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IED (T)

Que sentido tem o direito? O que é? O que resolve?


O direito existe para servir, assegurar a justiça e a segurança, isto porque nós vivemos
em sociedade, nós convivemos e temos de procurar viver bem em sociedade, ou seja,
temos a responsabilidade de não ofender os direitos dos outros pois eles também são
obrigados a respeitar os nossos. O Homem é, na definição de Aristóteles, um animal
político porque nasceu para viver em comunidade (polis).

Tema 1- A ordem social


A sociedade não se limita a normas do direito, tem também a ordem social que
representa os direitos e deveres da sociedade. A ordem social é constituída por outras
ordens às quais devemos obedecer para podermos viver em sociedade:
• Ordem religiosa: questiona a nossa relação com Deus
• Ordem moral: pertence à nossa consciência
• Ordem de trato social: representa a convivência
• Ordem jurídica: procura realizar a justiça e a segurança
A ordem social representa o mundo cultural, o mundo do dever ser. O Homem
também vive no mundo natural (da natureza), o mundo do ser que é habitado por
animais racionais e irracionais, vegetais e os minerais.
As leis da natureza são invioláveis pois não são feitas pelos Homens. O Homem limita-
se a observar, descobrir e estudar as leis que regem a matéria física e química (ex.
gravidade, velocidade do som).
As leis que o Homem estabelece pertencem ao mundo cultural (mundo do dever ser).
Essas leis são suscetíveis de violação.
O diálogo é o instrumento que os Homens utilizam para criar o mundo cultural.
Instituições sociais
1. A instituição: grupo de normas de leis que procuram resolver uma situação
típica da vida. Por exemplo, o regulamento do direito de propriedade é gerido
pela instituição da propriedade. Os problemas da família (ex. direitos dos pais e
dos filhos) são resolvidos pela instituição da família.
2. O instituto: grupo mais pequeno com menos normas.
A instituição pode ser também, noutro sentido, uma obra regida por regulamentos
próprios (ex. universidade, tribunal, hospital).
O Homem não pode viver sem instituições nem institutos. Porquê? O Homem nasce
antes do tempo, sem instintos suficientemente desenvolvidos, ao contrário dos
animais que têm um aparelho instintivo mais desenvolvido. Nós precisamos de ser
orientados pelo pai e pela mãe no início, depois pelas instituições porque elas nos
dizem como viver. Elas também servem para identificar as pessoas (uma universidade,
um hospital e um tribunal identificam pessoas): elas exercem uma função de
identidade.
Uma das normas do mundo social é não matar ninguém e não furtar, mas as pessoas
fazem-no na mesma. Em conclusão: o mundo cultural é constituído por normas que
podem ser violadas.

Santos Justo
1. A ordem religiosa
Quem é a fonte? Deus é o criador da ordem religiosa. Para que existe a ordem
religiosa? Para que o Homem se aproxime cada vez mais de Deus, para viver de acordo
com as normas de Deus (ex. de normas: não matar, amar o próximo como a si mesmo).
Essas normas apresentam 3 características:
1. Elas são instrumentais: se os Homens cumprirem essas normas gozarão da
felicidade eterna, é um instrumento para ter acesso a essa felicidade eterna.
2. Elas são intra-individuais: destinam-se diretamente e fundamentalmente ao
interior do homem crente; são normas que pertencem à nossa consciência.
3. A sanção: uma reação desfavorável a quem violou uma regra. A sanção na
perspetiva da interioridade é, por exemplo, o remorso que é uma sanção
imediata. Essas sanções pertencem exclusivamente à igreja e são insuscetíveis
de imposição pelo Estado.
Em Roma, no direito romano, havia uma deusa que administrava o direito, chamada
Iustitia. Fidès (da deusa Fides) que significa fé em português, podia ser boa ou má e
tinha uma intervenção nos contratos jurídicos: isto confirma a grande influência que a
ordem religiosa tinha na ordem jurídica.
IN DUBIO PRO REO: na dúvida absolve-se, não se condena. É preferível absolver um
criminoso a condenar um inocente no caso da ausência de provas. Na Idade Média,
depois do 5º século, não havia esse princípio. Como resolviam? Recorriam a uma figura
jurídica: ORDALIOS-JUIZOS de Deus, uma prova judiciária utilizando a prática do ferro
incandescente. Se houvesse sinais de cura tempos depois, eram sinais de Deus (de
inocência) e o suspeito era absolvido. Caso contrário era condenado. Nesse período
aplicava-se esse método pois a religiosidade do povo era muito grande, o que prova a
influência da ordem religiosa na ordem jurídica. Na Idade contemporânea, essa
influência continua presente (ex. do casamento católico, pelo civil e na igreja). O
direito muçulmano também vai buscar à religião o conteúdo dos seus critérios
normativos.

2. A ordem moral
O que é a moral? É um conjunto de preceitos, conceções e regras altamente
obrigatórios para com a nossa consciência, pelos quais se rege a conduta dos homens
numa sociedade e que dispensam a intervenção do Estado. A sanção de quem violou
uma norma moral é uma sanção interna (remorsos, desgosto...).
Características: a moral é espontânea e interior.
Importância da ordem moral para a jurídica: a moral está antes e acima do direito. O
que dá fundamento ao direito? A moral.

