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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – PERGUNTAS FREQUENTES

Regente: Carlos Blanco Morais

1. “Acordos sob forma simplificada” na ordem constitucional portuguesa


A nível internacional, as convenções internacionais, durante muito tempo, revestiam a
natureza de tratados solenes. No entanto, devido ao crescente desenvolvimento das
relações internacionais, houve necessidade de vincular um Estado sem ser através da
ratificação. Generalizou-se, assim, a categoria de acordos em forma simplificada, que
dispensam de ratificação, ficando os Estados vinculados pela mera assinatura (“executive
agreements”, na terminologia inglesa).
A CV, no seu artigo 11º, estabelece que uma das formas de um Estado expressar
consentimento para ficar vinculado é, de facto, a mera assinatura, fazendo, no entanto,
uma ressalva que não faz para as restantes formas de vinculação: é necessário que o
tratado preveja esse efeito para a assinatura ou que tenha sido essa a vontade dos Estados
participantes.
Na ordem constitucional portuguesa, a terminologia adotada faz distinguir convenções
(sem sentido lato, abrange todos os tratados), tratados (solenes, sujeitos a ratificação) e
acordos (em forma simplificada).
Segundo o disposto no artigo 8º, nº2 da CRP, exclui-se a assinatura como forma de
vinculação, sendo necessária a ratificação ou aprovação como condição de vigência e
vinculação por parte do Estado Português. Conclui-se, deste modo, que a CRP não prevê
acordos simplificados, sendo que estaríamos perante uma inconstitucionalidade orgânica
e formal (46º, CV e 277º, nº2, CRP).
Para a professora Maria Luísa Duarte, se ainda assim o plenipotenciário queira vincular
o Estado, pode assinar, acrescentando que o faz sob reserva de ratificação ou aprovação.
2. Efeitos jurídicos das resoluções tomadas pelo Conselho de Segurança no
âmbito do capítulo VII da Carta das Nações Unidas
As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas são emitidas ao abrigo do
Capítulo VII, enquanto atos jurídicos unilaterais com eficácia externa (segundo o artigo
25º, da Carta das Nações Unidas, os membros das mesmas concordam em aceitar e aplicar
as decisões do Conselho de Segurança).
No que toca ao regime interno, o artigo 8º, nº2, CRP, prevê uma receção automática do
Direito emanado de organizações internacionais. Podemos, assim, concluir que há uma
prevalência das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas emitidas ao
abrigo do Capítulo VII sobre o direito interno ordinário.
3. Ato jurídico unilateral
Apesar de não se encontrarem consagrados no artigo 38º do ETIJ como fonte de Direito
Internacional, os atos jurídicos unilaterais são uma fonte formal e imediata de DIP. São
atos jurídicos, em regra normativos, emanados por um só sujeito de DIP, cuja validade e
eficácia não depende da prática corrente de qualquer outro ato jurídico internacional.
Os atos desta natureza, cujo caráter normativo tem sido reconhecido pela jurisprudência
internacional, podem ser divididos em 5 categorias: protesto (o Estado avalia a existência
de um facto e exprime oposição face à legitimidade ou licitude da situação ou pretensão
de terceiros); renúncia (é um ato jurídico irrevogável, extintivo de um direito do seu
autor); promessa (é o compromisso assumido por um Estado de tomar no futuro
determinada atitude); reconhecimento (é o inverso do protesto - o Estado avalia um facto
e exprime aceitação. Fica vinculado, não podendo vir a protestar mais tarde); notificação
(ato pelo qual um Estado leva ao conhecimento de outros determinado facto de cuja
existência decorrem certas consequências jurídicas).
Contrariamente a estas fontes autónomas, há fontes não autónomas cuja existência e
validade depende de uma outra fonte, como é o caso da denúncia, recesso, reserva, adesão.
Estes atos não são considerados fonte de Direito Internacional Público.
4. Arbitragem, mediação e conciliação
O Direito Internacional sempre se preocupou com a solução pacífica dos conflitos,
facultando aos Estados meios diversificados para esse fim. Estas três figuras inserem-se
no artigo 33º, da Carta das Nações Unidas, juntamente com a negociação, o inquérito, a
via judicial e o recurso a organizações ou acordos regionais.
Começando pela arbitragem: constituía o meio jurídico por excelência de uma fase não
institucionalizada da história do Direito Internacional. Consiste na entrega da solução do
litígio a um ou mais terceiros, escolhidos pelas partes e imparciais, aos quais elas
conferem a faculdade de encontrar, segundo as normas jurídicas aplicáveis, uma solução
para o conflito. As partes reconhecem previamente essa solução como obrigatória.
Distingue-se, assim, da mediação e da conciliação pelo caráter obrigatório da decisão
judicial, tendo um caráter vinculativo.
A conciliação implica o recurso a uma comissão preestabelecida de indivíduos
independentes (em regra, cidadãos de vários Estados), que procura reconciliar as partes,
não conseguindo, propõe uma solução não obrigatória (não vinculativa).
A mediação implica a intervenção de uma terceira entidade (que pode ser um Estado, a
Santa Sé, uma Organização Internacional) que propõe uma solução concreta, ainda que
não obrigatória para o conflito.
Distinção conceptual e enquadramento no seio dos modos de resolução de conflitos,
carácter vinculativo da arbitragem, diferença da mediação, relativa a aproximação de
posições sem proposta de solução e conciliação, apresentando proposta de solução,
exemplos de arbitragens relevantes.
5. Divisibilidade das disposições de um tratado e qual o seu regime?
A invalidade é um desvalor jurídico traduzido na inaptidão de tratados portadores de
vícios nos seus pressupostos e elementos para produzirem a totalidade dos efeitos
jurídicos que tipicamente lhes corresponderiam. A invalidade pode ser absoluta (51º-53º,
CV) ou relativa (46º-50º, CV).
A nulidade absoluta é insanável, podendo ser invocada a qualquer altura, por qualquer
Estado ou sujeito DIP (podendo, até mesmo, ser um terceiro ao tratado). A nulidade
relativa é sanável, só pode ser invocada por aquela parte, sendo que a vigência do tratado
não é afetada (exceto se este for bilateral), apenas deixando de vigorar quanto àquela parte
– corresponde à mera anulabilidade.
