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Necessidade do Direito
‘’O Homem é um animal social’’, ou seja, regula a vida em comunidade e, só através da interação
com os outros, da conjugação dos seus esforços, baseada na solidariedade e na divisão do
trabalho, o Homem atingirá a sua plana realização. Contudo, a convivência em sociedade só é
possível se existir um elenco mínimo de princípios ou regras que pautem a conduta humana.
Sociedades – Relações – Conflitos: Como prevenir? Como resolver? Com regras.
Onde há homem há sociedade. Onde há sociedade, há direito.
Podemos assim referir:
Ordem Natural: ordem de necessidade (Exemplo: Está a chover e não podemos evitá-lo)
As suas normas não são substituíveis, aplicam-se de forma invariável e constante,
independentemente da vontade do Homem, ou mesmo contra a sua vontade. São normas
inerentes à própria natureza dos seres.
Ordem Social: ordem de liberdade
As leis ou normas de conduta social são aquelas que se dirigem à vontade do Homem e se
propõem a nortear as suas condutas e, para além disso, são violáveis. Apesar das suas
normas exprimirem um ‘’deve ser’’ e se imporem ao Homem, este pode violá-las, pode
revelar-se contra elas ou pode mesmo alterá-las, sendo certo que a violação destas
normas só atinge na sua eficácia e não na sua validade. É uma ordem normativa.
Nós cidadãos (destinatários da lei), elegemos os nossos representantes que depois vão
criar leis.
Valores fundamentais do Direito
O Direito baseia-se na liberdade e sociabilidade de cada individuo, defendendo que a vida em
sociedade depende da imposição de uma ordem, ordem que nos é imposta, de um conjunto de
regras e padrões que orientem o comportamento do Homem, e estabelecem as regras da
organização da sociedade e das instituições que a compõem.
São dois, os valores fundamentais do Direito: justiça e segurança.
(Direito cria normas com o fim de atingir a justiça e a segurança entre cidadãos)
Justiça
O principal fim a atingir pelo Direito é a justiça.
A justiça é repartida em três modalidades fundamentais, sendo que estas modalidades
correspondem a 3 tipos de relações:
Justiça Comutativa ou Corretiva (relação cidadão/cidadão)
É aquela que se estabelece entre os cidadãos, prevendo os direitos e deveres de uns para
com os outros (ideia de igualdade jurídico-social).
É aqui que se situa o Direito Privado: normas que regulam as relações entre indivíduos, e
entre estes e os entes públicos, visando restabelecer ou corrigir os desequilíbrios que
surgem nas relações interpessoais. Opera segundo um critério de igualdade simples ou
aritmética, que se traduz na equivalência das prestações, e abrange tanto as trocas
voluntárias ou lícitas como as involuntárias ou ilícitas.
Este é o papel da Ordem Jurídica, que é a ordem social regulada pelo Direito – conjunto de
normas de conduta social emanadas pelo Estado e garantidas pelo seu poder.
Assim pode-se afirmar não só que onde existe o Homem existe sociedade, mas também que
onde há sociedade há Direito.
Segurança
Embora não tenha a projeção da Justiça, pois representa um valor de hierarquia inferior, não
deixa de ser indispensável à vida social, pois está diretamente ligada à utilidade, às necessidades
práticas e às urgências da vida.
o Segurança com o sentido de paz social: O Direito visa garantir a convivência pacifica entre
os homens, prevenindo e solucionando os conflitos que surgem inevitavelmente na vida
social – missão pacificadora.
o Segurança com o sentido de certeza jurídica: O Direito deve ‘’proteger os direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos e os defender das eventuais arbitrariedades dos
poderes públicos ou abusos de poder’’ (estado regula a vida em sociedade, mas com
limites).
Religião Direito
Impõe relações do crente Regula as relações
Finalidade com a divindade, e nas essenciais de uma
relações com o seu comunidade
semelhante
Intra-subjetiva
(sentimento de
Essência (exterioridade) transcendência; relação Intra-subjetivo
eu c/ a nossa fé e o
nosso Deus))
Consciencialização Estranho à ideia da Fé
Subjetiva Assenta na Fé (assenta na consciência
de cada um)
Não é assistida de
coercibilidade material É assistido de
Coercibilidade (ninguém nos obriga a coercibilidade material
determinado
comportamento)
Direito e Cortesia
Como vimos, a Cortesia é um conjunto de regras de convivência social que não sendo essenciais
à sobre vivência da própria comunidade, visam assegurar um bom relacionamento entre os seus
membros. Podem identificar-se como regras de trato social ou usos. O Direito é assistido de
coercibilidade material enquanto a ordem de trato social não.
Relações entre as diversas ordens sociais normativas
Entre a Ordem Jurídica e as outras ordens normativas podem surgir relações de: coincidência,
indiferença e/ou conflito.
Por exemplo, entre o Direito e a Moral há largas zonas de coincidência, pois dificilmente se
poderá conceber uma ordem jurídica totalmente contrária aos conceitos morais vigentes
(nomeadamente a regra ‘’não matar’’).
Podem, no entanto, surgir relações de indiferença como por exemplo as regras de trânsito.
Mas também há relações de conflito, como por exemplo a despenalização do aborto.
Órgãos de Soberania
São a manifestação da vontade soberana do povo. Poderão ser órgãos singulares, colegiais ou
assembleias que, por força do Direito Constitucional vigente, têm competência para exercer as
funções imputáveis ao Estado.
Órgãos:
Presidente da República – CRP, art. 120.º
Assembleia da República – representativa de todos os cidadãos portugueses; CRP, art.
147.º
Governo – CRP, art. 182.º
Tribunais – CPR, art. 202.º
Presidente da República
Representa a República Portuguesa. Garante a independência nacional, a unidade do Estado e o
regular funcionamento das instituições democráticas. É por inerência Comandante Supremo das
Forças Armadas. (Art. 120.º CRP)
O PR é eleito por sufrágio:
Universal (extensível a todos os cidadãos portugueses com capacidade eleitoral);
Direto (porque os eleitores escolhem diretamente o PR);
Secreto (nenhum eleitor está obrigado a revelar o sentido do seu voto).
O seu mandato é de 5 anos, não se podendo recandidatar a um terceiro mandato consecutivo.
Competência
Art. 133.º CRP – competência quando a outros órgãos;
Art. 134.º CRP – competência para a prática de atos próprios;
Art. 135.º CRP – competência nas relações internacionais.
Compete-lhe ainda:
Promulgar as leis e decretos-lei ou exercer o direito de veto;
Proceder à fiscalização preventiva da constitucionalidade de uma norma que lhe tenha sido
submetida para a ratificação, podendo exercer o direito de veto (art. 278.º e 279.º CRP);
Convocar extraordinariamente a Assembleia da República e dissolvê-la;
Nomear o PM e os ministros e demitir o Governo.
Assembleia da República
A Assembleia da República é representativa de todos os cidadãos, pois apesar de os deputados
serem eleitos por círculos eleitorais, representam todo o país e não só o círculo pelo qual foram
eleitos. (Art. 147.º CRP).
Eleição: Os deputados são eleitos por círculos eleitorais. São elegíveis todos os cidadãos
portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei eleitoral estabelecer por virtude de
incompatibilidade locais ou de exercício de certos cargos.
Legislatura: 4 sessões legislativas, com a duração de um ano cada uma.
Competências:
Competência política e legislativa (art, 161.º CRP);
Competência de fiscalização (art.162.º CRP);
Competência quanto a outros órgãos (art. 163.º CRP);
Reserva absoluta de competência legislativa – a AR não pode conceder ao Governo a
autorização para legislar sobre certas matérias (art. 164.º CRP);
Reserva relativa de competência legislativa – a AR pode conceder ao Governo a
autorização para legislar sobre essas matérias (art. 165.º CRP).
Governo
Órgão de política geral do país e órgão superior da administração pública. (Art. 182.º CRP)
É composto PM, ministros e secretários e subsecretários de Estado.
