sociais mais fracas;
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AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges
David Silva
Eduardo Leão
Érica Araújo
Gabriel Pinho
Manuela
Marlene Ferreira
Matilde Campos
Miguel Ledo
Pedro Gomes
Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.
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