No que toca à divisibilidade das disposições de um tratado, é necessário perceber se a
invalidade atinge toda a convenção ou apenas uma parte, sendo que apenas é admitida
esta divisão em sede de nulidade relativa (44º, nº5). Apenas pode ser equacionada a
invalidade parcial se existirem os seguintes pressupostos, presentes no artigo 44º, nº3: as
cláusulas invocadas sejam separadas do resto do todo na sua execução, tem de haver
autonomia; resulta do tratado que a aceitação das respetivas causas não tenha constituído
para outras partes uma base essencial para o seu consentimento; que não seja injusto
continuar a executar o restante tratado. Estão preenchidos os pressupostos, apenas as
normas afetas pelo vício serão afetadas.
O nº4 prevê regimes específicos para os casos de nulidade fundada em dolo e corrupção:
O Estado que agiu com dolo ou que levou a cabo a corrupção não pode invocar a nulidade
do tratado ou das suas cláusulas; o Estado com direito a invocar o dolo ou a corrupção
pode fazê-lo relativamente ao tratado no seu todo ou em relação apenas a determinadas
cláusulas.
6. Tratados na ordem jurídica portuguesa
A relevância constitucional da distinção entre tratados e acordos é o facto de os
primeiros estarem sujeitos a ratificação e os segundos a aprovação.
Ao abrigo do artigo 161º, i), conclui-se que é da competência da AR a aprovação de
todas as convenções internacionais que ostentam a designação de tratados e de todas
aquelas que, independentemente da designação, versem sobre as matérias elencadas no
artigo. Aprova sob forma de resolução (166º, nº5).
Quanto à maioria de aprovação, encontramo-nos perante uma divergência doutrinária:
para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, Melo Alexandrino e Eduardo Correia Batista
a maioria exigida é a prevista para as leis orgânicas e reforçadas, nome do paralelismo
das formas (168º, nº5 e nº6); no entendimento da professora Maria Luísa Duarte, se estiver
em causa uma matéria que vai impor limites severos aos poderes de soberania, com
repercussões na competência dos órgãos de soberania e nas relações de equilíbrio da CRP,
a maioria exigida é a maioria qualificada, como num revisão constitucional (286º, nº1).
A ratificação é um ato livre do PR, sendo que, se decidir não ratificar, deve informar a
AR dessa decisão (135º, b).
Relativamente aos acordos: a aprovação cabe à AR sempre que os acordos forem
relativos a matérias da competência legislativa reservada (artigo 161.º, i), 164º e 165º) e,
ainda, quando o Governo entender submeter acordos de matéria concorrencial à sua
apreciação. A aprovação cabe ao Governo sempre que as matérias não integrem a reserva
de tratado, nem a reserva de competência legislativa parlamentar (artigo 197.º, nº1, c).
Novamente, a aprovação pela AR é feita sob a forma de resolução (artigo 166.º, nº5) e
pelo Governo sob a forma de decreto (artigo 197.º, nº2).
A assinatura de aprovação do PR é um ato livre (artigo 134.º/b’, da CRP), sendo que há
divergência doutrinária quanto a esta questão: para o professor Carlos Blanco Morais, a
assinatura é um ato livre e condição de existência jurídica interna do tratado; segundo o
professor Jorge Miranda, o PR pode recusar por 3 razões (o conteúdo dos mesmos é
semelhante aos decretos-regulamentares e estes últimos podem ser vetados; faria com que
o PR pudesse opor-se a tratados solenes e não a um acordo; podem existir razões políticas
que o justifiquem). É, ainda, necessária a referenda ministerial (artigo 140.º) e publicação
(artigo 119.º, nº1, b) como condição de existência e eficácia jurídica, respetivamente.
No ordenamento jurídico português impõe-se a discussão de saber se existe uma reserva
necessária de tratado ou uma mera reserva eventual de tratado. Segundo os professores
Jorge Miranda e Reis Novais, quando um tratado versa pela primeira vez sobre
determinada disciplina, deve estar sujeito, na ordem jurídica constitucional, a um modelo
mais formal – forma de tratado - sendo que, segundo esta doutrina, nem só a matéria do
artigo 161º/i da CRP é objeto de reserva, pois esta doutrina considera este artigo
meramente exemplificativo pelo uso do vocábulo “designadamente”.
Por outro lado, a doutrina maioritária, defendida também pelo professor regente, vem
dizer que não existe uma reserva necessária de tratado conexa a qualquer matéria uma
vez que: a) há fala de amparo na ordenação constitucional; b) seria uma lesão às regras
constitucionais explícitas de fixação de competências para a aprovação de convenções
internacionais; c) é insuscetível que a relação tratado-acordo seja assimilada à relação lei-
regulamento; d) existiria uma debilidade teleológica dessa tese em face do entendimento
favorável à qualificação da assinatura como ato livre do Presidente da República. A
Assembleia da República aprova todas as convenções internacionais que ostentam a
designação de tratados e aqueles que, independentemente da designação, versem sobre
matérias reservadas a esta, nomeadamente as elencadas na CRP (161º/i).
A aprovação da Assembleia da República é feita através de resolução (166º/5 CRP)
sendo que a maioria parlamentar exigida é alvo de discordâncias: doutrina defendida
pelos professores Melo Alexandrino e Eduardo Correia batista, diz que, em nome do
paralelismo das formas, a maioria exigida é a mesma para as leis orgânicas e de valor
reforçado (168º/5 e 6); já para a Professora Maria Luísa Duarte, se estiver em causa uma
matéria que vai impor limites severos aos poderes de soberania, com repercussões na
competência dos órgãos soberanos e nas relações de equilíbrio da CRP, então exige-se
maioria qualificada, como se de uma revisão constitucional se tratasse (286º/1 CRP).
A ratificação dos tratados é da competência do Presidente da República (135º/b CRP),
não estando sujeito a prazo, é um ato livre deste, mas, ainda assim se decidir não ratificar
deve informar a Assembleia da República dessa decisão.
Relativamente a acordos internacionais, a Assembleia da República aprova aqueles cuja
designação não seja de tratado, mas sejam de matéria de competência legislativa
reservada (164º + 165º CRP); aprova também acordos relativos a matéria de competência
legislativa concorrencial, que o Governo decida submeter à sua apreciação. Esta
aprovação é feita através, também, de resolução. Já o Governo só aprova acordos
internacionais sobre matérias que não integram a reserva de tratado, nem a reserva de
competência legislativa parlamentar, salvo se decidir submeter à Assembleia da
República a sua aprovação (197º/1/c CRP). Esta aprovação é feita através de Decreto
(197º/2), apreciado e votado em Conselho de Ministros (200º/1/d).
