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Matéria da cadeira de Introdução ao Estudo do Direito

1. Noção do Direito e Caracterização


1.1 Noção de Direito
Direito é definido como o sistema de normas de conduta social, assistido de protecção
coactiva (Mendes, 1994:11).
A existência do Direito decorre de duas ordens de factos, que podemos exprimir pelas fases
seguintes:
a) O Homem é um animal social: é de sua natureza viver, não isolado, mas em convivência
dentro de um grupo organizado.
Comumente entende-se que a sociabilidade do Homem é uma tendência natural e originária.
Porém, há autores pensadores de destaque que entendem e sustentam que se não trata de uma
tendência natural, mas sim, o estado de natureza do Homem é do isolado, e o estado social
apresenta-se como distorção da natureza do Homem, entre esses pensadores destacam-se o
ROUSSEAU e HOBBES1 (Mendes, 1994:12).
b) Ubi societas, ibi jus2: a convivência em sociedade traduz-se na interajuda, na
solidariedade, na divisão do trabalho. Tudo isto, só é possível havendo padrões de conduta,
regras que assegurem a harmonização das actividades entre si.
O homem é um ser cuja natureza é essencialmente social: é, na célebre definição de
ARISTÓTELES, um animal político porque nasceu para viver em comunidade (polis). Com
efeito, sendo dotado de sentimentos e de razão, precisa de comunicar, de trocar experiências,
de produzir bens para si e para outros, de utilizar o produto de trabalho alheio, porque é
absolutamente impossível criar sozinho tudo o que necessita para viver (Justo, 2015:15).

1.2 Objecto do direito


O Direito é necessário para promover a solidariedade de interesses e para resolver os
conflitos de interesses (Mendes, 1994:13).
Para que a sociedade subsista e progrida, é preciso a pura existência de normas jurídicas.
Na vida quotidiana realizamos com frequência actos ou encontramo-nos em situações que nos
põe em contacto com o Direito, ex. entrar num autocarro; comprar bilhete do cinema; adquirir
o jornal; furtam-nos a carteira e comunicamos a polícia para encetar a investigação;
compramos um apartamento a prestações que, se não pagarmos, seremos demandados em
tribunais; aplicam-nos uma coima por não termos parado num semáforo a vermelho. Todos
estes são actos com significado jurídico, embora quase não nos apercebemos disso (Latorre,
2013:17).

Ordens normativas
Ordem religiosa: são as normas criadas por um Ser transcendente e ordenam as condutas dos
crentes nas suas relações com Deus ex. não viver a vida conjugal antes do matrimónio. É
subjacente a ideia ultraterrena, na qual os homens serão julgados e condenados segundo o
valor da sua própria existência (Justo, 2015:19).

1
JEAN-JACQUES ROUSSEAU, nascido em Genebra (1712-1778), autor do “Discurso sobre a origem e
fundamentos da desigualdade entre homens” (1753) e de “O Contrato Social” (1762) e THOMAS HOBBES,
Inglês (1588-1679), autor do “De Cive” (1642) e do “Leviathan” (1651). Segundo Hobbes “homo ad societatem
non natura sed disciplina aptus factum est”.
2
A expressão do latim ubi societas, ibi jus, significa: onde (está) a sociedade aí (está) o direito.
Ordem moral: a moral constituída pelo conjunto de preceitos, concepções e regras,
altamente obrigatórios para com a consciência, pelos quais se rege, antes e para alem do
direito, algumas vezes até em conflito com ele, a conduta dos homens numa sociedade, ex a
imoralidade pelo parricídio3, eutanásia, incesto, aborto ou tuo que é anti-ético. Caracteriza-se
pela interioridade, absolutidade e espontaneidade do dever moral (Justo, 2015:21).
Ordem de trato social: são usos ou convencionalismos sociais destinados a tornar a
convivência mais agradável. Exemplo, normas de trato social denominadas usos sociais,
regras de etiqueta ou de boa educação, normas convencionais, costumes (gorjetas…), etc.
(Justo, 2015:29).
Ordem jurídica: conjunto de normas dotadas de coercibilidade (Justo, 2015:31).
Conforme este autor, citando também outros autores ex. Max Mayer, não tem sido fácil
definir direito e até agora ainda não houve um jurista ou filósofo do Direito que tenha
acertado a formular uma definição unanimemente aceite (Justo, 2015:30).

O Direito não é uma só ordem normativa, o único conjunto organizado ou sistemático de


normas. Há tantos que se caracterizam por diferentes modos: exemplo, normas religiosas
(que prosseguem valor moral o valor Bem) e normas do direito natural (o valor justiça).
Estas duas ordens normativas não são jurídicas.
A moral não goza de coercibilidade como o Direito goza – uma das diferenças. O Direito é
uma norma de conduta social.
O direito natural é o conjunto de normas que devia valer como direito em qualquer sociedade
humana, por corresponder a algo que em todos existe como algo a respeitar – a dignidade
natural do Homem. É o direito que devia vigorar.
O exemplo típico do direito natural é a situação de em várias sociedades ter havido instituição
da escravatura. Essa instituição era do direito positivo, isto é, era sustentada por normas
eficazmente garantidas. Se o escravo fugisse era perseguido, quem o ajudasse era punido, etc.
e, no entanto, hoje todos estamos de acordo em que era contrária ao direito natural: não devia
vigorar.
Assim, o direito natural é o modelo do direito positivo. Todavia, não é uma realidade jurídica,
no sentido de integrada no direito individual (Mendes, 1994:29).
Com a problemática que muito sucintamente abordamos, relacionam-se duas realidades que é
o Valor da Justiça e a Declarações de Direitos Humanos.

1.3 Norma jurídica


Norma jurídica é um imperativo de conduta que coage os sujeitos a comportarem-se da forma
por ela esperada e desejada.

3
Crime por matar o pai ou a mãe ou outro ascendente.
As normas jurídicas são as que regem a conduta humana. Elas são criadas, modificadas,
revogadas e impostas pelo Estado. Todas as outras categorias de normas surgem à margem
deste e as pressões para fazê-la cumprir ou as consequências do seu incumprimento não
emanam do poder público, mas seguem outros itinerários. (Latorre, 2013:26).

Há distinção entre as nomas jurídicas das restantes e muito variadas, sob aspectos e com
diferente intensidade mas que regem a nossa maneira de ser como:
a) as normas jurídicas são aquelas em que podemos pedir a ajuda de uma autoridade ou de
um tribunal para satisfazê-las. As normas jurídicas apresentam-se-nos como obrigatórias,
precisamente porque pode exigir-se a sua aplicação coactiva através de órgãos estabelecidos
para tal efeito e que possuem meios necessários para faze-las cumprir.

b) Os outros tipos de normas (ex. normas morais, usos sociais e normas religiosas) carecem
de semelhante apoio. Por muito que o nosso amigo esteja obrigado moralmente ou por razões
de amizade a emprestar-nos o dinheiro que lhe pedimos, não podemos, se no-lo negar,
recorrer a qualquer autoridade ou tribunal para exigir-lho, porque falta a correspondente
norma jurídica (Latorre, 2013:19 e 26-30).

As normas jurídicas decompõe-se em duas: a que ordena ou proíbe e a que ameaça com a
sanção aqueles que não cumprem aquela ordem ou proibição. Proíbe-se matar e ameaça-se
aquele que mata com uma pena de determinados anos de prisão (Latorre, 2013:20).

O Direito é também o conjunto de normas que obrigam, autorizam a fazer algo, conferem
faculdades, poderes e direitos, àqueles que se encontram em determinadas circunstâncias para
que os utilizem, dentro de certos limites, segundo o seu critério e colocam à disposição dos
particulares meios legais para que se realizem fins práticos por eles desejados. Aqui
estaremos em sede de direito subjectivo porque aqui o Direito é o conjunto de faculdades,
como faculdade de usar, de perceber os frutos, rendas, de dispor. Enquanto, quando o Direito
como um conjunto de normas, estamos em sede de Direito objectivo. Assim, os direitos
subjectivos, são, portanto, situações de poder concreto que a lei apoia e que podemos usar
discricionariamente para satisfazer as nossas necessidades e interesses (Latorre, 2013:21).
Código: o vocábulo código provem do latim codex que significava livro composto de
páginas, cosido por um dos lados. Veio substituir volumen (livro na forma de rolo) e que
adquiriu tal importância na vida jurídica romana que passou a significar uma colectânea de
leis (Justo, 2015:269).
Hodiernamente, o código define-se como a organização sintética, sistemática e cientifica,
estabelecida por via legislativa, de certo ramo do direito.

