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DIREITOS HUMANOSE...

RINS
Coleção Primeiros Passos
ANTONIO CANDIDO
Nelson Mandela O que são Direitos da Pessoa ANTONIO CARLOSRIBEIRO FESTER (ORG.)
Mary Benson Dalmo de Abreu Dallari CARLOS ALBERTO IDOETA
FÁBIO KONDER COMPARATO
Direitos Humanos O que é Habeas-Corpus HERBERT DE SOUZA
Leah Levin (UNESCO) Adauts Suannes
MARCO ANTÔNIO RODRIGUES BARBOSA
Direitos Flumanos O que é Justiça MARILENA CHAUI
Um debate necessário - Vol. 1e 2 Julio C. Tadeu Barbosa D. PAULO EVARISTO ARNS
Vários autores
O que é Constituinte
Muda Brasil Marília Garcia
Fábio K. Comparato
O que é Tortura
Para Viver a Democracia Glauco Mattoso
Fábio K. Comparato
O que é Poder
Gerard Lebrun

Coleção Tudo é História

Apartheid
O horror branco na África do Sul
FranciscoJ. Pereira

COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE SÃO PAULO

editora brasiliense
14 INTRODUÇÃO

de São Paulo, em outubro/novembro de 1987 e abril/maio de


1988. Outros, a maior parte, do trabalho solitário e solidário de 1
seus autores. Todos frutos da boa vontade.
Obra destinada ao público em geral, aos interessados pelos
direitos humanos em particular, mas, certamente, de grande utili- Direitos Humanos e Medo
dade junto aos alunos e professores, no aprendizado conjunto do
respeito mútuo e da vida vivida em dignidade e plenitude, rumo MARILENA CHAUI
à Justiça e à Paz.
O medo. Vício ou virtude? Mudando de sentido ao sabor
das mudanças históricas. A teoria jurídica articulada a três verten-
tes antagônicas. As classes sociais, no Brasil, têm medos diferen-
tes. Divisão social do medo. Quer saber mais? Leia o texto de
Marilena Chaui. De quebra, lhe oferece o prazer do texto, acrés-
cimo ao prazer de pensar e lutar por um mundo melhor. Prazer
que certamente a autora tem ao ajudar-nos a ser felizes. Com me-
do e tudo. Nosso e dela. E na certeza da vitória, ainda que não
vivamos o dia,
AIDS. Desnudamento de uma sociedade. Burguesa. Viven-
do das aparências, fugindo da transparência. E a fé, realimenta-
da, neste milagre chamado Homem: Herbert de Souza, Betinho.
Presente neste livro.
Prêmio Nobel da Paz, a Anistia Internacional. O ex-presiden-
te da Seção Brasileira, Carlos Alberto Idoeta, nos escreve sobre I
ela com a mesma clareza e intrepidez de seu trabalho. 2
per
Direitos Humanos e Estado. Professor de direito é humanis- É interessante observar que, do ponto de vista
to e pelo
ta fusão ideal — Fábio Konder Comparato, com a competên- houve coincidência entre a mutação sofrida pelo concei
a discuss ãofilo sófico -polít ica sobre os direi-
cia e rigor que lhe são próprios, nos ensina e questiona. Com sentimento do medoe
uma profunda sensibilidade nas entrelinhas. m.
e foi ar-
Entrelinhas e texto subjacente, análise de textos, do mundo, o o nas sociedades aristocráticas, o medo sempr
s da guerra , e contra posto à
do Homem, é também especialidade do autor seguinte: Antonio ticulado à covardia, diante dos perigo
seja, da ice
Candido, professor emérito. coragem, como virtude própria dos guerreiros, ou
excepeiona
Mais do que seus dotes intelectuais, os ofícios que exercem cia. O medo, vício dos covardes, aparecia como algo
entre os aristocratas, mas como algo naus eE
e a importância social que tenham, nos impressiona, nestes auto- e vergonhoso
esa introd uz a muda
res que temos a ventura de conhecer pessoalmente, os Homens é cial à plebe. O advento da sociedade burgu
também a maneira
Mulher que são, deixando-nos reverentes. Educar para os direitos ça dos valores éticos e sociais, transformando
o medo, que deixa de ser o vício pi
humanos é uma forma de ser, é uma postura que se faz presente de definir e de localizar
à todos os
também nos textos. Como os deste livro, primeiro de umasérie. rístico da plebe para tornar-se um sentimento comum
dos grandes : vir-
Marco Antônio Rodrigues Barbosa re anterior entre virtudes e vícios
Presidente da Comissão Justiça vai se apaga ndo e surge em seu ugar
tudes e vícios dos pequenos
e Paz de São Paulo duos iguais , sujeit os por nature za às mesas
a imagem dos indiví
Isso é gomperen í
Antonio Carlos Ribeiro Fester paixões, capazes dos mesmos vícios € virtudes.
ser oculta R a
Organizador deste volume vel numa sociedade onde a divisão social tende a
seus membr os e onde a realida-
la imagem da igualdade natural de
o) DIREITOS HUMANOSE MEDO MARILENA CHAUI 17