Formação: O PM é nomeado pelo PR, ouvidos os partidos políticos representados na AR e tendo
em conta os resultados eleitorais. (art.187.º CRP)
Programa de Governo: O programa de Governo é submetido à apreciação da AR, através de uma
declaração do PM, no prazo máximo de 10 dias apos a sua nomeação (art.190.º CRP)
Competência:
Política (art. 197.º CRP);
legislativa (art. 198.º CRP);
administrativa/executiva (art. 199.º CRP)
Tribunais
Órgãos independentes, estando apenas sujeitos à lei. (Art. 202.º e 203.º CRP)
O Juiz não se encontra sujeito a qualquer tipo de poder exterior no decorrer do julgamento dos
processos.
Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do
povo. (Art. 202.º, nº1 CRP)
Competências:
o Assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
o Reprimir a violação da legalidade democrática;
o Dirimir os conflitos de interesse públicos ou privados
As decisões dos tribunais são vinculativas – são obrigatórias e prevalecem sobre as das outras
autoridades. (Art. 205.º, nº2 CRP)
A sua independência perante os poderes executivo e legislativo é indispensável à existência de
um verdadeiro Estado democrático – o juiz decide segundo o critério que considera certo e
encontra-se unicamente vinculado à lei.
Os juízes têm ainda as seguintes prerrogativas:
Inamovibilidade: São nomeados vitaliciamente, pelo que não podem ser transferidos,
suspensos, promovidos, demitidos, aposentados exceto nas situações previstas pela lei
(art. 216º, nº1 CRP);
Irresponsabilidade: Não são responsabilizados a título individual pelas decisões que
tomam no exercício das suas funções (art. 216.º, nº2 CRP).
Categorias de Tribunais:
Tribunal Constitucional;
Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais Judiciais de 1º e 2º Instância;
Supremo Tribunal Administrativo e os demais Tribunais Administrativos e Fiscais;
Tribunal de Contas.
Estado de Direito, Estado Social de Direito e Estado de Direito Democrático
Estado de Direito
Aquele em que toda a atuação do poder político está subordinada a regras jurídicas, com vista a
assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos perante o próprio Estado.
Estado Liberal de Direito
Surge a partir do século XVIII, atingindo o máximo da sua popularidade em meados do seculo
XIX. Nasce como reação ao absolutismo monárquico (omnipresença e intervencionismo do Rei).
Assentava na separação de poderes e tinha como única função zelar pela defesa e garantia dos
direitos e liberdade fundamentais e individuais, ignorando, contudo, as questões sociais.
Estado Social de Direito
Surge como resultado natural da ineficácia dos modelos liberalistas, nos finais do século XIX. O
facto de Estado não intervir na vida económica e social gerou situações gravosas para os direitos
e liberdades individuais e para a defesa do bem comum. Após as crises que se seguiram à I e II
Guerra Mundiais, a evolução nos sistemas democráticos/liberais do Ocidente fizeram com que o
Estado abandonasse a sua posição abstencionista, o que deu origem ao Estado Social de Direito.
Para além das esferas política e económica, o Estado passa igualmente a intervir na esfera
social.
Tenta conciliar a manutenção do capitalismo como sistema económico e, simultaneamente, a
prossecução do bem-estar geral.
Tradicionalmente os requisitos do Estado Social são:
Império da Lei;
Separação de Poderes;
Legalidade da administração;
Garantia jurídico-forma e efetiva realização material dos direitos e liberdades
fundamentais.
Estado de Direito Democrático
O Estado de Direito, atualmente, postula a democracia representativa e pluralista; considera-se,
assim, mais adequado falar em Estado de Direito Democrático.
Art. 2.º CRP – A Constituição da República Portuguesa acolheu esta designação.
As Relações Internacionais
Um dos elementos do Estado é o poder político, o qual desempenha diferentes funções no plano
interno e no plano externo.
No plano interno: O poder político traduz a autoridade de, por direito próprio, um povo fixado em
3wadeterminado território instituir os seus órgãos governativos.
No plano externo: O poder político traduz-se na soberania; na capacidade de um Estado se
representar internacionalmente.
Organizações Internacionais
A seguir à II Guerra Mundial a necessidade de garantir a paz e a segurança levou à criação de
Organizações Internacionais, para que fosse possível resolver as temáticas que ultrapassem as
competências de uma só nação, sendo de responsabilidade global. Estas possuem personalidade
jurídica autónoma a nível internacional, destinando-se à coordenação e à realização dos mais
variados interesses comuns.
As OI podem ser classificadas quanto:
Ao objeto: Gerais, como a ONU; ou particulares como a UE;
À estrutura interna: Intergovernamentais, como o OUA (Organização da Unidade Africana); ou
supranacionais, como a UE.
Nas Organizações Intergovernamentais, cada EM, mantém na integra a sua soberania;
Nas Organizações Supranacionais os seus membros delegam parte da sua soberania à
organização, com vista à resolução de determinados conflitos, possuindo as suas decisões
um carater mais vinculativo.
Ao âmbito territorial: Para-universais, como a ONU; e regionais como a NATO;
À natureza dos membros: Públicas, como a ONU; e privadas como a Cruz Vermelha
Internacional.
Direito e Sociedade
O Direito é condição sine qua non da existência e desenvolvimento da sociedade humana.
Compete ao Direito, num primeiro momento, estatuir as normas que determinarão o modo como
esses interesses se devem conciliar ou qual o interesse que deve triunfar.
Por exemplo:
Nas relações entre vendedor e comprador, o art. 879.º CC prescreve que é obrigação do
vendedor proceder à entrega da coisa vendida, enquanto é dever do comprador pagar o
preço.
Nas relações entre depositário e depositante, os arts. 1187.º (depositário é obrigado a
guardar a coisa depositada e a restituí-la cm os seus frutos, ect.) e 1199.º (o depositante
deve pagar a retribuição devida e reembolsar o depositário das despesas indispensáveis à
conservação da coisa, etc.) do CC, estabelecem o equilíbrio juridicamente desejado entre
os dois contraentes.
Este plano de regulamento social que o Direito institui nas suas normas é frequentemente
desrespeitado: o comprador não paga o preço, o contribuinte não satisfaz as suas obrigações
fiscais, etc. Quando estes conflitos irrompem, geram-se situações de crise que reclamam uma
solução em termos de Direito.
Numa sociedade civilizada não se aceita que seja o próprio interessado a realizar o seu direito.
Art. 1.º do Codigo do Processo Civil:
‘’A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio Direito…’’
O Direito institui órgãos imparciais e independentes a quem comete a função de ‘’administrar a
justiça’’.
Os tribunais: Arts. 202.º e ss. da CRP
Estes órgãos decidem em termos de definitivos (caso julgado), e ‘’obrigatórios para todas as
entidades públicas e privadas’’, ‘’nas termos previstos na lei’’ os litígios submetidos à sua
apreciação.
o Direito Administrativo
O Direito Administrativo constitui como que a infraestrutura organizativa sobre que se apoia
todo o Direito Constitucional.
Pode definir-se como o sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o
processo de agir da Administração Pública, quer a do Governo agindo no desempenho da
função executiva, quer a dos entes a ele subordinados diretamente, quer os órgãos e
agentes das autarquias regionais e locais.
o Direito Financeiro
O Estado para realizar os fins públicos, tem de fazer despesas e, para custear as
despesas, carece de obter receitas. A atividade de realização de despesas e obtenção de
receitas constitui a atividade do Estado.
