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Discurso Sobre a Origem e os

Fundamentos da Desigualdade entre os


Homens, de Jean-Jacques Rousseau

A obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os


homens, de Jean-Jacques Rousseau, é dividido em três partes: a primeira é a
Dedicatória, seguida do Prefácio e por último o próprio Discurso.

1. Dedicatória

O Discurso foi publicado em 1750, período em que Rousseau ainda contava com
grande prestígio na sociedade - pois é a partir da publicação desta obra que começa a
formar-se "o grande complô" do qual Rousseau sentia-se vítima – portanto sua
dedicatória aos cidadãos de Genebra e aos representantes do Estado é natural e
aparentemente sincera, pois para ele sua pátria era "...a imagem mais aproximada do
que pode ser um Estado virtuoso e feliz, democrático e solidamente estabelecido...".

A louvação a seu pai e uma exaltação do papel das mulheres dentro da sociedade
completam o contido na dedicatória.

2. Prefácio

Neste item Rousseau apresenta o método que irá utilizar para desenvolver o
pensamento que servirá de resposta à pergunta da Academia: a priori tem-se que
descobrir o que é o homem; "Como conhecer, pois, a origem da desigualdade entre os
homens, a não ser começando por conhecer o próprio homem?" Para realizar tal
empreitada é necessário se chegar ao homem natural, e neste ponto surge um paradoxo,
pois para se alcançar o homem natural é necessário despir-se do conhecimento do
homem civilizado, ou seja, quanto mais utilizamos a razão para entender o homem
natural mais distante nos colocamos dele. Para resolver este problema Rousseau propõe
uma meditação "...sobre as mais simples realizações da alma humana". Através desta
meditação Rousseau chega a conclusão de que mesmo antes da razão, dois princípios
básicos regem a alma humana: um é o sentimento de autopreservação e o outro é o
sentimento de comiseração.

3. O Discurso

1ª parte - Rousseau inicia o discurso fazendo uma distinção das duas


desigualdades existentes: a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou
política. A desigualdade natural (sexo, idade, força etc.) não é o objetivo dos estudos de
Rousseau, pois como o próprio nome já afirma, esta desigualdade tem uma origem
natural e não foi ela que submeteu um homem a outro. A origem da desigualdade moral
ou política é o que interessa para Rousseau.
Jean-Jacques trata em toda a primeira parte do Discurso sobre o homem natural
rebatendo as teses de Hobbes, Buffon e outros que tratam do mesmo assunto, mas que
enxergavam o homem natural a partir da visão do homem social (o homem do homem).
Partindo de sua teoria dos dois princípios básicos que regem a alma humana, Rousseau
descreve o homem natural como um ser solitário, possuidor de um instinto de
autopreservação, dotado de sentimento de compaixão por outros de sua espécie, e
possuindo a razão apenas potencialmente. O sentimento de comiseração pode ser visto
também como instinto ou um mecanismo de autopreservação da espécie.

Rousseau não vê na vida do homem natural, motivos que o levem à vida em


sociedade. O homem natural vive o presente, é robusto e bem organizado, apesar de não
possuir habilidades específicas, pode aprendê-las todas, é inocente não possuindo
noções do bem e do mal e possui duas características que o distingue dos outros animais
que são a liberdade e a perfectibilidade. A perfectibilidade é um neologismo criado por
Rousseau para exprimir a capacidade que o homem possui de aperfeiçoar-se.

Utilizando como exemplo o estudo sobre a origem da linguagem, Rousseau tenta


demonstrar a falta de ligação entre o homem natural e o homem social. Termina esta
parte afirmando que a passagem do homem natural ao homem social, que é a origem das
desigualdades, não pode ser obra do próprio homem, mas sim de algum fator externo.

2ª parte - Após descrever o homem natural, Rousseau utiliza uma história


hipotética para descrever como se deu à passagem do estado natural para o estado
social, mostrando desta forma como surgiu a desigualdade entre os homens. A idéia de
perfectibilidade está na base de todo esta transformação.

