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Direito Comercial de Empresa

Direito Comercial de Empresa

Regente: Professor Luís Miguel Pestana de Vasconcelos


Autoria: Francisco Lemos de Almeida – 21536917

Este resumo – não passa precisamente disso – e, portanto, não dispensa a leitura da
bibliografia que abaixo indicarei e que fora recomendada pelo regente desta unidade
curricular. Assim, com o intuito de ajudar os demais estudantes, segue-se este
documento que poderá servir de auxílio ao vosso estudo.

O presente documento poderá conter erros ou imprecisões e, por isso, não me


responsabilizo por estes, sendo que, como referi, este deverá servir como complemento
ao estudo e nunca como base - base essa que deverá ser a leitura das obras
recomendadas.

Bibliografia:

- Direito Comercial, 4ª Edição, António de Menezes Cordeiro

- Direito Bancário, 2ª Edição, L. Miguel Pestana de Vasconcelos

Universidade Lusíada Norte – Porto


3º Ano – 1º Semestre

1
Direito Comercial de Empresa

Capítulo I – Dos Atos de Comércio

Numa primeira abordagem a esta nova unidade curricular, importa, desde logo, dar
notícia do seu objeto: os atos de comércio. Assim, dispõe o artigo 2º do Código
Comercial que serão atos comerciais todos aqueles que se acharem especialmente
regulados neste Código e. além destes, todos os contratos e obrigações dos comerciantes
que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não
resultar.
Da referida noção não podemos extrair um conceito unitário e homogéneo de atos de
comércio, pelo que a doutrina costuma recorrer a três critérios: finalidade especulativa1
– é comercial o ato praticado com escopo especulativo2; interposição nas trocas ou na
circulação das riquezas; e a existência de uma empresa – são comerciais os atos
praticados por uma empresa3.
Ainda assim, e não obstante os esforços feitos nesse sentido, nenhum destes três
critérios consegue fornecer um conceito unitário de atos de comércio.
Na verdade, os atos comerciais são, sobretudo, contratos4 e factos jurídicos ilícitos
(artigos 665º e seguintes do Cód.Com.).
Os atos comerciais podem ser entendidos em sentido objetivo – e, aqui, atendendo ao
disposto no nº1 do artigo 2º do Código Comercial, são comerciais os atos especialmente
previstos neste Código5. Neste sentido, é importante referir que o nosso Código
Comercial já data de 1888, pelo que é normal que nele não estejam previstos todos os
atos de comércio que hoje conhecemos, encontrando-se muitos deles regulados fora
deste – em legislação avulsa, no Código das Sociedades Comerciais (CSC), por exemplo;
é o caso dos negócios respeitantes às letras, livranças e cheques, operações de bolsa,
etc. Conforme estudaremos, são objetivamente mercantis o trespasse e o contrato de
locação de estabelecimento6.
Assim, para que os atos sejam considerados (objetivamente) mercantis não é
necessário que estejam previstos no Código Comercial – exemplo disso é o contrato de
agência, a mobilização financeira e a mediação imobiliária, etc.; outros estão, até,
previstos no Código Civil – falamos do penhor, do mútuo, da compra e venda.
Quanto às novas matérias, de modo a que possamos aferir se se situam ou não no
âmbito comercial, é necessário avaliar os interesses em causa, salvo quando a própria
lei nos diz qual a lei a aplicar. Ademais, neste contexto, é ainda possível entender um

1
Nem sempre tal sucede – cf. Artigo 404º Cód.Com.
2
A agricultura não é qualificada como mercantil.
3
Os atos esporádicos ou ocasionais prescindem da existência de uma empresa.
4
Existem igualmente negócios jurídicos unilaterais, como é o caso dos negócios cambiários e os
constituintes de sociedades comerciais unipessoais; e simples atos jurídicos como, por exemplo, as
interpelações e avisos efetuados por sociedades mercantis a sócios remissos.
5
Falamos, por exemplo, da fiança (artigo 101º), das empresas (artigo 230º), do mandato (artigos 231º e
seguintes), conta corrente (artigos 344º e seguintes), empréstimo (394º e seguintes), depósito (artigo
403º e seguintes), etc.
6
Vide infra.

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Direito Comercial de Empresa

ato como objetivamente comercial através do recurso a analogia – é exemplo disso o


leasing7 (cf. Artigo 481º Cód.Com.).
Neste âmbito, podemos, ainda, entender os atos comerciais em sentido subjetivo –
falamos em atos subjetivamente comerciais. Estes encontram-se previstos na 2ª parte
do artigo 2º do Código Comercial: todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que
não forem de natureza exclusivamente civil8, se o contrário do próprio ato não resultar9.
Referimo-nos, neste seio, aos atos praticados por comerciantes (para efeitos do artigo
13º do Cód.Com.) e que não estão previstos na lei comercial ou civil.
Do que aqui se trata não é de uma presunção da comerciabilidade dos atos, uma vez
que para que possam ser classificados como comerciais, é necessário que satisfaçam
três requisitos: serem praticados por comerciantes; não serem de natureza
exclusivamente civil; e deles não resultar uma desconexão com o comércio.

Posto isto, vislumbra-se analisada e debatida a distinção entre atos objetivamente e


subjetivamente comerciais, pelo que daremos conta – de forma sumária – de outras
distinções/classificações:
1) Atos de comércio autónomos – são os atos qualificados de mercantis por si
mesmos, independentemente da sua ligação a outros atos ou atividades comerciais;
Atos de comércio acessórios – são os que devem a sua comercialidade ao facto de
se ligarem ou conexionarem a atos mercantis10.
2) Atos formalmente comerciais – são os esquemas negociais utilizáveis quer para a
realização de operações mercantis, quer para a realização de operações económicas
que não sejam atos de comércio nem se inserem na atividade comercial – falamos
dos negócios cambiários (o seu âmbito até pode não ser comercial, mas por estar
previsto na lei mercantil, adquire essa natureza);
Atos substancialmente comerciais – são, pela sua natureza, comerciais.
3) Atos bilateralmente comerciais – são atos cuja comecialidade se verifica em
relação a ambas as partes;
Atos unilateralmente comerciais – são atos cuja comercialidade se verifica em
relação a uma das partes. O artigo 99º Cód.Com. manda aplicar a lei comercial a
todos os contraentes; no entanto, esta regra conhece algumas exceções: não se
poderá aplicar o regime da solidariedade, característico do âmbito comercial, à
parte em relação à qual o ato não toma caráter mercantil (artigo 100º Cód.Com.).

7
Que analisarmos infra, em capítulo próprio.
8
Os que, pela sua natureza, não são conexionáveis com o exercício do comércio – o casamento, por
exemplo (os que, em geral, têm uma natureza extrapatrimonial).
9
Tome-se em consideração o seguinte exemplo: António compra um aspirador e diz que é para aspirar a
casa.
Ou se, porventura, face às circunstâncias se possa excluir a natureza comercial.
10
Exemplos: a fiança, o mandato, o empréstimo, o penhor, entre outros.

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Direito Comercial de Empresa

Capítulo II – Dos Comerciantes

Dita o artigo 7º do Cód.Com. que os sujeitos com capacidade civil de exercício 11


possuem igualmente capacidade comercial (de exercício), podendo praticar atos
de comércio, salvo as restrições previstas na lei.
Assim sendo, nesse contexto, cumpre aferir quem é (ou não é) comerciante, já
que os atos praticados por estes são considerados subjetivamente comerciais12,
nos termos do artigo 2º, 2ª parte do Cód.Com. Atendendo ao disposto no artigo
13º são comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar atos de
comércio, fazem deste profissão. Esta capacidade é igualmente reconhecida às
sociedades comerciantes (cf. Artigo 1º CSC).
Esta regra tem, no entanto, de ser entendida com algumas restrições. Na verdade,
carecendo os maiores acompanhados e os menores, de capacidade de exercício de
direitos, estes não poderão praticar atos de comércio de per si. Todavia, o artigo
1889º, nº1 do Código Civil concede aos pais, enquanto representantes do filho e
mediante autorização do Ministério Público, a possibilidade de “adquirir
estabelecimento comercial ou industrial…” e, por isso, ainda que não possuam
capacidade de exercício de direitos, quando representados pelos pais ou pelos
representantes legais, os incapazes devem ser considerados comerciantes.
Acresce a isto que para serem consideradas comerciantes, as pessoas têm de
exercer uma atividade comercial ou praticar atos de comércio com
profissionalidade, isto é, de forma habitual ou sistemática (fazem deste profissão).

