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Noções Fundamentais de Direito

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

Capítulo I

CONCEITO E PROBLEMAS
FUNDAMENTAIS DO DIREITO

1. A Natureza Social do Homem


2. A Ordem Jurídica e outras Ordens Normativas
3. O Direito Objetivo e direitos subjetivos
4. Caraterísticas da Ordem Jurídica
5. A Tutela

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1. A NATUREZA SOCIAL DO HOMEM

1.1. A necessidade do Direito

O homem sempre viveu em sociedade, seja em tribo, família, cidade, etc…,


desenvolvendo toda a sua vida em sociedade sendo, portanto, um ser
eminentemente social.
A noção da sociedade parte da noção de grupo que supõe uma finalidade
coletiva que é servida pela colaboração dos membros.
O Homem é um ser eminentemente social na medida em que não consegue
viver só ou isolado dos outros.
Só se pode falar de vida humana em sociedade quando se verifique a
existência de relações intersubjetivas entre indivíduos (ações e interações
recíprocas entre os homens).
O homem estabelece entre si relações que assumem relevância social e que,
consequentemente, necessitam de regras. Assim, todas as comunidades
humanas necessitam de uma ordem que estabeleça as regras de convivência
entre os seus membros.

CONCLUSÃO: a vida humana em sociedade não é a mera coexistência de


indivíduos ou grupos de indivíduos num dado espaço e tempo, indiferentes
entre si, solitários e separados; necessário é que se estabeleçam relações
sociais e que exista uma autonomia individual de cada membro do coletivo
social em relação à própria sociedade. (exemplo: um estádio cheio de
pessoas; um acidente de viação, um concerto de rock, etc. – apesar do
aglomerado de pessoas num mesmo local e ao mesmo tempo, não se pode
considerar a existência de relações sociais).
Toda a sociedade importa necessariamente uma ordem que se exprime por
leis, que traduzem o encadeamento das condutas, necessário para a
consecução dos objetivos em vista e a resolução de conflitos.
Na verdade, para que seja possível a convivência humana em sociedade é
necessário definir uma ordem, ou seja, um conjunto de regras e padrões que
orientem o comportamento dos indivíduos e que estabeleçam ainda as regras
da organização dessa sociedade, bem como as instituições que lhe servem
de estrutura.
A Ordem Jurídica é, portanto, a ordem social regulada pelo Direito.

Noção lata/ampla de Direito: O Direito é um conjunto de normas reguladoras


de certos comportamentos humanos numa determinada sociedade num
determinado momento histórico.

Objetivo do Direito: O Direito visa a implementação de uma certa ordem,


tendendo a uma certa organização social, podendo afirmar-se que Ordem
(entendida como Segurança Jurídica) e Justiça constituem objetivos naturais
do Direito, e que por eles se pretende legitimar todo o sistema de legalidade.

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2. A ORDEM JURÍDICA E OUTRAS ORDENS NORMATIVAS

A ordem jurídica é uma ordem normativa consubstanciada por um conjunto de


normas de conduta social que regem as relações dos homens.
Mas, a conduta social dos homens não se rege somente por normas jurídicas,
pelo Direito, pela ordem normativa jurídica. Existem outras normas de
conduta, outras ordens normativas: morais (exemplo: socorrer um ferido),
religiosas (exemplo: não matar) e de cortesia (exemplo: cumprimentar os
outros) e normas fixadas pelos usos (exemplo: vestir de luto) e pelas
convenções sociais (exemplo: as noivas vestirem de branco, dar gorjetas ao
empregado do café).
Há também ordens normativas sociais (como os estatutos dos clubes,
fundações, associações), havendo até ordens normativas criminosas a que
certos homens obedecem (de certas sociedades secretas, como a máfia).
Mas, nas sociedades modernas, as normas que regem a vida social,
dominantemente, são as leis (normas jurídicas estritas).
A ordem normativa da sociedade é uma ordem complexa composta por
quatro ordens diferentes que traduzem aspetos diferentes do dever, inerente
à vida em sociedade.

2.1. Direito e Moral

O Direito distingue-se de outras espécies de normas. Entre estas, avulta a


Moral como sendo a que mais próximo parentesco tem com o Direito.
Em linhas gerais, apontam-se três notas distintivas:

a) O Direito caracteriza-se pela exterioridade e a Moral pela interioridade;

A moral preocupa-se só com a intenção, a parte interior do sujeito.


As normas jurídicas, porque contemplam uma sanção, impõem-se de fora
para dentro. A ordem estabelecida impõe-se ao sujeito. Na moral há uma
adesão interior voluntária, não é preciso imposição nenhuma.
O Direito regula, então, o comportamento exterior dos homens, e a Moral, o
seu comportamento interior, sendo que ambos se manifestam na forma como
as respetivas normas obrigam.
A Moral exige que cumpramos o nosso dever pelo sentimento pleno do dever.
O Direito é menos exigente, satisfaz-se com a conduta conforme à lei.
O Direito é, ainda, exterior por se concretizar numa vontade estranha imposta
às pessoas que lhe estão submetidas e, assim, envolver a nota de
coercibilidade. A Moral é interior por se impor às consciências mediante
adesão espontânea.

b) No Direito há bilateralidade, na Moral unilateralidade;

A Moral é unilateral, o Direito bilateral. A Moral dirige-se ao homem e manda-


lhe aplicar o bem como forma de atingir a perfeição; encara o homem

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isoladamente e não nas suas relações com o semelhante, decretando-lhe


apenas deveres.
O Direito prescreve como cada um deve proceder no interesse dos outros,
estabelecendo deveres, mas também, reconhecendo direitos.

c) O Direito e a Moral, sendo essencialmente distintos, podem e devem estar,


quanto possível, ao serviço um do outro.