O homem natural tinha como única preocupação sua subsistência, contudo à


medida que as dificuldades do meio se apresentavam ele era obrigado a superá-las
adquirindo, portanto novos conhecimentos. O homem natural aprendeu a pescar, caçar e
por vezes a associar-se a outros homens, tanto para defender-se como para caçar, mas
estas associações eram sempre aleatórias. Neste ponto é que surge a primeira
"revolução": a construção de abrigos. O surgimento das casas faz com que o homem
natural permaneça mais tempo em um mesmo lugar e na companhia de seus
companheiros, nascendo assim as famílias e com elas os "...sentimentos mais ternos que
são conhecidos dos homens, o amor conjugal e o amor paterno". Ao passo que as
pessoas passam a viver por mais tempo juntas começa a surgir formas de linguagem.
Uma noção precária de propriedade passa a fazer parte deste novo universo. Por
motivos de segurança, hábitos alimentares e influência do clima, as famílias passam a
conviver próximas surgindo as primeiras comunidades.

Para Rousseau este era o estágio no qual o homem deveria ter parado. Vivendo em
sociedade, com poucas necessidades e com condições de atendê-las o homem teria tudo
para ser feliz. Mas a perfectibilidade não o permitiu. A pequena comunidade sentada a
volta da fogueira cantando e dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se
compararem: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se
destacar, e o ser e o parecer tornam-se diferentes. Os homens agrupados ainda sem
nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. E cada qual sendo
juiz a sua maneira tem inicio o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente
surge a agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a grande
Revolução". Com estes eventos surge a divisão do trabalho, a noção de propriedade se
enraíza e passa a existir homens ricos e homens pobres, que dependeram doravante uns
dos outros. É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis
para se protegerem; uns para protegerem suas propriedades e outros para se protegerem
das arbitrariedades dos mais poderosos.

Rousseau passa a indagar que tipos de governos podem ter surgido. De antemão
descarta a possibilidade de um governo despótico ter sido o iniciador do processo, pois
o sentimento de liberdade do homem não o permitiria. Jean-Jacques diz que os
governantes devem ter surgido de forma eletiva, isto é, se em uma comunidade uma
única pessoa era considerada digna e capacitada para governá-la surgiria um estado
monárquico; se várias pessoas gozavam ao mesmo tempo de condições para tal surgiria
um estado aristocrático, porém se todos as pessoas possuíam qualidades homogêneas e
resolvessem administrar conjuntamente surgiria uma democracia. O desvirtuamento
dessas formas de governo pela ambição de alguns é que deram origem a estados
autoritários e despóticos.

Rousseau conclui mostrando como os acontecimentos citados deram origem as


desigualdades entre os homens. O surgimento da propriedade divide os homens entre
ricos e pobres, o surgimento de governos divide entre governantes (poderosos) e
governados (fracos) e o surgimento de estados despóticos divide os homens entre
senhores e escravos.

Como homem de seu tempo (século XVIII), Rousseau procura realizar uma
análise científica da sociedade, e a exemplo dos físicos que criaram a teoria dos gases
perfeitos, que em natureza não existe, mas servem para o estudo de todos os outros
gases através do método de comparação, Rousseau utiliza a "noção de estado de
natureza", que nunca existiu efetivamente, mas que serve de patamar de comparação
para verificarmos o quão distante uma sociedade está do estado natural.

Rousseau tem uma preocupação lateral no Discurso que esta ligada a sua
religiosidade. Em alguns pontos lembra que o homem natural é uma ficção criada por
ele para explicar sua teoria, que tal homem não existiu em época alguma da história,
portanto seu texto não estaria desta forma contrariando as escrituras sagradas.