A ratificação é, também esta, feita pelo Presidente da República (134º/b) como ato livre
– coloca-se a discussão se o Presidente da República pode ou não recusar ratificar: Blanco
Morais entende que a assinatura é um ato livre e condição de existência do tratado (137º)
e o professor Jorge Miranda defende que pode por 3 razões: 1. Conteúdo dos acordos é
semelhante aos decretos-regulamentares (estes últimos podem ser vetados); 2. O
Presidente da República poderia opor-se a tratados solenes e não a acordos, o que não
faria sentido, quem pode mais pode menos; 3. Podem existir razões politicas que o
justifiquem – sendo a ratificação um ato livre o Presidente da República pode, também,
pedir fiscalização preventiva da constitucionalidade do tratado (278º/1).
Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do tratado, o ato de ratificação deixa
de ser um ato totalmente livre (neste caso, o PR só o pode ratificar se a AR o aprovar por
maioria de 2/3 dos deputados presentes – art 279º/4 CRP). Se for aprovado pela AR poder-
se-ia utilizar o regime da confirmação, por maioria de 2/3. O professor JORGE
MIRANDA, no entanto, não concorda com esta afirmação. A fiscalização sucessiva vem
estabelecido no art 281º/1, al a) e art 277º/2 da CRP; para o professor se é um diploma
oriundo da AR esta tem a possibilidade de o confirmar e de superar a declaração.
Fiscalização preventiva, art 279º/2 e 4: Dúvida sobre os acordos internacionais devido ao
que o art 278º/1 diz, só os acordos aprovados pelo Governo são aprovados sob a forma
de decreto.
Os acordos aprovados pela AR são aprovados sob forma de resolução, o que pode
indiciar que não seriam fiscalizáveis, mas isto não faz sentido nenhum. A doutrina diz
que há aqui uma lacuna que pode ser integrada da seguinte forma: decreto que tenha sido
enviado para o PR com dignificado de diploma, não em sentido estrito e, portanto, vale
tanto para os acordos aprovados pelo governo como pela AR, e é neste sentido que tem
ido a prática.
O art 27º refere-se apenas a “tratados internacionais”, mas, segundo o Prof JORGE
MIRANDA, deve-se através de critérios teleológicos e sistemáticos aplicar uma
interpretação extensiva ao texto de modo a incluir os Acordos Internacionais – até porque
na Convenção de Viena não há esta distinção. É difícil de precisar o que é uma
“disposição fundamental” e o que está acoberto da norma do art 27º CV.
Para MARIA LUÍSA DUARTE dois exemplos claramente acoberto da norma serão: se
a Assembleia da República aprovar um tratado por lei em vez de resolução; ou se o
Governo aprovar uma convenção internacional sob a forma de tratado, e não de acordo,
sobre matéria da competência partilhada. Esta norma não impede a fiscalização por parte
do Tribunal Constitucional, quanto a inconstitucionalidades orgânicas e formais em sede
sucessiva, mas verificados os pressupostos da irrelevância do vicio: em fiscalização
abstrata exclui a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; em
fiscalização concreta, derroga o art 204º da CRP e veda aos tribunais a desaplicação da
norma.
O artigo 8º/2 da CRP estabelece que a eficácia da convecção, isto é a sua receção na
ordem interna, está dependente da verificação de 2 condições: a sua publicação no jornal
oficial (o que também decorre do art. 119º/1/ b e nº2 da CRP) e a regularidade do processo
da sua conclusão por Portugal, isto é, do processo da sua vinculação pelo nosso País.
7. Pressupostos da subjetivação internacional do indivíduo
Os sujeitos de DIP têm personalidade, são pessoas jurídicas e como toda a pessoa
jurídica são titulares de direitos ou prerrogativas e estão sujeitos a determinadas
obrigações e têm capacidade, de exercício, ou seja, estes sujeitos podem agir de alguma
forma, agora, o modo como essa capacidade de ação é mais ampla ou restrita, dependerá
do tipo de sujeito. Portanto, há diferentes níveis de capacidade, o que nos permite fazer
uma tipificação dos sujeitos em razão dessa capacidade, tendo em consideração o maior
ou menos diâmetro.
HERMANN MOSLER defende que o critério pela qual se afere a suscetibilidade de um
ente ser titular de uma situação jurídica subjetiva derivada de uma norma internacional é
o mesmo que é utilizado para se afirmar a personalidade jurídica perante os vários ramos
de Direito Interno. E o mesmo vale para a pesquisa de quem detém a capacidade de gozo
e a capacidade de exercício (para tal têm que estar verificados certos pressupostos: têm
que ter o Direito de celebrar convenções; a possibilidade de exercer a defesa; e o direito
de criar representações diplomáticas) em Direito Internacional.
Assim, também no Direito Internacional pode haver sujeitos com capacidade plena ou
com capacidade limitada. Os sujeitos de capacidade plena são o Estado soberano, as
Organizações Internacionais e outras associações de Estados. Os sujeitos com capacidade
limitada são todos os outros sujeitos, fazendo-se distinção em sujeitos com base territorial
e sujeitos sem base territorial. Para se assumir que o indivíduo é sujeito de DI é necessário
que da norma jurídica decorram diretamente direitos e obrigações para o indivíduo.
Há quem defenda que o indivíduo é um sujeito de Direito internacional comum com
fundamento nos crimes internacionais (pirataria, crimes de guerra, crimes contra a
Humanidade, contra a paz...), contudo as suas normas de repressão têm como função a de
autorizar o Estado a praticar atos repressivos. Portanto, pode concluir-se que são regras
dirigidas aos Estados, sem projeção em qualquer esfera jurídica individual. Poderá, no
entanto, haver responsabilidade individual pelo facto de os indivíduos terem deveres
internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência impostas pelo
Estado.
Contudo, em matéria do direito à autodeterminação dos povos podemos considerar que
o indivíduo é sujeito de Direito Internacional comum, isto porque este direito é
reconhecido diretamente aos povos dos territórios “não autónomos” ou “sem governo
próprio” (art 73º da Carta da ONU). No Direito Internacional convencional há casos em
que da norma internacional resultam diretamente direitos e obrigações para o individuo.
Isto passa-se com normas que se pretendem com a proteção internacional dos Direitos do
Homem. E se é certo que muitas convenções se dirigem diretamente aos Estados, outras
há que conferem direitos diretamente aos indivíduos. À escala regional, merece referência
especial à Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais, mais conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em 4
de novembro de 1950, entrando em vigor em 1953.