Ao conjunto complexo de normas jurídicas que regulam a recolha, a gestão e a aplicação
dos recursos financeiros do Estado (normas disciplinadoras da ação financeira do Estado)
dá-se a designação de Direito Financeiro.
o Direito Fiscal
É o sistema de normas que disciplinam as relações de impostos, e definem os meios e
processos pelos quais se realizam os direitos emergentes destas relações. O Direito Fiscal
é constituído por normas de soberania fiscal, normas de incidência, normas de
lançamento, normas de liquidação e normas de cobrança;
o Livro II: Contém o ‘’Direito das Obrigações’’, ou seja, o complexo de normas que
fixam a disciplina do ‘’vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita
para com outra à realização de uma prestação’’ (art. 397.º CC); Direito dinâmico que
regula em particular a circulação de bens e serviços, as prestações (positivas ou
negativas – de dar, fazer ou não fazer), e a reparação dos danos (Responsabilidade
Civil). Tem como principal instituto o contrato, decorrente da instituição que é a
autonomia privada. Do art. 874.º ao art. 1250.º, o CC define vários tipos contratuais:
compra e venda, doação, sociedade, locação, comodato, mútuo, contrato de
trabalho.
o Livro III: ‘’Direito das Coisas’’ ou Direitos Reis; os direitos reais definem-se como
poderes diretos e imediatos sobre coisas certas e determinadas. São poderes que
garantem ao seu titular um certo domínio sobre o bem a que concernem. Estes
poderes têm eficácia real e absoluta, ou seja, permitem que o seu titular retire todas
ou algumas utilidades que de a coisa é suscetível, ficando todos os demais (não
titulares) obrigados à obrigação passiva universal, dever geral de abstenção, de não
perturbação do exercício de tal poder. Os direitos reias estão vinculados a um
numerus clausus (art. 1306.º CC), ou seja, só se poderão constituir com eficácia real
as figuras que a lei prevê – princípio da tipicidade dos direitos reais, ou seja, direito
de propriedade (arts. 1302.º e seguintes), usufruto (arts. 1439.º e seguintes), uso e
habitação (arts. 1484.º e seguintes), direito de superfície (arts. 1524.º e seguintes),
servidões prediais (arts. 1543.º e seguintes)
As fontes do Direito
O problema das fontes de direito está naturalmente ligado à origem, aos processos de formação e
revelação das normas que compõem determinada ordem jurídica.
Segundo a Ordem Jurídica, o Direito pode ser visto num sentido mais lato ou num sentido mais
estreito. Segundo um sentido mais restrito ele é constituído pelos Sistemas de Regras e pelas
Situações Jurídicas.
Sistemas de regras: o ordenamento jurídico, ou seja, conjunto de normas que exprimem a Ordem
Jurídica e que regem uma dada comunidade num determinado momento histórico;
Situações jurídicas: as relações da Sociedade mais importantes para o Direito.
A Ordem Jurídica tem, como forma de ordenação da vida social, duas funções: função primaria e
função secundária.
Função Primária
A Ordem Jurídica funciona como princípio de ação da conduta do Homem na sociedade – surge
como fundamento normativo da conduta social, colocando os cidadãos uns perante os outros
num plano de igualdade jurídico-social, atribuindo-lhes poderes, prescrevendo-lhes deveres e
definindo-lhes responsabilidades, sendo a sanção a consequência imposta à violação das normas
jurídicas. Esta função traduz-se nas normas.
Função Secundária
A ordem jurídica estabelece as regras de organização da sociedade e das instituições sociais –
materializa-se através de instituições, determinando-lhes o estatuto funcional e organiza os
processos jurídicos de atação da função primaria. Nesta função, a ordem jurídica constitui o seu
próprio sistema ou ordenamento jurídico, garantindo a sua coerência pela instituição de órgãos
(tribunais) que impõem o cumprimento das sanções que aplicam pelo desrespeito das normas,
ainda que seja pelo uso da força.
A ordem jurídica exprime-se através das normas jurídicas que são um comando geral, abstrato e
coercível emanado por uma entidade superior.
Sentido Histórico
São fontes de direito os diplomas, ou monumentos legislativos, os instrumentos que contêm
normas jurídicas; incluem-se todos os documentos desde a Lei das 12 Tábuas até às atuais
constituições.
Sentido Político
São fontes do direito os órgãos políticos que, em cada sociedade, estão incumbidos de emanar
ou aprovar normas jurídicas: a AR, o Governo, as Assembleias Regionais, Municipais e de
Freguesia.
Sentido Técnico-jurídico
As fontes de direito são os modos de formação e revelação das normas jurídicas; evidencia a
forma como é criada e se manifesta socialmente a norma jurídica. São considerados a lei, o
costume, a jurisprudência e a doutrina.
Saliente-se, no entanto, que alguns autores dizem que só a jurisprudência de conteúdo normativo
cria Direito e outros consideram que nem a jurisprudência nem a doutrina são criadoras de
Direito.
A posição destes últimos baseia-se numa distinção tradicional entre: fontes imediatas do Direito e
fontes mediatas do Direito.
Fontes imediatas
São as fontes que têm força vinculativa própria, pelo que são consideradas os verdadeiros modos
de produção de Direito. As fontes de direito imediatas são a lei e o costume, caso a lei o
determine.
Lei: norma jurídica proveniente de órgãos estaduais competentes, o Estado, e que se impõe a
todos os cidadãos.
Fontes mediatas
São aquelas que embora não tenham força vinculativa própria, são importantes pelo modo como
influenciam o processo de formação e revelação da norma jurídica. Ou seja, a doutrina,
jurisprudência e o costume.
Costume: fonte mediata de direito, que se forma espontaneamente em qualquer sociedade; para
se verificar a existência de costume, impõem-se duas condições cumulativas: corpus (pratica
constante – repetição de praticas sociais que podemos designar por usos sociais) e animus
(convicção da sua obrigatoriedade – é necessário que o uso constante seja acompanhado da
consciência da sua obrigatoriedade, ou seja, a pratica só leva à criação da norma quando as
pessoas se convencerem de que aquela pratica é algo vinculativo).
Jurisprudência: Orientação geral seguida pelos tribunais no julgamento dos casos concretos da
vida social, assim como as decisões por estes tomadas nos litígios que lhes são submetidos;
estas decisões chamar-se-ão sentenças se proferidas por um tribunal singular, ou acórdãos se
proferidas por um tribunal coletivo. Em Portugal, as decisões dos juízes não valem fora dos casos
específicos a que se reportam, o juiz tem de julgar unicamente de ‘’harmonia com a lei e a sua
consciência’’.
Doutrina: Compreende as opiniões e pareceres de jurisconsultos e outros especialistas do Direito;
consiste em artigos, monografias, etc.
Tratados Internacionais
Os tratados serão fontes de direito se uma ou mais das suas disposições previr a inserção de
normas jurídicas na ordem jurídica interna dos seus signatários. De acordo com a CRP, as
normas dos tratados, depois de aprovadas pela AR (ou Gov.), terão de ser ratificadas pelo PR e
publicadas em DR.
As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais a que Portugal
pertence vigoram diretamente na ordem interna, desde que isso se encontre expressamente
previsto nos tratados.
As normas emanadas pela EU sob forma de regulamentos e diretivas, vigoram diretamente na
Ordem Jurídica interna portuguesa.
Podemos ainda distinguir lei em sentido amplo, sentido intermedio e em sentido restrito:
1. Lei em sentido amplo
Lei é toda a norma formalmente prescrita por um órgão estadual com poderes normativos
(ex.: decreto-lei, decreto regulamentar, portaria, etc.);
2. Lei numa aceção intermédia
Lei equivale à norma jurídica formalmente declarada por um órgão com poderes
legislativos e no exercício de tais poderes (ex.: leis da AR, decretos-lei do GOV, decretos
legislativos regionais das assembleias legislativas das regiões autónomas da Madeira e
doa Açores);
3. Lei em sentido restrito
O termo lei serve apenas para referir os diplomas legislativos elaborados pela AR.
É importante frisar:
As leis não são todas da mesma espécie;
As leis não têm todas o mesmo valor;
Há diferentes categorias de leis e cada categoria corresponde a um valor próprio.