No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens


Rousseau nos mostra um problema – a degeneração social provocada pelo
distanciamento que o homem social está do homem natural.
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Ao escrever o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre


os Homens, Rousseau concebeu dois tipos de desigualdade na espécie humana: a
desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política. A primeira é
estabelecida pela natureza e a segunda autorizada pelo consentimento dos homens. Para
entender o motivo que levou os homens a abandonar (ou a se verem forçados a
abandonar) a felicidade do estado de natureza pelo flagelo da vida social, recorreu à
seguinte estratégia:

Em primeiro lugar, procurou identificar, através de uma série de meditações, o


que era, essencialmente, o estado de natureza; despojando o homem de tudo que, no seu
entender, é artificialmente adquirido no convívio social. Em segundo lugar, certo de que
os primeiros desenvolvimentos do espírito humano só surgiram em virtude de causas
externas, empenhou-se em “aproximar os vários acasos que puderam aperfeiçoar a razão
humana” e “trazer o homem e o mundo ao ponto em que o conhecemos”. Como recurso
metodológico, situou a descrição do estado de natureza num estágio anterior à história,
como se o tempo estivesse parado, e introduziu as causas externas que provocaram os
primeiros progressos no espírito humano posteriormente.

O estado de natureza

A origem natural do homem é uma história hipotética que Rousseau desenvolve


através de uma cadeia de raciocínios afastando a autoridade dos fatos e dos livros
científicos, buscando respostas na própria natureza, que segundo ele, “jamais mente”.
Suas primeiras considerações recaem sobre a constituição física do homem natural.
Devido às incertezas que os naturalistas de sua época tinham a respeito da anatomia do
homem primitivo, Rousseau o supõe tal como o conhecemos hoje: bípede, utilizando as
mãos para manipular coisas e objetos e medindo com os olhos a extensão da natureza à
sua volta. As intempéries da atmosfera obrigaram esse homem a suportar o calor e o
frio; para se defender de outros animais ferozes, ele se viu obrigado a correr, pular, subir
em árvores e em determinadas situações, lutar. Por esses motivos, Rousseau imagina
esse homem como uma criatura ágil, forte e robusta. Sobre a infância, a velhice e as
doenças, que obviamente poderiam impor certas limitações, afirma que os dois
primeiros estão em conformidade com a natureza; já o terceiro tem mais a ver com a
vida em sociedade em virtude da extrema desigualdade na maneira de viver.

Guiado por dois princípios, o amor de si, responsável por sua conservação; e pela
piedade, que consistia num certo estranhamento ou incômodo pelo sofrimento alheio; o
homem natural era uma criatura solitária, livre e dispersa entre as outras criaturas,
preocupado apenas com suas necessidades físicas imediatas. Ao descrevê-lo sobre o
ponto de vista psicológico, Rousseau introduz um novo conceito, a perfectibilidade.
Trata-se de uma faculdade do gênero humano em aperfeiçoar-se em função das
circunstâncias. No entanto, esta capacidade de reagir permanece latente enquanto o
meio externo permanecer imutável. Essencialmente, a perfectibilidade e a liberdade são
as qualidades que tornam o homem singular entre os animais. Quando os terremotos,
cataclismos, tempestades e outras transformações naturais afetaram a Terra e o homem,
essa característica lhe teria assegurado a sobrevivência. É preciso esclarecer, porém, que
a perfectibilidade não está associada ao uso da razão, uma vez que as únicas operações
presentes na alma do homem natural resumiam-se a perceber e sentir, querer e não
querer. “Os únicos bens que conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e o
repouso; os únicos males que teme, a dor e a fome”. Há nessa idéia um rompimento
com o pensamento tradicional pois, acreditava-se que os homens se distinguiam dos
animais por fazerem uso da razão. Mas Rousseau afirma que as idéias desses homens
eram muito simples; nessa época, o homem era incapaz de acumular ou comunicar
qualquer tipo de conhecimento; a espécie se multiplicava sem qualquer progresso.

Mantendo sua discordância com o pensamento tradicional, Rousseau reserva para


o estado de natureza uma situação propícia à paz e não à guerra de todos contra todos
conforme propôs Hobbes. Os conflitos existentes nesse estado não eram significativos,
não passavam de pequenas disputas pela posse de um alimento e que dificilmente
tinham conseqüências sangrentas. O homem natural era um ser pacífico pois não tinha
necessidade nem disposição para a maldade. “A tranqüilidade das paixões e a
ignorância dos vícios o impedem de agir mal”.