8. Fiscalização da constitucionalidade das convenções internacionais, na ordem
jurídica portuguesa
As convenções internacionais têm um valor infra-constitucional e como tal pode ser
objeto de fiscalização preventiva e abstrata. Fiscalização preventiva, art.º 279º/2 e 4:
Dúvida sobre os acordos internacionais devido ao que o art 278º/1 diz, só os acordos
aprovados pelo Governo são aprovados sob a forma de decreto.
Os acordos aprovados pela AR são aprovados sob forma de resolução, o que pode
indiciar que não seriam fiscalizáveis, mas isto não faz sentido nenhum.
A doutrina diz que há aqui uma lacuna que pode ser integrada da seguinte forma: decreto
que tenha sido enviado para o PR com significado de diploma, não em sentido estrito e,
portanto, vale tanto para os acordos aprovados pelo governo como pela AR, e é neste
sentido que tem ido a prática.
Em relação à fiscalização preventiva com prenuncia pela inconstitucionalidade o acordo
que foi aprovado pelo governo tem de haver uma renegociação e não pode haver uma re-
aprovação por maioria qualificada, no máximo há uma renegociação. Se for aprovado
pela AR poder-se-ia utilizar o regime da confirmação, por maioria de 2/3. O professor
JORGE MIRANDA, no entanto, não concorda com esta afirmação. A fiscalização
sucessiva vem estabelecido no art 281º/1, al a) e art 277º/2 da CRP; para o professor se é
um diploma oriundo da AR esta tem a possibilidade de o confirmar e de superar a
declaração. Ou seja, a AR pode: renegociar a convenção; aceitar a decisão; induzir o
governo a formular uma reserva.
O art 277º/2 corresponde às figuras das irregularidades que é um dos valores negativos
do ato constitucional, que é um desvaler aparente. Portanto há um ato com vício que sofre
de inconstitucionalidade orgânico formal de pequena relevância e cuja consequência é
que apesar de ser inconstitucional continuará a produzir efeitos jurídicos. A regra é que a
inconstitucionalidade da convenção internacional não afeta a sua validade, ao contrário
do que se verifica com a inconstitucionalidade das leis (art 3º/3 da CRP).
A consequência é o desvalor jurídico da ineficácia, pelo que a norma não pode ser
aplicada pelos tribunais (art 204º CRP) e pode ser objeto pelo Tribunal Constitucional de
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (arts 277º/1; 280º/1 e
281º, da CRP) – o que gera o dever de desaplicação.
O art 27º da CV, conjugado com o art 46º CV, demonstra-nos que nem todas as normas
com inconstitucionalidades devem ser desaplicadas. A limitação dos efeitos da
inconstitucionalidade é apenas em relação a inconstitucionalidades orgânicas ou formais
de tratados regularmente ratificados em que não esteja em causa uma disposição
fundamental da Constituição – nunca a inconstitucionalidade material.
O art 27º refere-se apenas a “tratados internacionais”, mas, segundo o Prof JORGE
MIRANDA, deve-se através de critérios teleológicos e sistemáticos aplicar uma
interpretação extensiva ao texto de modo a incluir os Acordos Internacionais – até porque
na Convenção de Viena não há esta distinção. É difícil de precisar o que é uma
“disposição fundamental” e o que está acoberto da norma do art 27º CV. Para MARIA
LUISA DUARTE dois exemplos claramente acoberto da norma serão: se a Assembleia
da República aprovar um tratado por lei em vez de resolução; ou se o Governo aprovar
uma convenção internacional sob a forma de tratado, e não de acordo, sobre matéria da
competência partilhada.
Esta norma não impede a fiscalização por parte do Tribunal Constitucional, quanto a
inconstitucionalidades orgânicas e formais em sede sucessiva, mas verificados os
pressupostos da irrelevância do vicio: em fiscalização abstrata exclui a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral; em fiscalização concreta, derroga o art
204º da CRP e veda aos tribunais a desaplicação da norma.
Desconformidade entre uma norma legislativa e uma convenção internacional: esta
situação configura uma ilegalidade que não afeta a validade como uma
inconstitucionalidade, mas resulta na ineficácia e na desaplicação da norma legal
contrária ao pacto internacional. Esta ilegalidade é especial. Não cabe ao tribunal
Constitucional verificar a desconformidade entre a norma internacional e a norma legal,
mas sim aos tribunais que estejam a resolver o caso concreto.
Ao Tribunal Constitucional competem: questões de natureza jurídico constitucionais
(Ex: decisões sobre fundamento e alcance do primado internacional); questões de
natureza jurídico-internacionais (Ex: apurar se a convenção internacional está ou não está
em vigor, relevância de certas reservas) - 70º/1/i.
9. É relevante para efeito da aplicação da CNU a distinção entre a Legítima
Defesa e Legítima Defesa Preventiva?
Preventiva: agressão iminente, é neste contexto que se questiona se esta legitima defesa
deve afastar a ilicitude da agressão. Um Estado perante a iminência ou a fundada
proximidade de um ataque armado a partir de outro estado se antecipa à sua ocorrência
desencadeando um ato de força destinado a neutralizar esse ataque iminente.
DISCUSSÃO: parte da doutrina entende que a legitima defesa preventiva integra o
Direito Internacional costumeiro em matéria de legitima defesa. Outra parte da doutrina
(Professor Eduardo Correia Batista) a letra do art 51 da CNU não admite a legitima defesa
preventiva já que nesta não se verifica o pressuposto da ocorrência efetiva de um ataque
armado como condição de um ato defensivo e que se nós utilizássemos esta logica de uma
agressão iminente também fosse licita, par esta doutrina o uso e o abuso desta iria criar
uma anarquia prejudicando o objetivo de paz que vigora desde a 2GM.
Legítima defesa (stricto sensu): agressão atual e efetiva. Pressupostos (art. 51 CNU):
i. Ocorrência de um ataque armado (corresponde já a uma agressão efetiva que tanto
pode abranger atos de força já desencadeados, atos em curso ou atos com caráter
intermitente), com ou sem declaração de guerra, contra a independência ou a
integridade territorial de um Estado;
ii. Embora o TIJ invoque que a ação armada deva situar-se numa escala significativa,
que ainda assim não exigiria um ataque de grandes dimensões ou gravidade, a
doutrina em geral considera que qualquer tipo de ataque pode justificar o uso da
legitima defesa;
iii. Ataque deve ser atual, de forma que haja um nexo de adequação temporal
(contemporaneidade relativa) entre o momento da agressão e o uso da força
defensivo, pelo que não é admissível um significativo hiato temporal entre a
agressão e a resposta, já que estaria quebrada a conexão exigida e se verificaria
em teoria a possibilidade de uma intervenção atempada do conselho de segurança
das NU para sancionar o agressor;
iv. Impossibilidade de recurso atempado e eficaz às NU para que o ataque seja
sustido. Nesta legitima defesa cabe a legitima defesa individual, coletiva e a favor
de terceiro.