Há, e deve haver, uma entreajuda entre a Moral e o Direito, no sentido de


cada um desses ramos dever procurar fortalecer o outro, sem, contudo,
destruir aquilo que há de específico em cada um deles.

2.2. Direito e Ordem do Trato Social

A ordem do trato social traduz-se em regras de cortesia ou civilidade. As


normas de trato social (usos sociais, regras de etiqueta ou de boa educação,
normas convencionais, costumes) são usos ou convencionalismos sociais
destinados a tornar a convivência mais agradável.
São normas que dirigem a maioria dos nossos atos, como a forma de vestir,
saudar e responder a uma saudação, oferecer presentes a certas pessoas em
determinadas épocas, retribuir um a visita, dar os pêsames aos familiares de
uma pessoa falecida. Tais normas revestem duas características:

- Impessoais: têm origem não numa vontade concreta, mas em usos ou


práticas sociais regularmente observadas;

- Impõem-se através da pressão exercida pelo grupo social a que se


pertence, e a sua inobservância é punida com diversas sanções, como a
perda de prestígio e de dignidade, a marginalização e o afastamento do
grupo.

Estas normas impõem um dever/ser e estão, como tais, munidas de uma


sanção. São simples normas de convívio, destinadas a torná-lo mais
agradável sendo que a sanção correspondente ao não cumprimento de tais
deveres não vai além da reprovação social do comportamento observado.

2.3. Direito e Ordem Religiosa

A ordem religiosa é uma ordem cujas normas são criadas por um Ser
transcendente e ordenam as condutas dos crentes nas suas relações com
Deus. Apresentam características próprias que as distinguem das demais
normas sócias. São:

- Instrumentais: preparam ou tornam possível o que não pertence ao mundo


terreno;

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- Intra-individuais: destinam-se direta e fundamentalmente ao íntimo do


Homem crente, embora não deixem de impor um certo comportamento
exterior;
Finalmente, as sanções que estabelecem pertencem ao foro exclusivo das
igrejas e, portanto, são insuscetíveis de imposição pelo Estado. Dizem
respeito à crença e à fé numa vida ultraterrena na qual cada homem receberá
a retribuição da sua conduta.

O que distingue as normas jurídicas das outras é o carácter coativo das


normas jurídicas: os que não cumprirem normas morais ou de cortesia
poderão sofrer uma sanção (castigo, punição) psicológica, moral ou social
(remorsos, reprovação dos outros), mas os que não cumprirem normas
jurídicas sofrerão uma sanção jurídica: se alguém não pagar o preço do que
comprou verá os seus bens apreendidos, que serão vendidos para, com o
produto dessa venda, se pagar o preço da coisa que adquiriu.

Não basta, portanto, que existam normas: torna-se necessário que estas
sejam eficazes, e esta eficácia é assegurada por meios de tutela do Direito,
que fazem cumpri-las, exercendo coação sobre os homens.

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3. DIREITO OBJECTIVO E DIREITOS SUBJECTIVOS

A palavra Direito pode ser usada no sentido referido supra (sistema de regras
de conduta impessoais e abstratamente enunciadas) ou no sentido de poder
ou faculdade atribuído a uma pessoa pela ordem jurídica (e ainda outros
como Ciência do Direito ou imposto aduaneiro).
No primeiro sentido, a palavra Direito corresponde ao Direito Objetivo. No
segundo corresponde a direito subjetivo (o direito atribuído a um determinado
sujeito).
Assim, o Direito Objetivo corresponde a uma norma de agir, dirigida a um
número indeterminado de destinatários. Por sua vez, o direito subjetivo
corresponde a um poder de agir, atribuído a um determinado sujeito.
Nesta fase, interessa-nos essencialmente analisar o Direito Objetivo.

3.1. Ramos do Direito Objetivo

O Direito Objetivo é constituído por um número incontável de normas, o que


impede quem quer que seja de as conhecer a todas. Para simplificar a tarefa
de conhecimento e compreensão do Direito é possível dividi-lo em sectores
distintos, de acordo com princípios gerais que se aplicam a cada um desses
sectores.
Cada um destes sectores é normalmente designado por ramo. A palavra ramo
permite-nos ter sempre presente que, à semelhança de uma árvore, cada um
dos ramos do Direito faz parte de um todo unitário. Os diferentes ramos do
Direito são, por isso, apenas partes distintas da mesma unidade e não ordens
jurídicas autónomas.

3.1.1. Direito Público e Direito Privado

A principal divisão é a que distingue o Direito Público do Direito Privado,


considerada a summa divisio (a divisão suprema).

3.1.2. Critérios de distinção

Para se proceder a tal divisão foram propostos muitos critérios. Os mais


divulgados são os seguintes:

a) Critério dos sujeitos;


b) Critério dos interesses;
c) Critério da posição dos sujeitos.