Ora, posto isto, cumpre fazer uma referência ao regime da responsabilidade por
dívidas comerciais contraídas pelo cônjuge comerciante.
Assim: são da responsabilidade de ambos os cônjuges – quando casados sob o
regime de comunhão de adquiridos ou da comunhão geral de bens – as dívidas
contraídas por qualquer um deles no exercício do comércio, salvo se se provar que
não foram contraídas no proveito comum do casal (artigo 1691º, nº1, alínea d) do
cc), respondendo, assim, por elas os bens comuns do casal e, solidariamente, os
bens próprios de qualquer dos cônjuges (artigo 1695º, nº1 cc).
Esta solução visa fomentar e tutelar o comércio. Na verdade, respondendo pelas
dívidas o património de ambos os cônjuges e de cada um deles, facilitada fica a
obtenção de créditos pelos que exercem o comércio. Por outro lado, tratando-se
de uma presunção iuris tantum (a contida no referido artigo 1691º, nº1, alínea d)
do cc), pode o outro cônjuge provar que a dívida não foi contraída no proveito
comum do casal ou, outrossim, que não foi contraída no exercício do comércio do
cônjuge comerciante.

11
Cf. Artigo 130º do Código Civil.
12
Como vimos supra.

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Direito Comercial de Empresa

Por sua vez, para os credores beneficiarem do regime disposto no artigo 1691º,
nº1, alínea d) do cc, precisam de provar que o sujeito contraente é comerciante e
que as dívidas são comerciais – e, portanto, resultante de atos de comércio
objetivos ou subjetivos.

Quanto ao regime da fiança (artigo 101º Cód.Com.), ao contrário do que sucede


na fiança civil, no âmbito comercial não é concebido ao fiador o benefício da
excussão prévia, respondendo pela dívida o fiador e o afiançado solidariamente.

Capítulo III – Dos Negócios sobre as Empresas

Conceito de Empresa: é uma unidade produtiva resultante da agregação de um


conjunto variado de fatores de produção (corpóreas e incorpóreas) tendentes ao
desenvolvimento de uma atividade económica, tendencialmente com uma
propensão lucrativa.
A unidade produtiva terá sempre uma natureza estável e revelará
necessariamente a capacidade de ser conciliada com uma realidade una e
autónoma suscetível de constituir objeto de vários negócios jurídicos.
A empresa traduz, portanto, o exemplo típico de uma universalidade de Direito.
O valor da empresa é algo que vai para além do valor individualizado dos diversos
elementos que a compõem. Fala-se, neste contexto, dos chamados valores de
organização e dos chamados valores de exploração.
No momento da constituição da empresa, o valor agregado é, sobretudo, o
resultante dos valores de organização, sendo que esses valores se encontram
reunidos quando o estabelecimento se encontra completamente constituído (na
linguagem tradicional, quando se encontra aviada13, isto é, pronta para concorrer
no mercado).
À medida que a empresa vai desenvolvendo a sua atividade, será natural que os
valores de exploração associados à clientela14 – que vai sendo progressivamente
cativada – aumentem, ganhando, assim, preponderância em relação aos valores
de organização.

Subseçção I – Dos Negócios sobre os Estabelecimentos Comerciais

Estabelecimento comercial (em sentido objetivo) é o conjunto de elementos


reunidos e organizados pelo empresário para, através dele, exercer a sua atividade
comercial, de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços.

13
O aviamento é a capacidade lucrativa da empresa, a aptidão para gerar lucros resultantes do conjunto
de fatores nela reunidos (deve considerar-se uma qualidade do estabelecimento).
14
Entende Pupo Correia que o ordenamento jurídico português consagra um direito à clientela: à
clientela certa – que resulta das relações contratuais com certa estabilidade; à clientela virtual –
correspondente às expetativas ou possibilidade de que novos clientes se dirijam à empresa (esta
doutrina refletir-se-á ao nível do contrato de trespasse e de locação de estabelecimento –
nomeadamente no que tange à obrigação (implícita) de não concorrência).

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Direito Comercial de Empresa

O estabelecimento pressupõe um conjunto de meios predestinados por um


empresário, que é o titular de um determinado direito sobre ele. Por outro lado, é
um acervo patrimonial que engloba um conjunto de bens e de direitos, das mais
variadas categorias, que têm em comum a afetação à finalidade corrente a que o
comerciante se destina.
A atividade exercida no estabelecimento será necessariamente uma atividade de
fim lucrativo e que cabe na “matéria mercantil” (artigo 405º Cód.Com.).
Ora, são elementos corpóreos do estabelecimento: as mercadorias, que são bens
móveis destinados a ser vendidos, compreendendo as matérias-primas, os
produtos semiacabados e os produtos acabado.
Abrangidos estão outros bens móveis como as máquinas, os utensílios, a mobília
das instalações e o dinheiro (em caixa), bem como o imóvel (bem imóvel) onde se
situam as instalações.
Por outro lado, são elementos incorpóreos: os direitos que resultam do contrato e
dizem respeito à vida do estabelecimento. Aqui distinguimos o direito ao
arrendamento, os créditos resultantes das vendas, etc.; os direitos resultantes de
certos contratos estritamente relacionados com a esfera da atividade mercantil; os
direitos emergentes dos contratos de trabalho e de prestação de serviços; entre
outros.

Trespasse
Este contrato traduz-se na transmissão da propriedade de um estabelecimento
através de um negócio inter vivos15. Este negócio incide sempre sobre um
estabelecimento comercial16.
A transmissão que opera através do contrato de trespasse tem um caráter
definitivo, sendo que esta pode resultar da celebração de um qualquer dos
seguintes negócios jurídicos: da venda amistosa (contrato de compra e venda) ou
executiva; da troca; da dação em cumprimento; da realização de entrada social (cf.
Artigos 25º e seguintes do CSC); de uma doação, entre outros.
Concluindo, poderá operar tanto através de negócios jurídicos onerosos como de
negócios gratuitos.
Quanto à forma exigida para o contrato de trespasse, referir que já não é, hoje em
dia, exigida escritura pública, sendo apenas necessário que tome a forma escrita –
podendo ser um simples escrito.
Este contrato contém algumas particularidades, das quais daremos conta:
A posição de arrendatário (e, claro, sempre que o imóvel funcione em imóvel
arrendado), esta transmitir-se-á ao trespassário17, sem necessidade do
consentimento do senhorio (artigo 1112º, nº1, alínea a) do cc)18, o que significa

15
Esta noção consegue compreender o “denominador comum” que, para lá das diferenças, está
presente nas diversos figuras negociais que podem consubstanciar um trespasse.
16
Não precisa de ser comercial em sentido jurídico (!).
17
Entende Jorge Coutinho de Abreu que a posição de arrendatário se transmite naturalmente.
18
Esta regra favorece a circulação dos estabelecimentos e uma defesa dos interesses dos trespassantes
que veem, também, a sua posição de arrendatário transmitida.

6
Direito Comercial de Empresa

que o proprietário do imóvel não poderá opor-se à transmissão da posição


contratual. Isto não prejudica o dever de comunicação que é imposto ao
trespassante de comunicar ao senhorio a transmissão da sua posição de
arrendatário para o trespassário – que ingressará na posição de novo arrendatário.
Esta comunicação, segundo o artigo 1038º, alínea g) do cc, deve ser feita no prazo
de 15 dias19; caso a comunicação não lhe seja feita, pode o locador resolver o
contrato, já que a cessão da posição de locatário não lhe é oponível – não lhe é
eficaz (artigos 424º, nº2 e 1059º, nº2 do cc)20;
A posição de locatário financeiro (leasing) também será transmitida pelo
trespasse e, mais uma vez, sem necessidade da autorização do locador financeiro
(cf. Artigo 11º, nº1 do Decreto-Lei 149/95 de 24 de junho);
Quanto ao âmbito da entrega: gozam as partes de liberdade para excluírem da
transmissão alguns elementos do estabelecimento, não podendo excluir nunca, no
entanto, os bens necessários ou essenciais para exprimir ou identificar a empresa
objeto do negócio jurídico – os elementos que compõem o âmbito mínimo:
elementos necessários e suficientes para a entrega do estabelecimento. Caso este
seja desrespeitado, fica impossibilitado o trespasse21, sendo o objeto translativo
bens singulares de um estabelecimento e não o próprio estabelecimento. A
determinação do âmbito mínimo deve ser efetuada caso a caso, não sendo viável
determinar à priori os elementos que o compõem (nota: farão sempre parte deste
âmbito uma firma, uma marca, um prédio, certas máquinas e, até, um know-how);
por sua vez, do âmbito natural de entrega fazem parte os elementos que se
transmitem naturalmente com o estabelecimento trespassado, isto é, os meios
translativos ex silentio, independentemente de estipulação ad hoc. Estes só não
entrarão na esfera jurídica do trespassário, se existir uma cláusula a excluí-los.
Incluem-se, aqui, os meios empresariais cuja propriedade pertença ao
trespassante, os logotipos e as marcas. Com o trespasse do estabelecimento, fica o
trespassante onerado, também, à transmissão das máquinas, utensílios, matérias-
primas, mercadorias, desenhos ou modelos, etc. Quanto ao prédio, dissemos
anteriormente, em nota de rodapé, que Jorge Coutinho de Abreu o incluía no
âmbito natural de entrega22; no entanto, para além de na doutrina, esta posição
não ser consensual, também a jurisprudência23 se opõem a tal entendimento: o
prédio só se transmite se houver estipulação específica nesse sentido24; o âmbito
imperativo – deste fazem parte os elementos que a lei impõe que sejam
transmitidos com o trespasse; por fim, o âmbito máximo (ou convencional) – os

19
Este prazo não é consensual (na doutrina), havendo quem defenda que o trespassante goza, para
tanto, do prazo de 30 dias – cf. Artigo 1109º, nº2 cc.
20
Normalmente, é preciso mais do que a não comunicação para a resolução ser decretada pelo tribunal,
não sendo suficiente o facto de a comunicação ser extemporânea.
21
Conforme resulta do artigo 1112º, nº2 cc.
22
Todavia, dever-se-á seguir esta orientação nos casos em que o peso dos imóveis na estrutura
organizatório-exploracional é relevante – exemplo disso, o Café Majestic.
23
Acórdão 22/2/1957 do STJ.
24
Vislumbra-se a inclusão deste no âmbito máximo (ou convencional).