de passa a alojar-se não mais na figura da comunidade, mas na a pressuposição de um bem comum, nem a coletividade vista co-
do indivíduo. mo uma grande família cujo pai é o governante, representante
Tal como Descartes universaliza a razão, ao afirmar que “o do poder do Pai divino. À sua referência é o indivíduo como áto-
bom senso é a coisa melhor””, a sociedade burguesa faz o univer- mo isolado, tornando-se necessário saber como os indivíduos iso-
salismo alcançar as paixões, os vícios e as virtudes, resultando lados vieram a viver em comum, isto é, de como surge a sociabi-
'na afirmação de que, por natureza, todos os homens estão sujei- lidade(donde o desenvolvimento das teorias modernas do contra-
tos ao medo. Mas não é só isto. A sociedade moderna, sabemos, to social e do pacto social).
nasce quando desaparecem tanto a imagem quantoa realidade da A indivisão como referência da sociedade é substituída pe-
comunidade. Uma comunidade pressupõe e afirma: 1) sua indivi- la divisão interna ou, como diz Maquiavel em O Príncipe, toda
são interna; 2) a comunhão de destino, idéias, crenças e valores; cidade é constituída pela divisão em dois desejos opostos: o dese-
3) a identificação de todos os seus membros com a figura do go- jo dos grandes de comandar e oprimir e o desejo do povo de não
vernante encarnando em sua pessoa o ser mesmo da comunidade ser oprimido nem comandado. O mais importante, porém, é que
que nele se espelha, donde a idéia de que as virtudes e os vícios a sociedade já não pode explicar sua origem, sua forma,a existên-
cia do poder e da lei, a existência das desigualdades e dos confli-
da comunidade dependem inteiramente das qualidades morais do
tos referindo-se a uma força externa transcendente que os teria
governante, que é espelho e guia da comunidade; 4) a indivisão, produzido. Ou seja, a marca fundamental da sociedade moderna
figurada pelo governante e pela comunidade de destino, fazendo está em que não pode colocar sua origem na vontade de Deus,
com que se creia na existência de uma ordem comunitária natural, mas é forçada a reconhecer que as relações sociais, o poder e a
fixa, imutável, estabeleci los rios homens e sim por
lei são produzidos pela própria sociedade ou pela própria ação so-
uma força divina, sábia e transcendente que cial dos homens divididos, seja como indivíduos isolados, seja
homens qual a melhor forma de sua existência em comum; 5) o como indivíduos separados em grandes opressores e o povo que
poder assegurado pela fonte divina externa, que, ao garantir a or- não deseja ser oprimido.
dem, define 01 o de cada membro da coletividade, desig- No contexto da passagem da comunidade à sociedade com-
na sua função e suavirtude própria e estabelece a hierarquia inter- preendemos por que o medo muda de sentido e por que será um
na à comunidade, hierarquia que é encarada como realização da motivo central na constituição do pensamento político moderno.
vontade divina, como algo natural e necessário e que homem al- De fato, enquanto existia a comunidade, os homens dispunham
gum podealterar; 6) a lei concebida como doação à comunidade de referências para pensar sua realidade como algo necessário,
por Deus, que usa o governante como intermediário,isto é, o go- bom, imutável, e também havia referências para os seus medos:
vernante ou o detentor do poder é aquele que, em nome da divih- não precisavam temer mudanças sociais, mas tinham o medo da
dade, faz a lei segundo sua vontade própria, ou como diziam os existência de forças maléficas que quisessem mudar a comunida-
juristas medievais: “o que apraz ao rei tem força de lei”. A mar- de, isto é, os homens temiam o tirano eo diabo, aliás, considera-
ca da majestade do poder está nesse fazer a lei e em julgar a to- vam o diabo um tirano e o tirano, um homem diabólico. Além
dos segundo a lei, mas ele próprio permanecendo acima e fora do medo do tirano e do diabo, os poderes perversos, os homens
da lei, não podendo ser julgado por ninguém. Assim, uma comu- também tinham medode Deus, a força que criou e que conserva
nidade indivisa, encarnada na vontade e na razão da majestade a comunidade e os próprios homens. Não é casual, por exemplo,
do governante, desconhece a figura dos indivíduos, só conhecen- que o cristianismo defina o ateu como aquele que não tem o te-
do os seres humanospelo lugar e pela função que ocupam nointe- mor de Deus. Poder-se-ia dizer que, enquanto existia a comunida-
rior da ordem comunitária a serviço do bem comum, pois não há de, os medos eram muito precisos: tinha-se medo do fim da comu-
bem individual, não havendo distinção entre o público e o priva- nidade por obra do tirano e do demônio; de perder os favores de
do. A comunidade é umarealidade orgânica, divinizada, naturali- Deus; de perder a alma na eternidade; dos detentores do poder
zada e praticamente imóvel ou imutável, dirigida por forças que político e teológico, já que estes podiam julgar alguém culpado
lhe são transcendentes. sem direito à defesa, e se aquele que fosse julgado culpado pelos
É isso que desaparece com o advento da sociedade moder- representantes de Deus na comunidade estava condenado; enfim
na ou burguesa. A marca própria da sociedade é que sua referên- de tudo quanto pudesse surgir como obra do inimigo de Deus, is-
cia não é mais a ordem divina ou a ordem natural, nem a imagem to é, do demônio — feiticeiras, magos, bruxos, hereges, ateus,
da indivisão, nem a hierarquia de cargos, lugares e funções, nem livres-pensadores, tiranos, pestes, fomes, cataclismas.
MARILENA CHAUI

I8 DIREITOS HUMANOSE MEDO elo entre o adven-


Sob esse aspecto, podemostraçar um paral
que O tribunais na Grécia Clássi-
o da sociedade? Agora, por to moderno do direito e a criação dos
O que muda com O advent ido s com o obr as dos pró- nasc imento da democracia.
perceb ca, particularmente em Atenas, com O
social, o político e a história são que as relações sociais não fo- as são uma reflexão da pólis acer-
ens , veri fica -se tam bém Sabemos que as tragédias greg
prios hom s de homens e cidade demo-
pel o Diabo (não nos esqueçamo ca de sua própria origem como cidade dos
ram ordenadas por Deus ou Igreja rcam à diferença entre
to Agosti nho , à comunidade dos Justos — crática. Nessa reflexão, as tragédias dema
que, para San ade dos Inju stos é ord ena- ado arist ocrát ico neste, regido pe-
to à cid o presente democrático e o pass
— é ordenada por Deus, enquan Caim), mas nasceram da ação
ado , por e é crime intrafamiliar, cri-
da pelo Diabo, pel o pec . la lei da família e do sangue, O crim um novo
vingado com
social de grupos divididos e
sobretudo de indivíduos isolados -
à Nat ure me de sangue que os deuses exigem seja
Deus e do Diabo é do med o ança e assim indefinida-
Assim, ao lado do medo de o uns crime sangrento, o qual pede nova ving pessoal ordenada
sam a ter um medo fundamental: têm med ico é o da vende tta
za, os hom ens pas teorias polí ticas mente. O mundo aristocrát a
anos. Donde as gias nas quais a últim
pelos deuses. Ora, as tragédias são trilo
dos outros enquanto seres hum homem” e da “guerra de todos
o do o desaparecime nto da vendetta e o nas-
modernas do “'homem lob torna- peça é umareflexão sobre
tod os” . O med o, que antes era teológico-político, cimento do poder democrático.
contra ou com o dizi a Rio bal- e Apolo, convocados
o do humano Assim, na Oréstia de Sófocles, Atena
se medo sócio-político e med sua mãe
ou não matar
humano”. para discutir com Eríneas se Orestes deve
do: “Tenho medo de homem tempo quase era imperceptível, não
Não só isto. Antes, o decid ir pelo herói como es-
bém Clitmenestra, consideram impossível julguem os hu-
am muito lentamente, mas tam os humanos
só porque as mudanças ocorri interpretada teologicamente, is- te deverá proceder e declaram: “Que
era o que vem legit imar o nascimento do direito e
e sobretudo porque a história per- manos”, afirmaçã
os era visto como seguindo um da modernidade, o que se afirma é que O
to é, o curso dos aconteciment desde toda a eternidade pela pro-
ido dos tribunais. No caso
es que cometem uns
curso pré-ordenado, estabelec a, O aspecto natural, necessário, Or-
man eir medo recíproco entre os homens € Os crim
vid ênc ia divi na. Des sa as e à de um fim e reque r para isso uma instân-
dade, a lentidão das mudanç contra os outros, carece
gânico e imutável da comuni co per cep- rir o direito do exercício
tornavam O tempo pou cia, separada deles, à qual se possa confe
para se realizar, depen-
teologia da história providencial que a vida social e política é
por da vingança como vingança social, que,
tos e deveres dos homens enquan-
tível e pouco temível. Agora, ações humanas e porque a marca
o res ult and o das de da clara definição dos direi
percebida com - ou seja, dos direitos do ho-
ão capitalista é a velocidade tem to indivíduos vivendo em sociedade, ição aqui é
fundamental do modo de produçe a perda contínua de referenciais ão. A defin
mem enquanto homem e enquanto cidad
poral, a rapidez das mudanças des- ns, livrando-se do medo
bém provocam medo. Assim, condição sine qua non para que Os home
fixos, o tempo e a história tam ortância a idéia da Fortuna com
imp de um medo ainda mais forte, is-
de a Renascença, ganha maior - recíproco, não caiam nas garras
o do tem po como aquilo que altera inex to é, o medo da arbit rarie dade do poder .
a sua roda, rep res ent açã tun a, com o ade não houvesse
um e da sociedade. For Isto não significa que antes da modernid
plicavelmente à vida de cada onstância e do inesperado; e, con-
da inc mos que exist iu a teoria do
dissera Boécio, é o nom e nossa teoria dos direitos humanos — sabe
que damos à adversidade e à cos, a do direi to subje tivo dos teólo-
forme Maquiavel, é o nome o da ideo logia direito natural entre os estói
também o esforç teoria da distinção en-
gos e juristas do final da Idade Média e a
própria fraqueza. Apresenta-se eira laica, a teologia da história Tom ás de Aquino, por
tre direito natural e direito civil em São ou conhecer os
burguesa para recuperar, de man do bom tempo, à ideologia do
a Á desc onhe cer
providencial, isto é, a ideologi exemplo. PEER tos no real. Po-
progresso. direitos dó homemesim na inscrição desses direi
significa o advento do social política dos direitos sub-
O surgimento da modernidade tico e do histórico como his-
o polí demosconstatar que, na versão teológico-
como social, do político com e portadores de direitos
em como sujeito social, político jetivos e objetivos, os homens são ditos
tórico. Confirman do o hom ria Deus é orig em e causa dos di-
damental para O interior da próp por vontade de Deus, de sorte que
e antes da comu nida de e para que venham
histórico, desloca o medo fun simultaneamente, o pensamento
que nas ça, reitos dos homens desd
sociedade, e faz com as teo- ida, na versão moderna
homem. Conseqiientemente, a viver em comunidade. Em contrapart
moderno sobre os direitos do ntia jurí dica, m, os homens são ditos portadores de direi-
O direito como gara dos direitos do home
lei positiva, isto é, os
rias modernas do direito pensam os sujeitos sociais têm dos ou-
que tos, por natureza ou por efeito da
social e política contra O medo
tros suje itos soci ais.

