Você está na página 1de 12

O exercício da empresa

comercial
Empresa comercial e actos do comércio
Empresa comercial e actos do comércio
A noção de empresa comercial plasmada no art. 3.º do Cod. Com. é
plurisignificativa: envolve os momentos ou perfis objectivo – a organização de
factores produtivos – e subjectivo – a actividade económica ou processo produtivo.
Esta última dimensão traduz-se num conjunto concatenado de actos – negociais e
não negociais e relações jurídicas – dirigidos à prossecução de um certo objectivo;
i.e., a empresa representa, deste ponto de análise, «uma série concatenada e
teleologicamente orientada de actos».
Analiticamente decomposta a empresa, para efeitos de análise, deparamo-nos com
os actos individualmente considerados: os actos de comércio. Esta categoria, à volta
da qual se construía o direito comercial do Código Comercial de 1888, no actual
sistema de direito mercantil tem uma importância secundária, na medida em que o
seu papel – critério delimitador da matéria mercantil – foi atribuído à empresa.
Empresa comercial e actos do comércio
Contudo, a sua relevância não desapareceu por completo, na medida em que
a disciplina do Código Comercial se aplica em certos casos (v.g., letra de
câmbio) indistintamente a todas as pessoas, empresários ou não, contanto
que verificadas as condições de que a lei faz depender a sua aplicação.
Por outro lado, a relevância dos actos em que se traduz o exercício de uma
empresa torna-se evidente em caso de litígio. Um litígio normalmente verifica-
se relativamente a um concreto acto, não relativamente a uma actividade. O
que se discute judicialmente é o contrato que não foi cumprido, o bem que era
defeituoso, o salário que não foi pago, o direito de propriedade industrial (v.g.,
marca) que foi violado (v.g., contrafacção), etc. A consideração da actividade
releva, sobretudo, para efeitos da qualificação do ou dos sujeitos.
Empresa comercial e actos do comércio
Actos de comércio objectivos e subjectivos
O disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 4.º, refere os actos de comércio
objectivos, aqueles cuja comercialidade lhes advém do facto de serem
expressamente qualificados como tais (como comerciais) pela lei, e que,
consequentemente, independentemente da qualidade, civil ou comercial,
da pessoa que os pratica, são sempre regulados pela lei comercial.
Identificar estes actos é relativamente simples quando se trata de actos que
apenas se encontram regulados no Código Comercial, v.g, reporte
(art.º831.º ss); conta corrente, etc., já a identificação se torna mais difícil
quando se trata de actos que têm regulamentação tanto na lei civil como na
lei comercial, v.g., compra e venda, penhor, depósito, etc..
No entanto, a dificuldade é facilmente ultrapassável porque o que há
que verificar, em relação a um acto que se encontra regulado quer na
lei civil quer na lei comercial, é se ele se encontra revestido das
características com que aparece descrito na lei comercial; por outras
palavras: se nele se verificam aquelas notas específicas com que o
legislador o pintou na lei comercial.
Estabelece-se, contudo, um critério geral para a qualificação de um
acto como comercial, de forma a evitar que, a eventual localização da
respectiva regulamentação fora do Código Comercial, levante dúvidas
quanto à sua natureza. Não interessa onde é que em concreto certo
acto está regulado, o que importa é se a respectiva disciplina é
informada pela intenção de satisfazer interesses mercantis, isto é,
interesses ligados ao exercício de uma empresa comercial ou não.
A alínea b) do n.º 1 do art.º 4.º corresponde, na economia do Código, àquilo
que no domínio do direito pretérito se designava de actos de comércio
subjectivos: i.e. actos que são comerciais em virtude de serem praticados
por um empresário, por forma tal que o mesmo acto praticado por um não
empresário seria meramente civil.
A ideia que subjaz ao n.º 2 do art.º 4.º é a a de que os actos de carácter
patrimonial, praticados por um empresário comercial, dada a natureza
absorvente e esgotante da actividade mercantil, serão por via de regra
praticados no desenvolvimento da sua actividade empresarial. Quer dizer: a
actividade comercial, enquanto actividade particularmente exigente e
arriscada, é por natureza uma actividade absorvente, que consumirá, em
princípio, toda a actividade do empresário, pelo que é razoável supor que os
actos por este praticados, com conteúdo patrimonial, tenham algo que ver
com a sua empresa.
Empresa comercial e actos do comércio
Actos de comércio por natureza ou absolutos e actos de comércio por conexão
ou acessoriedade
Dizem-se actos comerciais por natureza ou absolutos aqueles cuja comercialidade
é intrínseca, reside neles mesmos, não é dependente de qualquer circunstância
exógena, v.g., a sua dependência de outro acto, esse, sim comercial. Dizem-se
actos de comércio por conexão ou acessoriedade aqueles cuja comercialidade
não reside neles mesmos, na sua natureza, mas no facto de estarem ligados,
conexos, a um acto de comércio absoluto, ao comércio, ou ao exercício de uma
empresa mercantil.
Estes últimos actos não cobram a sua comercialidade se não do facto de estarem