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Direito Comercial de Empresa

elementos que o compõem só se transferem através de convenção expressa ou


tácita das partes, caso contrário ter-se-ão de considerar excluídos;
Quanto à posição de empregador, esta transmite-se com o contrato de trespasse,
mantendo-se, dessa forma, os contratos de trabalho – o trespassário tem direito
às prestações laborais a que os trabalhadores haviam obrigado perante o
trespassante;
No que respeita à obrigação (implícita) de não concorrência: com o trespasse,
nasce na esfera jurídica do trespassante uma obrigação de não concorrência,
donde resulta que este fica obrigado a, num certo espaço e durante certo tempo
(limites geográficos e temporais), não concorrer com o trespassário – fica,
portanto, vinculado a não iniciar uma atividade similar à exercida através do
estabelecimento trespassado25. Esta obrigação visa, sobretudo, garantir a
permanência do elemento clientela, já que o trespassário adquiriu este elemento
através do trespasse (por hipótese, pagando por ele), pelo que se o trespassante
não estivesse adstrito a esta obrigação, poderia deslocar os clientes para o seu
novo estabelecimento, o que prejudicaria o gozo e, até, o valor do
estabelecimento objeto do trespasse.
No entanto, e como foi referido, esta obrigação conhece limites – na verdade, os
sujeitos passivos desta não ficam proibidos de exercer qualquer atividade
económica, não podendo somente reiniciar o exercício de uma atividade
concorrente com a exercida através da empresa trespassada, já que isso poria em
risco a subsistência do objeto do trespasse. Espacialmente, vale apenas para o raio
de ação do estabelecimento trespassado; e, temporalmente, durante o tempo
suficiente para se consolidarem os valores de organização.
Caso os obrigados não respeitem esta obrigação, pode o trespassário lançar mão
dos meios previstos pelo não cumprimento de obrigações, de entre os quais se
destacam os da responsabilidade civil contratual (artigos 798º e seguintes do cc),
resolvendo, caso o pretenda, o contrato (artigo 801º, nº2 do cc) ou requerendo a
fixação de uma sanção pecuniária compulsória, intimando ao cumprimento do
contrato (artigo 829º-A do cc); exigir que o novo estabelecimento do obrigado seja
encerrado, intentando uma ação para cumprimento (artigo 817º do cc).
Na ratio desta obrigação invocam-se dois argumentos: o Princípio da Boa Fé na
execução dos contratos (concorrência leal) e o dever de entregar a coisa alienada
e assegurar o gozo pacífico dela;
Analisemos, agora, o que sucede com os débitos ou com as dívidas do
trespassante. Quanto aos débitos26, estes só podem ser objeto de transmissão se
houver acordo entre as partes – trespassante e trespassário – e, outrossim, do
respetivo credor (artigo 595º, nº1, alínea a) do cc); no que concerne às dívidas, a
responsabilidade é solidária entre o trespassante e o trespassário, a menos que os
credores liberem o trespassante por meio de declaração expressa27. E, aqui,

25
Outras pessoas, para além do trespassante, podem ver-se igualmente vinculadas a esta obrigação
como é o caso, por exemplo, do cônjuge do trespassante.
26
Posições contratuais.
27
Excecionalmente, o trespassário poderá ter que responder por dívidas anteriores ao trespasse.

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Direito Comercial de Empresa

importa analisar alguns tipos de dívidas individualmente: aos trabalhadores


(artigos 285º e 286º do Código de Trabalho) – a responsabilidade é solidária; à
segurança social – responsabilidade solidária; resultantes de contraordenações –
responsabilidade solidária;
Finalmente, e relativamente aos contratos de seguro, estes permanecerão
(exceção feita aos seguros automóveis).

Locação de Estabelecimento
A locação de estabelecimento é definível como o contrato pelo qual uma das
partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de um estabelecimento,
mediante retribuição28 e encontra-se regulado nos artigos 1109º e seguintes do cc.
As partes na locação podem fixar livremente a duração do contrato. Na falta de
estipulação aplicar-se-lhe-á o prazo supletivo de 10 anos, conforme resulta do nº2
do artigo 1110º do cc.
No que respeita ao regime de denúncia deste contrato, este pode ser livremente
fixado pelas partes, sendo que na falta de estipulação, por sua vez, aplica-se o
disposto no artigo 1110º, nº1 do cc.
Normalmente, o contrato caducará findo o prazo, a menos que as partes
pretendam prorrogá-lo29.
Relativamente à forma, o contrato de locação deve ser celebrado por escrito
(artigo 1112º, nº3, 1ª parte do cc), sob pena de nulidade.
No âmbito da entrega, tal como sucede no trespasse, a locação não pode
prescindir dos elementos necessários para a identificação da empresa – âmbito
mínimo; o mesmo ocorre30 em relação aos elementos do âmbito natural, a menos
que outra coisa resulte do contrato, isto porque, além do mais, a locação só
implica a transmissão do locado de forma temporária, estando o locador e o
locatário adstritos às necessidades um do outro31.
Façamos, por fim, uma análise sumária do regime deste contrato: quanto à
posição de empregador, esta transmite-se para a esfera jurídica do locatário, pelo
período da locação; em relação à posição de arrendatário, esta não se transmite,
operando-se apenas à transmissão natural do gozo do prédio; a posição de
locatário financeiro (leasing), não se transmite para o locatário, sendo que o gozo
dos bens sobre os quais incide o leasing é transferido temporariamente para o
cessionário da empresa, sem necessidade de convenção das partes nem de
autorização do locador dos referidos bens; no que toca à obrigação de não
concorrência, vale o que foi dito em sede de trespasse, devendo, então, o locador
abster-se de iniciar uma atividade similar à exercida no estabelecimento locado
(cfr. Artigos 1031º, alínea b) e 1037º, nº1 – ambos do cc).

28
Artigo 1022º do cc.
29
Não funciona a figura da renovação automática dos contratos – cf. Artigo 1051º, alínea a) do cc.
30
Conforme vimos supra, aquando do estudo do trespasse.
31
Enquanto é explorado pelo locatário, mantem-se ligado ao locador e está adstrito à satisfação das
necessidades um do outro.

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Direito Comercial de Empresa

Ora, mas com que direito o locatário transforma e/ou aliena bens constituintes do
capital circundante? E aliena “capital fixo”? Este direito de disposição funda-se no
poder-dever de exploração do estabelecimento.

Capítulo IV – Da Compra e Venda Comercial

A compra e venda comercial encontra-se regulada nos artigos 463º a 476º do


Código Comercial.
Este contrato mercantil pressupõe o regime civil, pelo que se lhe aplicam os
artigos 874º a 939º do Código Civil, limitando-se a legislação comercial a
estabelecer especialidades.
A compra e venda comercial é o contrato pelo qual se transmite a propriedade
(artigos 408º e 879º, alínea a) do cc), mediante o pagamento de um preço,
conforme resulta da noção exposta no artigo 874º do cc.
Para que não se suscitem dúvidas na aplicação destes dois regimes distintos, o
artigo 463º do Código Comercial limita a aplicação do regime exposto na lei
comercial, especificando os atos que classifica como comerciais.
Por outro lado, o artigo 464º Cód.Com. estabelece quais são os atos que não
consubstanciam compras e vendas comerciais.
Não obstante a sua objetiva comercialidade, a compra e venda mercantil é
detetada pelo facto de ser praticada por um comerciante no exercício da sua
profissão.
No seio deste contrato, podemos distinguir as seguintes modalidades: contrato
para pessoa a nomear – o artigo 465º Cód.Com. consagra esta possibilidade sem,
no entanto, estabelecer qualquer regime específico; venda sobre amostra –
prevista no artigo 469º Cód.Com., esta considera-se concretizado sob a expetativa
da coisa ser conforme a amostra ou qualidade convencionada; Os artigos 470º
e 471º Cód.Com. reportam-se às vendas que não estejam à vista nem possam
designar-se por um padrão, dando o artigo 471º oito dias para a consolidação
destas vendas (por amostra ou a contento); por sua vez, o artigo 472º Cód.Com.
manda aplicar à venda por conta, peso e medida o regime disposto no Código
Civil – dos artigos 539º a 542º; o artigo 467º Cód.Com. admite a compra e venda
de coisas incertas e de coisa alheia.
A falta de pagamento, pela lei civil, não constitui o direito à resolução do contrato
(cf. Artigo 886º do cc). Ora, estabelece o artigo 474º Cód.Com. que se o
comprador de coisa móvel não cumprir com aquilo a que foi obrigado, pode o
vendedor depositar a coisa ou fazê-la revender, envolvendo esta última hipótese a
resolução do contrato (2º parágrafo do mencionado preceito).
Finalmente, importa perceber o que resulta do artigo 1301º do cc – que consagra
o Princípio da Confiança. Assim, quem reivindicar de terceiro coisa por ele
comprada de boa fé a comerciante, no exercício do comércio, é obrigado a
restituir o preço que o adquirente tiver pago por ela gozando, todavia, de um
direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.