E = = TES ED
Eta md : y
| 20 DIREITOS HUMANOS E MEDO MARILENA CHAUI ; 21

direitos são naturais ou civis, sendo estes últimos criados pelos a teoria do direito natural nasce, afirmando que os homens são
próprios homens. Essa diferença é de grande envergadura porque dotados de direitos por natureza e que os direitos naturais são: di-
nos permite compreender uma prática política inexistente antes reito à vida ou à autoconservação, direito a tudo quanto auxilie a
| da modernidade e que se explicita, significativamente, em ocasiões auto-conservação dos indivíduos e direito ao pensamento e à pala-
muito precisas: trata-se da prática da declaração dos direitos. De vra. Os autores clássicos afirmam que, por natureza, os homens
fato, quando os direitos subjetivos e objetivos eram vistos como são iguais e livres, mas ressalvam que, em estado de natureza,
resultando da vontade de Deus, não havia por que declará-los. os homens não conseguem garantir seus direitos naturais; para ga-
Existiam como umfato. A prática de declarar direitos significa, ranti-los, recorrem ao contrato social, a partir do qual os homens
em primeiro lugar, que não é umfato óbvio para todos os ho- decidem alienar seus direitos naturais a uma instância soberana
* mens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, signifi- que os transforme em direitos civis positivos, através das leis.
ca que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconheci- Essa instância é o Estado. Não cabe aqui examinarmosas diferen-
dos por todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no so- tes concepções clássicas da teoria do direito natural e civil, da te-
cial e no político, afirma sua origem social e política e se apresen- oria do contrato social e da teoria do Estado como legislador e
| ta como objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o árbitro. O ponto que nos interessa aqui é apenas aquele no qual
| consentimento social e político. os teóricos modernos tendem a identificar o estado de natureza
| Dissemos que a prática política da declaração de direitos com o estado do medo generalizado e a idéia de que a criação
ocorre em ocasiões muito precisas. De fato, na modernidade, en- do direito civil e do Estado é um feito racional, ditado pelos inte-
contramos declarações de direitos em situações revolucionárias: resses dos homens face ao medo da violência. Esse ponto nos in-
as revoluções inglesas de 1640 e 1688; a independência norte- teressa porque a admissão do Estado como instância racional ca-
americana; a Revolução Francesa de 1789; a Revolução Russa paz de, pelas leis e pelo direito positivo, garantir a vida, a igual-
|
de 1917. Tambémencontramos a declaração de direitos no perío- dade e as liberdades dos homens, articulará a teoria jurídica a três
hi
vertentes políticas antagônicas:
do posterior à Segunda Guerra Mundial, isto é, ao fenômeno do
totalitarismo nazista e fascista, que conduzem à Declaração dos
* vertente republicano-democrática: julga que o direito civil
Direitos Humanos de 1948. Dessa forma, a confirmação de que
só poderá garantir os direitos naturais se mantiver os dados
os direitos do homem se tornaram uma questão sócio-política es-
que constituem tal direito, isto é, a igualdade e a liberdade:
| tá no fato de que as declarações dos direitos ocorrem nos momen- * vertente da monarquia constitucional: que considera que
n tos de profunda transformação social, quando os sujeitos sociais somente o poder legal centralizado no monarca e nas insti-
têm consciência de que estão criando uma sociedade nova ou de- tuições monárquicas é capaz de asseguraros direitos naturais;
fendendo a sociedade existente contra a ameaça de sua extinção. * vertente absolutista: que tende a apagar os direitos naturais
Enfim, o fato de que os direitos precisem ser declarados e que se- e os civis e a assumir, assim, perante o constitucionalismo
jam declarados nessas ocasiões, indica relações profundas entre moderno, as características da tirania.
os direitos humanos e a forma do poder, a definição da violên-
|| cia e do crime e o medo. Em outras palavras, a moderna teoria dos direitos desem-
boca numa concepção jurídico-constitucional da política que se
torna o padrão para avaliar os regimes políticos e serve para re-
H definira tirania: esta, longe de ser encarada comoresultadoda ação
demoníaca de um homem viciosoe perverso, aparece como política
Retornemos ao nosso ponto de partida. na qual os direitos naturais desapareceram, os direitos civis não se
Dissemos que o advento da sociedade moderna altera o constituíram e a regra sócio-política é a da opressão, entendida
sentido do medo, que se torna muito mais difuso do que antes, como apropriação privada daquilo que seria público e comum a todos
assume um conteúdo não só psicológico, mas ainda sócio-políti- os membros da sociedade. A avaliação não se refere mais às quali-
co e se manifesta como medo da violência dos indivíduos contra dades do governante e sim àsdasinstituições sócio-políticas. Assim,
os indivíduos, medo do poder e medo do tempo. E nesse contexto que a noção de direito natural e civil, natural e positivo serve de medi-
MARILENA CHAUI 23
22 DIREITOS HUMANOS E MEDO

da para avaliar os regimes políticos e não será casual que mui- contra preconceitos e superstições, liberando o espírito dos ho-
tos teóricos distingam esses regimes segundo a presença ou ausên- mens de medos trazidos sobretudo pela religião e pela ignorância;
2) na criação do Goden omo poder gúblicoy legal que, nascido