Pelo que as diferentes leis, em vez de disporem num mesmo plano, estruturam-se numa
organização hierarquizada, com as leis mais importantes no topo e as leis de menor valor relativo
na base sendo que estas não podem contradizer, sob pena de ilegalidade, o que dispõem as leis
superiores.
A revogação de uma lei pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei que substitua a já
existente: as leis novas revogam as leis antigas.
Quanto à sua extensão a revogação pode ser total ou parcial:
Total: a nova lei substitui totalmente a anterior;
Parcial: a nova lei só altera alguns normativos da anterior.
O art. 7.º/2 refere-se precisamente a estas 3 formas de revogação: ‘’ a revogação pode resultar
de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras
precedentes ou da circunstância de uma nova lei regular toda a matéria da lei anterior’’.
Importa ainda frisar aqui, os limites da revogação tácita – art. 7.º/3 do CC. A lei geral não revoga
a lei especial, exceto se for essa a intenção inequívoca do legislador; a contrário, a lei especial
posterior revoga a lei geral anterior, mas apenas no âmbito restrito da sua aplicação.
No mesmo art. 7.º/4, é definido que: ‘’a revogação da lei revogatória não importa o nascimento da
lei que esta revogara’’ – isso só acontecerá se o legislador o declarar expressamente através de
uma declaração repristinatória.
Regras:
As leis de hierarquia inferior não podem contrariar as leis de hierarquia superior, tendo,
então, que se conformar com elas;
As leis de hierarquia igual ou superior podem contrariar as leis de hierarquia igual ou
inferior;
A lei mais recente revoga a lei mais antiga.
…, para estabelecer esta hierarquia há que distinguir leis/normas constitucionais de leis/normas
ordinárias.
Leis/normas constitucionais
O poder de estabelecer normas constitucionais denomina-se poder constituinte e ocupa o lugar
cimeiro do poder legislativo.
Constituição: Lei fundamental de um Estado; a qual fixa os grandes princípios fundamentais da
organização política e da ordem jurídica em geral.
Deste modo, as leis ou normas constitucionais são aquelas que estão incluídas na constituição e
que se encontram no topo hierárquico.
Leis/normas ordinárias
São todas as restantes leis/normas e podem agrupar-se em: leis/normas reforçadas ou
leis/normas comuns.
As leis/normas ordinárias reforçadas, como está expresso no art. 112.º/3 da CRP, ‘’têm valor
reforçado, alem das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3, bem
como aquelas que, por favor da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras
leis ou que por outras devam ser respeitadas’’.
Lei orgânica – art. 166.º/2 da CRP (remissão p/ art. 168.º/5 da CRP)
o Lei que regula o estado e capacidade da pessoa;
o Lei que regula os direitos, liberdades e garantias;
o Lei que regula o regime de punição das infrações disciplinares;
o Lei que regula as bases do sistema da segurança social e do serviço nacional de
saúde;
o …
Leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3 – art. 168.º/6 da CRP
o A lei que regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes
no estrangeiro (art. 121.º/2 da CRP);
o A lei que regula as restrições ao exercício de direitos por militares e agentes
militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes
dos serviços e forças de segurança (art. 164.º/o))
Leis que p/ força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis
ou que por outras devam ser respeitadas:
o Leis estatutárias (aprovam e incorporam os estatutos das Regiões Autónomas) –
art. 161.º e 226.º da CRP;
o Leis de autorização (autorizam o Governo a legislar sobre matérias da competência
de reserva relativa da AR) – art. 112.º/2 e 165.º da CRP.
Estas encontram-se imediatamente abaixo das leis constitucionais. Estas provêm de órgãos com
competência legislativa como a AR (leis), o GOV (decretos-lei) e as ALR (decretos legislativos
regionais). As leis e decretos-lei têm o mesmo valor e a mesma força obrigatória.
As leis/normas ordinárias comuns estão subordinadas às leis ordinárias reforçadas e encontram
num nível hierárquico abaixo destas, é o caso dos decretos-regionais e dos decretos-
regulamentares.
É à AR que compete, por excelência, o primeiro papel legislativo e dela provêm as leis, moções e
resoluções, porém só as leis estabelecem verdadeiras regras jurídicas. Tem nomeadamente a
competência para elaborar alterações à Constituição, em matérias mais importantes possui
mesmo reserva absoluta para legislar e, sobre outras matérias (reserva relativa) pode autorizar o
GOV a fazê-lo.
O GOV para alem da competência legislativa própria tem competência regulamentar que exerce
fazendo os regulamentos necessários à boa execução das leis. Na verdade, tanto a lei como o
decreto-lei necessitam por vezes de ser ‘’especificados’’ devido à generalidade com que foram
elaborados.
Síntese…
Hierarquia das Leis
1. CRP – fixa os grandes princípios da ordem política, social e económica e, estabelece
nomeadamente o regime jurídico de produção e modificação de normas jurídicas. por isso
se designa por lei primária. Juntamente com a CRP estão as leias constitucionais ou de
revisão;
2. Direito Internacional – de acordo com o art. 8.º da Constituição, as normas de direito
internacional são parte constituinte do direito português, desde que devidamente
aprovadas e ratificadas.
3. Atos normativos – as leis, os decretos-lei e os decretos legislativos regionais; as leis e os
decretos-lei, exceto as leis com valor reforçado (p/ exemplo as leis de autorização
legislativa), têm o mesmo valor, conforme o art. 112.º da CRP;
4. Atos de administração – regulamentos e atos administrativos, nomeadamente decretos
regulamentares, decretos regulamentares regionais, resoluções do conselho de ministros,
portarias, despachos, instruções, circulares e posturas locais.
Direito Internacional
Em linguagem corrente, por Direito Internacional entende-se Direito Publico. Contudo existe
também o direito internacional privado, regulador faz relações entre indivíduos pertencentes a
diferentes Ordens Jurídicas.
O direito internacional publico é o conjunto de regras e princípios decorrentes de um processo
que não é específico de um só Estado, mas que resulta da convergência de vários Estados, ou da
manifestação da vontade de outras entidades internacionais, como as Organizações
Internacionais.
Devido à inexistência de entidade que possa aplicar a coercibilidade, poderíamos não falar em
Direito Internacional, mas sim de Moral Internacional, baseada no princípio de Pact Sunt
Servanda.
De acordo com o art. 48.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, as fontes mais
importantes do Direito Internacional são:
O costume internacional, resultante de uma prática geral de procedimento uniforme e
constante, aceite como juridicamente obrigatória pelos membros da sociedade
internacional nas suas relações recíprocas;
Convenções internacionais, que estabelecem normas expressamente reconhecidas pelos
Estados celebrantes;
Atos de organizações internacionais, quer sejam decisões ou deliberações (conforme
provenham de órgão singular ou coletivo); quer sejam princípios gerais do direito
reconhecidos e aceites pelas chamadas ‘’nações civilizadas’’ e, cuja importância é decisiva
na regulamentação das relações internacionais;
Os tratados.
Tratados
Os tratados são, de acordo com Charles Rousseau, acordos celebrados entre membros da
sociedade internacional que têm por objetivo a produção de efeitos de Direito, ou seja, um acordo
de vontades, em forma escrita, entre sujeitos de Direito Internacional, que resulta na produção de
efeitos jurídicos.
De acordo com a Constituição da República Portuguesa as normas pertencentes aos tratados
internacionais depois de aprovadas pela AR (art. 161.º/i) da CRP), ou pelo GOV (art. 197.º/1/c) da
CRP), ratificadas pelo PR (art. 135.º/b) da CRP) e publicadas no Diário da República (art.
119.º/1/b) da CRP), passam automaticamente a fazer parte do Direito português (art. 8.º/2 da
CRP).
Direito comunitário
Ao conjunto de normas que regulam a constituição e funcionamento das Comunidades Europeias,
chama-se Direito Comunitário.