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Direito Comercial de Empresa

Capítulo V – Dos Contratos de Crédito

Subsecção I – Contrato de Cessão Financeira (Factoring)

O factoring é o contrato pelo qual uma das partes (o facturizado) cede ou se


obriga a ceder a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais de curto prazo
decorrentes dos contratos já celebrados ou a celebrar com terceiros, para que
este último os administre (o factor) e cobre na data do seu vencimento e,
eventualmente, nos termos fixados nesse negócio lhe conceda adiantamentos
calculados sobre o valor nominal desses créditos e/ou, também, garanta o
cumprimento ou a solvência dos devedores cedidos.
O contrato de cessão financeira é, face ao ordenamento jurídico português um
contrato nominado, legalmente atípico, embora socialmente típico.
A lei não estabelece um tipo legal fechado para este contrato, tendo-se limitado a
definir a sua atividade: ora, dita o artigo 2º, nº1 do decreto-lei nº 171/75 de 18/7
que este consiste na aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda ou da
prestação de serviços, nos mercados interno e externo. Neste diploma, o legislador
pretendeu apenas a “clarificação e desregulamentação do regime de contrato de
factoring”. Deste modo, distanciando este contrato dos demais, para que opere é
necessário que se verifiquem três pressupostos: (i) créditos de curto prazo; (ii)
decorrentes da venda ou da prestação de serviços; (iii) nos mercados internos e
externos.
Ademais, e dentro do que o referido decreto-lei dispõe sobre o contrato, exige-se
para este forma escrita e impõe que a transmissão de créditos seja sempre
acompanhada pelas respetivas faturas (artigo 7º do decreto-lei).
Posto isto, importa delimitar quem pode32 ser sujeito de um contrato de
factoring: poderá ingressar na posição de factor33, os bancos, as sociedades de
factoring, nomeadamente; na posição de facturizado34, o vendedor de bens ou um
prestador de serviços.
O contrato de factoring pode desempenhar as seguintes funções: consultadoria
comercial – aqui, transmitido o direito do factor, a sua cobrança e administração
passam a ser realizadas pela instituição de crédito. Os serviços administrativos da
empresa facturizada podem ser reduzidos a um mínimo, passando ela a beneficiar
da especialização instituição de crédito nessa atividade35; administração e
cobrança de créditos – o factoring é um instrumento bastante relevante no
financiamento a curto prazo; as empresas na venda e na prestação de serviços
concedem aos seus devedores um prazo para o pagamento do preço. Ora, esta
dilação temporal do pagamento coloca aos credores dificuldades de tesouraria,

32
E, por isso, também quem não poderá.
33
Parte ativa.
34
Parte passiva.
35
Esta função só se verifica nos non notification factoring (casos residuais).

11
Direito Comercial de Empresa

impondo-lhes, na falta de meios próprios, o recurso ao crédito nesse período de


tempo, sendo este obtido através dos adiantamentos prestados pelo factor.
Adiantar-se-á, então, uma percentagem acordada entre as partes, do valor
nominal do direito transmitido36. Esta função é, entre nós, a mais relevante, dada
a escassez dos meios próprios das sociedades comerciais portuguesas; concessão
de créditos – o factor garantirá o cumprimento ou a solvência do devedor cedido,
colocando-o, na medida do conteúdo da própria garantia, a salvo do
incumprimento ou da insolvência da outra parte; garantia da solvência ou do
cumprimento dos devedores cedidos – o factor informa os facturizados sobre a
capacidade económico-financeira das suas potenciais contrapartes negociais.
As funções inerentes ao factoring devem ser consideradas e analisadas em
relação a cada caso, isto é, em relação a cada contrato de factoring.

Dito isto, atendamos, agora, às modalidades que este contrato pode conhecer:
cessão financeira doméstica – o contrato tem por objeto de créditos cedidos
decorrentes de uma compra e venda ou prestação de serviços nacional. A vertente
mais importante deste tipo de factoring é a financeira, isto é, no financiamento de
curto prazo, traduzido no adiantamento prestado pelo factor (o chamado
factoring financeiro); cessão financeira internacional – pelo contrário, se o crédito
resultar de um contrato internacional de venda ou de prestação de serviços,
estamos já no domínio do factoring internacional. Nestes casos, dado o risco do
crédito, o factor, para além da vertente financeira, presta também uma garantia
do cumprimento ao facturizado (o full factoring). Neste seio, podemos identificar
duas estruturas: o sistema de dois factores – temos um grupo de quatro sujeitos –
o exportador, o importador (partes no contrato internacional de compra e venda
de mercadorias, por exemplo), um export-factor (sociedade de factoring de um
país exportador) e um import-factor (sociedade de factoring de um país
importador). Neste sistema, o crédito é cedido ao export-factor que o retransmite
ao import-factor, que o irá cobrar37; e o sistema de factor único – o factor a quem
o crédito for cedido pode ser um import-factor ou um export-factor, sem que
exista uma circulação de créditos entre eles.
No primeiro caso, o import-factor celebrará um contrato de factoring
internacional com o exportador, adquirindo, em execução desse negócio, os
créditos sobre o devedor estabelecido no seu Estado. No segundo caso, o
facturizado poderá ceder os seus créditos a um export-factor, sem que este
posteriormente os ceda a um import-factor, realizando ele próprio a sua cobrança
ao devedor cedido.

36
Regra geral, 80% desse valor.
37
Podemos, ainda, dar conta da existência de dois contratos: o inter factors agreement (que regula a
forma como os factores se irão relacionar, com base na obrigação mútua de cessão de todos os créditos
adquiridos aos seus clientes decorrentes de contratos internacionais) e o contrato de cessão financeira
de exportação (o exportador obriga-se a ceder a este último todos os créditos de curto prazo
decorrentes de negócios já realizados, ou a realizar, com determinados importadores).

12
Direito Comercial de Empresa

Cessão financeira notificada e cessão financeira não notificada


Em regra, transmitido o crédito ao factor, ele notificará, de imediato, o devedor
cedido. Trata-se de uma segunda notificação, pois o cedente, em cumprimento do
contrato com o factor, já incluiu nas suas faturas uma indicação de que o crédito
foi transmitido ao factor. Assim sendo, só ele poderá cobrar o crédito e só o
pagamento que lhe seja realizado é liberatório.
No entanto, existem casos em que o facturizado não pretende que o devedor
cedido saiba da transferência do crédito. A cessão continua a operar-se por efeito
do contrato e de acordo com o estipulado pelas partes, mas o devedor cedido não
é informado desta38. Nestes casos, incumbe ao facturizado cobrar o crédito39,
obrigando-se, posteriormente, a transferir ao factor o montante cobrado40.
Por seu turno, o factor prestará os restantes serviços inerentes à operação de
factoring: consultadoria, garantia dos créditos aprovados e antecipação sobre o
valor nominal dos créditos cedidos, sempre que tal lhe seja requerido pela
contraparte.
Neste âmbito, as partes celebram um contrato de mandato sem representação: o
factor é o mandante e o facturizado o mandatário – cobrando este último por
conta do primeiro, em nome próprio, os créditos que pertencem à instituição de
crédito, a quem terá que entregar as quantias recebidas.
Os contratos que excluem a notificação do cedido, acarretam mais riscos (!) (em
relação aos contratos de factoring notificado), uma vez que há perigo de desvio de
fundos por parte de quem cobra os créditos, da celebração entre o cedente e o
cessionário de negócios relativos ao crédito, inclusive a sua extinção (artigo 583º,
nº2 do cc), da dupla cessão de crédito (artigo 584º do cc), e da extensão de meios
de defesa que o devedor cedido pode recorrer face ao cessionário, em particular a
compensação (artigo 585º cc).

Estrutura
O elemento nuclear do contrato de factoring é, porque imposto por lei, a cessão
de crédito. É por esta via que o ente financeiro, tornando-se titular do direito,
procede à sua administração e cobrança; é sobre o valor nominal do mesmo que
se calcula o seu adiantamento41; é o cumprimento dessa obrigação que o factor
garante; e é através do valor cedido que a instituição de crédito se irá satisfazer do
montante da antecipação que concedeu.