guga eeme
ai? cia de medo. Dirão muitos que umregime político é livre ou repu-
blicano quando nele os cidadãos agem em conformidade com a do consentimento dE seus criadores, seja por eles respeitado e obe-
* lei porque se reconhecem como origem ou como autores das leis decido segundo padrões que eles próprios estabeleceram; 3) no
segundo seus direitos; e, será tirânico o regime político no qual reconhecimento por parte de cada homem e de todos eles, assim
como pelo poder público, de que fodo indivíduo“nasce Yom direi- j
os cidadãos obedecem às leis por medo dos castigos, sendo por
1d isso tomados como escravos, uma vez que, perante o direito, é tos invioláveis, os quais ele pode ou nao alienar a outros, e cujo
ri
escravo aquele que vive sob o poder de um outro homem e reali- desrespeito configura violência e opressão que os homens têm o
za os desejos de outrem como se fossem os seus próprios. direito de combater e vencer. Por isso, com muitos humanistas e
A existência das três vertentes do pensamento político é im- clássicos, nasce a idéia do direito de resistência à opressão e à
portante para compreendermos o ressurgimento e o fortalecimen-
to das teorias do direito natural e do direito civil nas discussões migrar está no fato de conterem dentro de si mesmas uma teo-
do pensamento da Ilustração, no século XVIII, que permitiram, : Finalmente, um
com a Revolução Francesa, afirmar que os regimes não-constitu- outro ponto importante nessas teorias é que, em sua maioria, não
cionais eram o Antigo Regime. Este, caracterizado como opressão constituem teorias jurídicas da política'e sim teorias políticas que
e violência, é definido como regime fundado no medo. Ao mes- carregam em seuinterior um forte componente jurídico, pois colo-
mo tempo, podemos compreender um fenômeno interessante, cam os direitos naturais e os direitos civis no centro da ação polí-
qual seja a posição de alguns teóricos, como é o caso de Rousse- tica e sobretudo conferem noção de lei o papel de eliminar o
au, que tenderão a ver na simples existência do poder de Estado social e político. Isto significa, donde o of O desses
e memarspree—

a destruição dos direitos naturais e seu desvirtuamento pelos direi- pensadores, que a posição de um pólo político separado da socie-
tos civis que nada mais seriam senão a transformação em lei e dade, no qual esta possa superar suas divisões internas e perceber-
emdireito positivo da desigualdade social, da opressão e da vio- se unificada, confere à legalidade o estatuto da legitimidade: a lei
lência. Dessa forma, ao otimismo dos teóricos clássicos do sé- se anuncia como a visibilidade sócio-política da justiça. Nessa
culo XVII se contrapõe o pessimismo de muitos pensadores do perspectiva, onde houver medo haverá injustiça, onde houver in-
século XVIII que viram no Estado a impossibilidade de concreti- justiça haverá ilegalidade, onde houver ilegalidade haverá tirania
parte dos
rhaveráo direito de resistência por

vw
zar os direitos humanos, pois o Estado seria instrumento de opres- Tonde
houve
são dos mais fracos pelos mais fortes. “cidadãos que poderãorest; aldade e a liberdade que os
Antes de retomarmos essa problemática, que será a terceira efine naturalme isse otimismo republicano que vigorará na
parte de nossa exposição, examinemos o otimismo dos humanis- Revolução Francesa e que sustenta a declaração dos direitos do
tas da Renascença e dos pensadores clássicos do século XVII. homem e do cidadão, isto é, os direitos naturais e os direitos ci-
“Humanistas e clássicos tenderam, como vimos, a acompanhar a vis, é o que desaparecerá quando, no século XIX, os movimentos
dessacralização da realidade sócio-política e a conceber a socieda- populares e proletários revelarem a injustiça dasleis e a inexistên-
de a partir de suas divisões internas; vimos que Maquiavel fala- cia concreta dos direitos declarados nas várias revoluções.
va na divisão originária da sociedade entre os Grandes e o Povo Via (edtiveds)
e podemos mencionar o pensamento de Espinosa, o qual toma co-
mo ponto de partida os indivíduos e afirma que todo indivíduo, HI
por natureza, deseja governar e não ser governado. Quer sejam
contratualistas como Hobbes, Grotius, Locke, quer não sejam Sabemos que um dos pontos mais importantes da discus-
contratualistas como Maquiavel e Espinosa, os pensadores dos sé- são de Marx sobre a sociedade moderna encontra-se na questão
culos XVI e XVII estão convencidos de que a possibilidade de relativa ao poder. Marx indaga: Como se dá a passagem da rela-
vencer o medo reinante entre os/homens encontrasse na satisfação ção pessoal de dominação à dominação impessoal por meio do
de três condições: 1) no desenvolvimento da (az como vitória Estado e, portanto, da lei e do direito? Comose explica que a rela-
24 DIREITOS HUMANOS E MEDO

ção social de exploração se apresente como relação política de MARILENA CHAUI 25


dominação legal, jurídica e impessoal? E como se explica que vi-
vemos emsociedades nas quais as desigualdades econômicas, so- privada é declarada um direito do homem e do cidadão. Ora, vive-
ciais, culturais e as injustiças políticas se ofereçam como não sen- mos em sociedades onde esse direito não pode, por natureza e
do desigualdades nem injustiças porque a lei e o estado de direi- por definição, ser cumprido nem respeitado. Mais do que isto:
to afirmam que todos são livres e iguais? Como explicar que em nossas sociedades, a lei e o Estado, que devem proteger a pro-,
as priedade privada, porque esta é um direito do homem e do cida-
desigualdades, a exploração e a opressão, que definem as rela-
ções sociais no plano da sociedade civil, não apareçam dessa ma- dão, só poderão defendê-la contra os sem-propriedade, de sorte
neira nas relações políticas definidas a partir do Estado pela lei e que a defesa do direito de algunssignifica a coerção, a opressão,
pelo direito? Como explicar queo direito produza a injustiça? Co- a repressão e a violência sobre outros, no caso, sobre a maioria.
mo explicar que o Estado funcione como aparato policial repressi- Em outras palavras, a partir do momento em que a propriedade
privada é definida como um direito que, abstratamente, é de
vo, cause medo, em vez de nos livrar do medo? to-
Evidentemente, não cabe aqui discutirmos as respostas que dos e, concretamente, exclui desse direito a maioria, a exclusão
Marx e outros depois dele deram ao problema. Cabe porém lem- faz com que a propriedade privada se ache ameaçada, e não será x
brarmos o centro da colocação de Marx, porque esclarece ques- casual que o crime (violação do direito) em nossa sociedade seja
tões obscuras. Uma das respostas de Marx às suas próprias per- preferencial e primordialmente definido-como crime contra à pro-
guntas é bastante conhecida: a sociedade capitalista, constituída priedade, uma vez que mesmo a vida é definida como proprieda-
pela divisão interna de classes e pela luta entre elas, requer para de privada da pessoa. Assim, somos forçados a reconhecer que
seu funcionamento a fim de recompor-se como sociedade, embo- as declarações modernas dos direitos humanos trazem consigo a
ra inteiramente dividida, aparecer como indivisa. A indivisão se violência e produzem o medo. São fonte de medo, em lugar de
propõe de duas maneiras. Em primeiro lugar, no interior da socie- serem fonte de emancipação.
“dade civil, pela afirmação de que há indivíduos e não classes so- Mas não só isto.
ciais, que esses indivíduos são livres e iguais, relacionando-se atra- As declarações dos direitos do homem e do cidadão afirmam
vés de contratos; assim, a sociedade civil, isto é, O mercado, se que os homenssão seres racionais e que é seu direito o uso da ra-
define pela existência de indivíduos ordenados por relações jurídi- zão, a liberdade de pensamento e de expressão, a liberdade de
cas, O que nega a existência das divisões sociais, estas aparecen- opinião. Deixemos de lado o problema óbvio da censura em paí-