1.4 Fins do Direito


Os fins específicos e primordiais do Direito são a segurança, a paz social e a justiça (Latorre,
2013:39).
1.5 Ciência do Direito como ciência autónoma
Dá-se o nome de ciência do Direito à actividade intelectual que tem por objectivo o
conhecimento racional e sistemático dos fenómenos jurídicos (Latorre, 2013:101).
1.6 Origem do ensino do Direito
Foi em Roma o lugar considerado o berço do Direito. Foi aqui que nasceu o Direito como
corpo organizado e aí também, consequente e compreensivelmente, teve a sua raiz, as suas
mais remotas origens, o ensino jurídico (Telles, 2001:70)
Três fases se podem distinguir na evolução que o Direito passou. A primeira fase é a da
jurisprudência pontifícia (de 758 a. C. até 254 da mesma era); a segunda é a da laicização da
jurisprudência (de 254 a. C. até ao século III d. C.); e a terceira, a fase do Baixo Império (a
partir do século III d. C.).

Durante muito tempo, o conhecimento do Direito e a interpretação dos preceitos jurídicos


(jurisprudência teórica) constituíam privilégio de um colégio de sacerdotes, o mais
categorizado de todos, o Colégio dos Pontífices, a que presidia o “Pontifex Maximus”. O
Direito e a Religião compenetravam-se intimamente, como que faziam um todo.

A partir do Século III d. C. começou-se a dar a estadualização do ensino jurídico, o Estado


tomando conta desta actividade, até aí entregue à pura iniciativa privada, colocando-a sob a
sua égide e tutela. Assim os auditórios privados dos jurisconsultos, abriam ciclos de lições ou
conferências sobre o Direito, foram sendo substituídos por escolas jurídicas oficiais, à frente
das quais se encontravam, como funcionários públicos, professores pagos pelo Estado.
Roma entendia ser esta a melhor maneira de divulgar o conhecimento do Direito e para
servirem e no espírito do Direito Romano (Telles, 2001:71).

Dentro desta ordem de ideias, apareceram várias escolas oficiais, como as de Roma, Cartago,
Beirute e Constantinopla.

Na idade média, foi ainda acompanhado e favorecido pelo aparecimento das Universidades
Medievais. Em Itália surgiu, por ex. a Universidade de Bolonha, que se tornou o principal
centro intelectual, político e jurídico do país e com a protecção dos poderosos (Telles,
2001:78).

Direito canónico: é o conjunto de normas jurídicas estabelecidas pelos órgãos competentes


da Igreja Católica, que disciplinam a sua organização e a actividade dos fiéis que nela se
integram (Justo, 2015:267).

1.7 Direito natural e direito positivo


Direito natural: os preceitos naturais servem para corrigir as imperfeições do Direito
Positivo. O que devia ser no comportamento dos Homens. Intervém aqui a importante ideia
aristotélica de equidade. A equidade, segundo o grande filósofo, não era senão a justiça
natural posta ao serviço e vinda em socorro das leis positivas (Telles, 2001:105).

O julgador, na medida em que o Direito Positivo não o proíbe categoricamente, deve adoptar
decisões quanto possível equitativas.

A equidade será a justiça do caso concreto, de justiça ao vivo, em equação com a realidade,
influxo (acção de influir) do Direito Natural, que lima as asperezas (amargura, acidez) da
vida e conduz o julgador às boas soluções (Telles, 2001:105).
CÍCERO chamava a lei natural de lex naturae ou lex naturalis, que significava, lei conforme a
natureza humana que deve dominar as consciências humanas.
A ideia do Direito Natural pode dizer-se fruto genuíno da especulação filosófica grega, mas a
sua verdadeira maturação resultou do enraizamento no solo regado pelos princípios cristãos
(Telles, 2001:107).

Direito positivo: é o conjunto de princípios, regras que regem a vida social de determinado
povo em determinada época.
O direito positivo possui um carácter formal, temporal e territorial. O Direito positivo é um
direito escrito que se revela pela universalidade de leis.
O direito positivo é o elaborado pelos órgãos do Estado e que é imposto com amparo da força
(Telles, 2001:101).

1.8 Direito e a Moral


O Direito regula o comportamento exterior dos homens e a Moral o seu comportamento
interior. A Moral é unilateral, o Direito bilateral. A moral dirige-se ao homem e manda-lhe
praticar o bem como forma de atingir a perfeição. A Moral prescreve a cada um o que deve
fazer para atingir o aperfeiçoamento. O Direito prescreve a cada um como deve proceder no
interesse dos outros. O Direito caracteriza-se pela exterioridade na medida em que regula o
comportamento exterior dos Homens. Enquanto a Moral caracteriza-se pela interioridade
porque regula o comportamento interior ao foro íntimo da pessoa (porque exige que
cumpramos o dever pelo sentimento pleno do dever (Telles, 2001:116-7).
1.9 Caracterização
1.9.1 Características da norma jurídica
a) Imperatividade: na sua forma fundamental ou prototípica, a norma contem uma
estatuição ou comando. Esta é a característica da imperatividade (Mendes, 1994:44).
As regras jurídicas são imperativos, comandos. Contudo, a qualificação da regra como
imperativo é limitada às regras de conduta. As regras permissivas também não se enquadram
facilmente à noção de imperativo.
b) Violabilidade: a norma dirige-se a entes livres, e para estes estatui, pelo que é
essencialmente violável (embora se prevejam medidas de reintegração ou reparação da
violação), exemplo, embora esteja em vigor a norma não matar, há quem mata (Mendes,
1994:45).
c) Generalidade e abstracção: característica fundamental do sistema jurídico como
possibilidade de protecção coactiva. É de modo geral, por pensar sempre numa generalidade
de destinatários e não numa única pessoa concreta. É abstracta porque aplicável a todas as
situações que se subsumirem à norma, e não apenas a um específico caso concreto. Caberá
aos magistrados identificar e aplicar a regra jurídica equivalente ao caso concreto. A
generalidade é assim a abstracção especial do destinatário (Mendes, 1994:35,45).
d) Coercibilidade: a possibilidade de uso da força para impedir e reprimir a violação da
norma jurídica (protecção coactiva) (Mendes, 1994:46).
e) Hipoteticidade: como característica do género da norma jurídica, as regras jurídicas são
hipotéticas e condicionais. Isto é, só se aplicam quando produzido o facto que corresponda à
sua previsão: hipótese ⇒ consequência (“se A então B”)

1.9.2 Relação jurídica


A relação jurídica pode definir-se como a relação social tutelada pelo Direito mediante a
atribuição de um poder a um dos sujeitos e a imposição de um correspondente dever ao
outro (Telles, 2001:151).
A relação jurídica pode ser simples e complexa. As relações jurídicas podem ser simples ou
complexas conforme se traduzem numa só relação ou em várias provenientes do mesmo facto
e entrelaçadas entre si (Telles, 2001:152).
1.9.3 Elementos da relação jurídica
Sujeito: os sujeitos da relação jurídica são as pessoas, entre as quais se encontram os suportes
do poder e do dever. O primeiro é o sujeito activo, alvo de protecção da lei, aquele que pode
exigir ou reclamar. O segundo é o sujeito passivo, vinculado ou adstrito a determinada
conduta positiva ou negativa.
Objecto: é constituído pelo poder e dever em conjunto, que não representam mais do que
duas faces indissociáveis de realidade única. A relação forma-se para conferir direitos ao seu
objecto.
Facto jurídico: chamado também de facto jurígena, entende-se, o facto constitutivo ou
modificativo da relação.
Diz-se facto jurídico todo o evento que produz efeitos jurídicos e que constitui, modifica ou
extingue uma relação jurídica.
Garantia: traduz-se na susceptibilidade de emprego da força para fazer valer o direito em
caso de necessidade. É a projecção, na relação jurídica, da coactividade como atributo do
Direito (Telles, 2001:155).

