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NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO

(1ªparte)

 Natureza Social do Homem

O Homem desenvolve toda a sua vida em sociedade. No entanto, não existe consenso sobre a
origem da sociedade.

Conceção naturalista da sociedade: os autores clássicos (Aristóteles, Cícero, São Tomas de Aquino,
Sto. Agostinho) acreditavam na origem natural da sociedade.

De acordo com esta conceção, a origem da sociedade encontrava o seu fundamento na natural
sociabilidade do Homem.

De facto, o Homem tem uma tendência natural para conviver com os outros de modo a satisfazer as
suas necessidades, pois só em estreita colaboração com os outros desenvolve todas as suas
capacidades e consegue realizar-se como pessoa.

Conceção Contratualista da Sociedade: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau


(séculos XVII e XVIII) defendem que a vida do Homem em sociedade não era natural, pois resultava
de um acordo de vontades (contrato social) entre os Homens. Assim, os Homens prescindiam da sua
vida solitária e errante («estado de natureza»), que se caracterizava pela inexistência de leis e
autoridade e passaram a viver em «estado de sociedade».

“Viver é necessariamente conviver”. Só através da interação com os outros Homens, da conjugação


dos seus esforços, baseada na solidariedade e na divisão do trabalho, o Homem atingirá a sua plena
realização.

 Ordem Social Normativa

A vida em sociedade implica a existência de regras que imponham condutas aos membros da
sociedade, com vista a evitar conflitos ou minimizar as suas consequências. Ordem social designa a
realidade cultural que se caracteriza por um conjunto de normas de conduta de diversa índole que
regulam a vida do Homem em sociedade.

A ordem social é uma ordem de liberdade, dado que, apesar das normas exprimirem um «dever ser»
e se imporem ao Homem, este pode violá-las, indignar-se contra elas ou pode mesmo alterá-las,
sendo
certo que a violação dessas normas só as atinge na sua eficácia e não na sua validade. Ex: A regra
«não matar» - todos concordam que deve ser acatada, mas isso não significa que todos a cumpram.
No entanto, a validade da norma não é afetada, pelo facto de haver homicídios.

A ordem social distingue-se da ordem natural. A ordem natural é uma ordem de necessidade: as
suas leis não são substituíveis, aplicam-se de forma invariável e constante, independentemente da
vontade do Homem ou mesmo contra a sua vontade.

 A ordem social normativa é constituída pelas seguintes ordens:

 Ordem moral;

 Ordem religiosa;

 Ordem de trato social;

 Ordem jurídica.

 Ordem moral:

A ordem moral caracteriza-se por um conjunto de imperativos impostos ao Homem pela sua própria
consciência ética, de tal modo que o seu incumprimento é, primeiro de tudo, sancionado pela sua
própria consciência. Por exemplo, o remorso e o arrependimento são sanções que o indivíduo impõe
a ele próprio por não cumprir determinado preceito moral.

A violação da regra moral pode não implicar apenas a censura por parte da própria pessoa que a
violou, mas também a de toda a comunidade, levando inclusivamente à marginalização ou rejeição
dessa pessoa pelo círculo social onde está inserida.

 Ordem religiosa:

A ordem religiosa regula as relações que se estabelecem entre o crente e a divindade. O fundamento
das normas religiosas é a própria divindade, considerada como um ente superior e perfeito. O crente
acredita que o não cumprimento das normas religiosas leva a sanções de carácter extraterreno.

 Ordem de trato social:

A ordem de trato social destina-se a permitir uma convivência mais agradável entre as pessoas mas
não são necessárias à subsistência da vida em sociedade. É o caso das regras de etiquetas, de
cortesia e deontológicas.

Quem não as cumpre sujeita-se à sanção social.


 Ordem jurídica:

A ordem jurídica é um conjunto de normas que visam regular a vida do Homem em sociedade
harmonizando os seus interesses e resolvendo os seus conflitos pelo recurso à coercibilidade.

A ordem jurídica é a ordem social regulada pelas normas jurídicas, ou seja, pelo Direito. O principal
critério que distingue a ordem jurídica das restantes ordens sociais é a coercibilidade, ou seja, as
normas jurídicas são suscetíveis de serem impostas pela força. Assim, aqueles que não respeitarem
as normas jurídicas sujeitam-se às sanções que as normas prescrevem.

Outro elemento de distinção é a exterioridade. Para o Direito a sanção só pode ser aplicada se a
ação ou omissão do indivíduo violar a norma.

Assim, enquanto que para a Moral, pensar em fazer mal ao outro, já é uma violação das normas
morais, para o Direito só quando o indivíduo exterioriza o seu comportamento (faz, de facto, mal aos
outros) é que pode ser punido. Há inúmeras normas que se aplicam aos diversos sistemas
normativos. Por exemplo, «não furtar» é uma norma simultaneamente jurídica, moral, de trato
social e religiosa.

 Norma Jurídica

São regras de conduta impostas pelo Estado aos cidadãos; como tal são obrigatórias.

 Características das normas jurídicas:

 Imperatividade: impõem uma determinada conduta aos cidadãos.