Limites:
▪ Princípio da proporcionalidade – proibição do excesso inerente ao uso da força e
impõe que a reação seja necessária e adequada ao ataque em curso. Vai vedar a
existência de atos desmedidos e de atuações que violem princípios da CNU, como
a soberania política e a integridade territorial do estado agressor contra o qual se
atua.
▪ Necessidade de se cessar o uso da força quando o conselho de segurança tome as
medidas necessárias à manutenção da paz.

10. Em que situações pode um Estado invocar a cessação de vigência de uma


convenção internacional de que seja parte?
A vigência dos tratados pode ser sujeita a várias vicissitudes. A cessação de vigência
pode dar-se por vontade originárias das partes através da previsão do próprio tratado, de
cláusulas implícitas de caducidade ou da vontade unilateral de uma das partes (pode ser
por denuncia em caso de tratado bilateral, ou por recesso se for um trabalho multilateral).
Segundo o art. 56º CV, um tratado que não contenha disposições relativas à sua
extinção, e não preveja que as partes possam denunciá-lo, não é suscetível de denuncia
ou recesso, salvo se essa possibilidade resulta da natureza do tratado. O tratado pode
extinguir-se também por circunstâncias exteriores à vontade das partes.
A CV no seu art. 61º, prevê a caducidade do tratado por impossibilidade superveniente
do seu cumprimento, embora não permita a sua invocação pela parte que for causadora,
ilicitamente, dessa impossibilidade. Prende-se esta questão com a cláusula rebus sic
stantibus que permite realizar a verdadeira vontade das partes e repor a proporção entre
as obrigações recíprocas, evitando que uma alteração fundamental ou substancial de
circunstâncias, para as quais nenhuma das partes contribuiu, venha impor a qualquer delas
sacrifícios não previstos e injustos.
Contudo a admissão desta cláusula envolve riscos para a estabilidade dos tratados há
por isso que definir o campo de aplicação desta cláusula. O art. 62º CV aceita, como ponto
de partida, que a cláusula seja invocada, e para se por fim a um tratado bilateral, para o
recesso de um tratado multilateral ou, apenas, para a parte interessada suspender a
vigência do tratado (62º/2 e 3); limitando-se a dois casos: a) alteração das circunstâncias
respeitar a um facto ou situação que era base essencial do consentimento das partes; b)
alteração gerar transformação radical da natureza das obrigações que resultam do tratado
(62º/1). Excetuam-se os tratados sobre fronteiras e as alterações que tenham sido
provocadas pelas partes – 62º/2 CV.
A guerra também determina a caducidade dos tratados bilaterais entre beligerantes,
(excetuando tratados que preveem a sua vigência em tempo de guerra). Quanto aos
multilaterais, continuam a vigorar, mas essa vigência é suspensa entre as partes
beligerantes pelo tempo do conflito, e renasce, portanto, automaticamente no termo deste.
O art. 63º prevê a rutura de relações diplomáticas, estabelecendo que, em princípio, esta
rutura não produz efeitos nas relações jurídicas criadas entre elas pelo tratado.
11. Teorias monista e dualista
Nos termos do art 8º/1, CRP, o direito português acolhe os princípios e normas do
direito internacional. Existem duas teorias que explicitam o modo como o direito
internacional se conjuga com o direito interno.
Segundo as conceções dualistas, o direito internacional e o direito interno são dois
sistemas com fundamentos e limites distintos, não comunicando abertamente entre si. É
necessária uma transformação e transposição, ou seja, um processo interno (determinado
pela constituição de cada país) onde é adaptado o conteúdo da norma internacional.
Já as conceções monistas afirmam a unidade sistemática das normas de direito
internacional e as normas de direito interno. Segundo a professora Maria Luísa Duarte,
há uma internormatividade, isto é, as normas coexistem numa ordem jurídica global,
embora cada uma atue na sua esfera de competência. Neste caso, assiste-se a uma receção
da norma internacional (esta integra-se na ordem jurídica interna sem necessidade de
reconhecimento, validade ou qualificação).
O monismo pode ser um monismo com primado do direito interno – que corresponde a
um dualismo (reduzido à dimensão de direito estadual externo, as normas internas e
internacionais coexistem e são aplicadas pela estrutura instituída do poder estadual e no
caso de conflito, prevalece a norma interna) – ou um monismo com primado do direito
internacional (em caso de conflito, as normas internacionais prevalecem).
O sistema constitucional português é um sistema de recorte monista. Tem uma receção
automática simples do direito internacional geral, nos termos do art 8º/1, CRP (princípios
gerais de DIP e direito consuetudinário), uma receção automática condicionada do direito
convencional a um conjunto de procedimentos essenciais para a expressão do
consentimento do Estado, nos termos do art 8º/2, CRP e um regime misto aplicável ao
direito derivado das organizações internacionais, nos termos do art 8º/3 e 4, CRP.
Com efeito, questiona-se se existe uma prevalência da Constituição sobre o Direito
Internacional e se uma norma de um tratado se pode sobrepor a uma norma constitucional.
Relativamente à primeira questão, a Constituição prevalece sobre o direito internacional
pelo facto de integrar o processo de fiscalização de constitucionalidade de tratados. Já
quanto à segunda questão, uma norma de tratado nunca poderá prevalecer sobre uma
norma constitucional porque ocupa uma posição infra-constiticional e quem representa o
Estado português nas várias fases de vinculação externa não deve negociar, aprovar ou
ratificar convenções contrárias à CRP (se tal se verificar, o art 204º exclui a sua
aplicação).
12. Votação no Conselho de Segurança e Duplo veto
O Conselho de Segurança é composto por quinze membros, dos quais cinco são
permanentes e dez não permanentes, eleitos por dois anos pela Assembleia Geral. Nos
termos do art 23º/1, carta das Nações Unidas, esta designação tem em vista a contribuição
dos Estados membros para a manutenção da paz e a necessidade de se obter uma
repartição geográfica repartida.