Cessão global de créditos presentes e futuros

Antes de avançarmos, cumpre dar uma noção de cláusulas de globalidade – estas


estabelecem a cedência de todos os créditos ou, pelo menos, de uma parte

38
Factoring silencioso, de que só as partes (factor e facturizado) têm conhecimento.
39
Não haverá lugar à comissão de cobrança.
40
Juntamente com uma cópia da fatura emitida e dos documentos que atestam a expedição de
mercadorias.
41
Conforme foi dito, em regra, de 80%.

13
Direito Comercial de Empresa

negocialmente delimitada dos créditos42, terão que ser cedidos àquele factor. Não
podendo o facturizado celebrar com terceiro outro contrato desta natureza
(cláusula de exclusividade).
O contrato de factoring tem por objeto a cessão global de uma massa de créditos
presentes e futuros do factor sobre determinados devedores indicados no
contrato. Quanto aos créditos futuros, embora o ente financeiro só os adquira
quando estes se constituam (de forma direta ou através da esfera do cedente),
não é necessária a celebração posterior de um negócio de transferência com o
facturizado: nascido o crédito, a transferência é imediata.
No entanto, existe já uma expetativa de aquisição do crédito, antes do seu
nascimento? E ela transmite-se à contraparte?
O devedor cedido pode ser notificado antes do nascimento do crédito, mas esta
só produzirá efeitos quando o crédito se constituir.
Também é possível às partes celebrarem um contrato pelo qual, entre outros
efeitos, decorra para o facturizado a obrigação de transmitir ao factor, à medida
que ele próprio os for adquirindo, os créditos previstos nesse contrato e, para o
ente financeiro, o dever de aceitar esses direitos.
Neste contexto, a existência de um contrato inicial prevê e impõe a celebração de
contratos subsequentes – contratos de segundo grau – que constituem o negócio-
base da cessão de cada um dos créditos.
Os contratos de segundo grau terão natureza diversa, conforme seja concedido o
adiantamento e, também, se o factor garantir esse crédito. Ademais, são
dependentes do contrato de cessão financeira, tanto no que diz respeito à sua
fruição e conteúdo, como por ser dele que decorrem os deveres do factor e do
facturizado.
Da celebração do contrato-quadro resultam diretivas, nomeadamente a fixação
de plafonds, tanto para a concessão de adiantamentos, como para a concessão de
garantias, entre outras.

- Cessação do contrato de factoring


O contrato de cessão financeira é um contrato comercial duradouro. Entende-se
que, face ao exposto, se poderá aplicar as disposições relativas ao contrato de
agência, uma vez que ambos contratos podem cessar por acordo das partes,
caducidade, denúncia e resolução.
Quanto à denúncia, é imposto que a parte que pretenda denunciar o contrato,
proceda a um pré-aviso determinado.
Estes contratos são, regra geral, celebrados a termo, pelo que se prorrogam
automaticamente, se qualquer das partes não se opuser.
No que concerne à resolução: verificando-se o incumprimento que, pela sua
gravidade ou reiteração, torne inexigível a prossecução da relação contratual, a
outra parte adquire o direito potestativo de resolver o contrato.

42
Globalidade circunscrita.

14
Direito Comercial de Empresa

Cessão de créditos
A cessão de créditos constitui o núcleo do factoring43 e aplica-se-lhes o regime
geral dos artigos 577º a 588º do Código Civil.
Em si mesma, a cessão de créditos, não é um negócio, mas sim um efeito de um
determinado negócio que a produz – o negócio-base (artigo 582º, nº1).
Consiste na transferência do direito da esfera jurídica do cedente para a do
cessionário, sem necessidade do consentimento do devedor cedido.
Casos haverá em que o cedente e o devedor acordam na intransmissibilidade do
crédito (pacto de non cedendo), embora este acordo não seja oponível ao
cessionário, a não ser que se demonstre que dela tinha conhecimento aquando da
cessão.
A cessão de créditos produz-se por mero efeito do negócio jurídico, pelo que a
partir desse momento, o cedente está obrigado a entregar os documentos
probatórios do crédito (artigo 586º), a garantir a existência do crédito (artigo 587º,
nº1) e, eventualmente, a garantir a solvência do devedor cedido (artigo 587º, nº2).
A transferência do crédito só é eficaz em relação ao devedor cedido, após o
conhecimento, notificação, ou a aceitação da mesma por parte deste último
(artigo 587º, nº1 e 2). Até esse momento, é liberatório o pagamento realizado ao
cedente, assim como são oponíveis ao cessionário os negócios jurídicos relativos
ao crédito concluídos entre o transmitente do crédito e o devedor cedido.
Face a terceiros, a cessão é imediatamente eficaz, exceto perante segundos
adquirentes a quem o cedente tenha cedido o mesmo crédito antes da notificação
ou aceitação do devedor cedido (artigo 584º). Se for a segunda cessão a ser
primeiro notificada, será esta a prevalecer, ainda que o crédito estivesse na esfera
do primeiro adquirente do crédito – aquisição a non domino.

Sendo a notificação um elemento-chave na tutela da posição do cessionário, é


dela que trataremos agora.
Para evitar riscos, o factor impõe à outra parte que insira nas faturas enviadas aos
seus clientes, uma indicação segundo a qual o direito de crédito resultante desse
contrato lhe foi transmitido e, consequentemente, só o pagamento à instituição
de crédito o libera.
Os devedores do facturizado devem considerar-se notificados da cessão de
créditos pela fatura que este último lhes envia com a clara indicação da
transferência ao factor. O artigo 583º, nº1 admite a notificação extrajudicial e não
impõe qualquer forma para a mesma.
Não obstante, é costume os factores (eles próprios) notificarem o devedor cedido
sendo este, pois, duplamente notificado.

43
Conforme foi dito supra.

15
Direito Comercial de Empresa

- Âmbito da Transmissão
O crédito não se transmite isoladamente, mas com eles transferem-se todas as
garantias e acessórios, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente (artigo
582º, nº1 do Código Civil).
Nota: Sempre que se trate de uma venda com reserva de propriedade, esta é
transmissível ao cessionário, mas é necessário acordo nesse sentido.
No que tange aos direitos potestativos, os que estão ligados ao crédito em si
transmitem-se; por exemplo: escolha das obrigações alternativas ou genéricas;
mas o mesmo já não se verifica quanto aos que se integram na própria relação
contratual; por exemplo: o direito de resolver o contrato.

Meios de defesa oponíveis pelo devedor cedido ao cessionário

O princípio estruturante da cessão de créditos consiste em impedir que o devedor


cedido seja prejudicado pela transferência do direito. Assim, a lei permite-lhe opor
ao cessionário todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o
cedente, ainda que o adquirente do crédito os ignorasse, nos termos do artigo
585º.
Um dos meios de defesa mais relevante a que o devedor pode recorrer, em
especial, quando exista uma relação de negócios entre ele e o cedente44 é o
recurso à compensação: essencial é que o crédito do devedor sobre o cedente se
tenha constituído antes de ter tido conhecimento da cessão pelo primeiro,
independentemente do vencimento do referido direito se ter verificado antes, ou
depois, do mesmo conhecimento.
Outros meios poderão ser utilizados, nomeadamente o da exceção de não
cumprimento (independentemente de já se ter produzido o conhecimento da
cessão de créditos – artigo 431º), bem como o do direito à resolução do devedor
cedido, e ainda que o facto aquisitivo desse direito se tenha verificado depois do
conhecimento por parte do devedor cedido da transferência do crédito.

As garantias de existência e de exigibilidade do crédito

O cedente garante ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito, nos


termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra
(artigo 587º, nº1). Pela segunda, garante que na data de vencimento o cessionário
poderá exigir o pagamento sem que o devedor cedido lhe possa opor qualquer
exceção.
Não garante, salvo convenção expressa nesse sentido, nem a solvência do
devedor cedido (artigo 587º, nº2), nem o cumprimento em si.
Assim, se o cedente transmitir um crédito inexistente ao facto, viola a garantia da
existência do crédito e o negócio é nulo45 - o facturizado emite uma fatura sem

44
Donde possam emergir o nascimento de contra-créditos.
45
Cf. Artigo 280º.

16
Direito Comercial de Empresa

correspondência com uma venda real, envia ao factor a cópia desta e pede o
adiantamento.

Modalidades das cessões de crédito no factoring

As características do acordo variam conforme o estipulado pelas partes no


contrato-quadro, e conforme a vontade do facturizado, i. é, se solicita (ou não) o
adiantamento ou a garantia.
Deve, então, distinguir-se as cessões sem recurso das cessões com recurso, consoante o
factor preste ou não a garantia; e, por outro lado, as cessões com adiantamento e sem
adiantamento, consoante o factor conceda crédito ou não.
O critério a que se recorre é, pois, duplo.
Estas modalidades dão lugar a quatro combinações46:
1) Cessão com recurso e com adiantamento47 – o factor presta o serviço de
administração e de cobrança do crédito e concede o adiantamento, mas não garante
o cumprimento pelo devedor cedido48. Caso o devedor não cumpra retransmite-se o
crédito e exigirá a restituição do adiantamento concedido, bem como o pagamento
dos juros e da comissão de cobrança (estes serão sempre devidos);
2) Cessão com recurso e sem adiantamento – pelo qual o factor presta só o serviço de
administração e cobrança dos créditos cedidos. Aqui, caso o devedor cedido
incumpra, o factor retransmite o crédito e exige o pagamento da comissão de
cobrança;
3) Cessão sem recurso e com adiantamento49 – o factor garante o pagamento do
devedor cedido, presta o adiantamento e administra e cobra o crédito. Caso o
devedor não cumpra, o factor, ainda assim, além de não retransmitir o crédito,
entrega50 à outra parte o valor cobrado, abatido das comissões de garantia e de
cobrança, bem como dos juros. Na eventualidade de o devedor cumprir, será
entregue ao facturizado essa mesma quantia.
4) Cessão sem recurso e sem adiantamento – o factor administra e cobra os créditos,
assim como, ao mesmo tempo, garante o cumprimento do devedor cedido.