2. Ramos do direito
A doutrina largamente dominante divide o direito em dois grandes hemisférios: o do direito
público e do direito privado. Esta distinção reveste grande importância científica, pedagógica
e prática (Justo, 2015:237).

2.1 Direito público e direito privado


O Direito público é o ramo do Direito que diz respeito às normas jurídicas de natureza
pública e que têm por função principal regular a relação entre o Estado e os particulares.
O Direito público caracteriza-se por constituir um exercício do poder do Estado. As suas
normas são as que se destinam a regular organizações e actividade do Estado, entidades
públicas e as relações entre tais entidades públicas com os particulares. (Latorre, 2013:166).
O Direito público é um ramo autónomo, pois depende de si quando o direito privado depende
do Direito público. O Direito público põe o Estado com a autoridade e supremacia (jus
imperii). Assim, o Estado tem sempre o poder e a vantagem sobre o cidadão comum, pois, é o
legislador e executor, em defesa do interesse público e bem colectivo em detrimento dos
interesses privados.
O Direito público tem também os seus respectivos ramos, exemplo, Direito constitucional,
administrativo, processual, penal, financeiro, tributário, Fiscal, internacional público, etc.
Exemplo de pessoas colectivas Públicas: As pessoas colectivas publicas podem ser públicas
territoriais (as formadas por território e população ex. Estado, Municípios, Regiões
autónomas, Freguesias) e publicas não territoriais (são todas outras, não formadas por
população sediada em certo espaço geográfico ex. serviços públicos personalizados, empresas
publicas, associações públicas, fundações publicas).

O Direito privado é o ramo do Direito que diz respeito às normas jurídicas que cercam a
relação entre duas pessoas quer singulares ou colectivas, sem dar privilégio ou poder de
autoridade a uma das partes.

O Direito privado regulamenta a relação entre pessoas em pé de igualdade, mesmo que a


outra parte seja o próprio Ente público. Exemplo, o Estado quando contrata serviços aos
particulares, quando solicita empréstimos aos privados, etc., aqui age no direito privado e
perde o jus imperii na relação.

O Direito Privado tem também os seus ramos que lhe constituem, exemplo, Direito civil
(Direito Privado Comum), empresarial, industrial, agrário, etc. (Direito Privado Especiais).
Exemplo de pessoas colectivas privadas: São três as categorias, associações, fundações e
sociedades comerciais (ou sociedades civis sob forma comercial) (Telles, 2001:185).

7.6 Pessoas colectivas públicas e pessoas colectivas privadas


As pessoas colectivas públicas são entidades constituídas por iniciativa pública, para
assegurar a prossecução de interesses públicos, e detentoras, em regra, de poderes de
autoridade exercidos em nome próprio (Telles, 2001:179).
Estas estão investidas de poder de regulamentação, o poder tributário, o poder de
expropriação dentro dos condicionalismos constitucionais e legais aplicáveis, ocupando uma
posição de supremacia em relação aos particulares, que têm de lhes obedecer.
Agem sob égide do Direito Publico mas também podem actuar, e por vezes actuam, nos
termos próprios do Direito Privado.

3. Fontes do Direito
Conceito
Fontes do Direito no sentido técnico-jurídico da expressão é a forma em que se designam os
modos de formação ou de revelação das normas jurídicas. As fontes de direito são: Lei,
Jurisprudência, Doutrina e Costume, (Mendes, 1994:79-80).
As fontes do direito são fundamentais na construção do direito positivo que é o direito escrito
e interpretado para reger as relações humanas na actualidade. As fontes podem ser internas e
externas.

3.1 Classificação das fontes de Direito


3.1.1 Fontes internas
Constitui normas internas o conjunto de instrumentos nacionais e seus hábitos juridicamente
reconhecidos e em vigor num determinado país, exemplo:

a) Leis: Constituição da República, leis ordinárias (AR), resoluções da Assembleia da


República, decretos (Conselho de Ministros), resoluções do Conselho de Ministros,
regulamentos tributários (das autarquias), contratos e estatutos. Código Civil (ex.
art.6,9,10,12 C. Civil sobre a vigência, interpretação e aplicação das leis, art.1158 sobre o
mandato comercial, etc.).
b) Jurisprudência: é o resultado de decisões judiciais no mesmo sentido, que resultam em
novos entendimentos e compreensões do direito (jurisprudência dos tribunais). Ex. a
orientação de um Tribunal Superior para ser seguida pelos tribunais inferiores, o que acontece
principalmente no Direito Anglo-saxónico, dado que, para o nosso Direito, o Juiz julga
consoante a sua consciência.
c) Doutrina: é construída pelos estudiosos da área jurídica quando dão interpretação do
direito.
d) Os usos e costumes: caracterizados como tal, quando existe a reiteração de uma conduta
na convicção da mesma ser obrigatória (Direito Consuetudinário).

3.1.2 Fontes externas


Compreendem ao conjunto de instrumentos internacionais assinados e ratificados por um país
e que podem ser através de convenções internacionais (tratados, protocolos e acordos
normativos – ex vi art. 18 CRM), ex. o Protocolo da SADC, Convenção Mundial do
Comércio – CMC, etc.)4.

3.3 Classificações das fontes do Direito quanto ao Código Civil


Com base no nosso Código Civil (nr.1 art. 1 CC), as fontes do direito classificam-se em:
1. Imediatas: que são as leis e as normas corporativas. São “as disposições genéricas
provindas dos órgãos estaduais competentes”. As normas corporativas são as “regras ditadas
pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou
profissionais’’ (nr. 2 art. 1 CC).
2. Mediatas: são as que a sua força vinculativa resulta da lei. São os usos e a equidade (art. 3
e 4 CC).

3.4 Outras classificações das fontes do Direito


1. Voluntárias: as que explicitam uma vontade dirigida especificamente à criação duma
norma jurídica. São fontes voluntárias a lei, a jurisprudência e a doutrina (Justo, 2015:191-2).

4
Ex. É nos instrumentos internacionais que podemos encontrar a proibição do dumping. Dumping é uma
prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país venderem seus produtos, mercadorias
ou serviços por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo para outro país (preço que geralmente se
considera menor do que se cobra pelo produto dentro do país exportador), por um tempo, visando prejudicar
e eliminar os fabricantes de produtos similares concorrentes no local, passando então a dominar o mercado e
impondo preços altos. É um termo usado em comércio internacional e é reprimido pelos governos nacionais,
quando comprovado (https://pt.wikipedia.org/wiki/Dumping, pagina de 14 Ago 2017).
2. Não voluntárias: são as que não traduzem essa vontade com é o caso do costume e os
princípios fundamentais do direito.

3.5 Solenes e não solenes

3.5.1 Solenes:
a) Leis constitucionais;
b) Leis ordinárias: leis e decretos-leis;
c) Decretos legislativos regionais.

3.5.2 Não solenes


a) Decreto do Presidente da República
b) Decreto regulamentar do Governo
c) Leis elaboradas pelos órgãos locais do estado: ex. os regulamentos dos governos civis;
d) Leis das regiões autónomas (ex. Madeira e Açores – em Portugal);
e) Leis das autarquias.

Hierarquia das leis no direito moçambicano/português


a) CRM – é a lei fundamental que fixa os grandes princípios da organização política e da
ordem jurídica e os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos (lei mãe).

b) Leis constitucionais – é o conjunto das normas que compõe a Constituição da República,


incluindo as respectivas Emendas Constitucionais aprovadas pela AR ex. a emenda da CRM
de 2018 sobre a descentralização, a eleição das Assembleias Provinciais e consequente
governadores que antes desta emenda eram nomeados pelo Presidente da República e não
eleitos.

