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14. AS EMPRESAS COMERCIAIS PREVISTAS NO ART.

230º

O art.230º dispõe o seguinte: “Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou


coletivas, que se propuserem: 1º Transformar (…)matérias primas; 2º.Fornecer, em épocas
diferentes, géneros (..); 3º.Agenciar negócios ou leilões por conta de outrem; 4º.Explorar
quaisquer espetáculos públicos;5º.Editar,publicacar ou vender obras cientificas, literárias ou
artísticas; 6º.Editar ou construir casas para outrem com materiais subadministrados pelo
empresário;7º.Transportar,regular e permanentemente, por água ou por terra, quaisquer
pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem”.

Dir-se-á que estaremos aqui perante mais um ato de comércio. Assim como quaisquer outrso
títulos do livro 2º do CCom – dedicado aos “contratos especiais de comércio” – o titulo IV terá
previsto uma variedade de modalidade de atos de comércio, correspondentes a cada um dos
tipos de empresas indicados no art.230º.
Qualquer das empresas mencionadas pelo art.230º constituiria um ato objetivo de comércio,
daqueles que o art.2º refere como “especialmente regulados” no código. Esta interpretação
não parece satisfatória, sendo a empresa uma organização ou uma atividade traduzida numa
multiplicidade de atos e parece até difícil que se tenha tido aqui em vista um determinado ato
(ou facto jurídico).
O legislador prescrevendo a comercialidade das empresas ai apontadas, terá querido qualificar
como ato de comércio todo e qualquer dos atos (dos contratos e outros negócios jurídicos e
até factos ilícitos) praticados pelo titular da empresa na exploração desta. Tratar-se-ia de atos
de comércio objetivos, á luz da 1ªparte do art.2º, pois, enquanto se inserirem no exercício de
algumas das empresas indicados no art.230º, estão de alguma maneira “especialmente
regulados” no Código.
Os atos a que aludimos ficarão sujeitos às regras gerais dos atos de comércio; tratando-se de
atos comerciais cuja prática corresponde ao exercício do comércio, para efeitos da atribuição
da qualidade de comerciante, nos termos do art.13º,nº1, o titular da empresa deverá ser
considerado comerciante.
José Tavares, entende o art.230º, seguindo a interpretação dada por um setor da doutrina
francesa às disposições do Code de Commerce. Com o art230º, o legislador teria querido
conferir a qualidade de comerciante no titular das empresas ali enumeradas. Tudo passaria
como se o corpo do art. dispusesse “Haver-se-ão por comerciantes as pessoas que exploram as
empresas (…).
Para Fernando Olavo, o sentido do art.230º seria qualificar como comerciais não os atos, mas
sim as atividades a que se dedicam as empresas descritas.
Qual das testes expostas merece o nosso acolhimento? Com efeito, qualquer das 3 posições
conduz às mesmas soluções. Não havendo discordância substancial acerca do alcance prático
do art.230º, mas apenas divergências de ordem construtiva quanto ao significado do preceito
face à teoria dos atos de comércio. Assim, também da tese que considera objetivamente
comerciais os atos praticados pelo empresário no exercício da empresa resulta a atribuição da
qualidade de comerciante ao referido sujeito. E também das posições de Fernando Olavo e
José T deriva a comercialidade (mas agora subjetiva) dos mencionados atos: tratar-se-á de atos
que não revestirão “natureza exclusivamente civil” e são praticados pelo comerciante em
conexão com o seu comércio- e que, portanto, serão comerciais por força da 2ªparte do art.2º.

Sendo assim, saber se o alcance imediato do art.230º é a atribuição da qualidade de


comerciante ao empresário ou de natureza comercial aos atos por este praticados na
exploração da empresa é problema sem interesse prático.
16. ATOS COMERCIAIS POR NATUREZA (ABSOLUTOS) E ATOS COMERCIAIS POR CONEXÃO OU
ACESSORIEDADE

Os atos de comércio por natureza (absolutos) são os atos que devem a comercialidade à sua
própria natureza intrínseca. Os atos de comércio por conexão ou acessoriedade são os atos
que devem considerar-se comerciais em consequência da sua relação de conexão ou
acessoriedade quer com um ato de comércio fundamental, quer com a exploração de uma
empresa mercantil ou com o comércio em geral, são atos de comércio pela chamada teoria do
acessório.