Dessa primeira parte da narrativa conclui-se que apesar da desigualdade existir no


estado natural, ela limitava-se à esfera física e não tinha realidade nem influência. Já na
segunda parte, veremos como os primeiros desenvolvimentos do homem foi moldando
suas características fazendo nascer novos sentimentos e determinando preferências em
seu espírito.

A passagem para o estado civil

Vejamos então as mudanças que propiciaram a evolução do homem para o estado


civil. Essas mudanças sempre estiveram presentes na natureza e estão sendo narradas
agora para facilitar a via metodológica proposta por Rousseau. Como a descrição do
estado de natureza é uma abstração, ele adverte que é muito difícil falar de um estado
que não mais existe e que talvez não tenha existido, portanto é necessário ter noções
justas.

O método usado nessa segunda parte tem como pontos de partida dois fatos: o
estado de natureza e a desigualdade que está instaurada em seu tempo. Para preencher a
lacuna entre eles, Rousseau fará conjecturas recorrendo à história, e na falta dessa, à
filosofia. Sobre os fatos, por exemplo, a origem das línguas, a sociedade, a propriedade
privada, o governo, entre outros, não há o que questionar. Quanto ao que foi
apresentado no estado de natureza, Rousseau deve ser fiel ao que relatou.

Os primeiros desenvolvimentos surgem com as dificuldades. Era preciso se


proteger das feras, procurar alimentos, abrigar-se das tempestades, etc. A mudança das
estações provavelmente determinou a abundância ou a escassez em determinadas
regiões; a variação dos climas impôs restrições que foram vencidas pelo homem
empregando a sua perfectibilidade. Longos foram os anos para que surgissem os
primeiros instrumentos e progressos. Das primeiras aquisições, nasceu o apego aos
objetos que causavam comodidade, tornando o homem escravo desse sentimento. As
relações entre os homens se tornaram mais freqüentes, propiciando o surgimento das
famílias. No seio dessas famílias, o homem foi deixando sua ferocidade e tornando-se
mais fraco fisicamente e distante de sua natureza solitária. “Assim que os homens
passaram a apreciar-se mutuamente e se lhes formou no espírito a idéia da
consideração, cada um pretendeu ter direito a ela e a ninguém foi mais possível deixar
de tê-la impunemente. Saíram daí os primeiros deveres de civilidade...”.

No entanto, o primeiro grau de desigualdade assinalado por Rousseau manifestou-


se durante o desenvolvimento da agricultura e da metalurgia, quando os homens
passaram a dividir a terra e reivindicar sua posse como um direito legítimo. Se, por um
lado, houve aqueles que argumentaram ser a terra um bem pertencente a todos os
homens que a habitavam; por outro, haviam aqueles que justificavam sua posse em
virtude do trabalho e do tempo empreendido no cultivo. Mesmo que o suposto
proprietário tivesse direito legítimo apenas aos frutos de seu trabalho, as colheitas se
sucediam com o passar dos anos e a permanência acabava por garantir-lhe a posse
definitiva. A despeito de se imaginar a abundância de terras, houve ocasiões de
escassez, e, aqueles que ficaram sem terra, não tiveram outra alternativa para prover sua
subsistência senão roubar ou trabalhar para os que foram mais previdentes. Dessa
situação nasceu a primeira grande desigualdade, dividindo os homens em duas classes:
ricos e pobres. Da riqueza surge a ambição e os piores sentimentos possíveis como a
inveja, a vergonha, o desprezo e a injúria que fere de forma contundente o amor-próprio
do homem. Nesse período os conflitos são sangrentos. O rico percebe sua impotência
em preservar sua posse recém conquistada, pois era necessário a comunhão de muitas
forças para impedir que suas terras fossem roubadas, ou então, que delas fosse
destituído. Rousseau estabelece um paralelo com Hobbes afirmando que esta sim é uma
situação de guerra de todos contra todos, porém, nessa etapa, o homem já está muito
afastado de seu estado original.