As decisões sobre questões de procedimento são tomadas por maioria de nove membros
(art 27º/2, carta nações unidas). Sobre questões não procedimentais, são tomadas por
maioria de nove membros, incluindo os membros permanentes. Mas um membro que seja
parte num conflito, naturalmente, tem de se abster nas votações que lhe digam respeito
(arts 27º/3, 33ºss. e 52º/3, carta nações unidas).
A distinção entre questões procedimentais e outros assuntos levanta várias dificuldades
– em caso de dúvida, o CS delibera acerca da qualificação da questão (mas a qualificação
da questão não é considerada como uma questão procedimental, pelo que existe a
possibilidade de veto). Surge assim o sistema do duplo veto: um membro permanente
opõe-se a uma questão considerada meramente procedimental (1º veto) e quando o CS
discute a questão, opõe-se a que seja tomada qualquer resolução (2º veto).
Este sistema tem sido criticado, mas ele é uma exigência da própria admissão do veto –
sem o duplo veto, um membro permanente poderia, através de uma manobra
procedimental da maioria dos membros do CS, ver-se privado do direito de veto. Assim,
sem duplo veto, não há veto.
13. Fontes de DIP (hierarquia e um elenco taxativo de fontes no Direito
Internacional Público)
No âmbito do DIP, podemos classificar as suas fontes como fontes materiais ou formais
e fontes mediatas ou imediatas.
Relativamente à primeira diferenciação, as fontes materiais correspondem enunciados
de valores que fundamentam regras jurídicas internacionais (incluem os princípios gerais
de DIP e a professora Maria Luísa Duarte integra também a jurisprudência e a doutrina).
Já as fontes formais correspondem aos processos de produção e revelação de normas
jurídicas internacionais (integram as convenções internacionais, o costume e os atos
jurídicos unilaterais).
Na segunda classificação, as fontes imediatas são os modos de criação ou justificação
de regras jurídicas que se aplicam diretamente às relações internacionais (correspondem
às convenções internacionais, ao costume, aos atos jurídicos unilaterais e aos princípios
gerais de DIP). As fontes mediatas são medidas de valor e ensinamentos subsidiários que
concretizam e integram as normas jurídicas internacionais criadas pelas fontes imediatas
(são elas a jurisprudência, a doutrina e a equidade contra legem).
No âmbito da competência do Tribunal Internacional de Justiça, o art.º 38º do Estatuto
do Tribunal de Justiça Internacional elenca as fontes de direito a que o tribunal recorrerá
para resolver os litígios que lhe são submetidos. Este artigo pretende determinar as fontes,
embora não seja taxativo. Há diversas críticas feitas pela doutrina a este artigo.
Primeiramente, existe uma falta de coerência na forma como o artigo está redigido,
apresentando um elenco de fontes incompleto (falta os atos unilaterais, que são muito
relevantes para o DIP nas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas) e
existe uma falta de consistência teórico-prática (o tribunal elenca no mesmo artigo fontes
materiais e formais, mediatas e imediatas). De seguida, critica-se a elevação indevida da
equidade a fonte de DIP porque a equidade é um critério de aplicação de normas já
reguladas por fontes de direito, podendo levar à desaplicação parcial de normas de DIP,
tendo em vista a justiça do caso concreto.
Ainda assim, o professor Carlos Blanco de Morais considera que a equidade contra
legem pode ter um papel de fonte de direito.
Por fim, há quem entenda que a forma como o artigo está redigido e atendendo à ordem
pela qual estão enumeradas estas fontes, leva à tentação de identificar uma hierarquia. O
professor Carlos Blanco de Morais não concorda com esta posição, uma vez que não
devemos confundir hierarquia entre normas com hierarquia entre fontes.
Para a maioria da doutrina, a hierarquia entre fontes não existe. O que existe é uma
equivalência hierárquica, ou seja, uma relação de paridade. Apesar desta realidade,
quando nos reportamos especificamente à convenção e ao costume, há quem considere
que existe uma superioridade do costume (jusnaturalistas) ou que a convenção prevalece
sobre o costume (positivistas).
Mas tal como referido inicialmente, para a maioria da doutrina, não existe uma
hierarquia entre fontes. Pelo contrário, existe uma hierarquia entre normas. As normas
podem colidir entre si. Existem três critérios operativos de solução de conflitos: o critério
cronológico (a norma mais recente revoga a norma anterior), o critério da especialidade
(a norma especial revoga a norma geral) e o critério hierárquico (a norma superior
prevalece sobre a norma inferior). Relativamente ao critério hierárquico, é necessário
saber como identificar uma norma superior existem quatro razões que justificam que uma
norma seja superior a outra:
a) Ser uma norma jus cogens (art 53º, CV) – estas normas pretendem uma tutela
reforçada de direitos fundamentais. A doutrina formalista entende que esta
superioridade na sociedade internacional tem de ser aceite por todos. A restante
doutrina entende que apenas é necessário que exista a aceitação desta
superioridade por uma maioria esmagadora, tratando-a como uma norma
imperativa.
b) Serem obrigações jurídicas erga omnes – são obrigações perante todos e de
todos.
c) Devido a uma prevalência que derive de uma determinação pactícia – há uma
cláusula constante de um tratado internacional a dizer que determinada norma
prevalece sobre outras (p.e: art 103º, CNU).
d) Devido à diferenciação material de funções – p.e: um tratado institucional de
uma organização internacional constitui uma carta constitutiva, funcional, que
delimita toda a atuação daquela organização internacional. Os atos emanados
por essa organização internacional têm a sua validade condicionada pela
compatibilidade com o tratado institutivo.

14. Sujeito Internacional e Personalidade jurídica internacional (capacidade


plena ou limitada)
O sujeito de direito internacional é qualquer ente suscetível de ser titular de direitos e
destinatário de obrigações fixadas por normas de DIP. Estes sujeitos têm uma capacidade
variável, pelo que um indivíduo pode ter personalidade jurídica, mas uma capacidade
jurídica bastante limitada. É o Direito internacional que estabelece a forma pela qual
nasce a personalidade jurídica internacional – o processo pode ser automático (como
acontece com o Estado) ou implicar atos especiais de reconhecimento (o que ocorre com
a generalidade dos outros sujeitos).
Os sujeitos de direito internacional podem ter capacidade plena ou capacidade
limitada. Os sujeitos com capacidade plena dispõem de três poderes: o poder de celebrar
tratados (jus tractum), o direito de criar representações diplomáticas (jus legationis) e de
exercer o direito de defesa (jus bellum), que antes da alteração com a carta da ONU, se
denominava de direito a fazer a guerra. Têm capacidade plena o Estado soberano e as
organizações internacionais e outras associações de Estados.