Os arts.231º(mandato) e 397º (penhor), p.ex mostram-nos atos de comércio objetivos que


devem a sua comercialidade ao facto de manterem conexão com atividades mercantis. Sobre o
mandato refere “Dá-se mandato comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um
ou mais atos de comércio por mandado de outrem”. Assim, quando uma pessoa é por outra
encarregada de praticar atos de comércio, o mandado é especial. Logo, a lei considera o
mandado como comercial quando ele se apresenta acessório dum ato de comércio. A sua
natureza comercial resulta da comercialidade dos atos para que foi conferido.
O que se diz do mandado, podia dizer-se do penhor, do empréstimo, do depósito, etc
(arts.397º,394,.403º CCom).

Porque a lei em muitos casos, considera comerciais certos atos jurídicos em virtude da sua
relação de acessoriedade ou conexão com atos de comércio ou com o comércio em geral,
pretendeu-se generalizar e dizer que todos os atos conexos com a atividade mercantil serão
comerciais, mesmo que praticados por não comerciantes – é o que afirma a “teoria do
acessório”.

17. ATOS FORMALMENTE COMERCIAIS E ATOS SUBSTANCIALMENTE COMERCIAIS

Há disposições da lei comercial que preveem e regulam certos mecanismos/esquemas


formais, que aos sujeitos interessados é lícito para utilizar para a realização de operações
económicas de tipo muito diverso. Essas operações podem ou não situar-se na área do
comércio, podem ou não corresponder, em si mesmas a atos de comércio; de toda a maneira,
uma vez preenchido o esquema formal que a lei configurou, estar-se-á perante um ato de
comércio, não importando o fim ou objeto para que aquele foi utilizado. O legislador vê
sempre um ato comercial no uso dos referidos mecanismos, seja qual foi a natureza da
operação a que eles servem de “cobertura”.

Os atos formalmente comerciais são p.ex a letra de câmbio. Entre A e B, não comerciante, se
celebra um contrato, pelo qual o A vende a sua casa de habitação, que o comprador destina a
uma aplicação idêntica. Ninguém duvida de que esta operação não constitua um ato de
comércio nem tem coisa alguma que ver com o comércio. Simplesmente, pode acontecer que
o preço não seja pago no momento da conclusão do contrato, e que as partes convencionem
que a respetiva divida fique intitulada numa letra, emitida por A e subscrita por B, como
aceitante – já que a lei considera a subscrição de uma letra como ato de comércio
(art.2º,1ªparte) – mas de um ato formalmente mercantil. Porquanto, a comercialidade é-lhe
atribuída pela lei ainda quando a operação económica a que corresponde não tenha qualquer
ligação com o comércio.
Pode acontece que subjacente ao ato formalmente comercial esteja uma operação mercantil,
ou um outro ato também comercial, mas agora comercial pela sua natureza – ato
substancialmente comercial. É que a letra de câmbio continua a ser um instrumento relevante
das atividades mercantis: a todo o momento a letra é utilizado para titular dívidas resultantes
de operações comerciais. Mas basta que seja adotado este especial mecanismo jurídico
constituído pela letra para estarmos perante um ato comercial – formalmente comercial.

18. ATOS BILATERALMENTE COMERCIAIS E ATOS UNILATERALMENTE COMERCIAIS OU


MISTOS

Os atos bilateralmente comerciais são atos que têm qualidade mercantil em relação às duas
partes. Os atos unilateralmente comerciais são comerciais só em relação a um dos sujeitos,
conforme os requisitos de comercialidade se verifiquem em relação a ambos ou apenas a um.

Um negócio bilateral pode sempre decompor-se em duas operações distintas. Por exemplo, o
caso típico da compra e venda. Este contrato, abstratamente, pode decompor-se em duas
operações: uma compra e uma venda. É impossível conceber uma compra sem uma venda,
mas abstratamente, é possível separá-las, correspondendo à compra o preço, e à venda a
coisa.
O vendedor pode ter adquirido a coisa para revender e neste caso a venda diz-se comercial. O
comprador pode tê-la comprado para seu consumo e neste caso fez uma compra não
comercial.
É o que resulta dos arts.463º, nº1 e 464º nº1. Diz o 1º: “são consideradas comerciais: 1º As
compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas (…);2º As compras, para
revenda, de fundos públicos (…);3º A venda de coisas móveis (…). E o art.464º “Não são
consideradas comerciais: 1º As compras de quaisquer coisas móveis destinadas a uso ou
consumo do comprador ou de sua família; 2º As vendas que o proprietário ou explorador rural
faça dos produtos de propriedade sua”; 3º As compras que os artistas, industriais (…) fizerem
de objetos para transformarem(…) as vendas de tais objetos (…)”.