As restantes leis (ordinárias) devem conformar-se à Constituição sob pena de


inconstitucionalidade.

c) Leis ordinárias
i) As leis e os decretos-leis: estabelecem, em regra, as normas, princípios e institutos para a
resolução dos problemas.

ii) Os decretos legislativos regionais: têm âmbito regional e versam sobre matérias
enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma (ex. Madeira e
Açores – em Portugal).

iii) Os regulamentos: possibilitam a aplicação ou execução das leis e decretos-leis quer


formulando normas complementares e instrumentais.
Derivam do poder regulamentar que só em sentido amplo se considera legislativo e não
devem violar o disposto numa lei ou decreto-lei sob pena de ilegalidade (Justo, 2015:196-9).

Diferença hierárquica dos diplomas legais


A Lei e o Decreto-lei são actos legislativos ou executivos e são dois tipos de diplomas
equiparáveis.
O Decreto-lei é um decreto emanado pelo poder executivo e não pelo poder legislativo que
tem força de lei. São normalmente uma ferramenta do chefe do poder executivo para dar
imediata efectividade para um desejo político da administração.
A lei, por sua vez, é superior ao decreto, que não pode contrariá-la, sob pena de ser ilegal.
No que concerne à lei e ao decreto, deve ficar claro que lei tem mais força normativa porque,
para sua formação, concorrem conjuntamente o Poder Legislativo e o Poder Executivo.
Aquele, formado por parlamentares, discute e aprova o projeto de lei.
Em termos de hierarquia, as leis e o decretos-lei têm o mesmo valor na ordem jurídica
portuguesa. Em caso de conflito, aplica-se, entre eles, o que for mais recente ou o que
contiver uma regra que, por ser mais específica, se adequa melhor ao caso concreto.
O decreto tem menos força normativa (para garantia dos governados, assim deve ser visto)
porque não passa pela discussão e aprovação legislativa, é simplesmente elaborado e assinado
pelo presidente, Primeiro Ministro, conforme o caso. O processo de formação da lei chama-se
processo legislativo. O decreto não é submetido ao processo legislativo.
Portarias é normalmente um documento de acto administrativo de qualquer autoridade
pública, que contém instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações
de caráter geral, normas de execução de serviços, nomeações, demissões, punições ou
qualquer outra determinação de sua competência, (Álvaro oliveira, 2013), acessado em
http://alvarooliveira2012.blogspot.com/2013/01/resolucao-decreto-decreto-lei-e.html
Resolução é um acto legislativo de conteúdo concreto, de efeitos internos. Segundo o mesmo
autor as resoluções não estão sujeitas à promulgação e também não estão sujeitas a controle
preventivo da constitucionalidade, excepto as que aprovém acordos internacionais
Diferença da Lei formal, material e instrumental
Lei formal: é um diploma emanado do órgão legislativo, que reveste uma forma pré-
determinada. Pode conter normas jurídicas ou comandos individuais concretos.

Lei material: é um diploma ditado pelo órgão competente, contendo uma ou mais normas.
A norma material é que disciplina as relações jurídicas entre as pessoas. Diz sobre os direitos
e deveres das pessoas. São normas jurídicas materiais as que disciplinam imediatamente a relação entre
pessoas e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses conflitantes e
em que medida deve prevalecer e qual deve ser sacrificado.

Normas instrumentais são processuais – o rito processual a ser seguido, como as partes
devem comportar-se em juízo. As normas instrumentais apenas de forma indireta contribuem
para a resolução dos conflitos interindividuais, mediante a disciplina da criação e actuação das regras
jurídicas gerais ou individuais destinadas a regulados directamente.
Constituição instrumental – com este sentido, designa-se a constituição escrita, na sua
qualidade de instrumento jurídico-normativo.

Formal: é o texto escrito que emana dum órgão com competência constitucional.
Material: são as escritas (texto escrito) e não escritas (consuetudinárias ou Constituição de
facto), basta ter conteúdo constitucional.
Por outras palavras, quando observamos que dentro da Constituição há um núcleo duro que
não deve ser tocado, sob pena de subverter o sentido da Constituição, estamos perante a
Constituição em sentido material.

Interpretação da lei e integração de lacunas em Direito

Noções fundamentais da interpretação de leis


b) Âmbito de aplicação do direito: o direito não pretende regular tudo, nem isso seria
possível dado que não é uma tarefa fácil marcar os limites de aplicação do sistema jurídico.
Há muitos aspectos que deixa pura e simplesmente à liberdade das pessoas, ou à resolução
por critérios que lhe são estranhos (Mendes, 1994:35).
c) Equidade: no sentido em que a nossa lei, permite, no entanto, às partes, substituir a
aplicação do direito estrito pela equidade (solução ex aequo et bono), nos termos do artigo 4
do Código Civil (Mendes, 1994:39).
d) Princípio da plenitude da ordem jurídica: dentro do âmbito que regula, entende-se que
o direito tem resposta para todas as questões que surjam. Exemplo, nr.1 do artigo 8 do cc, que
o Tribunal não pode abster-se de julgar invocando a falta ou obscuridade da lei.
Não que a lei tenha a lista de inumeráveis casos possíveis e das suas soluções jurídicas. Mas
estabelece princípios, por vezes de grande generalidade com os quais a maioria dos
problemas pode ser resolvida (como o princípio da autonomia da vontade e o correspondente
pacta sunt servanda – os acordos são tutelados e devem ser cumpridos) (Mendes, 1994:39).
e) Sentido e alcance da lei: na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que
o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados (nr. 3 do art. 9 cc).

Interpretação da lei e integração de lacunas

Interpretação da Lei
A interpretação da lei é a actividade intelectual que procura retirar de uma “fonte” do direito
o sentido normativo (a regra ou norma jurídica) que permita resolver um caso prático que
reclama uma solução jurídica (Justo, 2015:325).
A interpretação é absolutamente necessária mesmo quando a fonte se afigura clara: esta
conclusão é já o resultado da interpretação. Assim devemos rejeitar a regra “in caris non fit
interpretation” que os juristas medievais enunciaram e em contraposição de garantir-se uma
estrita certeza do direito.

Em termos de critérios gerais do Direito, a interpretação da lei é feita mediante o valor das
fontes, os elementos e o resultado.

1- Segundo o valor das fontes

a) Autêntica ou legislativa: quando a interpretação é feita pelo próprio legislador. Ocorre


através de uma lei (dita interpretativa) que se integra na lei interpretada (Justo, 2015:
326).

b) Oficial ou administrativa: quando esteja a cargo ou feita pela Administração Pública.

c) Judicial ou jurisdicional: quando é feita pelos tribunais num dado processo;

d) Doutrinal ou doutrinária: feita pelos jurisconsultos, juristas, juízes ou outras pessoas,


desde que em obediência aos cânones (regras/normas) de uma metodologia correcta.

NB: Estas interpretações podem ser vinculativas e não vinculativas. Para o caso sub judice
todas são vinculativas, excepto a Doutrinal ou Doutrinária, porém, com forte poder de
influência.

2- Segundo os elementos

a) Interpretação literal: é a gramatical. No mínimo, deve haver alguma relação com a letra
da norma. O uso do vocabulário jurídico adequado e, por outro lado, que deve ocorrer em
matérias técnicas.

b) Interpretação racional ou teleológica: não só deve cingir-se à letra da norma mas deve
também determinar o espírito da mesma. Este elelemento constitui a “ratio legis”, ou seja,
a razão-de-ser.

c) Interpretação sistemática: é necessário haver integração da interpretação ao documento


em que ela se contém, evitando também contradições com as normas superiores e
princípios gerais do Direito.
d) Interpretação histórica: Deve ater-se às circunstâncias históricas, sociais e legais, como
também, os antecedentes normativos internos e externos ex. anteprojecto, projecto, actas.