 Generalidade: aplicam-se a todos e não a alguns.

 Coercibilidade: o não cumprimento da norma implica uma sanção.

 Abstração: preveem as condutas de modo abstrato, não concretizando as situações

 Direito

O Direito, é um conjunto de normas de conduta social emanadas pelo Estado e garantidas pelo seu
poder.

O termo “Direito” pode ser utilizado com diversas aceções:

 Norma de conduta ou conjunto de normas;


 “Poder” ou faculdade.

 O Direito objetivo

É a norma ou conjunto de normas que regulam a vida em sociedade. Corresponde ao termo inglês
«law».

 O Direito subjetivo

É o poder ou faculdade, conferidos pela lei ao titular de um direito objetivo, de agir ou não de
acordo com o conteúdo daquele. Corresponde ao termo inglês «right».

Exemplo: O artigo 874 do Código Civil prevê que a “compra e venda é o contrato pelo qual se
transmite
a propriedade de uma coisa, ou outros direitos, mediante um preço”.

Trata-se de uma norma do Direito objetivo. O Sr. Rodinhas adquiriu um automóvel ao Sr. Felizardo.
Logo, o Sr. Rodinhas tem direito a receber o automóvel e o Sr. Felizardo tem direito a receber o
preço combinado. Quando nos referimos aos direitos das partes estamos a falar de Direito subjetivo.

 Direito e Organização da Sociedade

A ordem jurídica como forma de ordenação da vida social tem duas funções:

 Funciona como princípio de acão da conduta do Homem em sociedade;

 Estabelece as regras de organização da sociedade e das instituições sociais.

A ordem jurídica para subsistir precisa de se materializar. Assim, estabelece as suas instituições,
determina-lhes o estatuto funcional e organiza os processos jurídicos de atuação.

A ordem jurídica constitui o seu próprio sistema ou ordenamento jurídico, garantindo a sua coerência
pela instituição de órgãos (os tribunais) que impõem o cumprimento de sanções.

 Direito como Produto Cultural

A cultura é tudo aquilo que os Homens criaram ao longo do tempo e em todos os domínios, numa
dada sociedade (idioma, usos, costumes, regras, convenções, preconceitos sociais, crenças, ciências,
arte, filosofia, monumentos, etc.) e que são partilhados pela geração atual.
O Direito faz parte do elemento espiritual (ou imaterial) da cultura, como tal, é sensível a valores, logo
varia no tempo e no espaço.

 Valores fundamentais do Direito Justiça

A justiça é o fim último do Direito.

É o valor, a qualidade que as condutas humanas devem assumir no âmbito das relações sociais. No
entanto, definir justiça não é fácil.

Ulpiano refere-se à justiça como a vontade perpétua de dar a cada um o seu direito. No entanto, esta
definição é contestada, pois não se refere à justiça em si, mas à “vontade justa”.

Os gregos associavam justiça a «igualdade».

Para Leibniz, justiça significa proporção, ponderação, adequação, correspondência a um fim.

 A justiça é, normalmente, analisada em três modalidades fundamentais:

 Justiça comutativa: regula as relações dos membros da sociedade entre si, colocados num plano de
igualdade. (Ex: Se Adosinda vende um apartamento a Belarmino, este deve-lhe pagar o equivalente
ao apartamento).

 Justiça geral ou legal: justiça que se pretende atingir no âmbito das relações jurídicas entre a
sociedade e os seus membros naquilo que aquela lhes exige como contraprestação dos bens e
serviços públicos e do bem-estar geral que lhes proporciona.

 Justiça distributiva: diz respeito às relações jurídicas que o Estado estabelece com os seus cidadãos
para desempenhar as suas funções atendendo a critérios de igualdade, de mérito e de necessidade,
de modo a reduzir os desequilíbrios sociais e a proporcionar o bem-estar social.

A justiça é o valor ideal que constitui a razão de ser do Direito, sendo, pois, uma preocupação de
todos os sistemas jurídicos alcançar e integrar este valor nos seus ordenamentos de acordo com a
evolução de que as sociedades vão sendo alvo.

 Segurança

É um valor de hierarquia inferior, mas indispensável na vida social, pois está diretamente ligada à
utilidade, às necessidades práticas e às exigências da vida.
 Segurança com o sentido de paz social

O Direito tem que cumprir, primeiro que tudo, a missão pacificadora, que se estende às relações
internacionais.

 Segurança com o sentido de certeza jurídica

Exprime à aspiração de regras certas, isto é, suscetíveis de serem conhecidas. Deste modo, pretende-
se salvaguardar a previsibilidade e a estabilidade na vida jurídica.

 Exemplos de mecanismos destinados a garantir a certeza jurídica:

 A formulação de leis de carácter geral e abstrato, em termos claros e precisos, que não deem
margem a ambiguidades, e a sua publicação oficial para que o Direito possa ser conhecido e
compreendido por todos.

 A existência de regras que regulam a interpretação da lei.

 O princípio do caso julgado, segundo o qual não há possibilidade de recurso ordinário contra
decisões transitadas em julgado.