Subsecção II – Contrato de Locação Financeira (leasing)

Tal como outros contratos, a locação financeira é um contrato bifronte, uma vez que
desempenha, simultaneamente, a função de crédito e de garantia. Neste momento, aquele
que nos interessará é o financiamento.
Na verdade, o leasing constitui um dos instrumentos mais importantes de concessão de
crédito, principalmente a nível empresarial51. Por outro lado, e do ponto de vista do crédito ao

46
Para mais desenvolvimentos, vide Direito Bancário, 2ª Edição, L. Miguel Pestana de Vasconcelos.
47
Esta é a modalidade dominante e denomina-se factoring financeiro.
48
Não há, assim, garantia.
49
Full factoring.
50
Decorrido um determinado período de mora do devedor.
51
Quem tem conhecimento da organização empresarial sabe que grande parte dos meios que a
integram é detida em locação financeira.

17
Direito Comercial de Empresa

consumo, este trata-se de um instrumento comum de financiamento de aquisição de viatura


automóvel e, também, de habitação.

Caracterização
Regulado pelo decreto-lei nº149/95, de 24 de junho, a locação financeira é definida como o
contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo
temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que
o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou
determinável mediante simples apreciação dos créditos nele fixados (artigo 1º do referido
decreto-lei).
Como deveres do locador financeiro, temos o dever de concluir o contrato de compra e venda
ou de empreitada que tenha por objeto a coisa acolhida pelo locatário financeiro; o dever de
lhe ceder o gozo dessa mesma coisa para os fins a que se destina e, se este último o quiser, lha
vender, decorrido o prazo contratual (artigo 9º, nº1). Por sua vez, o locatário financeiro deverá
pagar as rendas acordadas.
Ora, este negócio implica a celebração de um outro: do contrato de compra e venda (ou de
empreitada), com terceiro, o vendedor (ou o empreiteiro), tendo por objeto o bem escolhido
pelo locatário financeiro (artigo 9ª, nº1, alínea a)). Posteriormente, se este último quiser52
adquirir o bem decorrido o prazo contratual, haverá ainda que concluir um contrato de
compra e venda, agora com ele (artigo 9º, nº1, alínea c))53.
Deste modo, resulta, então, uma relação trilateral, assente nos dois contratos iniciais: um, o
contrato de compra e venda (ou empreitada) celebrado em execução do outro - o leasing. Este
desenho potencia a existência de uma relação direta entre o locatário financeiro e o vendedor
(ou empreiteiro), permitindo àquele exercer “todos os direitos” relativos a esse bem ou
decorrentes do contrato celebrado (de compra e venda ou de empreitada), sem necessidade
de intervenção do locador financeiro – artigo 13º.
Nota: a relação entre o locador e o locatário pode ser, também, real – o que sucede nos
termos do artigo 2º, nº2.

Funções
Conforme referimos, estamos perante um contrato com uma função dupla: o crédito e a
garantia. Esta última traduz-se no recurso à propriedade do bem, que o locador adquire e
mantém na sua esfera até recuperar totalmente o capital despendido com a sua aquisição,
acrescido de juros.
No entanto, centremo-nos no crédito. Ao contrário do que sucede na maioria dos
financiamentos bancários54, o leasing não se traduz na entrega de dinheiro que o creditado
poderá usar indistintamente na sua atividade. Dirige-se, antes, o financiamento a um bem
específico que, sendo uma empresa, ela utilizará na sua atividade, durante o prazo contratual.
Traduz-se, assim, o crédito no preço pago pelo locador na sua compra. A utilização dos bens
pela empresa permitir-lhe-á gerar os meios para amortizar o capital e pagar os juros55.
Posto isto, importa distinguir a locação financeira trilateral da locação financeira restitutiva56 -
é que o que se disse no parágrafo anterior só vale para a primeira modalidade.

52
Referimo-nos ao locatário financeiro.
53
Estes deveres de celebração de outros contratos emergem do contrato de leasing.
54
Como vimos supra – em relação ao factoring.
55
Já não é assim, todavia, se se tratar de um bem de consumo.
56
Sale and lease back.

18
Direito Comercial de Empresa

Na locação financeira restitutiva, ainda que seja quase idêntica à outra modalidade do
contrato em termos estruturais, é funcionalmente diversa, uma vez que não se trata de um
financiamento dirigido a um bem específico, mas uma simples concessão de crédito garantida
pela transmissão fiduciária de um bem, crédito esse que a empresa utilizará como entender –
aproximando-se, por isso, mais de um empréstimo com garantia fiduciária.

Partes
Conforme temos dito, as partes do contrato são o locador e o locatário financeiro.
Ora, podem ser locador57: os bancos, as instituições financeiras de crédito, bem como as
sociedades de locação financeira.
Quanto à posição de locatário financeiro, não há requisitos específicos, podendo ser este um
comerciante, um profissional liberal, um ente público ou, até, um consumidor.

Forma
O leasing que tenha por objeto bens móveis ou imóveis, terá que ser celebrado através de
documento particular (artigo 3º, nº1 do decreto-lei nº 149/95, de 24/6).
Quando tenha por objeto bens imóveis, as assinaturas58 das partes devem ser
presencialmente reconhecidas, salvo se efetuadas na presença de funcionário dos serviços do
registo, aquando da apresentação do pedido do registo (artigo 3º, nº2). Neste caso, a
existência da licença de utilização ou de construção do imóvel deve ser certificada pela
entidade que efetua o reconhecimento ou verificada pelo funcionário dos serviços do registo
(artigo 3º, nº3).
A locação financeira, de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, está sujeito a registo na
conservatória competente (artigo 3º, nº5).

Objeto
A locação financeira pode ter por objeto “quaisquer bens suscetíveis de serem dados em
locação” – artigo 2º, nº1.
Podemos distinguir a locação financeira imobiliária e a mobiliária, consoante tenha por objeto
imóveis ou móveis. Dentro da mobiliária, assume relevância a de automóveis e a de aviões59.
Por outro lado, na locação financeira imobiliária, nota para o facto de um estabelecimento
comercial poder ser objeto de locação, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o
disposto no artigo 1109º do Código Civil.

Prazos
Atualmente, existe uma grande flexibilidade no que toca à matéria da fixação de prazos. A lei
limita-se a impor, por um lado, quando o contrato tenha por objeto coisas móveis, que o prazo
não deve ultrapassar o período de utilização económica dessa coisa (artigo 6º, nº1) e, por
outro, que o negócio não pode ter duração superior a 30 anos, considerando-se reduzido a
esse limite se o ultrapassar (artigo 6º, nº 1 e 2).
Caso o prazo não seja fixado, aplica-se o prazo supletivo de 18 meses ou de 7 anos, consoante
se trate de bens móveis ou de bens imóveis (artigo 6º, nº3).

57
A título profissional.
58
As assinaturas das partes de bens móveis sujeitos a registo deve respeitar o disposto no nº4 do artigo
3º.
59
Pelo seu valor.

19
Direito Comercial de Empresa

Rendas
As rendas podem ser livremente configuradas pelas partes.
Por outro lado, podem estas ser progressivas – aumentando o seu valor ao longo do tempo;
degressivas – diminuindo o montante de cada uma delas com o decurso da relação contratual;
ou, ainda, constantes – em que o seu valor unitário é o mesmo durante o decurso do prazo60.
Certo é que dentro da renda, variará o capital e os juros.
Estas poderão cobrir a quase totalidade do valor da amortização do bem, mais os juros (full-
pay-out leasing) ou, pelo contrário, amortizarem só parte daquele valor. Nessa hipótese, o
valor residual será significativo, permitindo amortizar uma parte substancial do preço de
compra do bem (non-full-pay-out leasing). Na taxa de juro, estarão refletidos o risco do
financiamento e o lucro do locador financeiro.
As rendas da locação financeira são rendas financeiras e, por isso, compostas por dois
elementos: numa parte a amortização do capital e, noutra parte, os juros de crédito
concedido. As primeiras são prestações fracionadas, as segundas são prestações duradouras
reiteradas. Em regra, inclui-se na renda uma comissão de gestão.
Estas não permitem a amortização da totalidade do valor pago pelo bem, sendo para o efeito
necessário o pagamento do valor residual.
O prazo prescricional da obrigação de pagar as rendas é curto – 5 anos – e decorre, dado o seu
caráter compósito, da aplicação das alíneas d) e e) do artigo 310º do Código Civil.