1
do como diferenças de interesses entre indivíduos privados. Em ses democráticos, autoritários e totalitários. Indaguemos se nas
segundo lugar, o ocultamento da divisão de classes se faz pelo sociedades contemporâneas esses direitos podem ser respeitados.
Estado, que está encarregado, através da lei e do direito positivo, Não mencionemos também a manipulação das consciências pelos
de garantir as relações jurídicas que regem a sociedade civil, ofe- meios de comunicação de massa, pelo consumo, pela indústria
recendo-se comopólo de universalidade, generalidade e comuni
da- da opinião pública. Indaguemos se, no modo mesmo comose or-
de imaginárias. A resposta de Marx enfatiza que o estado de di- ganiza a divisão social do trabalho, o trabalho fabril, o trabalho
reito é uma abstração, pois a igualdade e a liberdade postula
das nas instituições de serviço público ou privado (como na saúde e
pela sociedade civil e promulgadaspelo Estado não existem. Nes- na educação), esse direito pode ser respeitado. A resposta será
sa perspectiva, os direitos do homem e do cidadão,
além de serem negativa. De fato, sob os imperativos da divisão social do traba-
ilusórios, estão a serviço da exploração e da dominação, não
sen- lho em manual e intelectual, sob os imperativos da divisão dita
do casual mas necessário que o Estado se ofereça como máquin
a científica do trabalho fabril, sob os imperativos técnico-administra-
repressiva e violenta, fazendo medo aos sem-poder, uma
vez que tivos e burocráticos que regem a administração dos serviços públi-
o Estado e o direito constituem-se no poderio particular da clas-
cos e privados, os cidadãos são diferenciados em duas grandes
se dominante sobre as demais classes sociais.
categorias: a dos dirigentes, que sabem e que têm o direito ao
A verdade das colocações de Marx transparece quando
exa- uso da razão, e a dos executantes, que, considerados como
minamostanto a declaração dos direitos de 1789 quanto a declara os
- que nada sabem, não têm direito ao uso da razão. Essa divisão
ção dos direitos humanos de 1948, pois em ambas a proprie
dade social entre competentes e incompetentesçião fere apenaSyas decla-
rações dos direitos humanos, mas também um dos mais importan
-
MARILENA CHAUI 27
26 DIREITOS HUMANOSE MEDO

tes princípios na concepção moderna dos direitos: o que afirma que


IV
somente graças à razão e ao pensamento esclarecido os homens po-
Numa sociedade como a brasileira podemos falar numa di-
dem livrar-se do medo resultante da ignorância e da superstição.
visão social do medo,isto é, as di jais têm me-
Em nossas sociedades, a articulação entre direito e propriedade pri-
dosdiferentes. A classe dirigente teme perder o podere seus pri-
vada e entre direito e apropriação privada do saber e da razão con- vilégios; a classe dominante teme perder riquezas, bens, proprie-
dena a maioria da sociedade ao medo. Não por acaso, muitos estu- dades; a classe média teme a pobreza, a proletarização, a desor-
diosos mostraram como, sob a aparência da democratização do pen- dem; a classe trabalhadora teme a morte cotidiana, a violência pa-
samento pelos meios de comunicação e de informação, o que se tronal e policial, a queda vertiginosa na marginalidade, na miséria
produziu foi uma das mais poderosas máquinas de intimidação so- absoluta, a arbitrariedade dos poderes constituídos. Essa diferen-
cial, pois os sujeitos sociais são, ao mesmo tempo, excluídos do ça do medo é reveladora. Revela, em primeiro lugar, que os me-
direito de produzir conhecimentos ou de exprimir seus conhecimen- dos dos que estão no alto político, econômico e social são os de
tos, e forçados a aceitar regras de vida ditadas pelos especialistas, perda de privilégios, medos que dizem respeito aos seus interes-
possuidores dos conhecimentos, correndo risco, caso não aceitem : A e
ses. EM

artida, os medos dos que'estão no baixo político,
tal imposição, de serem considerados associais, detrito, lixo ou pe- econômico e social são de queda na desumanização, medos de
rigo para a sociedade. perder a condição e por isso medos que dizem respeito
Noentanto, é preciso perceber a contradição posta para a so- aos . Mais do que isto. As classes populares não che-
ciedade a partir do momento em que os direitos são declarados e gam a falar em nome dos direitos, falam em nome de algo que é
considerados como universais. pressuposto pelos direitos e que por estes deve ser concretizado,
Com efeito, para que a propriedade privada possa ser tida co- falam em nome da justiça. A diferença social do medo revela,
mo um direito, é preciso que os outros direitos sejam também de- em segundo lugar, que o contraponto se realiza entre manutenção
clarados para legitimá-la. É preciso, por exemplo, que os não-pro- X| de privilégi rda de direitos, entre o medo de perder poderio
prietários sejam considerados também proprietários — do seu cor- e o medo da injustiça, e esse contraponto é, por seu turno, revela-
po, de sua pessoa e da força de trabalho — sem o que os indiví- dor da natureza da sociedade brasileira, isto é, que vivemos nu-
duos não se acham validados para as relações firmadas em contra- ma sociedade profundamente autoritária.
tos, pois a relação contratual exige que as partes sejam livres e O que é a sociedade brasileira enquanto sociedade autoritária?
iguais, consistindo o contrato em ato livre e de consentimento en- É uma sociedade que conheceu a cidadania através de uma
tre as partes. Por outro lado, para que o mercado receba mão-de- figura inédita: o senhor-cidadão, e que conserva cidadania como
obra qualificada é preciso assegurar o aprendizado, daí declarar-se privilégio de classe, fazendo-a ser uma concessão regulada e pe-
que os homens são todos seres racionais — lembrando que a razão riódica da classe dominante às demais classes sociais, podendo
afirma o direito de pensar, falar e opinar — livres; portanto têm ser-lhes retirada quando os dominantes assim o decidirem (como
o direito à liberdade de pensamento, de opinião, de crença e de ex- durante as ditaduras).
ressão. Poderíamos prosseguir, mas isto já é bastante. Observa- É uma sociedade na qual as diferenças e assimetrias sociais
mos, assim, que cada direito, uma vez proclamado, abre campo e pessoais são imediatamente transformadas em desigualdades, e
estas, em relação de hierarquia, mando e obediência (situação que
para a declaração de novos direitos e que essa ampliação das decla-
vai da família ao Estado, atravessa as instituições públicas e priva-
rações de direitos entra em contradição com a ordem estabelecida.
das, permeia a cultura e as relações interpessoais). Os indivíduos
Podemos, então, dizer que as declarações de direitos afirmam mais
se distribuem imediatamente e eriores e inferiores. Ainda
do que a ordem estabelecida permite e afirmam menos do que os
que alguém superior numa relação possa tornar-se inferior em ou-
direitos exigem, e essa discrepância abre uma brecha para pensar-
tra, dependendo dos códigos de hierarquização que regem as rela-
mos a dimensão democrática dos direitos. Nessa brecha poderemos
ções sociais e pessoais. Todas as relações tomam a forma da de-
também ver a nova relação entre medo e direitos humanos.
28 DIREITOS HUMANOS E MEDO MARILENA CHAUI 29