Um individuo compra um automóvel para seu uso: não faz uma compra comercial; depois
vende-o: a venda também não é comercial, porque ele vendeu uma coisa que adquiria para
seu uso e não para revender. Mas se ele comprou o carro a uma agência de automóveis que o
comprara para revender, a venda que a agência fez é comercial, conquanto o não seja a
compra.
Por aqui nos podemos aperceber de que atos há em que a comercialidade se verifica duma só
parte. Estamos em face de atos unilateralmente comerciais ou mistos.
Qual o regime jurídico destes atos, que são comerciais apenas em relação a uma das partes.
Será o regime da lei civil ou comercial? Responde o art.99º CCom “Embora o ato seja mercantil
só em relação a uma das partes, será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a
todos os contratantes, salvas as que só forem aplicáveis àquele ou áqueles por cujo respeito o
ato seja mercantil”.

Os atos mistos estão sujeitos à lei comercial quanto a ambos os contraentes, embora só em
relação a um deles se verifiquem os pressupostos da comercialidade. Mas o artigo 99º
acrescenta que se exceptuam as disposições da lei comercial “que só forem aplicáveis àqueles
(s) por cujo respeito o ato é mercantil”. Ou seja, na lei comercial existem disposições que
apenas devem aplicar-se àuele ou aqueles contratantes por atenção a quem o ato é mercantil.
Uma delas é o art.100º: “Nas obrigações comerciais, os co-obrigados são solidários, salvo
estipulação contrária”.
Suponha-se que 2 comerciantes compram a 2 agricultores 10 moios de trigo. A compra é
comercial e venda é civil, porque feita pelos agricultores de trigo da sua lavra (art.464º,nº2).
Os agricultores não são devedores solidários quanto à entrega do trigo, porque a norma do
art.100º só é aplicável àquele ou àqueles em relação a quem o ato for mercantil: no caso, aos
2 comerciantes compradores. A solução seria a mesma se os compradores não fossem
comerciantes, mas a compra tivesse por fim a revenda. À luz do art.100º “Esta disposição não
é extensiva aos não comerciantes quantos aos contratos que, em relação a estes, não
constituírem atos comerciais”.

O ART.2º DO CCOM E A SUA INTERPRETAÇÃO

INTERPRETAÇÃO DA 1ª PARTE DO ART.2º

18. OS ATOS “ESPECIALMENTE REGULADOS NO CÓD: ATOS PREVISTOS SOMENTE NA LEI


COMECIAL E ATOS PREVISTOS TANTO NA LEI CIVIL COMO NA LEI COMERCIAL

O art.18 decompõem-se em duas partes: a 1º dispõe que “serão considerados atos de


comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código”; na 2ªparte
diz-se que, além destes, serão considerados atos de comércio “todos os contratos e obrigações
dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio
ato não resultar”.

Vejamos qual o sentido a atribuir à 1ºparte. Entre os atos que regulados no Código podemos
distinguir: aquele que têm ao mesmo tempo regulamentação na lei civil e na lei comercial
(mandato, empréstimo, penhor, etc); de outro lado, os que só se acham previstos na lei
comercial (o reporte).
Quando é que de um certo ato podemos dizer que é um ato objetivamente comercial, por
força da 1ª parte do art.2º? Trata-se de um ato concreto que em concreto reúna requisitos
que na lei comercial aparecem definidos. Não basta que se trate apenas de uma compra e
venda ou de um empréstimo, já que qualquer destes atos encontra regulamentação tanto na
lei comercial como na lei civil. É forçoso, para serem atos de comércio, que esses negócios se
apresentem revestidos daqueles caratares que a lei comercial fixa em concreto – daqueles
carateres de que a lei mercantil torna dependente a sua comercialidade. É este o sentido que
deve atribuir-se aos termos “especialmente regulados neste Código”.