Para que se possa compreender este tipo de Direito é necessário distinguir duas noções: Direito
comunitário originário e direito comunitário derivado.
Comissão
Constituída por 20 comissários, é considerada a guardiã dos Tratados Comunitários e
detentora do direito exclusivo e fazer propostas de legislação (direito de iniciativa). É
também a instância executiva das políticas comuns, ainda que em articulação com as
administrações nacionais. O mandato da Comissão é de 5 anos.
Conselho Europeu
É constituído pelos chefes de Estado e de GOV dos EM, bem como pelo Presidente da
Comissão Europeia. Nele se debatem e definem as principais linhas de orientação política
e se abordam as questões da atualidade internacional. É o grande agente de impulso da
integração europeia. A Presidência da EU é exercida rotativamente por todos os EM,
sendo o mandato de seis meses.
Parlamento Europeu
É o órgão de representação dos cidadãos europeus, fruto da vivência democrática de
todos os EM, é composto por 626 deputados (eleitos de 5 em 5 anos por sufrágio universal
e direto pelos cidadãos de toda a comunidade). É um órgão comunitário essencialmente
consultivo, cabendo-lhe pronunciar-se sobre a maioria das propostas submetidas ao
conselho. Aprova ainda o Orçamento da Comunidade e exerce um controlo político que
pode ir até à censura da Comissão.
Desempenha um papel essencial no processo de elaboração, modificação e adoção da
legislatura europeia e formula propostas de natureza política para o reforço da EU.
Incumbe-lhe, no âmbito das novas competências:
o Aprovar a composição da Comissão da UE;
o Aprovar os acordos internacionais mais importantes, que tenham consequências
para a situação financeira e para a legislação da Comunidade.
Tribunal de Justiça
Assegura o respeito pela legislação comunitária. Resolve os litígios entre os EM e as
instituições comunitárias, bem como os litígios entre as entidades privadas e as instituições
comunitárias. Assegura o respeito pela unidade de interpretação do Direito Comunitário.
Tribunal de Contas
A sua principal atividade é a do controlo do orçamento comunitário. Examina as contas de
todos os órgãos comunitários e consubstancia a sua atuação no relatório anual que é
publicado no Jornal Oficial das Comunidades. Adquiriu com o Tratado da UE o estatuto de
instituição comunitária. Assume uma maior importância no quadro da assistência que é
chamado a prestar ao Parlamento Europeu e ao Conselho no controlo da execução do
orçamento comunitário.
Interpretação da lei
A interpretação das normas é um pressuposto indispensável da sua aplicação, sendo sempre
necessária e constitui uma das tarefas mais importantes do jurista. Logo, é preciso saber
interpretar as disposições legais reguladoras da atividade social.
Consiste na determinação ou fixação do exato sentido com que a lei deve ser aplicada.
Toda a norma, por mais clara que aparente ser – ao contrário do suposto na máxima ‘’ubi claris
non fit interpretatio’’ – requer sempre algum trabalho de interpretação, mesmo que instantâneo,
pois esta só poderá ser entendida através da interpretação das frases e palavras por que se
expressa.
A interpretação permite determinar ou fixar o exato sentido ou alcance com que a norma deve
valer.
Existem vários fatores que contribuem para que a interpretação seja uma necessidade: o texto
pode comportar múltiplos sentidos (termos ambíguos ou obscuros), conceitos de difícil
determinação e pela generalidade das leis (indefinidos casos e generalidade de indivíduos).
Esse conjunto de critérios ou princípios gerais orientadores da atividade interpretativa e que
garantem um mínimo razoável de uniformidade de soluções e a indispensável segurança jurídica,
constituem o que pode chamar-se de metodologia da interpretação ou hermenêutica jurídica.
Interpretação autêntica
Operação realizada pelo próprio órgão legislador, mediante uma lei de valor igual ou superior à lei
interpretada: são as denominadas leis interpretativas (têm a força vinculativa própria da lei).
Tratava-se de uma lei interpretativa que fixa o sentido decisivo da lei.
Exemplo: Quando a AR interpreta por meio de uma nova lei (lei interpretativa) disposições
normativas de uma lei anterior, a interpretação que faz é autêntica. Esta interpretação é dotada
de força vinculante geral.
Interpretação Oficial
Operação levada a cabo através de uma norma de valor hierárquico inferior ao da norma
interpretada.
Exemplo: O ministro que por despacho fixa o sentido de normas constantes de um decreto-lei
procede a uma interpretação oficial. Neste caso a interpretação só é obrigatória para os serviços
dependentes do Ministro respetivo.
Interpretação doutrinal
Operação efetuada por jurisconsultos ou outras pessoas dedicadas ao estudo do Direito, na
decisão ou apreciação de casos concretos.
Nesta hipótese a interpretação não tem força vinculativa própria, possui apenas uma força que
resulta do ‘’poder de persuasão’’ dos argumentos em que se funda (tantum valet, quantum
probat).
Interpretação Judicial
Interpretação realizada pelos tribunais no âmbito de um processo judicial, não tendo qualquer
valor vinculativo fora deste.
Elementos de interpretação
Fatores ou instrumentos que o intérprete deve utilizar para fixar o sentido da lei.
Estes elementos aparecem vulgarmente agrupados em duas categorias: elemento gramatical e
elemento lógico.
Elemento gramatical
Este elemento tem como função excluir os sentidos da lei que não tenham qualquer apoio ou
correspondência nas suas palavras, e surgir perante normas que comportam mais do que um
sentido, aquele que mais corretamente se encaixa na sua letra.
A letra da lei representa o ponto de partida da interpretação, assim como o seu elemento base.
Este elemento consiste assim na utilização das palavras da lei, isoladamente e no seu contexto
sintático, para determinar o seu sentido possível.
Todavia, é necessário recorrer a outros elementos, devido às dificuldades que o texto legislativo
frequentemente comporta e que dificultam a determinação do seu sentido e alcance (expressos
anteriormente).
Por isto, é indispensável considerar o ‘’espírito da lei’’, porque apreender o sentido das leis não é
só conhecer as suas palavras, mas também penetrar na sua força e poder – ‘’scire leges non hoc
est verba earum tenere, sed vim ac potestem’’.
Elemento lógico
Consiste no ‘’espírito da lei’’, isto é, no seu sentido mais profundo.
Subdivide-se em 3 outros elementos:
Elemento histórico
Este elemento compreende todos os dados ou acontecimentos históricos que explicam a
criação da lei. São estes:
o Precedentes normativos: constituídos pelas normas que vigoram em períodos
anteriores e que são objetos da história do Direito, como pelas normas de Direito
estrangeiro que tiveram influência na formação da lei.
o Trabalhos preparatórios: são os estudos prévios, os anteprojetos e projetos de lei,
as respostas a críticas feitas aos projetos, as atas das comissões encarregadas da
elaboração do projeto ou da sua discussão, que precedem a lei e documentam o
processo da sua elaboração.
o Occasio Legis: todo o conjunto de circunstâncias (políticas, sociais, económicas,
morais, etc.) que envolveram e influenciaram o aparecimento da lei – as
circunstâncias em que a lei foi elaborada.
Elemento sistemático
Quando se recorre a este elemento, o intérprete deve situar a norma a interpretar no
ordenamento jurídico, atendendo ao espírito e unidade que lhe são próprios, e ponderar as
relações que essa norma tem com as restantes normas.
Assim, considera-se aquilo que se chama o contexto da lei (ponderam-se as relações que
a norma a interpretar tem com o conjunto de disposições a que ela pertence e que regulam
a mesma matéria ou instituto), e os lugares paralelos (consideram-se as relações que a
norma a interpretar tem com outras disposições legais que, embora distanciadas, regulam
problemas normativos paralelos ou afins).
Elemento teleológico
Consiste na razão de se da lei, no fim ou objetivo que o legislador teve em vista ao
elaborar a norma (ratio legis), devendo ser acompanhada do conhecimento das
circunstâncias ou condições históricas em que ela foi elaborada (occasio legis).