pendência, da tutela, da concessão, da autoridade e do favor, k vontade e o arbítrio são as marcas do governoe das instituições
fazendo da violência simbólica a regra da vida social e cultural. “públicas”. Donde o fascínio dos teóricos e dos agentes da '*mo-
Violência tanto maior porqueinvisível sob o paternalismoe o clien- dernização”” pelos modelos tecnocráticos que lhes parecem dota-
telismo, considerados naturais e, por vezes, exaltados como quali- dos da impessoalidade necessária para definir o espaço público.
dades positivas do ““caráter nacional””. Donde também a esdrúxula designação do autoritarismo brasilei-
E uma sociedade na qual as leis sempre foram armas para ro (e latino-americano, em geral) pelos cientistas políticos como
preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a ““novo autoritarismo”, porque a figura do caudilho carismático
opressão, jamais definindo direitos e deveres. No caso das cama- está ausente, sem que se perceba que é a estrutura do campo so-

tm omni
das populares, os direitos são sempre apresentados como conces- cial e do campo político que se encontra determinada pela indistin-
são e outorga feitas pelo Estado, dependendo da vontade pessoal ção entre o público e o privado. E donde, também, o equívoco
ou do arbítrio do governante. Situação que é claramente reconhe- daqueles que apresentam o “novo autoritarismo”” como divórcio
cida pelo trabalhadores quando afirmam que “'a justiça só existe entre sociedade civil e Estado, sem levarem em conta que a socie-
para os ricos”, e que tambémfaz parte de uma consciência so- dade civil também está estruturada por relações de favor, tutela
cial difusa, tal como se exprime num dito muito conhecido no país: e dependência, imenso espelho do próprio Estado, e vice-versa.
*“*para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei””. Como conseqiiên- Conseqiientemente, é uma sociedade na qual a luta de clas-
cia, é uma sociedade na qual as leis sempre foram consideradas ses é identificada apenas com os momentos de confronto direto
inúteis, inócuas, feitas para serem violadas, jamais transformadas entre as classes — situação na qual é considerada “questão de
ou contestadas. E onde a transgressão popular é violentamente re- polícia” — , sem que se considere sua existência cotidiana atra-
primida e punida, enquanto a violação pelos grandes e poderosos vés das técnicas de disciplina, vigilância, repressão, realizadas
sempre permanece impune. por meio das próprias instituições dominantes — isto é, quando
Nessa sociedade não existem nem a idéia nem a prática da a luta de classes é encarada como '“*questão de política””.
representação política autêntica. Os partidos políticos sempre to- As disputas pela posse da terra cultivada ou cultivável são
mam a forma clientelística (a relação entre inferiores e superiores resolvidas pelas armas e pelos assassinatos clandestinos. As desi-
sendo a do favor), populista (a relação sendo a da tutela) e, no gualdades econômicas atingem a proporção do genocídio (está pre-
vista a morte de mais de 5 milhões de pessoas no Nordeste, víti-

sy
caso das esquerdas, vanguardistas (a relação sendo a de substitui-
ção pedagógica, a vanguarda ““esclarecida”” tomando o lugar da mas da desnutrição e da fome absoluta). Os negros são considera-
classe universal ““atrasada””). dos infantis, ignorantes, raça inferior e perigosos, representados
Situação que marca profundamente a vida intelectual e artís- pela cultura letrada branca na imagem do Arlequim, e assim defi-
tica, os intelectuais — na maioria, oriundos das classes médias nidos numa inscrição gravada na Escola de Polícia de São Paulo:
urbanas — oscilando entre a posição de ilustrados (definindo pa- *““Um negro parado é suspeito; correndo, é culpado”. Os índios,
ra si próprios o “*direito ao uso público da razão””, isto é, a opi- em fase final de extermínio, são considerados irresponsáveis (is-
nião pública) e de Vanguarda Revolucionária (definindo para si to é, incapazes de cidadania), preguiçosos (isto é, mal-adaptáveis
próprios o papel de educadores da classe trabalhadora), mas sem- ao mercado de trabalho capitalista), perigosos, devendo ser exter-
pre fascinados pelo poder — identificado ao Estado — e pela tute- minados ou, então, ““civilizados"” (isto é, entregues à sanha do
la estatal, reduzindo-se a **funcionários do universal””, para usar- mercado de compra e venda da mão-de-obra, mas sem garantias
mos a expressão de Hegel (isto é, à burocracia, como lembra trabalhistas porque ““irresponsáveis”"). E, ao mesmo tempo, des-
Marx), embora desejassem a posição de funcionários da “Razão de o romantismo, a imagem índia é apresentada pela cultura letra-
na História”. da como heróica e épica, fundadora da ““raça brasileira””. Os tra-
É uma sociedade, consegientemente, na qual a esfera pú- balhadores rurais e urbanos são considerados ignorantes, atrasa-
blica nunca chega a constituir-se como pública, definida sempre dos e perigosos, estando a polícia autorizada a parar qualquer tra-
e imediatamente pelas exigências do espaço privado, de sorte que . balhador nas ruas, exigir a carteira de trabalho e prendê-lo **para
MARILENA CHAUI 31
30 DIREITOS HUMANOS E MEDO

averiguação”, caso não esteja carregando identificação profissio- Curiosamente, tais situações não são designadas por seu ver-
dadeiro nome, isto é, como luta de classes (pois se trata da domi-
nal (se for negro, além de carteira de trabalho, a polícia está auto-
rizada a examinar-lhe as mãos para verificar se apresentam “*si- nação de classe por meio das instituições e da ideologia; isto é;
nais de trabalho”” e a prendê-lo, caso não encontre os supostos a luta de classes conduzida pela classe dominante). Fato significa-
“sinais””). Há casos de mulheres que recorrem à justiça por espan- tivo do autoritarismo social que encara essas situações como natu-
rais ou, quando muito, na linguagem dosuniversitários, como ““a-
camento ou estupro, e são violentadas nas delegacias de polícia,
sendo ali novamente espancadas e estupradas pelas “autoridades”. nomia”. Não menos significativo é o fato de que os políticos e
Isto para não falarmos da tortura, nas prisões, de homossexuais, jornalistas empreguem a expressão ““luta de classes" no singular,
prostitutas e pequenos criminosos. Numapalavra, as classes ditas isto é, “luta de classe”, indicando que a luta e o conflito, quan-
“subalternas”” de fato o são e carregam os estigmas da suspeita, do se exprimem abertamente, são um feito da violência trabalha-
da culpa e da incriminação permanentes. Situação ainda mais ater- dora ou popular.
radora quando nos lembramos de que os instrumentos criados pa- É uma sociedade na qual a população das grandes cidades
ra repressãoe tortura dos prisioneiros políticos foram transferidos se divide entre um ““centro”” e uma “periferia”, o termo periferia
para o tratamento diário da população trabalhadora e que impera
sendo usado não apenas no sentido espacial-geográfico, mas so-
uma ideologia segundo a qual a miséria é causa de violência, as cial, designando bairros afastados.nos quais estão ausentes todos
classes ditas “desfavorecidas” sendo consideradas potencialmen- os serviços básicos (luz, água, esgoto, calçamento, transporte, es-
cola, posto de atendimento médico), situação, aliás, encontrada
te violentas e criminosas.
Preconceito que atinge profundamente os habitantes das fave- no ““centro””, isto é, nos bolsões de pobreza, as favelas. Popula-
ção cuja jornada de trabalho, incluindo o tempo gasto em trans-
RiSOceAC dn