19. A QUALIFICAÇÃO DE UM ATO NÃO PREVISTO NA LEI COMECIAL COMO ATO DE


COMÉRCIO POR ANALOGIA

a) O problema

Haverá outros atos que por apresentarem natureza semelhante devem, por isso, qualificar-se
também de comerciais? Autorizará o art.2º a qualificação dos atos de comércio por analogia?
Por exemplo: empregando o recurso à analogia considerar-se-ia comercial a compra de
imóveis para locação; tal ato não está previsto no CCom , mas estão previstos os atos que
consistem na compra de móveis para revender ou para lhes alugar o uso, e não compra de
imóveis para revender (art.463º nºs 1 e 4). Não será lícito aplicar essas disposições por
analogia ao caso de compra de imóveis por locação? Este é o problema da analogia em dto
comercial.
b) Impossibilidade de resolução do problema com recurso a argumentos de ordem
meramente lógica

Falar em analogia supõe a existência de um caso omisso. A analogia é um processo de


preencher lacunas. Falar em analogia no momento da qualificação dos atos de comércio
pressupõe pensar que possa haver nesta matéria um caso omisso – uma determinada relação
da vida privada que não esteja qualificada nem como comercial nem como civil. Mas pensar
isto é um absurdo. Ou uma relação está expressamente qualificada como comercial – e é
comercial - ou não está - será civil.
Ganhará o argumento mais poder sugestivo se expuser assim:

• As relações jurídico-privadas ou são comercias ou civis


• Ora não são comerciais as relações jurídico-privadas não expressamente qualificadas
como tais na lei comercial
• Logo, essas relações são civis – e falta, portanto, o 1º pressuposto para que se possa
pensar em recorrer à analogia: a existência de uma lacuna.

A premissa menor já pressupõe assente a conclusão: só depois de sabermos que são civis as
relações privadas que as leis mercantis não qualificam expressamente como comerciais – só
depois disso é que poderemos fundamentadamente dizer que elas não são comerciais. Antes
disso, fala-se no ar: é puramente gratuita a afirmação de que não são comerciais as relações
não expressamente qualificada como tais nas leis mercantis.
Se lermos a disposição do art.2º, parece que a possibilidade do recurso à analogia está
excluída, pois o artigo diz que além dos atos especialmente regulados no código (só) se
consideram “os contratos e obrigações dos comerciantes (…)”.
Em face disto, a conclusão seria a de que não é possível a qualificação por analogia dos atos de
comércio.
as a questão é precisamente a de saber se os atos de comércio são só (além dos atos dos
comerciantes) os especialmente regulados no Código, ou se além destes haverá outros. O
argumento exposto atrás envolve uma petição de princípio: dá-se por demonstrado o que
justamente importa demonstrar. Não há atos de comércio qualificados como tais por
analogia porque além dos atos especialmente regulados no Código, só se consideram
comerciais os atos subjetivos. Além dos atos especialmente regulados no código, só podem se
considerar os atos subjetivos… se não houver atos de comércio qualificados como tais por
analogia.
“Já se viu a aplicação por analogia duma disposição supõe que se está em presença dum caso
omisso”. O art.2º diz que são atos de comércio os especialmente regulados no código. Se é
assim, é uma contradição nos termos que se podem qualificar certos atos como sendo de
comércio, por analogia: isso seria o mesmo que dizer que está especialmente regulado no
Código um ato que, por definição é um ato omisso, i.é, um caso que não está regulado no
Código. A analogia pressupõe um caso omisso; mas se o art.2º diz que são atos de comércio os
regulados no código, não podemos qualificar atos da vida real como atos de comércio por
analogia, porque isso equivale a dizer que estão especialmente regulados no código atos que,
de facto o não estão.