De facto, é a interpretação teológica que nos revela que com a providencia legislativa se
quiseram acautelar, qual a sua importância relativa, que interesses se sacrificaram, numa
palavra, se apreende a racionalidade intrínseca da lei.
Resultados da interpretação
Concluída a tarefa interpretativa, encontrar-se-á normalmente o intérprete perante um sentido da
lei que tem por decisivo. É com esse sentido que a lei, na sua opinião, deverá valer.
Mas qual a correspondência do sentido eleito à letra da lei? A utilização do elemento logico estará
conforme/ajustado à expressão textual da lei?
É a propósito desta questão que a doutrina costuma distinguir, dentro dos resultados da
interpretação, as seguintes modalidades:
Interpretação declarativa;
Interpretação extensiva;
Interpretação restritiva;
Interpretação enunciativa;
Interpretação revogatória.
Interpretação declarativa
Elege-se um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta, por ser esse o que
corresponde ao pensamento legislativo. Entende-se que a letra da lei coincide com o espírito da
lei.
Diz-se que há interpretação declarativa quando o sentido que o intérprete fixou à norma coincide
com o significado literal ou um dos significados literais que o texto comporta, por ser o que
corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser lata ou restritiva, consoante o sentido mais amplo ou restrito
dado a algumas palavras que têm mais do que um significado. Porém, em ambos os casos se
trata de sentidos que cabem dentro do texto e não ultrapassa o significado gramatical do
termo/expressão empregue.
EXEMPLO: Art.1.º do CC de 1867 determinava que ‘’só o homem é suscetível de direitos e
obrigações’’. A palavra ‘’homem’’ pode ser interpretada num sentido mais lato – ser humano
(homem, mulher, crianças) – ou num sentido mais restritivo – ser humano do sexo masculino.
Interpretação extensiva
Entende-se que a letra da lei fica aquém do seu espírito, pelo que se torna necessário distender a
letra da lei para captar o seu espírito, para captar o sentido com que a lei deve efetivamente valer
(o legislador disse menos do que queria).
Haverá lugar à interpretação extensiva sempre que o legislador aludiu à espécie quando, na
realidade, queria referir-se ao género; quando fala em filhos com o sentido de descendente; ou
dala na venda com o significado de alienação. Em todos estes casos, a fixação do sentido
verdadeiro da lei obriga a uma compreensão alargada das suas palavras, portanto, à
interpretação extensiva do seu texto.
Quando a letra do texto fica aquém do espírito da lei (a fórmula adotada diz menos do que se
pretendia dizer), o intérprete alarga ou estende o texto, dando-lhe um alcance conforme ao
pensamento legislativo e faz corresponder a ‘’letra’’ ao ‘’espírito’’ da lei.
Não se trata de uma lacuna da lei, pois os casos não diretamente abrangidos pela ‘’letra’’ são
inequivocamente abrangidos pelo ‘’espirito’’ da lei.
A interpretação extensiva assume normalmente a forma de ‘’extensão teleológica’’: quando a
própria ‘’ratio legis’’ postula a aplicação a casos que não são diretamente abrangidos pela letra da
lei, mas são abrangidos pela finalidade da mesma.
Interpretação restritiva
Quando o intérprete conclui que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na
medida em que se diz mais do que o que se pretendia dizer – significação das palavras é mais
ampla do que aquilo que ele pretendia.
EXEMPLO: Quando o legislador menciona os descendentes com o sentido de filhos, ou se refere
a filhos querendo apenas abranger os filhos do casamento, ou quando refere genericamente o
homem para abranger apenas os homens casados. Em todas estas situações, o intérprete deve
então restringir o texto, isto é, encurtar o significado das palavras utilizadas pela lei, de modo a
harmonizá-las com o pensamento legislativo.
Art. 9.º do CC
Os três fatores mais importantes a ter em conta para uma boa interpretação:
Unidade do sistema jurídico;
Circunstâncias em que a lei foi elaborada;
Condições especificas do tempo em que é aplicada.
Integração da lei
Todas as situações carecidas de regulamentação jurídica exigem uma resposta de Direito. A
ordem jurídica deve assegurar que toda a situação capaz de pôr um problema ao Direito receba
dele uma adequada solução.
Não obstante o ordenamento jurídico nacional ser constituído por um vasto conjunto de leis, a
verdade é que nunca estas conseguem abranger e contemplar diretamente todas as situações da
vida social que necessitam da disciplina jurídica.
Com efeito, a vida real é bem mais rica e variada em hipóteses do que a imaginação do legislador
em prevê-las, dando por vezes origem a situações da vida social que eram imprevisíveis no
momento da elaboração da lei, ou que, embora previsíveis, escaparam, contudo, à efetiva
previsão do legislador.
Assim, existe uma lacuna quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não
se encontra prevista na lei. Perante estas situações deverá procurar-se a integração de lacunas
(encontrar uma solução jurídica para os casos omissos). Deverá averiguar-se primeiramente que
não há nenhuma regra aplicável, que o caso não está especificamente regulado.
Em presença, portanto, de um caso omisso (casos não regulados, mas merecedores da tutela
jurídica), e dado o disposto no art. 8.º do CC, deve o julgador integrar a lacuna da lei atendendo
ao art. 10.º do CC, que estabelece:
1. ‘’Os casos que a lei não preveja são regulados segundo uma norma aplicável aos casos
análogos.’’
2. ‘’Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razoes justificativas da
regulamentação do acaso previsto na lei.’’
3. ‘’Na falta de um caso análogo, a situação é resolvida, segundo a norma que o próprio
intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.’’
De acordo com este preceito a primeira tarefa do intérprete consiste no recurso à analogia,
aplicando ao caso omisso a norma reguladora de um caso semelhante. É necessário que exista
um cado análogo regulado por lei. Não basta, porém, encontrar vagas semelhantes entre o caso
omisso e o regulado para fundamentar o recurso à analogia, antes se torna necessário, que as
razoes justificativas do regime fixado para a situação legalmente prevista se mostrem validas e
adequadas para a questão não prevista.
Dada esta identidade de interesses, o princípio da igualdade de tratamento (casos semelhantes
devem ter um tratamento semelhante) impõe a aplicação ao caso omisso da norma que rege o
caso análogo. No entanto, o procedimento analógico só estará legitimado depois de se ter
cuidadosamente comprovado que os interesses são análogos e que é, em ambos os casos, a
mesma a razão de decidir.
Regra geral
Sempre que possível deve-se fazer recurso à analogia com uma norma existente no
sistema;
Na falta de norma que regule um caso análogo, haverá que proceder nos termos do art.
10.º/3 do CC, para efeitos de elaboração de uma norma ‘’ad hoc’’.
Analogia
Analogia consiste em aplicar ao caso omisso a norma reguladora de qualquer caso análogo.
A aplicação analógica distingue-se da interpretação extensiva, porque enquanto a primeira leva a
uma aplicação da lei a situações não abrangidas nem na letra nem no seu espírito, o segundo
pressupõe uma situação que não está compreendida na letra da lei, mas está no seu espírito.
Podemos referir dois tipos de analogia:
Analogia legis: a analogia que se faz por recurso a uma norma vigente;
Analogia iuris: tem lugar quando a lacuna é preenchida por princípios jurídicos assentes
em várias normas ou pela aplicação de princípios jurídicos gerais (boa fé, proibição do
abuso do direito, etc.)
Normas penais incriminadoras (relação com o princípio da legalidade, art. 1.º do CP)
‘’Só se pode punir atos que já sejam crimes à data da sua prática’’ – princípio da não
retroatividade da lei: não é permitido a analogia para qualificar o facto como crime, definir
um estado de perigosidade ou determinar a pena/medida de segurança que lhe
corresponde.