De acordo com o critério dos sujeitos, são normas de Direito Público aquelas
que regulam relações ou situações jurídicas em que pelo menos um dos

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sujeitos seja um ente público e normas de Direito Privado as que regulam


relações ou situações jurídicas em que apenas intervêm sujeitos privados.

De acordo com o critério dos interesses, seriam normas de Direito Público


aquelas que visassem proteger ou tutelar interesses públicos e normas de
Direito Privado as que se destinassem essencialmente a proteger interesses
privados.

Por último, de acordo com o critério da posição dos sujeitos, são normas de
Direito Público aquelas que regulam situações ou relações jurídicas em que
um dos sujeitos surge investido de poderes de autoridade, isto é, numa
posição de supremacia. Pelo contrário, são normas de Direito Privado aquelas
que regulam situações ou relações jurídicas em que os sujeitos intervenientes
surgem numa posição de paridade ou de igualdade.

Os dois primeiros critérios, apesar de sugestivos, levantam algumas


dificuldades. Com efeito, muitas vezes os entes públicos aparecem em
determinadas relações jurídicas numa posição de paridade ou de igualdade,
sendo, por isso, tais relações reguladas pelas mesmas normas que seriam
aplicáveis caso não estivesse presente qualquer entidade daquele tipo. De
acordo com o critério dos sujeitos, as normas que regulam tais situações
seriam simultaneamente de Direito Público (quando um dos intervenientes
fosse um sujeito público) e de Direito Privado (nos restantes casos).

Por sua vez, o critério dos interesses é, muitas vezes, de difícil aplicação, já
que muitas normas visam proteger ou tutelar, em simultâneo, interesses
privados e interesses públicos.

Assim, o critério da posição dos sujeitos apresenta-se como o preferível, sem


prejuízo de poderem aproveitar-se os contributos dos demais.

Deste modo, podemos definir DIREITO PÚBLICO como subsistema de


normas jurídicas que, tendo em vista a prossecução de um interesse coletivo,
conferem, para esse efeito, a um dos sujeitos poderes de autoridade sobre o
outro e ainda aquelas que regulam exclusivamente a organização e
funcionamento dos entes públicos.

Por sua vez, o DIREITO PRIVADO pode ser definido como subsistema de
normas jurídicas que, visando regular a vida privada das pessoas, não
conferem a nenhuma delas poderes de autoridade sobre os outros, mesmo
quando pretendam proteger um interesse público considerado relevante.

3.1.3. Ramos de Direito Público

Cada um dos dois grandes ramos do Direito pode ser subdividido em ramos
menores, de acordo com o conteúdo das regras jurídicas e dos princípios
gerais que as norteiam. Dentro do Direito Público destacam-se os seguintes
ramos:

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a) Direito Constitucional
b) Direito Administrativo
c) Direito Financeiro / Direito Fiscal
d) Direito Penal
e) Outros ramos: o Direito Público da Economia, o Direito Judiciário, o Direito
do Urbanismo ou o Direito da Nacionalidade.

3.1.4. Ramos de Direito Privado

Tal como no Direito Público, é possível identificar dentro do Direito Privado


vários ramos menores. Todavia, no âmbito do Direito Privado, encontramos
um ramo de Direito Privado comum (abstratamente idóneo para regular
quaisquer relações jurídicas de Direito Privado) e vários ramos de Direito
Privado especial (conjuntos de regras que se aplicam a conjuntos restritos de
relações ou situações jurídicas de direito privado, prevendo um regime
diferente do que resultaria da aplicação do Direito Privado comum)

3.1.4.1. Direito Privado comum

O Direito Privado comum corresponde hoje, grosso modo, ao Direito Civil. O


Direito Civil subdivide-se em vários ramos. Cada um destes ramos constitui
um sector do Direito Civil e não um ramo de Direito Privado especial.

- Subdivisões do Direito Civil:

a) Direito das Obrigações


b) Direitos Reais
c) Direito da Família
d) Direito das Sucessões

3.1.4.2. Direito Privado Especial

Como se referiu, ao lado do Direito Privado Comum existem diversos ramos


de Direito Privado Especial. Segue-se a indicação de alguns dos mais
relevantes.

a) Direito Internacional Privado


b) Direito Comercial
c) Direito da Propriedade Intelectual
d) Direito Marítimo

3.1.5. Ramos de Direito mistos ou de qualificação imprecisa

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Alguns ramos de Direito não são facilmente catalogáveis na distinção entre


Direito Público/Direito Privado, atendendo aos critérios apontados para tal
distinção. Os ramos de Direito que a seguir se indicam são, por isso, de
qualificação discutível e discutida na doutrina, havendo autores que os
integram no Direito Público ou no Direito Privado. Atendendo, porém, às suas
características híbridas, vão apresentados numa categoria à parte.

a) Direito Processual
b) Direito do Trabalho
c) Direito Comunitário

4. CARATERÍSTICAS DA ORDEM JURÍDICA

As características principais da Ordem Jurídica, considerada como um todo,


são:

4.1. Imperatividade

O elemento essencial de uma norma legal é a imperatividade. O Direito


coloca frente a frente dois sujeitos: a um impõe um dever, a outro reconhece
um direito.
Ora, impor um dever significa comandar, imperar. O Direito não se limita a
afirmar, a registar factos ou situações, ele dá ordens. O modo próprio do
Direito não é o indicativo, é o imperativo.
As normas jurídicas impõem comandos, regras, ordens de conduta. Podem
ser positivas (“o inquilino tem de pagar a renda”) ou negativas (“não
matarás”), ou apenas declarativas. Por isso é que as normas jurídicas são tão
diferentes das leis científicas, que se limitam a observar a realidade e a
descrevê-la como ela é.
A Ordem Jurídica é, no seu conjunto, constituída por ditames obrigatórios,
imperativos de dever/ser.