3- Segundo o resultado

a) Declarativa: quando o sentido textual e o racional são coincidentes. Pode ser lata ou
restrita.

b) Extensiva: quando o legislador expressa menos do que o espírito da lei sugere;

c) Restritiva: quando o legislador expressa mais do que o espírito da lei sugere;

d) Enunciativa: quando numa lei possa deduzir-se outras interpretações que lhe sejam afins
ou periféricas ex. o resultado de que a lei que permite o mais permite o menos (ex. a lei
que permite para investir com dez mil dólares permite cem mil); a lei que proíbe o menos
também proíbe o mais (ex. se o Código Penal tipifica ofensas corporais como crime e
proíbe, imagine quem mata, é claro que vai também tipificar e proibir o crime de
homicídio) (Justo, 2015:348).

e) Ab-rogante:5 não se deve concluir que uma lei não tem sentido válido, que houve
equívoco do legislador, porque isso seria uma interpretação ab-rogante (de revogação,
anulação, derrogação), excepto se houver alguma incompatibilidade lógica ou uma
impossibilidade prática em obter a solução (ex. se a lei expressa que os magistrados não
devem exercer actividades comerciais nos termos do artigo 219 e nr. 2 do art. 234 ambos
da CRM, aqui, se o aplicador da lei for confrontado com a situação de interpretar para
deixar a eles exercer, vai mesmo ter de negar fazer outra interpretação porque há
incompatibilidade em exercer estas funções).
f) Correctiva: usa-se a interpretação correctiva quando o sentido da lei é insanavelmente
contrária ao sentido do Direito ou aos Princípios. Quando haja uma lei corrupta ou lei
celerada (lei de censura ou restrição específica em alguma matéria).

4.1 Integração das lacunas da lei (art. 10 cc)


A integração é a actividade intelectual destinada a encontrar a solução jurídica para a lacuna
(Justo, 2015: 354).

5
Nota que ab-rogação é diferente da sub-rogação, pois, nesta ultima, há transmissão da posição do sujeito
activo da relação jurídica fiscal a um terceiro (sub-rogado) que paga a dívida tributária de outrem, e este,
assume, na relação jurídica tributária a posição que cabia ao sujeito activo (Pene, 2014:97).
Entende-se por lacunas a ausência duma norma jurídica que permita resolver uma situação da
vida social que reclama uma solução jurídica (Justo, 2015:349).

Para determinar se existe uma lacuna jurídica, importa, antes mais, averiguar se se trata duma
omissão ou vazio do ordenamento jurídico, ou ainda, se a relação da vida social requer uma
disciplina de natureza diferente: moral, religiosa, ou de trato social.

Tipos de lacunas
a) Voluntárias: é o silêncio eloquente da lei. A inexistência de disciplina jurídica é querida
pelo legislador. O legislador, deixou propositadamente – ex. em Moçambique não há lei que
proíbe o consumo de bebidas alcoólicas em lugares inapropriados; não dar boleia uma
mulher/homem que não seja cônjuge; excesso de número de filhos a gerar, etc.
b) Involuntárias: o legislador não previu o caso que reclama solução jurídica e, por isso, não
elaborou a correspondente lei.

O legislador proíbe a denegação da justiça, determinando que “o tribunal não pode abster-se
de julgar, invocando a falta da lei (nr. 1 do artigo 8 CC). De contrário, o juiz que assim agir
incorre em responsabilidade penal e civil nos termos da lei.

Analogia
A analogia é usada numa situação semelhante entre um caso omisso ou lacunoso.
A analogia é o raciocínio ou operação mental que, partindo de certas semelhanças
observadas, conclui que existem outras. Funda-se na semelhança entre dois objectos e, por
isso, supondo uma identidade tão-só parcial, a analogia não produz uma certeza absoluta, mas
mera probabilidade (Justo, 2015:355).

A analogia constitui o prolongamento da interpretação extensiva levada até às suas últimas


consequência (Justo, 2015:356).

A analogia é dirigida à integração de lacunas partindo do caso regulado para o caso


semelhante não previsto e considerado o meio mais idóneo para realizar a extensão da lei.

Com efeito é necessário considerar a ratio da disposição a aplicar e averiguar se a extensão se


justifica e se compreende também a situação a disciplinar.
Limites ao uso da analogia
É proibido recorrer à analogia em matérias como:
a) Nas normas penais positivas: porque são regras incriminatórias que definem os crimes e
estabelecem as penas e repectivos efeitos, onde o princípio nullum cimen sine lege, nullea
poena sine lege6 implica a proibição de fundar a condenação e a punição numa lei que apenas
mediatamente seja aplicável. Esta proibição visa garantir a autonomia individual eventuais
abisos do poder (Justo, 2015:359).
b) No direito fiscal: segundo o princípio da legalidade fiscal, os impostos devem ser criados
e disciplinados através de lei. Em obediência a este princípio, aqui, as lacunas são integráveis
absolutamente para garantirem a exigência da segurança jurídica que o recurso à analogia é
susceptível de comprometer.
c) Nas normas excepcionais: são normas que disciplinam somente determinadas situações.
Ex. actos de comércio conforme o Código Comercial?

Criação de uma norma ad hoc


Nas lacunas em que o recurso à analogia não se afigura possível, o nosso Código Civil
determina que a sua integração se faça segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse
de legislar dentro do espírito do sistema (nr. 3 art. 10 cc).

Aplicação da lei no tempo e no espaço


O nosso Código Civil consagra como regra geral, a não retroactividade. A lei só dispõe para o
futuro, estabelece o nr. 1 do artigo 12 cc (Justo, 2015:388). Ainda que lhes sejam atribuída a
eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos
que a lei se destina a regular.

A eficácia das normas cumpre os seguintes passos:


a) No tempo
i) Início da sua vigência: a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.
Significa que a lei só ganha eficácia com a sua publicação no Boletim da República - BR
(artigos 5, 279, 296, 297 CC).

6
Que significa: não há crime sem lei que o qualifica como tal, logo, não poderá haver pena sem lei.
Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de
fixação, o que for determinado em legislação especial.
ii) A sua Cessação: quando haja revogação (artigo 7 CC);
iii) A sua Sucessão: a lei nova faz cessar a anterior e passa a dispor para o futuro.
b) No espaço
As leis só se aplicam no espaço territorial ou Estado do que dimanam ou a certos espaços
territoriais nesse Estado compreendidos.

Vigência da lei no âmbito do Direito Internacional Privado (DIP)


O DIP, por vezes, denominado “Direito de Conflitos de Leis” disciplina os factos
susceptíveis de relevância jurídico-privada que têm conexão relevante com a nacionalidade,
domicílio dos sujeitos, localização do objecto e lugar da prática do acto com mais do que um
ordenamento jurídico estatal e cumpre a esta função determinar a norma jurídica aplicável
para um determinado caso e emerge as seguintes regras:
a) A lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a que pertence e segundo as
normas interpretativas aí fixadas (nr. 1 art. 23 cc).
b) Se os actos ocorrerem a bordo de navios ou aeronaves, fora dos portos e aeródromos,
aplica-se a lei do lugar da respectiva matrícula (nr. 1 art. 24 cc).