Modalidades

Locação Financeira Convencionada – celebra-se um contrato com o locador financeiro, pelo


qual este se obriga a concluir, em determinados termos acordados entre eles, contratos de
locação financeira, tendo por objeto os seus bens. O comerciante (locatário financeiro) passa
desta forma a ter um mecanismo de crédito que potencia as suas vendas.
O locador financeiro consegue, por seu turno, angariar clientes. Acordam as partes na
reaquisição do bem, dentro de um quadro de valores previamente estipulados, se o locatário
financeiro não o quiser comprar decorrido o prazo contratual, ou se o locador resolver o
contrato.

Locação Financeira Restitutiva61 - o locatário vende ao locador financeiro um bem seu que este
de imediato lhe dá em locação financeira. Não há a compra de um bem a terceiro, mas antes à
contraparte do locador no contrato de leasing.
A esta modalidade não são aplicáveis as normas que visam regular as relações “trilaterais”,
ainda que esteja incluída na noção do contrato prevista no artigo 1º do decreto-lei nº 149/95,
de 24/6.

- A fase pré-contratual: cabe ao locatário procurar o bem que mais lhe interessa para a sua
atividade, tendo em conta as suas possibilidades económicas. Para tal, comunicará com os
fornecedores, devendo esta fase ser regida pelos ditames da boa fé, nos termos do artigo 227º
do Código Civil. De seguida, formulará uma proposta ao locador.
Caso proceda à encomenda do bem antes da conclusão do contrato de leasing, o locatário
agirá “por sua conta e risco”, não podendo o locador vir a ser “responsabilizado por prejuízos

60
Normalmente, esta é a estrutura acordada pelas partes.
Não obstante, caso os juros sejam calculados com recurso a um spread estas rendas poderão sofrer
flutuações (e, dessa forma, não serem constantes).
61
Sale and lease back.

20
Direito Comercial de Empresa

eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 227º
do Código Civil” – artigo 20º do referido decreto-lei.
Concluído o contrato de leasing, ele produz os seus efeitos (artigo 8º, nº1), sem prejuízo da
sua vigência poder ficar subordinada à verificação de um facto posterior (nº2 do mesmo
artigo).

Posições das partes

Locador Financeiro
Deveres – o locador está obrigado a comprar ou mandar construir o bem escolhido pelo
locatário (artigo 9º, alínea a)), devendo esse ser entregue ao locatário62.
Para tutelar a sua posição, o locador impõe ao locatário que assine, aquando da entrega, um
“auto de receção do bem e conformidade do bem”, onde declare que o bem lhe foi entregue e
que, depois de examinado, não tem defeitos. Posto isto, o locador pagará ao terceiro.
Decorrido o prazo contratual, o locador está obrigado a vender o bem ao locatário pelo preço
previsto no contrato63, se ele pretender comprá-lo (artigo 9º, nº1, alínea c)). Esta só se
constituirá, se o locatário exercer o seu direito de aquisição (artigo 10º, nº2, alínea b)).
Note-se que, findo o prazo, o contrato se mantém, o que cessa é a obrigação de pagar as
rendas.
Direitos – para além dos direitos previstos no regime da locação que não sejam incompatíveis
com o regime da locação financeira, o locador tem o direito de defender a integridade do bem,
conforme preceitua o artigo 9º, nº2 alínea a), examinar o bem, sem prejuízo da atividade
normal do locatário (artigo 9º, nº2, alínea b) e artigo 10º, nº1, alínea c)) e de fazer suas, sem
compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário
(artigo 9º, nº2, alínea c)).
Terá, também, o direito às rendas (nos termos contratados).

Locatário Financeiro
Deveres – o locatário tem que pagar as rendas, nos termos que resultarem do contrato (artigo
10º, nº1, alínea a)); não deverá empregar o bem para fim diverso daquele a que se destina ou
movê-lo para local diverso do acordado, salvo autorização do locador (artigo 10º, nº2, alínea
d)); assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente (artigo 10º,
nº2, alínea e)); realizar as reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras
ordenadas pela autoridade pública (artigo 10º, nº2, alínea f)); entre outras – todas previstas no
artigo 10º, nº2.
Se o locatário optar por não adquirir o bem no fim do prazo contratual, o locador tem direito a
que este lhe seja entregue, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes da sua normal
utilização. Quando tal não suceda, tem um direito a ser indemnizado.
Direitos – para além dos previstos no regime da locação e que não sejam incompatíveis com o
regime do leasing, o locatário tem os direitos previstos no artigo 10º, nº2, alíneas a), b), c), d) e
e), sendo este elenco meramente exemplificativo.

- Relação entre o locatário financeiro e o fornecedor do bem: assentando a locação financeira


na existência de dois contratos coligados, é reconhecido ao locatário opor ao vendedor (ou

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Será o vendedor que entregará o bem diretamente ao locatário.
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O valor residual.

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empreiteiro) “todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra


e venda ou de empreitada”, por força do artigo 13º.
Refira-se que não existe qualquer cessão da posição contratual, mantendo-se esta no locador
financeiro (a propriedade do locador é meramente de garantia e, outrossim, a posição
contratual no contrato com o terceiro não é cedida ao locatário, ao contrário do que possa
parecer) – a lei apenas concede ao locatário a possibilidade de exercer os direitos resultantes
desse contrato (celebrado entre locador e terceiro).
Deste modo, o locatário poderá resolver o contrato, em caso de incumprimento definitivo64.
Resolvido o contrato, terá normalmente um direito a ser indemnizado pelo interesse
contratual positivo (artigo 801º, nº2 do Código Civil), sendo, não obstante, titular de um
direito a uma indemnização por mora (artigo 804º do Código Civil).
Cabe-lhe exercer o direito de anulação do contrato (artigo 905º) ou de redução do preço
(artigo 911º), se se tratar de venda de bem onerado. Poderá ainda exercer, os direitos
concedidos pelo regime da compra e venda defeituosa (artigos 913º e 914º).
No entanto, não poderá recorrer à exceção de não cumprimento por falta de entrega da coisa,
devendo comunicá-lo ao locador para que este acione tal mecanismo (dessa forma, o locador
não pagará).
Caso o locatário seja um consumidor, aplicam-se as regras de venda de bens de consumo
(decreto-lei nº 67/2003, de 8/4).

Resolução do contrato
Por força do artigo 17º do decreto-lei nº 149/95, de 24/6, o contrato de locação financeira
pode ser resolvido por qualquer dos contraentes nos termos gerais, com fundamento no
incumprimento das obrigações da outra parte65.
Esta poderá, ainda, ter como fundamento a dissolução ou liquidação da sociedade locatária ou
a verificação de qualquer dos fundamentos de declaração de falência do locatário (alíneas a) e
b) do artigo 18º, respetivamente)66.
Quanto ao regime geral da resolução, teremos de remeter para o disposto no Código Civil:
transformando a mora em incumprimento definitivo (artigo 808º, nº1), pela não realização de
uma prestação do locatário financeiro, poder-se-á resolver o contrato (artigo 802º, nº1), tendo
o direito a ser indemnizado pelo interesse contratual positivo.
Alternativamente, poderá recorrer ao disposto no artigo 781º e exigir o cumprimento das
rendas vincendas (apenas da parte das rendas vincendas correspondentes à amortização do
bem, mas já não os juros incluídos nelas).
No entanto, entende Pestana de Vasconcelos que não é este o resultado correto, apontando
um regime geral e um regime específico apenas aplicável a algumas modalidades de leasing.
Quanto ao regime geral: em primeiro lugar, entende que, se o valor da prestação em falta for
diminuto, opera o limite previsto pelo artigo 802º, nº2. Ademais, entende que, relativamente à
locação financeira que vise a aquisição de bens, opera o disposto no artigo 934º e 935º, isto
por força do artigo 936º, nº1 (essas disposições aplicam-se “a todos os contratos pelos quais
se pretenda obter resultado equivalente ao da venda a prestações”). Daqui decorre que a falta
de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço, não dará lugar à
resolução do contrato, não podendo as partes afastar a aplicação desta disposição. Não

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Cabendo-lhe a interpelação cominatória para transformar a mora em incumprimento definitivo, nos
termos do artigo 808º do Código Civil.
65
Não sendo aplicáveis as normas especiais relativas à locação, previstas no Código Civil.
66
Quanto a esta questão, para mais desenvolvimentos vide Direito Bancário, 2ª Edição, L. Miguel
Pestana de Vasconcelos, 299-300.

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permite, também, exigir o cumprimento antecipado da parte da amortização incluída nas


rendas vincendas (artigo 781º)67.
Quanto aos regimes especiais: um diz respeito à locação financeira mobiliária quando estejam
preenchidos os requisitos de aplicação do regime dos contratos de crédito aos consumidores;
o segundo está relacionado com a locação financeira imobiliária para habitação própria
permanente, secundária ou para arrendamento68.