4.2. Coercibilidade

Esta característica significa que, em caso de inobservância do Direito, se


torna legítimo fazê-lo valer pela força.
A sanção é uma consequência desfavorável normativamente prevista para o
caso de violação de uma regra, e pela qual se reforça a imperatividade desta.
Em todas as ordens normativas há sanções, embora a sua índole varie de
caso para caso.
Não quer isto dizer que toda a regra seja necessariamente assistida de
sanção. Pode haver regras não sancionadas.
No fundo, todas estas características também se aplicam às normas de
cortesia, religiosas e morais. Também impõem comandos e também se
destinam a um conjunto indeterminado de pessoas e situações. O que

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realmente diferencia as normas jurídicas das outras é a sua coercibilidade.


Quem não cumprir o comando imposto pelo Direito sofrerá sanções.
E a ordem jurídica apressa-se a repor a situação que deveria existir se não
tivesse havido violação, nomeadamente através da força pública, recurso a
tribunais, etc. (Exemplos: se o inquilino não pagar o preço, pode obter-se uma
decisão judicial que o force a pagar, executando-se o seu património. Se
alguém furtar um relógio, será obrigado a devolvê-lo, ou pelo menos o valor
equivalente. Se alguém matar uma pessoa será sancionado, por exemplo,
com pena de prisão. Se alguém violar uma regra de trânsito, paga uma coima,
etc…) Ou seja, pode usar-se a força para impedir ou reprimir a violação das
normas jurídicas.
A cominação de sanções criou em certos sectores a convicção de que a
ordem jurídica não seria também imperativa. O sujeito, colocado perante as
consequências previsíveis da sua atuação, escolheria a omissão da conduta
proibida ou a sujeição às consequências.

4.2.1. Sanções jurídicas:

A sanção está ligada à imperatividade. Toda a regra pode ser assistida por
uma sanção que reforça a sua imperatividade. A sanção é sempre uma
consequência desfavorável que atinge aquele que violou uma regra. Mas, as
sanções jurídicas distinguem-se profundamente das outras.
A sanção não é um facto. Como consequência desfavorável, a sanção é um
efeito jurídico, conteúdo de uma regra jurídica que prevê a violação de uma
regra de conduta.
A sanção implica, pois, sempre a entrada em vigor de novas regras,
denominadas regras sancionatórias que são regras subordinadas e
complementares das regras principais que acuam no caso de aquelas não
terem sido observadas.
As várias espécies de sanções não se distinguem entre si por traços
estruturais, ou por representarem específicas figuras jurídicas: distinguem-se
pela função que desempenham. Propõem-se sempre impor uma
consequência desfavorável em reação à violação de uma regra, podendo ter
finalidade: compulsória, reconstitutiva, compensatória, preventiva e punitiva.

Sendo as normas obrigatórias (imperatividade), o seu incumprimento


(violação) está associado à possibilidade, suscetibilidade, de aplicação ao
infrator de sanções jurídicas. Isto porque, a imperatividade determina que o
não acatamento das normas jurídicas acarreta a existência de sanções, que
podem ser de diverso tipo:

a) Sanções reconstitutivas – são as que procuram a obtenção de um


resultado o mais próximo possível caso a norma não tivesse sido violada.

- Reconstituem a situação anterior à violação, devidamente atualizada:

i. Reconstituição em espécie ou in natura – artigo 562.º CCivil


(obrigação de indemnização), artigo 289.º n.º 1, primeira parte (efeitos

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da declaração de nulidade e da anulação), 1221.º CCivil (eliminação


dos defeitos na empreitada).
A indemnização abrange tudo aquilo que há direito a receber em
consequência de se ter sofrido um dano que outrem deve reparar.
A lei dá preferência à indemnização específica. Assim, se houve
destruição dum bem do credor, a indemnização consistirá
essencialmente na entrega de um bem igual.

- “Reconstituem” a situação que deveria existir se a obrigação ou norma


positiva tivesse sido cumprida:

i. Execução específica de uma prestação de entrega de coisa certa


(827.º CCivil);

ii. Execução de uma prestação de facto fungível (828.º CCivil);


Se a prestação é de facto, mas esse facto é fungível, ou seja, pode ser
realizado por outras pessoas, além do devedor (a reparação de uma
casa, por exemplo), o credor tem o direito de requerer que o facto seja
realizado por terceiro à custa do devedor.
Nestes casos, alguém que não cumpre uma obrigação, mas tem bens.
Uma vez tornado certo, o direito do credor e instaurada a ação
executiva, requer-se a apreensão judicial dos bens. Esses bens irão
depois à praça para que com o produto da venda se obtenha a quantia
necessária à satisfação do custo da atividade requerida.