O Estado soberano tem de conter um povo, um território e um poder político soberano.
Ele tem uma competência interna e uma competência internacional. As organizações
internacionais e outras associações de Estados são investidas de capacidade plena em
razão dos seus tratados constitutivos (enquadra-se aqui a NATO, a União Europeia, a
ONU). Cumpre ainda notar que podem existir organizações internacionais e outras
associações de Estados investidas de uma capacidade quase-plena.
Os sujeitos com capacidade limitada são:
▪ As organizações internacionais – que em razão dos seus tratados constitutivos
não estejam investidas numa capacidade plena);
▪ Os Estados de soberania diminuída – p.e: Camboja e Laos, que são praticamente
controlados pelo Vietname;
▪ Os protetorados de direito internacional – as relações externas e até internas são
condicionadas por uma entidade internacional (p.e: Bósnia- Herzegovina);
▪ Os Estados exíguos – são Estados de pequena dimensão e escassa população,
que confiam atribuições da sua soberania a Estados vizinhos. Há uma limitação
consentida da soberania (p.e: Mónaco e França).
▪ Os beligerantes e insurrectos – no caso dos beligerantes, existe uma força
política ou humanitária que entra em rebelião contra o poder central, sendo uma
parcela do território dominado por ela. Há estados que entendem que a entidade
rebelde pode ser responsável por danos a pessoas estrangeiras no território. Nos
insurrectos existem movimentos rebeldes que têm força, dominando parcelas de
territórios de outros Estados. Não tendo direito de delegação, têm uma
prerrogativa de guerra, podendo exercê-la.
▪ Os Governos no exílio – quando um Estado é ocupado por uma potência
estrangeira e o Governo desse Estado exila-se num Estado estrangeiro, criando
aí um Governo exílio. Para que isto ocorra, tem de haver um domínio de uma
parcela de território.
▪ Os movimentos de libertação nacional – através da luta armada, lutam pela
independência de determinado território. Esse movimento tem de dominar certa
parte do território. Só são movimentos de libertação quando são reconhecidos
como tal (através dos atos constitutivos).
▪ O indivíduo – é um sujeito de DIP com capacidade de exercício limitadíssimo.

15. A agressão e a coação económica e ideológica são relevantes,


respetivamente para efeitos de legítima defesa e de validade das convenções
internacionais
Primeiramente há que delimitar o conceito de legítima defesa elencado no artigo 51.º
da Carta das Nações Unidas: tem como principais pressupostos a ocorrência de um ataque
armado, com ou sem declaração de guerra, sendo esta contra a independência ou
integridade territorial de um Estado. Esta agressão tem de ser efetiva, quer isto dizer, atos
de força já desencadeados, em curso ou com caráter intermitente.
Seguidamente, embora o TIJ admita uma escala significativa qualquer ataque, segundo
a doutrina, pode justificar legítima defesa e, consequentemente, este deve ser atual de
forma a que haja um nexo de adequação temporal (contemporaneidade relativa) entre o
momento da agressão e o uso da força defensiva.
Como último pressuposto, delimita-se a impossibilidade de recurso atempado e eficaz
à ONU para que o ataque seja sustido. Por outro lado, a coação sobre um Estado constitui
uma causa de nulidade absoluta das convenções internacionais. De acordo com o artigo
2.º da Carta das Nações Unidas, deverá cada estado abster-se de, aquando das suas
relações internacionais, abster-se de recorrer à ameaça ou ao uso da força, tendo como
principal fundamento o princípio geral de não uso da força que quase se consagra como
uma norma de “ius cogens”. Contudo, discute-se na doutrina se a coação económica pode
ou não ser um fundamento da invalidade.
De acordo com a doutrina maioritária, o artigo 52.º não é aplicável a situações de
pressão económica com o amparo de 2 principais argumentos: a letra da lei que delimita
tanto a ameaça como o emprego da força e o argumento histórico, uma vez que já na
votação da CV foi recusada a previsão expressa da coação económica como forma de
nulidade. Por outro lado, a professora Maria Luísa Duarte distingue 2 casos, tendo em
conta a licitude do resultado que se pretende obter: a coação para obter um resultado
ilícito cai no âmbito de aplicação do artigo 52.º da CV, enquanto que a coação no caso do
tratado respeitar a legalidade internacional de direitos humanos – resultado lícito – não se
enquadra no artigo 52.º da CV.
16. Mecanismo da queixa individual no quadro da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem
Ao longo dos anos, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi sendo
aprofundada através do aditamento de novos direitos não compreendidos na versão
originária, quer através do reforça das garantias de cumprimento. Um dos protocolos mais
importantes foi o Protocolo n.º 11 (1988), que veio admitir o recurso direto dos
interessados ao TEDH, depois de esgotados os meios judiciais internos.
A queixa (designada no artigo 34.º de “petição individual”) é dirigida à Comissão, por
uma pessoa singular, uma ONG ou um “grupo de particulares” – incluindo o conceito de
pessoa coletiva. Esta queixa individual permite o acesso direto às instâncias
internacionais embora seja necessário respeitar o princípio da exaustão dos meios internos
elencado no artigo 35.º da CEDH (corolário do velho princípio geral de DIP “local
remedies rule).
A Comissão decide sobre a admissibilidade ou não da queixa, sendo fixados os factos
com uma tentativa de solução amigável para o litígio admitido ou sendo esta arquivada
caso não o seja. Se a tentativa de solução amigável não for obtida, o relatório é enviado
ao Comité de Ministros e a partir daqui uma pessoa singular pode requerer a intervenção
do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
O TEDH constata e declara uma infração à Convenção e condena o Estado infrator à
reparação dessa infração criando obrigações de restituição in natura ou de reparação
sendo em certos casos e ordenamentos necessário a reabertura dos casos julgados -
autoridade de caso julgado para o Estado em questão. Significa isto que, a força res
judicata faz com que a sentença seja obrigatória para o Estado e a execução não está
dependente de qualquer exequátur da parte das autoridades do Estado infrator e, também
que, a sentença não produz efeitos erga omnes.
17. Papel da Organização das Nações Unidas, desde a sua criação, em especial
a importância da sua atuação em matéria de Direto Internacional dos
Direitos Humanos
É necessário, primeiramente, enquadrar o surgimento desta organização. Terminada a
1ª Guerra Mundial, principalmente por influência americana, com o fundamento que para
a manutenção da paz seria indispensável a edificação de uma organização política de
caráter universal, constituiu-se a Sociedade das Nações com a redação de vinte e seis
artigos do Tratado de Paz de Versalhes.