Para apaziguar os ânimos e assegurar suas terras o rico propõe “o projeto que foi
o mais bem refletido que já passou pelo espírito humano”. Esse projeto consistia em
transformar seus adversários em seus próprios defensores. Apossando-se de um discurso
enganador, mostrando aos pobres o horror daquela situação de conflito e insegurança, o
rico propõe uma união de forças para garantir a cada um o que lhe é de direito através
de leis que defendam a todos sem exceção. “Todos correram ao encontro de seus
grilhões, crendo assegurar sua liberdade…”. Segundo Rousseau, os homens, quando
consentiram nesse pacto absurdo, talvez não contassem com experiência suficiente para
prever os perigos e abusos que ali se encontravam em potência; além disso, os que
poderiam prever, movidos pela ganância de um dia, usufruir dele, também se calaram.
Quando as leis são estabelecidas, o homem perde sua liberdade natural e a lei da
desigualdade e da propriedade fixam-se de forma irremediável.

Do primeiro pacto surge necessariamente o segundo em função da necessidade de


um governo. Esse pacto é concebido como um contrato entre o povo e os chefes que
esse escolhe, através do qual as duas partes se obrigam a observar as leis estipuladas.
Rousseau faz um relato das formas de governo em função do grau de desigualdade
instituído na sociedade reconhecendo a monarquia, a aristocracia e a democracia.
Segundo ele, nesses governos todas as magistraturas eram eletivas. Ao magistrado cabia
utilizar o poder que lhe era confiado, segundo a intenção dos que confiaram nele. Mas,
uma vez que este cargo tornou-se hereditário, os chefes passaram a considerar-se de
meros funcionários, proprietários do Estado e a subjugar aqueles a quem deveria
representar. Emerge desse mar de vaidade o segundo grau de desigualdade, estabelecido
agora entre os que mandam e os que obedecem. Da evolução dessa situação segue o 3º
grau de desigualdade – o despotismo.

O despotismo é o resultado inevitável de um governo mal constituído. A


desigualdade de consideração e autoridade forçaram os homens que viviam numa
sociedade a comparar-se e tomar conhecimento de suas diferenças. Entre os vários tipos
de desigualdade, aqueles que promovem a distinção através da qual os homens se
medem - a riqueza, os títulos de nobreza e o mérito pessoal -, tornam os homens rivais e
inimigos. “Da extrema desigualdade das condições e das fortunas, da diversidade das
paixões e dos talentos, das artes inúteis, das artes perniciosas, das ciências frívolas,
surgiria uma multidão de preconceitos, igualmente contrários à razão, à felicidade e à
virtude; ver-se-ia fomentado pelos chefes tudo o que desunindo-os, pudesse
enfraquecer os homens reunidos, tudo o que pudesse dar à sociedade um ar de
concórdia aparente e nela implantar o germe da divisão real.” Como resultado dessa
desordem, Rousseau conclui que o povo não mais teria chefes, e o poder estaria nas
mãos de tiranos, que fazem prevalecer sua vontade pela força. Logo, o Estado perderia
sua legitimidade, pois não há ordem política possível onde há força. O tirano pode ser
destituído pelo mesmo motivo que o mantinha no poder. Como tudo passa a ser
governado pela lei do mais forte, há, por assim dizer, a dissolução do pacto e os homens
são jogados num segundo estado de natureza, diferente do primeiro, já que o primeiro é
um estado puro, e o segundo, resultado da corrupção.

Ao Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens cabe uma


genealogia dos sucessivos progressos do homem. Sua fonte é o indivíduo, mas seu
discurso abrange toda a humanidade. Rousseau cria uma história para explicar tanto as
aquisições materiais quanto as psicológicas e morais. Como um quebra-cabeças gigante
ele tenta encontrar as peças principais que comporiam a imagem da sociedade e, mesmo
lhe faltando algumas, o quadro final seria a idéia mais próxima da realidade. Essa
história não é um “romance” conforme pretendiam classificar seus críticos, que
pareciam mais contagiados pelo clima de euforia que ostentava o Iluminismo do que
com a verdade. Voltaire chegou a caçoar de Rousseau afirmando que “ninguém jamais
pôs tanto engenho em querer nos converter em animais” e que ler Rousseau faz nascer
“desejos de caminhar em quatro patas”. Aqueles que apontaram a falta de rigor
científico em seus escritos, não levaram em consideração o rigor lógico de uma alma
esclarecida pela razão.

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