dependentes de um outro acto, do comércio ou de uma empresa, pelo que, não
fora essa relação de dependência, seriam não comerciais.
Usando uma imagem, os actos de comércio por natureza ou absolutos
são estrelas, têm luz própria; os actos de comércio por conexão ou
acessoriedade são planetas, não têm luz própria, mas apenas a que
lhes advém reflexamente de uma estrela, um acto de comércio
absoluto, o comércio em geral ou uma empresa mercantil.
A comercialidade de um acto acessório é consequência da projecção da
comercialidade intrínseca de um acto absoluto.
Empresa comercial e actos do comércio
Actos de comércio substanciais e actos de comércio formais
O legislador por vezes coloca à disposição dos interessados para a celebração dos
seus negócios a adopção de certos esquemas formais. Podem ou não os
interessados utilizarem essas formas, mas desde que as utilizem o acto será
comercial. Isto, note-se, independentemente da operação que vestem ser ou não
comercial. Com efeito, trata-se apenas de formas que vão recobrir determinada
substância, substância esta que pode ou não ser mercantil, mas o acto será,
porque utilizada essa forma, mercantil.
Nestes casos, de que é exemplo paradigmático a letra de câmbio(art. 704.º ss), a
comercialidade do acto reside apenas na adopção de um esquema formal
oferecido pelo legislador mercantil, daí que sejam estes actos designados de actos
de comércio formais.
Os actos de comércio substanciais, por contraposição, são todos aqueles cuja comercialidade
não reside na adopção de uma particular forma mercantil. Pode assim um determinado acto
ser comercial não só formalmente, por ter sido adoptada uma veste formal mercantil, mas
também substancialmente comercial, por a operação recoberta, dita subjacente, ser
comercial, por um dos critérios anteriores.
Assim, suponha-se que para o pagamento do preço da compra de um automóvel, o
comprador subscreveu uma letra de câmbio do respectivo montante. Pelo simples facto de se
ter recorrido ao instrumento formal letra de câmbio, estaremos perante um acto de comércio
formal. Isso não significa contudo que a operação jurídica subjacente, aquela que é recoberta
com esta forma mercantil, no caso a compra do carro, seja também ela mercantil. Não o será
se, por hipótese, se tratar da compra, para uso particular, efectuada por um particular a
outro particular, que não o havia previamente comprado com a intenção de o revender. Mas
já se o automóvel tiver sido comprado a um comerciante de automóveis, o acto será
comercial ainda que unilateralmente (vide infra)], caso em que não apenas haveria um acto
de comércio formal, mas também substancial.
O acto de comércio substancial pode ser objectivo ou subjectivo, como pode ser absoluto
ou acessório. O acto de comércio formal será sempre objectivo.
Empresa comercial e actos do comércio
Actos de comércio bilaterais ou puros e actos de comércio unilaterais ou mistos
São actos de comércio bilaterais ou puros aqueles cuja comercialidade se verifica em relação a
ambos os pólos da relação jurídico-mercantil. São actos de comério unilaterais ou mistos aqueles
cuja comercialidade apenas se verifica relativamente a um dos pólos da relação jurídico-mercantil.
Com efeito, a relação jurídica tem sempre um lado activo e um lado passivo, ora pode suceder que a
comercialidade do acto se verifique quer do lado activo quer do lado passivo, ou que apenas se
verifique do lado activo ou do lado passivo. Sendo este o caso o acto será apenas unilateralmente
comercial.
Tenha-se presente o exemplo apresentado acima da compra do automóvel: se o automóvel é
comprado por um particular, a um comerciante de automóveis, para seu uso particular, teremos
uma venda mercantil, porque o comerciante, como é óbvio, comprou o automóvel para o revender
[acto de intermediação na circulação de bens - art.º 3.º, n.º1, al. b)], e uma compra meramente
civil. Estaríamos neste caso justamente perante um acto de comércio unilateral ou misto.
A importância desta classificação prende-se com o regime a que deverá ficar sujeito este
acto.
Em tese pode ser um de dois sistemas: ou o da cisão jurídica aplica-se o regime comercial
àquele relativamente a quem o acto é comercial e o regime civil àquele relativamente a
quem o acto é civil; ou o da unidade, podendo neste sistema optar-se por aplicar a) a todo
o acto a lei mercantil; b) a todo o acto a lei civil.
O legislador, no seguimento do art.º 99.º Código Comercial de 1888, optou pelo sistema da
unidade, consagrando o critério da solução a); assim, no art.º 5.º, estabeleceu que:
«Embora o acto seja mercantil só em relação a uma das partes é regulado pelas disposições
da lei comercial quanto a todos os contraentes, salvo as que só forem aplicáveis àquele ou
áqueles por cujo respeito o acto é mercantil, ficando porém, todos sujeitos à jurisdição
comercial.».
Disposições apenas aplicáveis a quem for empresário são as respeitantes à falência, à firma,
e demais obrigações a que estão sujeitos os empresários (v.g., ter escrituração mercantil,
dar balanço, prestar contas, a regra da solidariedade passiva das obrigações comerciais).

Você também pode gostar