“ Aplicar a um caso omisso, por analogia, uma determinada disposição é supor que o caso
omisso logra o mesmo tratamento jurídico por justificação idêntica à dos casos que ela
especialmente prevê. Os casos omissos – casos da vida real não previstas na lei – seriam
qualificados comerciais, por analogia, pela mesma razão por que o são os que o art.2º
especialmente abrange: por estarem especialmente regulados no Código”.
Os falados “casos análogos”, a esta luz não serão casos também especialmente regulados no
código, mas casos onde joguem e se defrontem interesses da mesma índole – interesses para
cuja proteção o referido complexo de normas se revelar instrumento igualmente apropriado.
A letra da lei não exclui que se possa recorrer à analogia. Pelo contrário, dir-se-ia até que ela
nos pretende sugerir a utilização desses expediente ao dizer “Serão considerados atos de
comércio (…)”. A conclusão de que a letra da lei não nos coloca, só por si, em posição de
podermos resolver o problema. Será admitido o recurso à analogia na qualificação de atos de
comércios?

d)Razões de ordem histórica e substancial (a certeza jurídica) contrárias à admissibilidade do


recurso à analogia nesta matéria

O art.2º do nosso Código por forma a ficar excluída a possibilidade do recurso à analogia na
qualificação dos atos de comércio.

1- Razão histórica
Resulta que foi propósito do legislador excluir a possibilidade de tal recurso. Com
efeito, uma das fontes no nosso art.2º foi a preceito correspondente do CCom
espanhol, em que se fala de “atos de natureza análoga”. Se este preceito foi uma das
fontes do art.2º e se houve o cuidado de nele não transcrever essa passagem, parece
significar isto que o legislador português quis excluir o recurso à analogia na
qualificação dos atos de comércio.
2- Argumento da certeza jurídica
Sendo o regime da lei comercial bastante diferente do da lei civil, a possibilidade de
qualificação por analogia dos atos de comércio haveria de ser fonte de um estado de
incerteza jurídica sobremaneira inconveniente. Se fosse admitido o recurso à analogia,
as dúvidas quanto à natureza de certas atividades incidiriam também sobre a
qualidade de comerciantes dos sujeitos dessas atividades. Os comerciantes estão por
leis sujeitos a determinados deves, os do art.18º do Cod “Os comerciantes são
especialmente obrigados: 1º adotar uma firma, 2º a ter estatuição mercantil; 3º a fazer
inscrever no registo comercial a atos a ele sujeitos; 4º a dar balanço e a prestar
contas”. Por outro lado, gozam de facilidades no que respeita à prova das obrigações
mercantis. Para os atos dos comerciantes existe uma “presunção genérica de
comercialidade” (art.2º, 2ªparte) e assim, a dúvida sobre a natureza civil ou comercial
de determinados atos redundaria em dúvida sobre a qualidade de comerciante sujeito
que os pratica, e por fim, em dúvida sobre a comercialidade de certos negócios
realizados por esse mesmo individuo.

20.e) POSIÇÃO ADOTADA

Em face do exposto da al.d do nºanterior ,é evidente que quem perfilhar um subjetivismo


radical em matéria de interpretação das leis terá de considerar excluída pelo nosso sistema
jurídico a possibilidade de se recorrer à analogia para qualificar um ato como comercial.
Parece não haver dúvida de que o legislador quis afastar tal possibilidade. É o que se conclui,
da circunstância já de o texto do art.2º ter divergido.

Para quem adotar, outros cânones interpretativos, a questão nem por isso estará resolvida
com aquelas considerações , visto que a intenção do legislador histórico não foi vasada num
texto suficientemente categórico. A doutrina que só permite qualificar como comerciais os
atos que como tais foram previstos pelo legislador do CCom ( e por uma outra disposição legal
com idêntico significado de que depois do Cód se editou) conduz a resultados inconvenientes e
por vezes chocantes: basta pensar na ampliação da esfera das atividades ligadas ao comércio e
na diversificação dos respetivos instrumentos verificados de 1888 para cá.
Parece-nos mais aceitável a posição que admite a analogia dentro da matéria em causa,
posição que foi adoptada em Itália na vigência do CCom de 1882 e que em França tem sido
perfilhada de longa data pela jurisprudência. Não é que deve seguir-se pelo caminho da
analogia júris, procurando extrair da multiplicidade das normas legais sobre a matéria de um
principio aplicável aos diversos casos omissos ( o que se traduziria em fixar o conceito de ato
de comércio subjacente às vária regras singulares que no código prevêem os diversos atos
desta espécie). Esta via foi tentada, por Rocco, que construiu um conceito unitário de ato de
comércio (apresentado como ato de mediação nas trocas, de interposição entre a oferta e a
procura). E constata-se facilmente que a est6e ou a outro conceito unitário não é possível
amoldar toda a variedade de atos de comércio previstos na lei. Mas o método mais prudente
de analogia legis – que regula os casos omissos com base na sua analogia com a hipóteses
resolvida numa precisa solução normativa -já parece aqui correto e exequível.

