1. Dedicatória
O Discurso foi publicado em 1750, período em que Rousseau ainda contava com
grande prestígio na sociedade - pois é a partir da publicação desta obra que começa a
formar-se "o grande complô" do qual Rousseau sentia-se vítima – portanto sua
dedicatória aos cidadãos de Genebra e aos representantes do Estado é natural e
aparentemente sincera, pois para ele sua pátria era "...a imagem mais aproximada do
que pode ser um Estado virtuoso e feliz, democrático e solidamente estabelecido...".
A louvação a seu pai e uma exaltação do papel das mulheres dentro da sociedade
completam o contido na dedicatória.
2. Prefácio
Neste item Rousseau apresenta o método que irá utilizar para desenvolver o
pensamento que servirá de resposta à pergunta da Academia: a priori tem-se que
descobrir o que é o homem; "Como conhecer, pois, a origem da desigualdade entre os
homens, a não ser começando por conhecer o próprio homem?" Para realizar tal
empreitada é necessário se chegar ao homem natural, e neste ponto surge um paradoxo,
pois para se alcançar o homem natural é necessário despir-se do conhecimento do
homem civilizado, ou seja, quanto mais utilizamos a razão para entender o homem
natural mais distante nos colocamos dele. Para resolver este problema Rousseau propõe
uma meditação "...sobre as mais simples realizações da alma humana". Através desta
meditação Rousseau chega a conclusão de que mesmo antes da razão, dois princípios
básicos regem a alma humana: um é o sentimento de autopreservação e o outro é o
sentimento de comiseração.
3. O Discurso
Para Rousseau este era o estágio no qual o homem deveria ter parado. Vivendo em
sociedade, com poucas necessidades e com condições de atendê-las o homem teria tudo
para ser feliz. Mas a perfectibilidade não o permitiu. A pequena comunidade sentada a
volta da fogueira cantando e dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se
compararem: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se
destacar, e o ser e o parecer tornam-se diferentes. Os homens agrupados ainda sem
nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. E cada qual sendo
juiz a sua maneira tem inicio o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente
surge a agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a grande
Revolução". Com estes eventos surge a divisão do trabalho, a noção de propriedade se
enraíza e passa a existir homens ricos e homens pobres, que dependeram doravante uns
dos outros. É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis
para se protegerem; uns para protegerem suas propriedades e outros para se protegerem
das arbitrariedades dos mais poderosos.
Rousseau passa a indagar que tipos de governos podem ter surgido. De antemão
descarta a possibilidade de um governo despótico ter sido o iniciador do processo, pois
o sentimento de liberdade do homem não o permitiria. Jean-Jacques diz que os
governantes devem ter surgido de forma eletiva, isto é, se em uma comunidade uma
única pessoa era considerada digna e capacitada para governá-la surgiria um estado
monárquico; se várias pessoas gozavam ao mesmo tempo de condições para tal surgiria
um estado aristocrático, porém se todos as pessoas possuíam qualidades homogêneas e
resolvessem administrar conjuntamente surgiria uma democracia. O desvirtuamento
dessas formas de governo pela ambição de alguns é que deram origem a estados
autoritários e despóticos.
Como homem de seu tempo (século XVIII), Rousseau procura realizar uma
análise científica da sociedade, e a exemplo dos físicos que criaram a teoria dos gases
perfeitos, que em natureza não existe, mas servem para o estudo de todos os outros
gases através do método de comparação, Rousseau utiliza a "noção de estado de
natureza", que nunca existiu efetivamente, mas que serve de patamar de comparação
para verificarmos o quão distante uma sociedade está do estado natural.
Rousseau tem uma preocupação lateral no Discurso que esta ligada a sua
religiosidade. Em alguns pontos lembra que o homem natural é uma ficção criada por
ele para explicar sua teoria, que tal homem não existiu em época alguma da história,
portanto seu texto não estaria desta forma contrariando as escrituras sagradas.
O estado de natureza
Guiado por dois princípios, o amor de si, responsável por sua conservação; e pela
piedade, que consistia num certo estranhamento ou incômodo pelo sofrimento alheio; o
homem natural era uma criatura solitária, livre e dispersa entre as outras criaturas,
preocupado apenas com suas necessidades físicas imediatas. Ao descrevê-lo sobre o
ponto de vista psicológico, Rousseau introduz um novo conceito, a perfectibilidade.
Trata-se de uma faculdade do gênero humano em aperfeiçoar-se em função das
circunstâncias. No entanto, esta capacidade de reagir permanece latente enquanto o
meio externo permanecer imutável. Essencialmente, a perfectibilidade e a liberdade são
as qualidades que tornam o homem singular entre os animais. Quando os terremotos,
cataclismos, tempestades e outras transformações naturais afetaram a Terra e o homem,
essa característica lhe teria assegurado a sobrevivência. É preciso esclarecer, porém, que
a perfectibilidade não está associada ao uso da razão, uma vez que as únicas operações
presentes na alma do homem natural resumiam-se a perceber e sentir, querer e não
querer. “Os únicos bens que conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e o
repouso; os únicos males que teme, a dor e a fome”. Há nessa idéia um rompimento
com o pensamento tradicional pois, acreditava-se que os homens se distinguiam dos
animais por fazerem uso da razão. Mas Rousseau afirma que as idéias desses homens
eram muito simples; nessa época, o homem era incapaz de acumular ou comunicar
qualquer tipo de conhecimento; a espécie se multiplicava sem qualquer progresso.
O método usado nessa segunda parte tem como pontos de partida dois fatos: o
estado de natureza e a desigualdade que está instaurada em seu tempo. Para preencher a
lacuna entre eles, Rousseau fará conjecturas recorrendo à história, e na falta dessa, à
filosofia. Sobre os fatos, por exemplo, a origem das línguas, a sociedade, a propriedade
privada, o governo, entre outros, não há o que questionar. Quanto ao que foi
apresentado no estado de natureza, Rousseau deve ser fiel ao que relatou.
Para apaziguar os ânimos e assegurar suas terras o rico propõe “o projeto que foi
o mais bem refletido que já passou pelo espírito humano”. Esse projeto consistia em
transformar seus adversários em seus próprios defensores. Apossando-se de um discurso
enganador, mostrando aos pobres o horror daquela situação de conflito e insegurança, o
rico propõe uma união de forças para garantir a cada um o que lhe é de direito através
de leis que defendam a todos sem exceção. “Todos correram ao encontro de seus
grilhões, crendo assegurar sua liberdade…”. Segundo Rousseau, os homens, quando
consentiram nesse pacto absurdo, talvez não contassem com experiência suficiente para
prever os perigos e abusos que ali se encontravam em potência; além disso, os que
poderiam prever, movidos pela ganância de um dia, usufruir dele, também se calaram.
Quando as leis são estabelecidas, o homem perde sua liberdade natural e a lei da
desigualdade e da propriedade fixam-se de forma irremediável.