iii. Prestação de facto negativo – se a prestação consiste em não fazer


uma determinada obra e o devedor a realiza, mas for possível desfazê-
la, a obra será desfeita pelo devedor ou à custa dele (artigo 829.º CC);

iv. Obrigação de contratar – se alguém se tiver obrigado a celebrar


certo contrato e faltar à promessa pode o credor obter sentença que
funciona como declaração de vontade da outra parte. Tudo se passa
como se houvesse contrato e a parte faltosa fica vinculada como se
tivesse dado o seu consentimento para ele. Ex.: Execução específica
de um contrato promessa (830.º n.º 1 CCivil).

b) Sanções compensatórias – procuram compensar a vítima de um facto ilícito quando


a reconstituição natural não seja possível – artigo 566.º CCivil (indemnização em
dinheiro), artigo 289.º n.º 1, segunda parte (efeitos da declaração de nulidade e da
anulação).
Noutras situações, a reconstituição natural não é equitativa, ou não é atingível, ou não
é suficiente da violação havida. Utiliza-se, então, uma sanção compensatória visando-
se reconstituir uma situação que, embora diferente, seja, todavia, valorativamente
equivalente à primeira.
Estas sanções, estabelecem, pois, uma situação que, embora diferente, se considera
valorativamente equivalente à situação que existia antes da violação da norma jurídica.
Tal situação obtém-se através da indemnização dos danos causados a que o
transgressor fica obrigado. A indemnização pode cobrir os danos emergentes e
também os lucros cessantes (artigo 564.º CC). Tratando-se de danos não patrimoniais

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ou pessoais, a indemnização tão-só permite compensar o lesado e, por isso, é


preferível falar da reparação ou de compensação da dor ou do desgosto sofrido (artigo
496.º CC).
A sanção compensatória opera sempre através de uma indemnização de danos
sofridos. Consoante a natureza do dano assim podemos distinguir várias modalidades.
A indemnização pode destinar-se a cobrir: a falta do próprio bem devido; outros danos
patrimoniais; danos não patrimoniais.

c) Sanções punitivas – visam impor um sofrimento ao infrator. A pena consiste numa


sanção imposta de maneira a representar simultaneamente um sofrimento e uma
reprovação para o infrator. Já não interessa reconstituir a situação que existiria se o
facto não se tivesse verificado, mas aplicar um castigo ao violador.
Assim, e ainda que quando se fala de pena se tenha em vista normalmente a pena
criminal, ela não esgota todas as categorias de penas existentes.
Elas podem ser:

i. Criminais: aplicáveis aos autores de crimes (pena de prisão e pena de multa)

ii. Disciplinares: aplicáveis no âmbito de violação de dever disciplinar


(contrato de trabalho, funcionalismo público, etc.)

iii. Administrativas: violação de normas do direito de mera ordenação social


(contravenções, coimas e algumas sanções acessórias)

iv. Civis: visam sancionar, no âmbito do direito civil, o incumprimento de um


dever ou obrigação ou ainda um mau comportamento (442.º n.º 2 CCivil,
2034.º CCivil)

d) Sanções preventivas – visam evitar a violação futura de normas jurídicas.


Daí ser discutível a sua inserção no âmbito das sanções jurídicas. São
exemplos as medidas de segurança, a inibição do exercício de determinada
profissão, as garantias patrimoniais penais, Liberdade condicional;
Inabilitação para o exercício de certas funções públicas em consequência da
prática de certos factos delituosos.

e) Sanções compulsórias – São aquelas que se destinam a atuar sobre


infrator da regra para o levar a adotar a conduta devida. Não deixa de ter
havido infração, mas procura-se chegar à situação que resultaria da
observância da regra através do comportamento do infrator.
Na generalidade dos casos, se uma pessoa não cumpre aquilo a que se
vinculou continua obrigada, mas não se recorre à coação para a forçar a fazer
o que não foi feito voluntariamente.
O direito de retenção é uma hipótese de sanção compulsória. Em casos
normais, ninguém pode recusar a entrega de coisa alheia alegando que o
dono não pagou o que devia. Mas, em certos casos, a retenção de coisa
alheia torna-se possível: quando há uma certa relação entre a causa da dívida
e a detenção do objeto.

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Visam forçar, compelir, o agente a cumprir determinado comportamento. É o


caso da sanção pecuniária compulsória (829.º-A CCivil) e o direito de
retenção (754.º e 755.º CCivil)

f) Ineficácia jurídica em sentido amplo:

Noção geral de ineficácia: a não produção dos efeitos a que o ato se dirige –
irá concretizar-se em várias modalidades de atuação. É uma reação da ordem
jurídica que impede que os atos jurídicos desconformes com a lei produzam
todos ou alguns efeitos jurídicos que, em condições normais, produziriam.
Comporta as seguintes modalidades:

A doutrina não é pacífica na consideração da ineficácia jurídica, em sentido


amplo, como sanção jurídica. Não deixa, todavia, de ser uma punição por
violação de uma norma legal. A ineficácia em sentido amplo pode subdividir-
se nas seguintes subespécies:

I. Inexistência jurídica: – corresponde àqueles casos mais graves em


que verdadeiramente se pode dizer que para o direito não há nada. O
facto não produz qualquer efeito para o Direito, como se nunca tivesse
existido (1628.º CCivil, casamentos inexistentes), nestes casos há um
nada jurídico do qual nenhum efeito pode derivar.