2) Concretização da diretia geral apontada

aa) Aplicação analógica do art.230º

O problema do recurso à analogia legis neste domínio tem-se posto muito particularmente
quanto ao art.230º. como sabemos, este preceito atribui a qualificação de comercial a um
certo nº de empresas. O quadro das empresas comerciais constante do art.230º parece
certamente muito restrito. Há um limite que ter em conta neste domínio. Tem que respeitar-
se a opção do legislador quando entendeu manter certas atividades sob a alçada do dto civil:
aqui, nem há que pôr um problema de recurso à analogia, pois não estaremos perante um
caso omisso (omisso pelo que respeito à qualificação da empresa como civil ou comercial).
Ocorrendo indicações explícitas sobre o ponto, não haverá dificuldades, seja qual for o juízo
que mereça a opção legislativa. É o caso do art.230º nº1 e 2, que explicitamente excluem do
domínio mercantil as empresas agrícolas.
Atente-se no art.230º nº6, que se refere às empresas que se propõem edificar ou construir
“casas para outrem (…). Mesmo atribuindo à palavra “casas” um sentido muito lato, é evidente
que não caberão na letra do preceito as empresas destinadas à realização de obras do tipo das
estradas, caminhos de ferro, barragens, molhes, etc. E dir-se-ia que o texto legal sugere que
estas últimas empresas não devem ser qualificadas como mercantis, não sendo aqui, portanto,
omisso o ponto da sua comercialidade ou não comercialidade.
Onde existe uma larga margem para a extensão analógica do art.230º é no campo das
atividades económicas novas, i.é,surgidas depois da publicação do CCom, ou daquelas que,
embora já conhecidas em 1888, vieram posteriormente a ser exercidas em moldes diferentes
ou diferente relevo e dimensão. Justifica-se a equiparação das empresas que exploram tais
atividades àqueles outras do art.230º, menciona quanto ao regime que deste preceito deriva.
Por exemplo, a comercialidade das empresas de transportes aéreos resulta do art.230º,nº7,
quando devidamente interpretado, pois o legislador de 1888, ao referir-se às empresas que se
propõem transportar pessoa ou mercadorias “por água ou por terra”, não teve claramente
uma intenção restritiva e, quis antes abranger todo e qualquer meio de transporte. Pode
suceder até que a mera interpretação declarativa baste para justificar a atribuição de
comercialidade a empresas com objeto desconhecido ao tempo do CCom: assim, as empresas
produtoras de discos ou de filmes cinematográficos – estão compreendidas na letra do
art.230º,nº5, que se refere ás empresas que propõem “editar, publicar ou vender obras
científicas, literárias ou artísticas”.
Outras atividades, só por extensão analógica de algum dos vários números do art.230º
poderão ser consideradas comerciais. O nº2 que se refere às empresas que tenham por objeto
“fornecer, em épocas diferentes, géneros (…) mediante preço convencionado”. Devem
entender-se aqui abrangidas as empresas que se destinam a fornecer, não propriamente
géneros , mas bens de outra natureza (água, gás, eletricidade). Já será difícil considerar
incluídas no nº2 as empresas de fornecimento de serviços – cujo número, importância e
variedade são muito maiores hoje do que na época do CCom. Quanto a estas, é o recurso à
analogia que parece certificar-se.
E por virtude, a isto, aquele professor considerou também comerciais as empresas hoteleiras –
embora estas já à data do Cód.Com, que as omitiu, tivessem um grande relevo e se
exercessem em moldes semelhantes aos atuais – as agências de viagens, as empresas de
publicidade, de informações comerciais, de gestão de bens, etc. Além destas, a aplicação
analógica do art.230º permite também qualificar como comerciais. Uma multiplicidade de
outras empresas que se destinam ao fornecimento de serviços: desde os estabelecimentos de
cabeleiro e tratamentos de beleza até às estações de serviço para automóveis, às lavandarias ,
aos estabelecimentos funerários, etc.