las, estigmatizados não só pelas classes média e dominante, mas


pelos próprios dominados. *'Sem sombra de dúvida, o padrão de portes, dura de 14 a 15 horas e, no caso das mulheres casadas,
moradia reflete todo um complexo processo de segregação e dis- inclui o serviço doméstico e o cuidado com os filhos. Os serviços
criminação presente numa sociedade plena de contrastes acirrados. públicos — hospitais, previdência, creches — sendo considerados
favor e concessão estatal, quando existentes.

rm a
De uma forma mais ou menos acentuada, este processo perpassa
todos os patamares da pirâmide social em que os mais ricos procu- Num estudo sobre leituras feitas por operárias, Eclea Bosi
ram diferenciar-se e distanciar-se dos mais pobres. Mas a favela verificou que a maioria das mulheres casadas desejaria ler, mas
recebe de todos os outros moradores da cidade um estigma extre- que elas não podem realizar esse desejo por absoluta falta de tem-
mamente forte, forjador de uma imagem que condensa todos os po, em decorrência da dupla jornada; ora por fadiga, que as faz
males de uma pobreza que, por ser excessiva, é tida como vicio- adormeceremsobre livros e revistas; por deficiência visual causa-
sa e, no mais das vezes, também considerada perigosa: a cidade da pelo cansaço e pela rotina doserviço fabril; pela falta de recur-
olha a favela como uma realidade patológica, uma doença, uma sos financeiros para comprar livros, revistas e jornais.
praga, um quisto, uma calamidade pública." É uma sociedade na qual a estrutura da terra e a implanta-
ção da agroindústria criaram não só o fenômeno da migração,
mas figuras novas na paisagem dos campos: os sem-terra, volan-
(*) Kowarick L, Espoliação Urbana, op. cit, pp. 92-93. E ainda: “O fato de
ser favelado tem desqualificado o indivíduo da condição de habitante urbano, pois re- tes, bóias-frias, diaristas sem contrato de trabalho e sem as míni-
tira-lhe a possibilidade de exercício de uma defesa que se processa emtorno da questão mas garantias trabalhistas. Trabalhadores cuja jornada se inicia
da moradia. Ocupante de terra alheia, o favelado passa a ser definido por sua situação por volta das três horas da manhã, quando se colocam à beira das
de ilegalidade e sobre ele desaba o império draconiano dos direitos fundamentais da
sociedade, centrados na propriedade privada, cuja contrapartida necessária é a anula-
estradas à espera de caminhões que irão levá-los ao trabalho, e
ção de suas prerrogativas enquanto morador. Assim, nem nesse aspecto mínimo o fa- termina por volta das seis horas da tarde, quando são depositados
velado tem aparecido enquanto cidadão urbano, surgindo aos olhos da sociedade co- de volta à beira das estradas, devendo fazer longotrajeto a pé até
mo um usurpador que pode ser destituído sem possibilidade de defesa, pois contra a casa. Frequentemente, os caminhões se encontram em péssimas
ele paira o reino da legalidade em que se assenta o direito de expulsão”. — idem, ibi-
dem, p. 91. condições e são constantes os acidentes fatais, em que -morrem
32 DIREITOS HUMANOS E MEDO 33
MARILENA CHAUI

dezenas de trabalhadores, sem que suas famílias recebam qual- de repúblicas democráticas (mesmo que seja a democracia formal
quer indenização. Pelo contrário, para substituir o morto, um no- proposta pelo liberalismo), tanto assim que cada um dos direitos
vo membro da família — crianças ou mulheres — é transforma- declarados tem como referência a existência de um poder públi-
— en-
do em novo volante. Bóias-frias porque sua única refeição co generalizador que opera segundo a lei, e também pressupõe
tre as três da manhã e as sete da noite — consta de uma ração
dos nas primeir as que os homens, com seus direitos ali declarados, são cidadãos
de arroz, ovo e banana, já frios, pois prepara
trazer a bóia fria, Ora, o autoritarismo brasileiro torna impossível a existência de
horas do dia. E nem sempre o trabalh ador pode
re- cidadãos, torna inexistente a figura do poder e da lei exigidos co-
e os que não trazem se escondem dos demais, no momento da mo pressupostos da Declaração dos Direitos Humanos; consegiien-
feição, humilhados e envergonhados. pi no Brasil, ocorre uma espécie de impossibilidade estrutu-
ta-
Por fim, é uma sociedade que não pode tolerar a manifes aeE estabelecimento, o respeito e a manutenção dos direitos
s
ção explícita das contradições, justamente porque leva as divisõe
e desigualdades sociais ao limite e não pode aceitá-l as de volta,
(à ma- | Havíamosdito que uma contradição perpassa a idéia de di-
sequeratravés da rotinização dos “conflitos de interesses'” reitos do homem e do cidadão nas sociedades modernas, qual seja
de
neira das democracias liberais). Pelo contrário, é uma socieda a contradição entre o fato de que o poder do Estado é “na uns
às contrad ições produ-
onde a classe dominante exorciza o horror de, poderio particular de uma classe social, enquanto os direitos
pe-
zindo uma ideologia da indivisão e da união nacionais, razão se referem aos homens universalmente, devendo ser garantidos
la qual a cultura popula r tende a ser apropri ada e absorvi da pelos
comotais por um poder que,de fato, não tem condições de garan-
dominantes através do nacional-popular. ti-los em sua universalidade. Dissemos também que essa contradi-
Nesse contexto, não só podemos compreender por que exis- ção é essencia! para a história dos direitos humanos civis por-
pe-
te o que chamei de divisão social do medo, mas também algo que, se é verdade que o Estado está preso aos interesses de uma
Brasil, até hoje, não se conseg uiu
culiar, isto é, o fato de que no classe, também é verdade que, contraditoriamente, não pode dei-
ia-
ultrapassar aquilo que foi a tônica do processo inicial da industr xar de atender aos direitos de toda a sociedade, pois não o fazen-
sta: a visão das classes popular es como classes pe-
lização capitali do perde legitimidade e se mostra como puro exercício da força
rigosas que não são caso de política e sim de polícia. Na medida