II. Invalidades: dá-se quando a lei considera o próprio ato, que deveria
ser fonte de direitos, sem valor. OU seja, verifica-se quando um ato
sofre dum vício que justifica a não produção de efeitos jurídicos; por
isso, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se não for
possível a restituição em espécie, o valor correspondente. Os atos
existem, mas o Direito não lhes atribui valor (286.º a 289.º CCivil)

i. Nulidade – os efeitos do ato deixam de existir desde o seu


primeiro momento.
Ocorre quando a violação da norma jurídica ofende um interesse
público (ex.: compra e venda sem escritura pública ou
documento particular autenticado – 875.º CC) por isso não
carece de ser invocada por quaisquer interessados e pode ser
declarada oficiosamente pelo juiz se, no processo em
julgamento, tiver elementos que certifiquem a sua existência;
pode ser invocada por qualquer pessoa que tenha interesse na
não produção dos efeitos jurídicos; é insanável pelo decurso do
tempo (ou seja, é perpétua) e por confirmação dos interessados
(art.º 286.º CC).

ii. Anulabilidade – verifica-se quando a violação da norma


jurídica ofende um interesse particular; por isso, é necessário
que seja invocada pela pessoa a favor de quem foi estabelecida
e o juiz não a pode declarar oficiosamente; é sanável pelo
decurso do tempo e por confirmação dos interessados (art.º
287.º e 288.º CC). O ato anulável produz efeitos válidos até ser

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declarada judicialmente a sua anulação. Mesmo após a sua


anulação, os efeitos que se produziram até essa declaração
continuam válidos

III. Ineficácia em sentido estrito: uma circunstância estranha ao ato não


permite que todos os seus efeitos sejam produzidos. A remoção dessa
circunstância espúria poderá causar a produção da totalidade dos
efeitos do ato (artigo 268.º CCivil).
Muitas vezes, a lei não considera inválido o ato que não observou os
requisitos legais, mas impede que ele produza todos ou parte das
consequências que se destinava a produzir. Há, então, uma mera
ineficácia total ou parcial.
Este tipo de ineficácia ocorre, pois, quando o ato que transgrediu a lei
não produz todos ou parte dos seus efeitos jurídicos (ex.: um negócio
feito sob condição suspensiva não produz efeitos quando a condição
não se verificar – art.º 270.º CC).

4.3. Estatalidade

Traduz-se no facto de, em regra, caber ao Estado a tutela do Direito através


da denominada tutela pública, seja ela judiciária ou administrativa. Essa tutela
tem como pressuposto o reconhecimento, pelo Estado, de determinada norma
como jurídica. É o Estado, pois, que tutela o Direito e garante a sua aplicação,
se necessário pela força. É ao estado que, salvo determinadas exceções,
cabe o uso da força.

4.3.1. Direito e Estado

O Direito é uma ordem da sociedade. Direito e Estado estão de tal modo


entrelaçados que o Direito apareceria como tendo uma origem
necessariamente estatal. Assim, pode falar-se de uma estatalidade do Direito
quer por este ser o que emana do Estado (Estado-fonte), quer por este ser o
que é aplicado como tal por órgãos que se integram no Estado (Estado
aplicador).

4.4. Exterioridade

- A característica da exterioridade surgiu sobretudo pela preocupação de


distinguir Direito e Moral. Faz-se, então, a distinção rígida entre o lado interno
e o lado externo das condutas humanas. O Direito respeitaria ao lado externo,
não invadindo o foro íntimo de cada um; a moral limitar-se-ia ao lado interno.

- A questão da exterioridade é relevante para diferenciar a ordem jurídica da


ordem religiosa. A exterioridade prende-se com o entendimento de à ordem
jurídica interessar apenas os comportamentos, as ações, os atos humanos
exteriorizados e já não os factos internos.

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- A exterioridade, todavia, não significa que para o Direito apenas interesse o


facto externo. Com efeito, circunstâncias há em que a motivação, a intenção
do agente, o facto interno da decisão, pode ter relevo jurídico, desde que,
obviamente, tenha sido exteriorizada num comportamento (exemplo disso é o
dolo, nas suas variantes, e a negligência, designadamente para efeitos
penais)

- Enquanto para a Moral, o facto interno é relevante de per si, um


agravamento da menos-valia ética, na ordem jurídica o facto interno por si só,
isolado de um comportamento que o concretize, não tem qualquer relevo.

5. A TUTELA

Nas sociedades atuais, o monopólio do uso da força pertence, em princípio,


ao Estado (estatalidade do Direito). A tutela do Direito é, assim, e em
princípio, pública, uma vez que é ao Estado que compete, em exclusivo, o
monopólio do uso da força. É o que expressamente vem consignado logo nos
artigos 1.º e 2.º do Código de Processo Civil.
E diz-se em princípio que a tutela é pública porque por vezes a tutela dos
direitos, excecionalmente, e apenas em casos determinados, pode ser
privada. Essa permissão à tutela privada resulta do facto de a tutela pública
por vezes não funcionar ou funcionar tardiamente e os interesses a defender
não se compadecerem com a resposta mais lenta da tutela pública. Nessas
situações, que o próprio sistema compreensivelmente pretende ver como
excecionais, o particular pode recorrer à tutela privada do seu direito, e
mesmo assim só preenchendo determinados requisitos.