22. OS FACTOS ILÍCITOS COMO ATOS DE COMÉRCIO , FACE À 1ª PARTE DO ART.2º CC

Deverão considerar-se atos objetivos de comércio os factos ilícitos referidos na lei mercantil,
sendo portanto comerciais as obrigações de indemnização de perdas e danos deles
decorrentes. O art.665º CCom, o art.62º de Registo Nacional das PC e o art.316º do Cód da
Propriedade Industrial.
Esta qualificação não é unicamente aceite entre nós. Contra ela, Pinto Coelho diz que “a lei
comercial em muitos casos limita-se a criar o delito, a considerar certo facto como um delito
que determina a aplicação de determinada penalidade, mas não se estabelece
verdadeiramente um regime jurídico especial para a obrigação que dele possa emergir,
designadamente para a obrigação de responsabilidade civil.
Permitimo-nos, pôr em dúvida que seja esta a melhor interpretação da lei. Assim sendo, se os
referidos factos ilícitos são em si mesmo comerciais – e são-no porque se acham
especialmente regulados na legislação mercantil – ai definidos como factos ilícitos por atenção
à sua natureza de “factos de comércio” – essa qualificação estende-se também às obrigações
que dela emergem. É certo que o legislador não criou para tais obrigações, dentro do próprio
âmbito de dto mercantil, um regime especial; mas nada permite concluir que lhes sejam
inaplicáveis, p.ex as disposições gerais da lei relativas à responsabilidade dos bens do casal
pelas dívidas comerciais dos cônjuges.
II.

INTERPRETAÇÃO DA 2ª PARTE DO ART.2º CCOM

Além dos atos “especialmente regulados no Código” entendida esta expressão no sentido que
foi oportunamente definido, são comerciais, por igual “todos os contratos e obrigações dos
comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato
não resultar”.
A despeito de todas as divergências, ninguém discorda de que o fundamento da nossa norma
reside na presunção de que os atos dos comerciantes estão ligados com a sua atividade
mercantil. Presunção que se justifica para a generalidade dos casos. A experiência que ensina
que a atividade mercantil do comerciante é uma atividade absorvente. O comerciante é
alguém que vive do comércio e para o comércio. Assim, se entende que os atos que ele
pratica, sendo de caráter patrimonial , se presumam comerciais.

a) Actos “que não forem de natureza exclusivamente civil”

Para a doutrina, esta fórmula refere-se aos atos que estão (ou estão também) regulados na lei
comercial; que se compreendem num tipo de atos que a lei comercial regula – ou de que
regula ao menos uma modalidade. Só estes atos podem ser qualificados como subjetivamente
comerciais.
Mas esta doutrina não é a melhor. É preferível a tese de Barbosa de Magalhães, que amplia
consideravelmente a esfera dos atos que podem ser comercializados ao abrigo do art.2º,
2ªparte. De acordo com esta teste, só estão excluídos de uma eventual comercialização
subjetiva (por sere de “natureza exclusivamente civil”) os atos que por natureza não podem
ser praticados em conexão com o comércio dos seus autores. Estes atos de “natureza
exclusivamente civil” reduzir-se-ão a pouco mais do que os atos de dto familiar e sucessório e
os negócios estritamente extrapatrimoniais.
Para Magalhães, um ato só tem “natureza exclusivamente civil” quando for essencialmente
civil- quando for um ato por essência civil e só civil. O facto de um negócio jurídico ter
regulamentação apenas na lei civil não é motivo para dizer que ele tem natureza
exclusivamente civil. Há negócios (ou matérias, como a responsabilidade extracontratual) que ,
embora só regulados na lei civil, não tem natureza exclusiva ou essencialmente civil. Alguns
deles podem ser praticados em conexão com o comércio dos seus autores. Podem ser
comercializados.

25. b) “se o contrário do próprio ato não resultar”

Relativamente à interpretação desta fórmula, a melhor doutrina é de guilherme Moreira e


Pinto Coelho (aceite por Ferrer Correia) : um ato de comerciante é subjetivamente comercial
se não resultar do próprio ato que este não tem qualquer conexão com o comércio do seu
autor.

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