«
e da violência. Essa contradição é a chave da democracia oder
em que vivemos numa sociedade autoritária — na qual não se ins- na,pois a classe dominante moderna, liberal ou conservadora, ja-
-
tala a dimensão pública e coletiva da lei; os direitos são entendi mais foi nem pode ser democrática, e, se as democracias fizer :
interes ses dos dominan tes; o poder jamais

we
dos comoprivilégios e um caminho
pelos direi histórico, isto se deve jus
> E
se constituiu como poder público e instância coletiva de definição a
do justo e do injusto, do possível e do impossível, do permitido reconhecidos e respeitados. A luta popular pelos direitos e pela
e do proibido, do presente, do passado e do futuro; mas se reduz
e criação de novos direitos tem sido a história da democracia mo-
ao exercício privado da força e do privilégio — compreende-s derna. Disso gostaríamos de retirar duas conseqiiências:
que o medo assuma duas direçõe s principa is: o alto teme o baixo
o; Em primeiro lugar, observamos que a Declaração dos Direi-
como perigo de perda de força, privilégio, prestígio e domíni tos Humanos de 1948 é, afinal, uma declaração de direitos civis
o baixo teme o alto como pura violência, arbítrio e injustiç A a.
pois,embora se refira a direitos universais da pessoa humana sua
luta de classes se exprime como medo. Os grandes têm medo de referênciaé a existência de poderes públicos que possam garantir
é
perder o privilégio da violência e por isso afirmam que o povo
violento e perigoso — as classes popular es são vistas como agen- esses direitos, de sorte que o pressuposto da garantia política dos
direitos humanosos transforma em direitos civis — o que é com-
tes do medo. Os pequenos têm medo de que a injustiça aumente, preensível, pois, como dissemos no início desta exposição, a mar-
per-
que os grandes não tenham freios no exercício da violência, e ca da modernidade é a descoberta da origem, da formae do conte-
cebem, com clareza ou confusamente, que os grandes são os agen-
údo sociais-históricos do poder e dos direitos. Essa confluência
tes do medo. E é compreensível que assim seja. dos direitos humanos e dos direitos civis significa que a luta por
De fato, quando se lê a Declaração dos Direitos Humanos
de 1948 percebe-se que a carta dos direitos pressupõe a existência
35
MARILENA CHAUI
DO
DIREITO HUMANOS E ME
34
e se organizar politicamente e de participar das decisões, rom-
considerarmos Os esforços pendo a verticalidade hierárquica do poder autoritário. Por outro
Seria injusto e parcial des no sen tid o e u i a ão
brasileira e - lado, no registro social, observa-se que as lutas não se concentram
por uma parte da sociedade pmíti c p
i ucesso de muiitastas lutas sociais e pol E apenas na defesa de certos direitos ou sua conservação, mas são
rit i smo. O ins
itarari jun to
trário, s revela o) con lutas para conquistar o próprio direito à cidadania e constituir-se
i a esses esforços, pelo con
lid nia tê
lut as pelas conquistas da cidada comosocial.o que é particularmente visível nos movimen-
los à transformação. As eis sim ult âne os e dif erentes:
anos, em três nív tos populares e dos trabalhadores.
,
se efetuado, nos últimos
A segunda conseqiiência que gostaríamos de assinalar decor-
abelecimento de uma ordem re da anterior e se relaciona com a existência de Justiça e Paz.
1) como exigência do est os po
co, na qual os cidadã Dissemos, no início, que a marca fundamental da moderni-
legal de tipo democráti N i so o
s de perde dade é a passagem da comunidade à sociedade e que essa passa-
s+ da vida política atravé do a
raii o € Eça
licando uma dim
impli i nuição
imi gem é a descoberta de que o social e o político são obras da pró-
+ voto, imp ou ap
i
Executivo cio do Poder Legislativo
em benefífci pria sociedade e da política e que são obras históricas. Em outras
á ref ito :
re erida ao dire
tos. Nesse nív Í el, a cid i adania esttá palavras, dissemos que a modernidade é a descoberta de que não
representa
tanto como direito a ser há fundamentos transcendentes para a sociedade e para a política
representação política, a
eito a ser representant te;e, e que a destruição do Antigo Regime e o nascimento do Estado
omo dir irei de n e=
do est abe lec ime nto Moderno representaram a dessacralização e desnaturalização da
ii 2) como exigência sie
, soc iai s, eco nôm icas, Sa e sociedade e do poder. Isto significou, historicamente, o desapare-
dividuais 1 cre
as geraúis definem O est
ado de iireito ondde e cimento do poder teológico-político, o cruzamento entre o Esta-
€ O o R a
os e respeitados -
do e a Igreja — ou as igrejas, uma vez que oprocesso inclui o
dá pps conservad udo
etud o na defesa
el ê
a ênf ase recai1 sob ret
sobr protestantismo, ainda que tenham sido os protestantes radicais os
y est e nív est and o
ade do Pod ário, a cidadania promotores da separação Igreja-Estado, separação que não era de-
da e liberd É
er JudiciNi e
a : 36 ade s civ is; ejada nem pelos líderes protestantes nem pela Igreja de Roma.
da aos direitos € liberd um a
do estabelecimento de Vimos também que tal separação, ao laicizar o poder, modificou
Ao 3) como exigência pus4
tinado à a o conteúdo do medo e fez nascer a idéia moderna dos direitos.
modelo econômico des só $se des faç a ex -
i al, de tal modo que n ão iante do processo histórico, como explicar a existência de uma
nda nacion a paia Ee
ueza e seja modificada instituição como Justiça e Paz? Ela se explicaria em decorrência
a concentração da riq exi gên cia de ae
retudo na da fraqueza institucional da sociedade brasileira e da inexistência
* cial do Estado, mas sob seus s Interesse ão to
defendero de um Estado republicano? Ou pelo fato de que a Igreja Católica
or ses trabalhadoras pos sam iE s, sindic
SOciai aais € p p não é monolítica, surgindo de sua divisão interna a possibilidade
ime s s soc
ntonto
tanto através dos movime : de parte de seus membros colocarem o problema da injustiça e
Ja par tic ipa ção direta nas e
úbli bal ho. ANes te nív el, a ci-; consequentemente o dos direitos? Por outro lado, sendo Justiça e
€ tra
ida a é de
e
nentes às condições de vid a Paz uma instituição de origem religiosa, como se realiza em seu
rgência apo
dadania surge como eme as ; p ss interior a dessacralização e desnaturalização dos direitos, condi-
ído
d s de> todto as
dores (desde sempre excluí ica ções para o surgimento da moderna cidadania? Finalmente, se os
stão de justiça social e econôm
rias no Brasil) e como que direitos nasceram no momento em que o medo à transcendência
divina deslocou-se para o medo à transcendência do poder políti-
co, e se os direitos se puseram contra o medo, qual a-compatibili-
Assim, representação, Herdade&raraquestão
euntantaro
cesa r do ira r
a rse dade entre concepção moderna dos direitos humanos e o fundote-
ológico que caracteriza o fiel ou a pessoa religiosa como temen-
i . Quando id a
s o er Dê Sap te a Deus? Em suma, como uma sociedade e uma política laicas
im aopg podem ser compatíveis com uma concepção religiosa dos direitos
pg Ra do homem? Essas são perguntas que deixo para nosso debate.
o àMis 180 eia o A
asSaoe
do Estado, mas é luta pel
identificado com o poder

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