As normas estabelecem o que “deve ser”, mas a conduta humana é muitas


vezes oposta a esse “dever ser”; importa, pois, saber o conteúdo dos direitos
e dos deveres, como se determinam, quais os seus limites internos e externos
(exercício dos direitos); e também estudar as formas de que a ordem jurídica
se serve para fazer respeitar os seus comandos, as normas jurídicas (tutela
do Direito);
Ao Estado, como ente produtor de normas jurídicas, cabe zelar pela sua
aplicação e cumprimento, importando à violação de tais normas certas
sanções: é a garantia das relações jurídicas ou tutela jurídica.
Assim, consoante o agente protetor, pode ser: tutela privada ou tutela pública.
Claro que, a esmagadora maioria das vezes, se trata de heterotutela. Ou seja,
se um sujeito tem um direito e esse direito é violado por outro sujeito, aquele
pode reagir através do recurso a instituições pertencentes à máquina
estadual.
Não é hoje admitida a “justiça pelas próprias mãos”: não pode haver vingança
privada. Se alguém me bate, eu não posso vingar-me batendo-lhe também.
Tenho de recorrer aos tribunais que são o órgão competente para julgar e
aplicar sanções.
Só muito excecionalmente se admite a autotutela, em casos limite, quando
estão em causa bens jurídicos muito importantes e não há tempo para

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recorrer aos tribunais em tempo útil – por ex.: em determinados casos admite-
se uma atuação em legítima defesa (antes de se dar a lesão, o sujeito
ameaçado atua para afastar o mal iminente) – 1.º e 2.º do Código de
Processo Civil.

5.1. A tutela privada

A tutela privada ou autotutela é aquela que é assegurada pelo próprio titular


do direito violado, tendo em vista reparar essa violação, e só é admitida pela
lei a título excecional e subsidiário (cfr. artigos 1.º e 2.º do Código de
Processo Civil).

Artigo 1.º do CPC


Proibição da autodefesa
A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar e
assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites
declarados na lei.

Artigo 2.º n.º 2


A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário,
corresponde uma ação destinada a fazê-lo reconhecer em juízo
ou a realizá-lo coercivamente, bem como as providências
necessárias para acautelar o efeito útil da ação.

A tutela privada, subsidiária da heterotutela, é a que é feita pelos particulares


em regra para defesa dos próprios direitos e, por isso, que a tutela privada
seja fundamentalmente autotutela. Alguns exemplos: ação direta (artigo 336.º
do CC); legítima defesa (artigo 337.º do CC); direito de necessidade (artigo
339.º do CC); direito de retenção (artigo 754.º do CC); direito de resolução por
incumprimento (artigo 432.º e 801.º/2 do CC)

5.2. Manifestações de tutela privada ou autotutela

Todas as medidas de justiça privada admitidas pela nossa lei são


essencialmente de tutela preventiva ou compulsiva.

a) Ação Direta
Cfr. artigo 336.º do CC: pode consistir na apropriação, destruição ou
deterioração duma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta
ao exercício do direito, ou noutro ato análogo, não sendo lícita quando
sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.
A ação direta torna lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar
o próprio direito, quando esse meio for indispensável, pela impossibilidade de
recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização
prática desse direito.

b) Legítima Defesa

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Cfr. artigos 337.º do CC e 32.º do Código Penal (os conteúdos destes artigos
têm diferenças): destina-se a afastar uma agressão ilícita, mas o recurso à
ação privada só é lícito se essa ação for necessária para afastar aquela
agressão, pois, de contrário, será excessiva.
Assim, para haver legítima defesa, a agressão terá de ser atual e ilícita e a
necessidade do meio empregado para afastar a agressão.
A legítima defesa é a tutela privada e autotutela (defesa de interesses
próprios do defendente) ou heterotutela (defesa de interesses de terceiro).

c) Estado de Necessidade
Cfr. artigos 339.º do CC.
É, em termos gerais, um meio de tutela de direitos, mas diferentemente da
ação direta e da legítima defesa não se dirige contra atos de terceiros.
Ela visa a proteção de direitos colocados em perigo por forças da natureza ou
por terceiros que não aqueles contra quem a ação necessitada se dirige;
agora estamos perante uma situação de perigo e para afastar esse perigo
torna-se necessário sacrificar interesses de terceiro inocente.

d) Direito de Resistência
Faculdade de resistir a qualquer ordem que ofenda os nossos DLG e de
repelir pela força qualquer agressão se não for possível recorrer à autoridade
pública;

e) Direito de Retenção
Faculdade que, em determinadas situações, o credor goza de reter uma coisa
do devedor para o coagir a cumprir a sua obrigação (art.º 754.º e 755.º CC).

5.3. Tutela pública ou estadual (heterotutela)

É ao Estado que cabe a realização dos atos de coerção destinados a prevenir


ou sancionar a violação das normas. Diz-se heterotutela a que tem por fim a
tutela de direitos alheios.