Para além da analogia é também proibido o recurso à interpretação extensiva. Tal facto
deve-se à salvaguarda da liberdade individual contra abusos de poder.
Razão de ser da restrição: Trata-se de defender o cidadão do poder punitivo do Estado,
dando ao princípio da legalidade o seu justo alcance.
Normas imperativas
Definem condutas imperativas aos seus destinatários, isto é, aqueles que se encontram na
situação nelas prevista.
Assim é imperativa a norma que impõe aos indivíduos de certa idade o seu cumprimento de
serviço militar.
Ora a conduta imposta pode ser positiva ou negativa: pode consistir numa ação ou omissão. Daí
a divisão das normas imperativas em precetivas e proibitivas.
Normas interpretativas: Normas que visam aclarar outras normas ou fixar o sentido de
determinadas expressões pouco claras usadas pelo legislador, ou pelos particulares nos
negócios jurídicos.
Exemplo:
o Art. 204.º e 205.º do CC (caracterizam coisas imoveis e coisas móveis).
o Art. 874.º, 940.º e 980.º do CC (fixam os termos em que as expressões ‘’compra e
venda’’, ‘’doação’’ e ‘’sociedade’’ devem ser entendidas quando utilizadas na
linguagem legal.
Destas interessa distinguir as chamadas leis interpretativas que se destinam a esclarecer e
fixar o sentido de uma lei anterior suscetível de mais de uma interpretação.
Enquanto a norma interpretativa esclarece o sentido de palavras ou expressões,
reportando-se a qualquer lei ou facto jurídico em que elas figurem, sejam anteriores ou
posteriores, e lei interpretativa reporta-se a uma lei anterior e só a essa.
Exemplo:
o Art. 2227.º do CC – ‘’se o testador designar certos sucessores individualmente e
outros coletivamente, são estes havidos por individualmente designados’’.
o Bem pode acontecer, com efeito, que um testamento contenha a seguinte frase:
‘’Deixo os meus bens a António, a Carlos e aos filhos do Manuel’’. Esta frase,
embora aparentemente clara, comporta duas interpretações diferentes: os filhos de
Manuel, no seu conjunto, são chamados a receber uma parte igual à de António e à
de Carlos ou, pelo contrário devem os bens do testador ser repartidos, em partes
iguais, por António, Carlos e cada um dos filhos de Manuel?
o Do artigo atrás citado conclui-se que a herança deve ser dividida em partes iguais
por todos os sucessores, considerando-se cada um dos filhos de Manuel como
individualmente designados.
Normas diretivas
Visam a resolução de problemas concretos da vida social, pelo que apontam aos seus
destinatários, de forma direta, as condutas que devem adotar.
Exemplo: Art. 2101.º do CC (direito de exigir a partilha da herança).
Normas indiretas
Têm por destinatários os órgãos de aplicação do Direito (nomeadamente tribunais, notários,
órgãos de polícia criminal), indicando-lhes os termos em que devem solucionar as questões
puramente jurídicas.
Assim o art. 9.º do CC respeita apenas ao problema da interpretação da lei e o art. 10.º do CC
regula em exclusivo a questão do preenchimento das lacunas.
São normas que se limitam a orientar o jurista nas tarefas da interpretação à aplicação da lei.
Normas universais
Normas cuja eficácia se alarga a todo o território nacional (normas do CP, CC, IRS).
Normas locais
Normas aplicáveis apenas dentro de uma circunscrição ou parcela de território nacional (posturas
municipais e legislativos regionais).
Normas excecionais
Normas que dentro de setores e por razões privativas deles, contrariam as soluções das normas
gerais.
Exemplos: Confrontemos o art. 219.º com os arts. 875.º e 1143.º do CC. O art. 219.º do CC
estabelece que ‘’a validade de declaração negocial não depende da observância de forma
especial…’’ – Este preceito enuncia a regra geral de que a validade do negócio jurídico não
depende da forma especial, bastando que os seus interessados manifestem a vontade de os
celebrar e, aplica-se, em princípio, a todos os negócios jurídicos. Porém, o art. 875.º e o art.
1143.º do CC, relativos aos contratos de compra e venda e de mútuo, que são negócios jurídicos,
contrariam a regra geral, dispondo que: ‘’o contrato de compra e vens de bens imoveis só é válido
se for celebrado por escritura pública’’ e ‘’o contrato de mútuo de valor superior a 20.000€ só é
valido de for celebrado por escritura pública e, o de valor superior a 2.000€ se o for por
documento assinado pelo mutuário’’.
Normas especiais
Normas que dando resposta a necessidades concretas, desenvolvem, adaptando ou
especializando, princípios fixados em normas anteriores de alcance mais geral.
Não se trata de uma disciplina oposta da disciplina da norma geral, mas sim do desenvolvimento
desta, adaptando-a às particularidades de casos mais específicos. Representa um simples desvio
às normas gerais sem que, contudo, diretamente as contrarie.
Tanto as normas excecionais como as normas especiais vêm regular casos que, na falha delas,
seriam disciplinados pelas normas gerais. Mas enquanto que as primeiras consagram uma
regulamentação contraria à das normas gerais, as segundas completam-nas, adaptando-se à
particular natureza de certos grupos de relações.
NOTA: Estas relações de especialidade não se estabelecem apenas entre normas singulares,
podendo também constituir-se entre setores (ramos de direito). Exemplo: O direito comercial
constitui um ramo especial face ao Direito Civil.
Normas perfeitas
Normas que determinam apenas a nulidade dos atos que as contrariam.
Exemplo: Os contratos de compra e venda não celebrados por escritura pública, são nulos
(art.875.º do CC).
Normas menos que perfeitas
Normas que estabelecem como sanção para a sua violação, uma sanção diferente da nulidade.
Exemplo: Menor contrai casamento sem autorização do seu representante legal (art. 1649.º do
CC).
Normas imperfeitas
As normas imperfeitas que não estabelecem sanção para a sua violação, que podem ser
impunemente desrespeitadas.
Exemplo: Se o GOV, no exercício da sua ação política, não cumprir orientações como as
marcadas no art. 64.º, 65.º e 66.º da CRP, é difícil vislumbrar qualquer reação jurídica contra tais
infrações. É, no entanto, duvidoso que estas normas sejam verdadeiras normas jurídicas.
Normas remissivas
Pertencem à categoria das normas indiretas ou não autónomas.
O legislador não regulamenta direta e autonomamente a questão jurídica concreta, recorrendo
sim a outras normas que regem questões diferentes.
Exemplo:
o Art. 974.º do CC (revogação da doação por ingratidão do donatário), remete para os art.
2034.º e 2166.º do CC, para sabermos em que casos há ingratidão do donatário.
o As remissões que as normas operam podem ser materiais ou formais:
o Materiais quando a remissão é feira tendo em atenção o conteúdo da segunda
norma (art. 1935.º do CC quando estabelece que o tutor tem os mesmos direitos e
deveres dos pais).
o Formais quando a remissão é feita não tendo em atenção o conteúdo da segunda
norma, mas porque a norma para que se remete é a norma em vigor em
determinado momento ou em determinado espaço, independentemente do conteúdo
da norma.
Exemplo: Normas sobre conflitos de leis no tempo e as normas de direito
internacional privado.
Ficções Legais
Hipótese em que o legislador em vez de remeter através de disposição expressa o regime
aplicável a determinada situação concreta para as normas reguladoras de um caso análogo ou
semelhante, prefere afirmar que o primeiro caso é ou considera-se igual ao segundo.
O legislador faz o que se denomina de remissão implícita (exemplo: art. 805.º/2/c) do CC)
Presunções legais
Traduzem-se numa operação com base na lei que permite deduzir de um facto conhecido, um
facto que se ignora (art. 349.º do CC – ‘’presunções são as ilações que a lei ou julgador tira de
um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido’’)
Estas podem ser absolutas ou relativas.
Presunções legais absolutas: presunções legais que não admitem prova em contrário.