Cessação da vigência das leis


A lei deixa de vigorar por caducidade e revogação (Mendes, 1994:103).
a) Caducidade: é a extinção da vigência e eficácia, dos efeitos, de um acto, em virtude de
superveniência de um facto com força bastante para tal.
b) Revogação: é o afastamento da lei por outra lei de valor hierárquico igual ou superior. A
revogação pode ser:
i. Revogação expressa: quando um preceito da nova lei designa uma lei anterior e a declara
revogada;
ii. Revogação tácita: quando, sem haver revogação expressa, as normas da lei posterior são
incompatíveis com as da lei anterior.
iii. Revogação do sistema: verifica-se quando, embora não haja revogação expressa nem
tácita, no entanto, a intenção do legislador é que certo diploma passe a ser o único e texto
completo de regulamentação de certa matéria.
Direito, Estado e Sociedade politicamente organizada
Conforme vimos no conceito do Direito que o homem é um animal social; ubi societas, ibi
jus. Desta regara de ubi societas, ibi jus resulta que há tantos direitos quantas sociedades
diferenciadas (Mendes, 1994:24).
A forma mais importante da sociedade na actualidade é o Estado. A palavra Estado (com
maiúscula) tem dois sentidos principais, um restrito e um lato.
a) Sentido restrito: Estado é uma sociedade politicamente organizada, fixa em determinado
território que lhe é privativo e tendo como características soberania e independência
(Mendes, 1994:24).
6.1 Elementos do Estado (no sentido restrito)
i) Agrupamento humano (sociedade estadual, população, povo);
ii) Uma base territorial7;
iii Organização de poder político.
A soberania e a independência constituem características essenciais do Estado, no sentido
restrito desta palavra, daí que os Estados sem estas duas características cumulativamente,
dificilmente poderão chamar-se Estado para o sentido restrito.
b) Sentido lato: estas características são postas de lado e expressa-se sobre Estados não
soberanos e independentes ex. Estados federados da antiga RFA, dos EUA, do Brasil, da
Suíça entre outros. Estes Estados, cada um tem o seu direito embora haja um direito federal,
igual para todos (Mendes, 1994:25).

6.2 Instituição
Instituição é o complexo de leis, de costumes e de normas.
Juridicamente, instituição designa um conjunto mais ou menos extenso de normas que,
subordinadas a princípios comuns, disciplinam um determinado tipo de relações e da
realidade social que lhe está na base (Justo, 2015:16)
6.3 Justiça
Justiça é vontade perpétua e constante de dar a cada um o que é seu (Mendes, 1994:29).
O direito deve orientar-se fundamentalmente pelo valor da Justiça, estabelecendo critérios de
repartição dos bens da vida, no sentido mais lato da expressão de modo a que cada um tenha
o seu e receba uma parte adequada.
6.4 Declaração dos direitos do Homem

7
Por isso as tribos nómadas não são consideradas Estados.
Apesar de se poder falar de percursores do Direitos Humanos, como a Magna Carta Inglesa
(1215), é nos Estado Unidos da América que surge a primeira declaração de direitos do
Homem verdadeiros e próprios - o Bill of Rights, do Estado de Virgínia, de 12 de Junho de
1776. Mais célebres declarações surgiram no mundo, porém, há declarações que merecem
destaque, como:
a) A Declaração francesa dos Direitos do Cidadão de 1789;
b) A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 deliberada pela Assembleia
Geral da ONU.

Meios de tutela
Iniciamos a aula com a continuação da parte introdução: o direito, a sociedade e as ordens
normativas (ordem jurídica, religiosa, trato social e moral)

Ao meios de tutela podem ser puublicas ou privadas.

Tutela pública
É a função que o Estado desempenha para tornar efectivas as normas jurídicas através dum
aparelho cuja estrutura não é inteiramente homogénea. Traduz, portanto, uma garantia dos
direitos subjetivos, conferindo-lhe uma consistência prática.

Ex. a tutela do direito, as garantias colocadas à disposição do cidadão em caso de violação


das normas jurídicas. Fica claro que, a tutela do direito é garantido pelo Estado, a chamada
tutela pública ou hétero-tutela.

Em caso de violação das normas jurídicas, o infractor está sujeito à sanções jurídicas, por
isso, importa aqui enumerar os seguintes tipos de sanções:
a) Sanções preventivas – as que visam impedir a violação da norma ou ordem jurídica.
b) Sanções compulsórias – destinam-se a actuar sobre o infractor à uma determinada norma,
de forma a obrigá-lo a adoptar um certo comportamento que até ali ele omitiu, ainda que
tardiamente.
c) Sanções reconstitutivas – traduzem na imposição de medidas ao infractor de modo a
reconstituir, tanto quanto possível, a situação que existiria se não tivesse havido violação.
d) Sanções compensatórias – visam atribuir uma compensação àquele que sofreu danos,
através de algo de valor aproximado ao que se perdeu.
e) Sanções punitivas – constitui uma pena ou um castigo para aquele que infringiu o
comando jurídico.

Tutela Privada
Os meios de tutela privada, também conhecidos como coação privada ou autotutela é a defesa
de direitos, realizada pelos particulares nas situações excepcionais, legalmente previstas.

Tendo em consideração que nem sempre é possível o recurso à tutela pública, a lei permite o
recurso à tutela privada, uma vez verificados todos os requisitos, cujos meios de tutela
privada mais usados são:

Acção Directa (artigo 336.º do Código Civil)


Consiste no recurso à força com o fim de assegurar o próprio direito. Este recurso à força só é
lícito quando dentro dos limites da “acção directa”, a ação for indispensável para evitar a
inutilização prática do direito pela outra parte, havendo impossibilidade de recorrer aos meios
coercivos normais em tempo útil (autoridade pública) e desde que o agente não exceda o
necessário na sua intervenção e não sacrifique os interesses superiores ao que visa realizar ou
assegurar.

Legítima defesa (artigo 337.º do Código Civil)


Considera-se justificado o acto destinado a afastar uma agressão (desde que esta seja actual e
contrária à lei) contra a pessoa, património do agente ou terceiros, mas só se não for possível
em tempo útil, o recurso aos meios coercivos normais e se o prejuízo causado pelo acto de
defesa não for manifestamente superior ao que resultaria da agressão.

Estado de necessidade (artigo 339.º do Código Civil)


Situação em que se encontra uma pessoa que, para remover o perigo actual de um dano (quer
do agente ou do terceiro), destrói ou danifica coisa alheia, provocando um prejuízo inferior ao
que estava iminente.
Existem ainda outros casos, de acordo com Germano Marques da Silva, como o direito de
retenção (artigo 754.º C.C.) e o direito de resolução por incumprimento (artigo 432.º e 801.º
C.C.).

Sujeitos da relação jurídica, pessoas singulares e colectivas, personalidade e


capacidade jurídica

Sujeitos da relação jurídica


Diz-se a todo aquele que pode ser sujeito activo ou passivo de uma relação jurídica. Esta
ideia aparece relacionada com a de personalidade jurídica: Por isso, os sujeitos de direito
também se dizem pessoas jurídicas. Os poderes e deveres não existem no espaço, têm de
radicar em pessoas que lhes servem de suporte (Telles, 2001:15).

Pessoas singulares e pessoas colectivas


São sujeitos de direito tanto as pessoas singulares (físicas), individualmente consideradas,
como pessoas colectivas (certas organizações de base corporativa ou patrimonial) que a lei
personifica (Telles, 2001:163).
Noutros países adopta-se terminologia diversa, falando, por um lado, de pessoas físicas ou
naturais e, por outro lado, de pessoas morais ou jurídicas.

Personalidade jurídica
É a susceptibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações (art. 66cc).
A personalidade jurídica consiste precisamente na aptidão para desempenhar o papel de
destinatário de direitos e obrigações. Amplamente, pode dizer-se que ela se traduz na aptidão
para receber na própria esfera efeitos jurídicos, consistentes na criação, alteração ou cessação
de direitos (Telles, 2001:158).
Começo e extinção da personalidade
A personalidade das pessoas singulares adquire-se no momento do nascimento completo e
com vida (nr. 1 art. 66 cc) e extingue-se com a morte (nr. 1 art. 68 cc). O nado-morto não é
sujeito jurídico. Se nasceu com vida adquiriu direitos, inclusive direitos patrimoniais, que lhe
estivessem destinado, e, tendo falecido depois, tudo se passa como se não tivesse nascido.
As pessoas colectivas adquirem a personalidade jurídica com o seu reconhecimento e esta
personalidade extingue com a decretação de falência ou fim do objecto pelo qual foram
constituídas, exemplo Associações e Fundações (art. 158cc) e Sociedades Comerciais (art.
980cc).

Capacidade Jurídica
É ser sujeito de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (art. 67 cc).

Capacidade de gozo é a susceptibilidade que pressupõe o poder de agir.

Capacidade de exercício é a capacidade que pressupõe exercer os poderes e cumprir os


deveres.