I. Tutela preventiva
Tutela preventiva: a lei procura impedir a violação da ordem jurídica, a
prevenir a inobservância das normas: é o que se denomina “tutela
preventiva”
Medidas de segurança: são as que têm por objetivo essencial colocar
certa(s) categoria(s) de pessoas consideradas perigosas,
especialmente aptas a praticar crimes, em situação de não os praticar
ou dissuadi-las de os praticar.
Procedimentos cautelares: medidas que podem ser tomadas pelo titular
de um direito com o objetivo de evitar a sua violação, a título
subsidiário (têm, geralmente, de ser acompanhadas por uma ação
judicial principal) – artigos 381.º e seguintes CPC.

II. Tutela compulsória

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Após a violação da norma e destinada a evitar que essa violação se


prolongue: umas de carácter geral, como a chamada sanção pecuniária
compulsória, prevista no artigo 829.º-A do CC, outras específicas,
como as multais aplicadas aos empreiteiros de obras públicas pelo
atraso na entrega da obra.
Exemplo: condenação do devedor ao pagamento de uma quantia
pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação

III. Tutela repressiva ou sancionatória


Este tipo de tutela decorre da imperatividade das normas jurídicas: a
sanção prevista para a inobservância ou violação de uma norma
reforça a sua imperatividade.
É uma consequência desfavorável que atinge aquele que violou uma
regra. A sanção jurídica, como consequência desfavorável, é um efeito
jurídico (não um facto) conteúdo de uma regra jurídica que prevê a
violação de uma regra de conduta.

IV. Tutela reconstitutiva


É a mais comum. Já houve lesão e esta já está consumada. Neste
caso o infrator tem de repor a ordem das coisas, tal como estavam
antes da violação da norma.

Hipóteses:
- Coloca-se o lesado exatamente na mesma situação em que estaria se
não tivesse havido lesão. Ex: A emprestou a B um relógio e este não
lho devolve. O tribunal força coativamente, por um ato de autoridade
pública, a entrega daquele relógio. É a chamada reconstituição natural
(in natura ou em espécie) – artigo 562.º CC.

- Se não for possível a reconstituição natural, há lugar a uma


reconstituição por mero equivalente: se B estragou o relógio, será
condenado a pagar uma quantia pecuniária equivalente ao valor do
relógio – artigo 566.º CC.

- Há ainda casos em que se fala de compensação quando está em


causa indemnizar alguém por um dano num bem que não tem um valor
pecuniário (danos morais, não avaliáveis em dinheiro – dor sofrida,
dano estético, stress causado por um evento – 496.º CC).

V. Recusa de produção de efeitos jurídicos


Outras vezes a forma de o direito se proteger contra as violações é não
atribuir eficácia jurídica (validade) aos atos praticados contra as suas
regras.
Há uma norma que prescreve que os contratos de compra e venda dos
prédios devem ser feitos por escritura pública ou documento particular
autenticado. Se A e B transacionarem um prédio, mas documentarem
essa transação por mero escrito particular, o contrato será nulo.

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Há uma norma que proíbe os pais de venderem bens a um dos seus


filhos sem autorização dos outros filhos. Se não for cumprida, os outros
filhos podem pedir a anulação daquela venda.
Se A hipotecar uma casa a B para garantir um empréstimo que B lhe
fez, há uma norma jurídica que manda B registar na Conservatória do
Registo Predial essa hipoteca – sob pena de não ter prioridade no
recebimento do seu crédito em relação aos demais credores de A. Se
B não cumprir tal norma o contrato será ineficaz em relação a terceiros.

Assim, tutela pública é aquela que é assegurada pelo Estado com o objetivo
de garantir a boa aplicação e cumprimento das normas jurídicas, podendo
assumir a forma:
- Judiciária: isto é, pode ser realizada por via judicial (tribunais);
- Administrativa: ou seja, pode ser conseguida pela administração pública
(forças policiais,
etc.).

5.3.1. Tutela judiciária

A função tuteladora dos Tribunais resulta do artigo 202.º da CRP. A missão


dos Tribunais, enquanto órgãos de soberania, é assegurar a defesa dos
direitos e interesses legítimos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses
públicos e privados (tutela dos direitos), e bem assim reprimir a violação da
legalidade democrática (tutela do Direito).
A função jurisdicional dos Tribunais hoje significa não apenas a declaração do
Direito realizada pelos Tribunais, nos casos que lhe estão submetidos, mas
também a execução das suas decisões (cfr. Artigo 202.º da CRP).
Para o desempenho desta função, os tribunais estruturam-se segundo os
seguintes princípios:

a) Independência: os juízes só obedecem ao direito, por isso não estão


sujeitos a ordens, instruções ou diretivas de qualquer autoridade;

b) Imparcialidade: os juízes julgam de forma livre e descomprometida dos


interesses dos litigantes;

c) Passividade: os juízes não podem resolver o conflito de interesses que a


ação pressupõe sem que uma das partes tenha pedido e a outra sido
devidamente chamada a deduzir oposição.

5.3.2. Tutela administrativa

À Administração estadual cabe realizar os diferentes interesses (paz pública,


através de medidas e providências policiais) do Estado através dos seus
diferentes serviços e órgãos.

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Assim, a Administração estadual realiza os interesses coletivos sem


necessidade de recorrer aos Tribunais: privilégio da execução prévia; o
mesmo não acontece quando se trata de punir criminalmente; os
administrados podem impugnar os atos da Administração estadual quando
não concordam: reclamação para o próprio órgão ou recurso hierárquico ou,
ainda, recurso para os Tribunais.

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