Exemplo: Art. 1260.º do CC (‘’a posse adquirida por violência é sempre considerada de má
fé’’)
Sabemos já que quando uma lei é posta em vigor numa certa coletividade tal facto não significa
que a sua vigência se mantenha indefinidamente no tempo, sendo sempre possível revogá-la por
meio de outra lei posterior.
Ora se uma lei nova, revogando outra anterior, estabelece uma disciplina diferente para a mesma
espécie de situações, poderá levantar-se o problema de saber por qual das leis devem ser
reguladas aquelas relações constituídas no domínio da lei antiga que se mantenham depois da
entrada em vigor da lei nova ou que, na vigência desta, venham a ser apreciadas.
O problema de aplicação das leis no tempo surge quando se realizam cumulativamente, as
seguintes condições:
Duas ou mais leis sucedem-se no tempo, regulamentando de forma diferente a mesma
questão jurídica;
Uma situação jurídica entra em contacto ‘’temporal’’ com essas leis.
Questão:
o Averiguação da lei temporalmente competente;
o Aplicamos a lei que vigorava quando a situação jurídica se constitui (lei antiga) ou será
antes a que vigora no momento presente (lei nova)?
A escolha de uma das soluções está intimamente ligada ao espírito ideológico de cada um:
Espírito conservador (lei antiga);
Pensamento reformista (lei nova)
Graus de retroatividade
Retroatividade normal (1.º grau)
A nova lei aplica-se a situações jurídicas constituídas no passado, mas apenas no que concerne
aos efeitos jurídicos que estas venham a produzir após a sua entrada em vigor (ou seja, estes
efeitos têm de obedecer à lei nova).
Exemplo: A nova lei fixa como juro máximo admitido 15%; os contratos anteriores em que se
estipulam um juro superior àquele limite máximo passam, após entrada em vigor da nova lei, a
vencer o juro de 15%.
A entrada em vigor de uma nova norma não devera atentar contra as decisões transitadas em
julgado que foram proferidas tendo em conta uma norma que, se bem que agora revogada, era
inteiramente válida e atuante quando o caso julgado se formou.
A CRP contém normas especiais sobre a aplicação no tempo das leis penais:
Art. 29.º/1 – proibição da aplicação retroativa das leis incriminatórias;
Art. 29.º/3 – proíbe a aplicação de penas ou medidas de segurança não previstas em lei
anterior;
Art.29.º/4 – obriga à aplicação retroativa das leis penais com conteúdo mais favorável ao
arguido: aplica-se a pena mais leve se, entre a prática do crime e o momento da
condenação, se sucederem no tempo duas ou mais leis fixando sanções de diversa
gravidade.
Art. 18.º/3 – proíbe a aplicação retroativa de leis restritivas dos direitos, liberdades e
garantias;
Art. 103.º/3 – proíbe genericamente a aplicação retroativa das leis tributárias.
Legislação ordinária
Perante estes limites constitucionais, tem de reconhecer-se ao legislador ordinário ampla
liberdade na definição do regime temporal das leis que edita.
É frequente que o legislador acumule às leis disposições sobre a sua aplicação no tempo,
disposições essas que o intérprete terá de respeitar, salvo aquelas restrições constantes da CRP.
Outras vezes, o legislador, em vez de fixar limites precisos à aplicação da lei nova e da lei antiga,
opta pela instituição de um regime especial – regime transitório – para aquelas relações que,
constituídas ao abrigo da lei anterior, ainda subsistem quando entra a lei nova em vigor.
Assim os problemas de sucessão de leis no tempo, suscitados pela entrada em vigor de uma lei
nova, podem, pelo menos parcialmente, ser diretamente resolvidos por esta mesma lei através
das chamadas disposições transitórias.
As disposições transitórias podem ser de carater formal ou material:
Caráter formal – são as que se limitam a determinar qual das leis, a lei antiga ou a lei nova,
é aplicável a determinadas situações;
Caráter material – são as que estabelecem uma regulamentação própria, que não
coincidem nem com a lei antiga nem com a lei nova, para certas situações que se
encontram na fronteira entre estas duas leis; destinam-se a adaptar o regime da lei nova
às situações, a estabelecer a transição entre os regimes.
Porém, na maioria dos casos, o legislador não define especificamente o âmbito da eficácia
temporal da lei. E é para colmatar, precisamente este silêncio, que se coloca o problema geral da
eficácia das leis no tempo:
Que lei aplicar às situações jurídicas que entram em contacto com duas leis de vigência
sucessiva?
Assim, na falta de disposições transitórias coube à doutrina a tarefa de propor soluções para este
problema (ex.: doutrina dos direitos adquiridos – a lei nova deve respeitar os direitos já
adquiridos).
Hoje é geralmente aceite a teoria do facto passado, acolhida pelo legislador no artigo 12.º do CC.
Teoria do facto passado: ‘’A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia
retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se
destine a regular’’.
Cada facto deve, pois, ter como lei reguladora a lei vigente ao tempo da sua verificação,
aplicando-se a lei nova aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor e a lei antiga aos factos
verificados anteriormente, isto é, no domínio da vigência desta.
E mesmo que determinada lei se aplique ao passado, por ser atribuída eficácia retroativa,
presume-se que há intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos pelos factos que a lei
se destine a regular.
A simplicidade da solução atrás apresentada é contudo mais aparente do que real, pois a norma
jurídica não se limita a regular factos, regula também as suas consequências ou efeitos, muitos
dos quais, derivados de factos ocorridos antes de entrar em vigor uma nova lei, se prolongam
para além do inicio da sua vigência, tornando necessário distinguir quais as situações que por
constituírem simples efeitos ou consequências de factos passados, devem ser regulados pela lei
antiga e quais aquelas que devem ser regulados pela lei nova.
Procurando superar esta dificuldade estabelece-se o art. 12.º/2 do CC: ‘’Quando a lei dispõe
sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus
efeitos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas,
abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias
relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.’’
Em conclusão: Fica o intérprete colocado na necessidade de determinar se a lei nova é uma lei
‘’reguladora de factos’’ ou uma lei ‘’reguladora de direitos e deveres (conteúdo da relação
jurídica)’’.
À luz dos critérios expostos, como solucionar as situações contempladas nos exemplos
enunciados no início desta matéria:
Num país cuja legislação até aí o não admitia, será a lei nova aplicável apenas aos
casamentos celebrados após a sua entrada em vigor ou também aos celebrados
anteriormente?
A resposta a esta questão vai encontrar-se na segunda parte do art, 12.º/2 do CC: a nova
lei é imediatamente aplicável a todos os casamentos, incluindo os contraídos antes da
nova entrada em vigor, pois trata-se de uma disposição que vem regular o conteúdo da
relação jurídica matrimonial, atribuindo aos cônjuges um direito que até aí não possuíam,
sem fazer depender de qualquer facto.
Se uma lei exigir, como condição de validade dos contratos de compra e venda de imoveis,
que os mesmos sejam realizados por escritura pública, quando a lei anterior não submetia
a validade desses contratos a quaisquer formalidades especiais, então a lei nova, nos
termos da primeira parte do art. 12.º/2 do CC e como lei ‘’reguladora de factos’’, aplicar-se-
á somente aos novos contratos, ou seja, àqueles que venham a ser celebrados apos a sua
entrada em vigor.
Especificidade do art.13.º do CC
O princípio geral da não retroatividade sofre, contudo, uma importante exceção. ‘’A lei
interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo
cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não
homologada, ou por atos de análoga natureza’’.
Nos termos deste preceito a lei interpretativa, que se destina a fixar o sentido decisivo de uma lei
anterior obscura ou ambígua, integra-se na lei interpretada, formando com ela um todo. Sendo
assim tudo se passa como se tivesse sido publicada na data em que foi interpretada, ocupando o
seu lugar e, consequentemente, aplica-se aos factos verificados antes da sua entrada em vigor.