Incapacidade de exercício pressupõe não poder agir, pessoal e livremente, no mundo do


direito, achando-se feridos de incapacidade, como: os menores, os interditos e os inabilitados
(Telles, 2001:161).

Menores são incapazes por mero facto da menoridade, independentemente de qualquer


averiguação ou investigação: é-se menor, é-se incapaz (art. 122 e ss do cc).
Os demais só ficam constituídos legalmente na situação de incapazes quando haja uma
sentença que assim os declare, sentença de interdição ou de inabilitação proferida em
processo especial rodeado das necessárias cautelas e instaurado para tal fim (CPC arts. 994 e
ss).

Interditos dizem-se interditos os indivíduos (maiores) que por anomalia psíquica, surdez-
mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens e como tais sejam
declarados por decisão judicial (art. 138 cc).

Inabilitados dizem-se, por sua vez, inabilitados os indivíduos (maiores) cuja anomalia
psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo
grave que justifique a sua interdição, assim como, aqueles que, pela sua habitual
prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem
incapazes de reger convenientemente o seu património e sejam havidos judicialmente como
tais (art. 152 cc).

Condição jurídica de menores (art. 122 cc)


Os menores fazem parte do grupo de pessoas incapazes no exercício de direitos. Para que os
menores exerçam os direitos, deve suprir-se a sua incapacidade que pode ser através:
1º Poder parental: compreende aos pais (pai ou mãe, art. 144cc);
2º Tutela: É a nomeação de alguém para cuidar do menor e administrar os seus bens caso o
pai ou mãe assim diferirem (art. 143cc).

Excepções à incapacidade do menor (art. 127cc)


a) Os actos que o menor pratica na administração, ou disposição de bens que o mesmo tenha
adquirido por seu trabalho ou indústria, vivendo sobre si com a permissão dos pais;
b) Na administração ou disposição de bens que o menor adquiriu pelas armas, letras ou
profissão liberal, vivendo ou não em companhia dos pais;
c) Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor e que impliquem despesas;
d) Os negócios jurídicos ou disposição de bens de pequena importância;
e) Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido
autorizado a exercer;
f) Os actos de negócios jurídicos praticados no exercício da profissão.

Consequências de negócios celebrados com menores (art. 125 cc)


Os negócios jurídicos celebrados pelo menor podem ser anulados a requerimento do pai, tutor
ou administrador dos bens, excepto se:
a) Tiver passado um ano a partir da data do conhecimento do negócio a impugnar;
b) O menor tenha atingido a maioridade ou tenha a emancipação;
c) O menor tenha usado o dolo8 com o fim de se fazer passar de maior ou um emancipado
(art. 126 cc).

Termo da incapacidade de menores

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Uso de artifícios ou sugestão intencional para induzir ou manter alguém em erro e tirar proveito disso ( Cfr.
Art. 253 cc).
A incapacidade de menores termina ao atingir a maioridade ou com a emancipação (art. 129
cc).

Exercícios:
Analise o seguinte caso hipotético e responda indicando os dispositivos legais:
Imagine que um menor de 20 anos de idade termine o ensino superior e comece a trabalhar de
imediato como Contabilista de várias empresas mas também trabalhando para empresa X
com salário mensal de $3.000,00. Depois de 5 meses, compra um alto Mercedes antes de
completar os 21 anos de idade e promovido à posição de Director Geral, passando a assinar
os contratos de trabalho de todos os 1000 trabalhadores da Firma. Há algo aqui arrolado
que este menor não devia ter praticado ao abrigo das limitações legalmente
estabelecidas? Responda em 4 linhas.
R: Não. Comprar o Mercedes, o menor fê-lo no âmbito da aquisição de bens ao abrigo da sua
profissão liberal, vivendo ou não em companhia dos pais (art. 127cc).
Quanto a assinatura dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores, ele praticou actos de
negócios jurídicos no exercício dessa profissão.

7.5 Comoriência
A fixação do momento da morte oferece especial importância no Direito Sucessório.
Na prática, os casos em que este problema se suscita com maior frequência são os de mortes
ocorridas durante um acidente, como naufrágio, a queda de um avião, o descarrilamento de
um comboio, um incêndio, um terramoto, etc., exemplo, marido e mulher estavam juntos e
pereceram ambos. O supérstite (sobrevivente) será seu herdeiro. Mas, não se conseguindo
fazer essa prova, presume a lei que faleceram os dois ao mesmo tempo, e portanto nenhum
sucede ao outro (nr 2 art. 68 cc).
Esta hipótese de mortes contemporâneas no mesmo sinistro diz-se comoriência, no sentido
mais própria da palavra (Telles, 2001:173).

Morte presumida (art. 114 e ss, cc)


Há morte presumida quando alguém desaparece e não se saiba o paradeiro e, este estado de
ausente se prolongue por um decénio (dez anos) sobre as últimas notícias. Quem tiver
legitimidade, nos termos do artigo 100 cc, poderá, então, requerer a declaração da morte
presumida do ausente (art. 114 ss, cc).
Tal declaração reportar-se-á ao fim do dia das últimas notícias havidas de ausente e só produz
os mesmos efeitos que a morte (real), dando-se pois o ausente como morto desde as 24 horas
do último dia de notícias (Telles, 2001:175).

Direito sobre coisas (direitos reais)


Os direitos reais dizem-se assim justamente porque incidem sobre uma “res”, palavra que em
Latim significa coisa. As coisas constituem o objecto específico e directo dos direitos reais
(art. 46 cc e ss).
As coisas podem ser corpóreas e incorpóreas.
Corpóreas: é toda e qualquer parte do mundo exterior susceptível de submissão à vontade
humana como matéria de aproveitamento económico (Telles, 2001:192).
Incorpóreas: são os direitos subjectivos que constituem as chamadas criações intelectuais
(ou obras) de domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas.
Património: designa o conjunto das relações jurídicas (direitos e obrigações) com valor
económico ou susceptíveis de expressão pecuniária, de que é sujeito activo e passivo
determinada pessoa, singular ou colectiva (património global) (Telles, 2001:195).

Actos jurídicos
Os actos são factos voluntários e podem ser lícitos e ilícitos.
Actos lícitos são aqueles que se mostram conformes com o ordenamento jurídico, que os
consente. Actos ilícitos são aqueles que se mostram antagónicos com o ordenamento jurídico,
que os reprova (Telles, 2001:206).
a) Acto administrativo é um acto jurídico unilateral praticado por um órgão da
Administração, no exercício do poder público, para a prossecução de interesses postos por lei
a seu cargo e com vista à produção de efeitos jurídicos em determinado caso concreto (Telles,
2001:216).
Trata-se de um acto unilateral e distingue-se do contrato administrativo, que possui estrutura
bilateral.
b) Convenções internacionais são também actos, mas bilaterais ou plurilaterais de eficácia
internacional (al e) art. 18 CRM). Em algumas nomenclaturas constitucionais, as Convenções
dizem-se Tratados quando revestem a forma solene e Acordos quando feitas em forma
simplificada (Telles, 2001:225).
Compete a Assembleia da República a aprovação dos Tratados, bem como dos Acordos de
matéria de competência reservada. Quanto aos restantes Acordos, cabe ao Governo aprova-
los, salvo se o Governo, atenta a sua importância, entender submetê-los à Assembleia.
c) Negócio jurídico e contratos são actos de auto-regulamentação, em contraposição aos
actos de hetero9-regulamentação. São fruto da autonomia de vontade (Telles, 2001:208).
Os negócios jurídicos podem ser unilaterais (quando provenientes duma só parte, exemplo, a
procuração, o testamento, o repúdio de uma herança e a renúncia a um direito) e bilaterais
(os oriundos de duas partes, exemplo, os que consubstanciam-se num Acordo, a que dá o
nome de contrato).

Integração regional
Moçambique é um dos países que geograficamente se localiza na zona austral de África e faz
parte dos países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral - SADC.