Nas locações dirigidas à aquisição de um bem, a resolução implicará a restituição do montante


das rendas que constituem a sua amortização, mas não já dos juros aí incluídos69, o que
decorre da sua diferente natureza. Caso assim não fosse, resolvido o contrato, o locador
poderia manter o que já havia recebido da amortização do bem e obteria, ao mesmo tempo, a
restituição do próprio bem.
No entanto, é claro que as partes podem convencionar a perda das rendas pagas, o que, nesse
caso, funcionaria como uma cláusula penal.
Resolvido o contrato, o locador tem direito à restituição do bem, nos termos do artigo 7º do
decreto-lei nº 149/95, de 24 de junho. Donde, enquanto o ex-locatário não o fizer, estará em
mora – sendo para estes casos prevista, não-raras vezes, uma cláusula penal.
Quando o ex-locatário se recuse a proceder à restituição do bem, a lei concede ao locador,
até, uma providência cautelar, traduzida na entrega imediata ao requerente do bem (artigo
21º) tendo, no entanto, previamente de pedir o cancelamento do registo da locação financeira
– artigo 21º, nº1.
Restituído o bem, o locador tem uma tripla escolha: vender o bem, dá-lo outra vez em leasing
ou em locação, ao anterior locatário ou a terceiro (artigo 7º).
O locador poderá, porventura, vender o bem ao fornecedor, caso tenha celebrado com este
um pacto de reaquisição.

Cláusulas penais
Os contratos de locação financeira preveem um conjunto diverso de cláusulas penais e, por
isso, apenas daremos conta das mais relevantes.
De entre as que foram consideradas abusivas pela jurisprudência – por exemplo, a de,
resolvido e incumprido o contrato, o locador poder exigir ao locatário o conjunto das rendas
vencidas e não pagas, as rendas vincendas, assim como o valor residual -, existem aquelas que
têm vindo a ser aceites: falamos, a título exemplificativo, daquela em que o locatário, para
além de ter que pagar as rendas vencidas, terá que pagar ainda 20% das prestações vincendas
e o valor residual – perdendo, bem assim, as prestações pagas.
Em todo o caso, as cláusulas penas visam pré-fixar a indemnização por incumprimento, dada a
dificuldade posterior em determinar os danos. Atribui-se-lhe, então, um caráter compulsório,
intimando o devedor a cumprir, caso não o faça.
Neste sentido, cumpre analisar o disposto no artigo 935º do Código Civil. Quanto à
possibilidade de este ser aplicável à locação financeira, conforme ficou dito, esta possibilidade
decorre do disposto do artigo 936º, nº1.

67
No entanto, defende Pestana de Vasconcelos, que a aplicação desta norma a quem não seja
consumidor é duvidosa.
68
Não desenvolverei estes regimes, pelo que remeto para as páginas 304-305 de Direito Bancário, 2ª
Edição, L. Miguel Pestana de Vasconcelos.
69
No mesmo sentido, Gravato Morais.

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Deste preceito70 podem distinguir-se duas figuras: uma verdadeira cláusula penal e uma
cláusula de perda de prestações pagas. Ora, do artigo 935º, nº1 decorre uma cláusula penal
limitada a metade do valor do preço. Se fixada em montante superior, esta reduz-se
automaticamente a essa quantia (nº2, artigo 935º).
Quanto à cláusula de perda das prestações pagas, estas não podem exceder metade do preço
(total), sob pena de se reduzirem automaticamente a essa quantia, sem prejuízo do vendedor
demonstrar que teve um dano superior a esta (metade do preço). Todavia, no caso de o valor
das prestações retidas ser inferior ao dano efetivo, o vendedor só poderá exigir a
indemnização por todo o prejuízo sofrido, se as partes o tiverem acordado71.
A noção de preço contida pelo artigo 935º inclui, neste caso, o custo do crédito – os juros e
outras despesas. No que toca ao leasing, o preço incluirá as rendas mais o valor residual do
bem comprado.
Às cláusulas penais é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais72.
As cláusulas penais estão sujeitas ao controlo do artigo 812º do Código Civil.

Garantias
O locador dota-se de um conjunto amplo de garantias (artigo 19º do decreto-lei mencionado).
Este não se limita para proteger a sua posição ao recurso à propriedade como instrumento de
tutela, exigindo outras garantias pessoais, reais ou fiduciárias73. Donde, gera-se um arsenal de
tutela da instituição de crédito – de tal forma que, em certos casos, se pergunta se não
estamos perante uma sobregarantia, em prejuízo do locatário.

Transmissão da posição contratual do locador e do locatário financeiro


Como vimos, se se tratar de bens de equipamento, transmite-se a posição de locatário
financeiro no âmbito do trespasse do estabelecimento comercial (cf. Artigo 1112º do Código
Civil) que esses bens integrem, sem prejuízo da comunicação que deve ser feita ao locador;
por morte, transmitir-se-á no âmbito da sucessão legal ou testamentária, para o sucessor (se
este prosseguir a atividade profissional do falecido (artigo 11º, nº1 do decreto-lei).
Não se tratando de bens de equipamento, aplica-se o regime da locação.
Ainda que a lei imponha a transmissão da posição contratual, sem exigir o consentimento da
outra parte, concede a esta o direito de se opor à transmissão da posição contratual, provando
não oferecer o cessionário garantias bastantes à execução do contrato (artigo 11º, nº3).
Logo que o trespasse lhe seja comunicado, o locador deve, num prazo razoável, manifestar a
sua oposição com esse fundamento. Posteriormente, proceder-se-á à averiguação da validade
deste fundamento no caso concreto. Não obstante, deverá ser exigida a prestação de garantias
especiais, mesmo até antes da oposição fundada no referido argumento.
A posição do locador pode ser transferida nos termos gerais, ocupando o adquirente a
posição que o transmitente ocupava (artigo 11º, nº4).

70
Artigo 935º.
71
Exemplificando: se o preço for de 100 dividido em 10 prestações, tendo sido pagas 4, o vendedor
pode retê-las. Se tiverem sido pagas 6 (60), o vendedor terá que restituir 1 (10). Não obstante, poderá
demonstrar (sem acordo) que o prejuízo for mais ao valor correspondente às prestações retidas; sendo
o valor das prestações inferior ao dano efetivo, só através de um acordo é que se poderá peticionar uma
indemnização pela totalidade do dano.
72
Para mais desenvolvimentos, vide 313-315, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 2ª
Edição.
73
Figura muito utilizada é a livrança em branco avalizada pelos sócios-gerentes do devedor.

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Regime Insolvencial
A locação financeira só poderá ser resolvida pelo administrador, caso seja declarado
insolvente o locador financeiro (artigo 120º CIRE)74.
Pelo artigo 104º CIRE é fixado para o leasing um regime idêntico ao que é consagrado para a
venda com reserva de propriedade (artigo 104º, nº1, nº2, nº3 e nº5 CIRE).
No caso de insolvência do locador, o locatário, caso lhe tenha sido entregue a coisa, pode
exigir o cumprimento do contrato, onde se inclui o direito de adquirir o bem (o locador tem de
o dever de lho vender) decorrido o prazo contratual (artigo 104º, nº1 CIRE).
Se for declarada a insolvência do locatário que se encontre na posse da coisa, o contrato
mantém-se e competirá ao administrador escolher entre o seu cumprimento ou a recusa do
seu cumprimento (artigo 104º nº3 e nº5 CIRE), podendo a outra parte estipular um prazo para
que seja tomada tal decisão (artigo 102º, nº2 CIRE).
Quando o administrador opte pelo cumprimento, as rendas tornar-se-ão dívidas em massa –
artigo 51º, nº1, alínea f) CIRE. Decorrido o prazo, o administrador poderá querer comprar o
bem mediante o pagamento do valor residual. Caso este não pague as rendas, o locador pode
requerer a resolução do contrato e a restituição da coisa.
Na hipótese de o administrador recusar o cumprimento do contrato, aplicar-se-á o disposto
no artigo 102º, nº3 CIRE e no artigo 104º, nº5 CIRE.

Considerações finais: por fim, queria também referir o seguinte - quanto ao mútuo bancário,
este contrato não foi alvo de grande aprofundamento ao longo do semestre e, tampouco,
objeto de casos práticos. Por isso, não foi abordado neste documento, sendo certo que os
interessados deverão, neste seio, consultar as páginas 185º e seguintes da obra supracitada.
Relativamente ao contrato de agência, foi-nos garantido que, salvo uma situação muito
imprevisível, não sairá na frequência.
Cremos que o foco incidirá, sendo a frequência composta por três casos práticos, sobre o
trespasse/locação de estabelecimento, factoring e leasing. Contudo, é sempre bom ter uma
visão geral e, ao mesmo tempo, aprofundada, pelo que se aconselha os estudantes a darem
uma leitura por toda a matéria lecionada ao longo do semestre – com maior incidência para as
matérias referidas.

74
Já a locação financeira restitutiva é abrangida pelo regime do artigo 121º CIRE.

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