Teve como principais objetivos a segurança coletiva, a solução pacífica dos conflitos e
a colaboração entre os Estados para o progresso económico e social. Contudo, é
indiscutível o fracasso desta organização internacional devido não só, ao princípio da
igualdade entre as grandes e pequenas potências, como questões políticas respeitantes à
não participação dos Estados Unidos.
Este ambiente instável marcou os sucessivos passos que estiveram na base do
aparecimento da Organização das Nações Unidas: a aprovação da Carta do Atlântico, a
aderência dos Estados aos fundamentais princípios defendidos através da Declaração das
Nações Unidas, a Conferência de Bretton Woods como criador das principais
organizações para a cooperação económica e financeira e a Conferência de Dumbarton
Oaks, onde é elaborado o primeiro projeto pormenorizado da futura Carta das Nações
Unidas. A assinatura do texto definitivo da Carta teve lugar na Conferência de São
Franciscos a 26 de junho de 1945 (entrando em vigor em 25 de outubro).
O artigo 1.º/3 da Carta impõe à organização a promoção dos direitos do Homem no
quadro de cooperação económica e social internacional, sendo importante realçar a
aprovação da DUDH completada e desenvolvida por dois pactos: pacto internacional
sobre os direitos civis e políticos e outra sobre os direitos económicos, sociais e culturais.
Embora sejam estes os principais instrumentos internacionais das Nações Unidas em
matéria de direitos humanos, outras convenções e declarações foram aprovadas: acerca
da eliminação das formas de discriminação racial, relativamente ao direitos da criança e
outras contra a tortura, tratamento e penas cruéis. Todos os textos referenciados tiveram
necessidade de criar um órgão encarregue de fiscalizar a sua execução, sendo de entre
eles o mais importante o Comité dos Direitos do Homem.
18. Distinguir eficácia declarativa e eficácia constitutiva do reconhecimento
Como é que um ente passa a ser sujeito de Direito Internacional? Quanto a este ponto
continua a não haver acordo na doutrina. FROWEIN diz-nos que a importância do
reconhecimento resulta na natureza ainda imperfeita do Direito Internacional. Que faz
com que, ao contrário do que acontece com o Direito Interno, só raramente um litígio
venha a ser decidido em Direito Internacional pela via judicial.
O reconhecimento pode incidir sobre aspetos puramente materiais (reconhecimento de
uma regra de Direito, ou de um título jurídico...). Mas de maior importância
jurídico política se revestem as modalidades de reconhecimento que têm por objeto
sujeitos de Direito Internacional (reconhecimento de Estado, de Governo...). É sobretudo
a propósito do reconhecimento de sujeitos que se tem discutido a natureza do
reconhecimento. Por isso este instituto surge na doutrina ligado à teoria dos Sujeitos de
Direito Internacional, quer se entenda que os cria (reconhecimento constitutivo), quer se
julgue que apenas dá a conhecer a sua existência (reconhecimento declarativo).
Reconhecimento Constitutivo – Para esta teoria é do reconhecimento que nasce a
subjetividade internacional do Estado que antes dele não tem personalidade jurídica
internacional. Trata-se de uma consequência lógica dos pressupostos voluntaristas: se
todo o direito Internacional resulta da vontade dos Estados, é também esta que determina
a entrada de um novo membro na Comunidade Internacional. Várias conceções
voluntaristas acerca do reconhecimento vão corresponder os vários estádios do
pensamento voluntarista: ou este é um ato unilateral do Estado, ou se a base do Direito
Internacional é a vontade comum dos Estados, é um ato bilateral entre um antigo e um
novo sujeito de Direito Internacional. Então, o reconhecimento, que apenas produz efeitos
entre os Estados que o praticaram, é inoponível erga omnes.
Reconhecimento Declarativo – Para esta teoria a personalidade jurídica internacional
nasce independentemente do reconhecimento, este apenas tem o efeito de o constatar e
declarar. Concretamente quanto ao Estado, ele é sujeito de Direito Internacional assim
que existe, mesmo que nenhum outro Estado o reconheça.
19. Ratificação imperfeita
Pode acontecer que no processo de conclusão do tratado de um Estado não respeite os
requisitos formais constantes do seu Direito Interno e, particularmente, do seu Direito
constitucional. O problema das Ratificações Imperfeitas é determinar em que medida o
não cumprimento de formalidades constitucionalmente requeridas ou a expressão do
consentimento do Estado em vincular-se por uma autoridade incompetente exercem uma
influência sobre a validade internacional do Tratado?
Poderá o autor da ratificação imperfeita invocá-la e poderão as partes valer-se dela como
causa de nulidade do Tratado? Anterior à CV, uma abordagem sistemática do problema
torna a sua solução dependente da conceção geral das relações entre o Direito
Internacional e o Direito Interno: Partidário do dualismo, ANZILOTTI exclui qualquer
influência do Direito Interno, mesmo que fosse o Direito Constitucional, sobre a validade
dos atos jurídicos internacionais. Na sua opinião, o Tratado concluído com a violação das
formas constitucionais deve permanecer válido à luz da ordem internacional.
GEORGES SCELLE considera, pelo contrário, de acordo com a sua teoria monista, que
as prescrições constitucionais têm valor jurídico pleno na Ordem Internacional. A sua
violação leva a uma irregularidade internacional que deve ser internacionalmente
sancionada.
A CV tem como regra geral no seu artigo 27.º onde os Estados não podem invocar o
seu direito interno como forma de desvinculação de um tratado. Contudo, em forma de
exceção, esta mesma convenção sentiu a necessidade de disciplinar esta questão no seu
artigo 46º que defende a validade internacional do tratado salvo quando a violação do
Direito interno é grave, manifesta e diga respeito a uma norma interna de importância
fundamental (277.º CRP), consagrando como solução a nulidade relativa.
A solução encontrada pela CV também garante uma maior segurança no relacionamento
internacional e protege a boa-fé dos Estados contratantes. De facto, a solução da
invalidade da ratificação no plano internacional obrigaria os outros Estados contratantes
a averiguar previamente em pormenor as disposições internas, constitucionais ou não, de
cada estado com o qual quisessem concluir tratados, o que seria praticamente irrealizável,
particularmente nos tratados multilaterais.

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