 A fixação de normas que fixam prazos de prescrição e da caducidade.

 Segurança em sentido amplo

Em sentido amplo, a segurança significa «proteger os direitos e liberdades fundamentais dos


cidadãos e os defender das eventuais arbitrariedades dos poderes públicos ou abusos do poder».
Este conceito está associado ao Estado Liberal que pretendia limitar o poder político, em benefício
dos direitos e liberdades reconhecidos aos cidadãos.

A segurança é garantida pela nossa Ordem Jurídica, essencialmente nos seguintes artigos da
Constituição da República Portuguesa (CRP):

 Art. 18º e 20º, possibilidade de recurso a um poder independente, o poder judicial, para defesa
dos direitos, liberdades e garantias;

 Art. 266º, subordinação da Administração Pública à Constituição e à lei, devendo os seus órgãos e
agentes, na sua atuação, respeitar os princípios de igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade;
 Art. 268º, possibilidade de recurso ao contencioso, dos cidadãos contra quaisquer atos
administrativos que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

 Acesso aos Tribunais

A ordem jurídica distingue-se das demais ordens sociais, devido à coercibilidade das suas normas, ou
seja, a possibilidade de se recorrer ao uso da força para impedir ou reprimir a violação de uma
norma jurídica.

Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do
povo, cabendo-lhe assegurar a defesa dos direitos dos cidadãos, bem como reprimir a violação da lei
e resolver os conflitos de interesses públicos e privados, sendo as suas decisões obrigatórias para
todos (art. 202º e 205º CRP).

Os tribunais são independentes e apenas sujeitos à lei (art. 203º CRP).

Segundo o art. 210 da CRP, a hierarquia dos tribunais judiciais é a seguinte:

 Tribunais de Comarca (de 1ª Instância): que são assim designados porque lhes cabe apreciar a
generalidade das causas pela primeira vez.

 Tribunais da Relação (de 2ª Instância): os tribunais a que se recorre para uma segunda apreciação
da decisão final Tribunal de Comarca.

 Supremo Tribunal de Justiça: que corresponde à última instância de recurso.

Tribunal Constitucional: apenas conhecem de possíveis violações da CRP.

A todos é garantido o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (art. 20º CRP)

 Informação Jurídica

Todos têm direito à informação e consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar
por advogado perante qualquer autoridade (art. 20º, nº 2).

Cabe ao Estado dar a conhecer o direito, através de publicação e de outras formas de comunicação,
com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres.
 Proteção Jurídica

A proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, sendo


concedida para questões ou causas judiciais concretas ou suscetíveis de concretização em que o
utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados
de lesão.

A insuficiência económica é condição necessária para a proteção jurídica, pois a todos é garantido o
acesso à justiça.

O requerimento de proteção jurídica é apresentado em qualquer serviço de atendimento da


Segurança Social.

 A consulta jurídica, consiste no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a questões

ou casos concretos nos quais estejam em causa interesses pessoais legítimos ou direitos próprios
lesados ou ameaçados de lesão.

Abrange diligências extrajudiciais que se mostrem essenciais para o esclarecimento da questão


colocada.

 O apoio judiciário, compreende as seguintes modalidades:

 Dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo;

 Nomeação e pagamento da compensação de patrono;

 Pagamento da compensação de defensor oficioso;

 Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;

 Nomeação e pagamento faseado da compensação do patrono;

 Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;

 Atribuição de agente de execução.

 Profissões Jurídicas

As profissões jurídicas são aquelas que executam as tarefas necessárias à boa interpretação e
aplicação da lei e asseguram o prosseguimento dos processos judiciais.
 São Profissão Principais:
 Juiz: Juízes-conselheiros; Juízes-desembargadores; Juízes de Direito.

Julgar as causas submetidas a julgamento com fundamento na Constituição e na lei.

 Magistrados do Ministério Público: Procurador-Geral da República; Vice-Procurador-Geral

da República; Procuradores-gerais-adjuntos; Procuradores da República; Procuradores adjuntos.

Representam o Estado junto dos tribunais, defendem os interesses determinados na lei e participam
na execução da política criminal, exercendo a ação penal nos termos definidos pela Constituição e
concretizados na lei.

 Advogados e advogados estagiários:

Exercem o patrocínio das partes e a consulta jurídica.

 Solicitadores:

Exercem o mandato judicial e a consulta jurídica, dentro dos limites estabelecidos na lei.

 Agentes de execução:

Procedem à execução judicial.

 Notários:

Conferem forma legal a atos jurídicos extrajudiciais a que a lei reconhece fé pública.

 Conservadores:

Compete-lhes proceder ao registo de determinadas situações jurídicas e dar-lhes publicidade e


eficácia face a terceiros.

 Oficiais de Justiça:

Secretário de tribunal superior e secretário de justiça; Secretário de justiça (escrivães de direito,


escrivães-adjuntos e escrivães auxiliares).

 Técnicos de justiça (principais, adjuntos e auxiliares):

Assegurar o expediente, autuação e regular tramitação dos processos.

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