SADC e suas fases de integração


A SADC é uma organização formada a 1 de Abril de 1980, na Zâmbia, por nove países, a
saber: Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e
Zimbabwe. Estes países uniram-se para estabelecer as relações comerciais conjuntas,

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Diferente/outro
procurando reduzir a dependência económica à RSA, que desde sempre foi uma potência
económica em África e em particular na zona austral, porém, encontrava-se sob liderança
política que pautava por arrogância e sob égide do regime de segregação racial – apartheid (S.
Guimarães, pp. 224-5).
Durante a sua constituição, foi designada como SADCC – Southern African Development
Coordination Conference (Conferência para Coordenação do Desenvolvimento da África
Austral), rumo a independência económica, seguindo a Declaração de Lusaka, sobre o
racismo e apartheid e prejuízos da discriminação racial na Commonwealth, instituída a 7 de
Augusto de 1979, em Lusaka - Zâmbia, durante a 5ª cimeira dos Chefes de Estados e de
Governos da Commonwealth.
A mudança da SADCC para SADC, foi a 17 de Agosto de 1992, em Windhoek – Namíbia,
durante uma outra cimeira dos chefes de Estados e de Governos, onde se atribuiu a
organização um carácter legal.
Actualmente, a SADC tem 15 membros, que são: Angola, Botswana, RDC, Lesotho,
Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia,  Seychelles, RSA, Suazilândia,
Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe, cuja sua sede está em Gaberone - Botswana. De referir que,
do leque destes Estados, Angola, Malawi e RDC ainda não aderiram ao protocolo da Zone de
Comércio Livre (ZCL).
A SADC foi adoptada para facilitar e flexibilizar a ZCL da região. Em 1996 assinou-se o
protocolo em Lesotho que dá o impulso para o seguimento do objecto desta União, cujo
cronograma preconizado confere as seguintes concretizações: 2008 Uniões Aduaneiras, 2010
Mercado Comum, 2015 União Monetária, 2016 Moeda Única e 2018 conclusão de todo
processo da integração.
No dia 1 de Janeiro de 2008, a zona Austral de África começou com o processo faseado de
integração regional e, no dia 17 de Agosto do mesmo ano ocorreu o lançamento formal da
Zona de Comércio Livre – ZCL, cujas cerimónias formais tiveram lugar em Sandton, nos
arredores da Cidade de Joanesburgo, na RSA, durante a 28º reunião dos chefes de Estados e
de Governos da SADC.

Resolução de litígios económicos interestaduais


Com a entrada em vigor da Organização Mundial do Comércio (OMC), a 1 de Janeiro de
1995, o órgão da resolução de conflitos internacionais na área do comércio, esteve sob
controlo do Conselho Geral da OMC que toma decisões por consenso (art. 2.4 da nota I do
Memorando da OMC, da Uruguai Round).
O grande problema é que os litígios emergentes do comércio internacional não são
interestaduais, na medida em que, os principais actores são os agentes económicos, não os
Estados. Daí que se diga, as violações que provocam estes litígios prejudicam menos aos
Estados, do que aos próprios operadores económicos. Assim sendo, os operadores
económicos são obrigados a se protegerem por detrás dos Estados.

O princípio da livre escolha do foro competente para a resolução de diferendos é outra forma
de prever o local de resolução de eventuais litígios, que se pode também aplicar ao abrigo do
Direito Internacional, sempre no princípio da liberdade contratual, onde as partes podem fixar
livremente o conteúdo ou incluir cláusulas que lhes aprouver (nr. 1 do art. 405 cc, conj. com
art. 5 e 25 da Lei nr.11/99, de 8 de Julho).

Relação do GATT à integração regional10


Desde o fim da segunda GM 11, os Estados procuram reconstituir as suas economias,
sobretudo, os países que tinham sofrido directamente os efeitos da guerra.

Daí, houve a promoção para uma liberdade do comércio, tanto visível (mercadorias) como
invisível (serviços), assim como, os meios de pagamentos que tinham de vir através de
financiamentos.

Deste modo, no período pós-guerra, apareceu a ordem económica internacional neoliberal,


com o intuito de combater o nacionalismo e o proteccionismo, que antes estavam em voga.

Foi por aqui que se concretizou a constituição das organizações internacionais


intergovernamentais, cujos pilares foram o FMI, juridicamente uma associação de Estados,
constituído por tratado internacional e em vigor desde 27 de Dezembro de 1945 que dizia
respeito à moeda (L. Brant, pp. 14-17) e o BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e

10
GATT (General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) foi um acordo
internacional estabelecido em 1947, visando promover o comércio internacional e remover ou reduzir barreiras
comerciais, tais como tarifas ou quotas de importação, e a eliminação de preferências entre os signatários,
visando obter vantagens mútuas
11
Primeira Guerra Mundial foi de 28 de Julho de 1914 e durou até 11 de Novembro de 1918. A Segunda GM
durou de 1939 a 1945.
Desenvolvimento, actualmente, Banco Mundial, que pretendia apoiar o plano Marshall 12,
financiando e apoiando a reconstrução dos países assolados pela guerra, após a assinatura dos
acordos de Bretton Woods, em Julho de 1944 (L. Brant, pp. 20-22). A OMC devia ter entrado
como terceiro pilar, mas fracassou devido a não assinatura da carta de Havana, porém, depois
veio a assinatura do Acordo Geral das Tarifas Aduaneira – GATT, criado oficialmente a 1 de
Janeiro de 1995, a mesma data da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC.

Desenvolvimento da análise “Vinerian” (Jacob Viner)


Conforme Jacob Viner, (1950) na obra The customs union Issue, um dos pioneiros na análise
sobre a viabilidade da integração e optimista neste projecto, defendeu a ideia de que as
Uniões Aduaneiras podem conduzir a substituição dos preços altos por baixos nas
importações, a partir dos países associados, como também, pode substituir as importações de
preços baixos provenientes dos países não membros por importações dos países membros
preferidos.
Para que haja preços constantes no mercado, Viner, nas suas análises, defende as chamadas
“Trade Creation” (protecção à produção doméstica) ou “diversion” (não substituição
completa das exportações dos países não membros) e nunca os dois ao mesmo tempo.
Enquanto que M. Michaely (1976), pp. 75 - 93 na obra Journal of international economics,
vol. 6, não concorda com a teoria do Viner, dizendo que esta teoria Vinerian, na prática, nada
demonstra que levaria os preços a serem constantes.

Bibliografia
MENDES, João de Castro (1994). Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa: Pedro Ferreira,
Artes Gráficas
TELLES, Inocêncio Galvão (2001). Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra Editora
Volume II. 10ª Edição (reimpressão)
LATORRE, Ángel (2013). Introdução ao Direito. Escolar Editora. Lisboa (reimpressão)

12
O Plano Marshall, um aprofundamento da Doutrina Truman, conhecido oficialmente como Programa de
Recuperação Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da
Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário do Estado dos
Estados Unidos, George Marshall
JUSTO, António Santos (2015). Introdução ao Estudo do Direito. Coimbra Editora. 7ª
Edição
Bíblia Sagrada, Sociedade Bíblica, Portugal, 2001
BRANT, Leonardo Nemer Caldeira, Para entender o FMI e seus acordos stand-by
Dicionário Universal da língua portuguesa, Moçambique Editora, Lda. Maputo, 3ª Edição,
2001
PRATA, Ana, Dicionário Jurídico, 4ª Edição, Almedina, 1955-2005, reimpressão da edição
de Março /2005
MACHADO, João Baptista, Lições de DIP, 3a edição, Almedina, Coimbra

Legislação
Acordo da Organização Mundial do Comércio, em vigor desde 1 de Janeiro de 1995
Acordo de Marraquexe, em vigor desde 15 de Abril de 1994, após a conclusão do Uruguai
Código Civil (1996). J. Rodrigues Basto. Livraria Almedina. Coimbra. Portugal
Constituição da República de Moçambique, 2004. Maputo: Imprensa Nacional de
Moçambique
Convenção de Viena de 1980, sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de
Mercadorias.
GATT de 1947
Lei nr.11/99, de 8 de Julho (Lei de Arbitragem, Conciliação e Mediação)

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