Relação entre a moral e o direito


O estado era guardião da moral, ele punia quem se afastasse da moral, quem violasse
a ordem moral. O Estado passou então a entrar dentro de nós e a punir os nossos
pensamentos: ele invadiu a consciência dos homens, o nosso espaço sagrado, destruiu
a nossa dignidade humana. Depois das guerras religiosas, houve necessidade de criar
uma diferença entre a moral e o direito: limitar o espaço onde o estado intervém.
Thomasius, primeiro jurisconsulto que, para tutelar a liberdade de pensamento e de
consciência, procurou distinguir a moral do direito separando as ações humanas em
internas e externas: ao direito só interessa a ação humana depois de exteriorizada; a

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moral ocupa-se do que se processa no plano do pensamento e da consciência, que são
atos internos. Ou seja, só o que se projeta no mundo exterior fica sujeito à intervenção
do poder público e nenhum cidadão pode ser processado pelo simples facto de pensar.
Este critério de Thomasius é, no entanto, insuficiente pois o direito não dispensa a
apreciação de fatores internos pois são estes que determinam comportamentos
externos. Surgiram outros critérios:
• critério da perspetiva: aquilo que não passa de dentro de nós não tem
projeção externa. Aquilo que tem projeção externa, as ações externas,
pertencem ao direito. As ações internas pertencem à moral. Este critério
permitiu que o Estado nunca pudesse controlar os nossos pensamentos.
Ele sofre, no entanto, a censura de que à moral não basta o elemento interno,
é necessário também o externo pois ela exige que atuemos manifestando e
executando os nossos propósitos. E ao direito não basta o elemento externo,
também lhe interessam os motivos da ação humana: também interessa o lado
interno pois precisamos de saber por exemplo quem é culpado, e a culpa é um
elemento interno.
• critério da forma ou dos meios: a moral não é coercível, as suas normas não se
aplicam pela força (ninguém se torna bom à força). Mas as normas jurídicas são
coercíveis: aplicam-se pela força.
Este critério também não satisfaz plenamente. Exemplo do artigo 402º do CC: a
obrigação natural não goza de coercibilidade Þ nem todo o direito é coercível!
• critério do mínimo ético. Tudo o que é direito é moral, mas nem tudo o que é
moral é direito.
Crítica: será que tudo o que é direito é moral? Há direito que é insensível à
moral (normas jurídicas moralmente indiferentes), ex. circulação automóvel em
Portugal e em Inglaterra. Há também direito que é contra a moral. Quando um
negócio produz efeitos imediatamente é chamado de negócio inter vivos, mas
há negócios que só produzem efeitos depois da morte: negócio jurídico mortis
causa, ex. testamento. Artigo 2194º CC: é moral, mas não é jurídico porque o
testamento não produz efeitos nenhuns. Esta situação mostra que o direito
nem sempre é moral.
• critério da imperatividade: a moral, porque visa a perfeição pessoal, é
simplesmente imperativa, ou seja, limita-se a impor deveres; o direito é, por
sua vez, imperativo-atributivo: impõe deveres e reconhece direitos
correlativos. Por isso fala-se da unilateralidade da moral e da bilateralidade do
direito.

3. A ordem de trato social


Contém normas de cortesia, educação, regras de etiqueta, costumes, etc. que têm
uma função: facilitar a convivência humana. Essas normas são chamadas de normas de
trato social e não são morais nem jurídicas. Características: normas impessoais porque
não são criadas por nós. Estas normas são também coativas: impõem-se através da
pressão exercida pelo grupo social a que se pertence e a sua inobservância é punida
com diversas sanções, como a perda de prestígio e de dignidade, a marginalização, o
afastamento do grupo, etc. Não há uma sanção quantificada, mas as normas jurídicas
são (mais ou menos graves). Influência das normas do trato social no campo do direito:

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uma norma de trato social passou a ser uma norma jurídica (exemplo espanhol do
funcionário e a gorjeta).
O direito combate a tirania dos usos, combate os maus costumes abolindo-os: artigo
1401º do CC

4. A ordem jurídica
O que é a ordem jurídica? O direito. O que é o direito? É um conjunto de normas que
estão ao serviço da justiça e da segurança. Características desta ordem:
• A necessidade. Ubi societas, ibi ius: onde há sociedade, fatalmente existe
direito. As normas jurídicas são necessárias para disciplinar o comportamento
dos indivíduos em sociedade.
• A alteridade. O direito pressupõe uma convivência, todo o ser humano interage
e é interdependente do outro.
• A imperatividade. A essência da ordem jurídica é um dever-ser a que devemos
obedecer incondicionalmente sem a possibilidade de escolhermos entre o seu
cumprimento ou a sua inobservância.
• A coercibilidade: é a suscetibilidade de aplicação pela força das sanções
prescritas pelo direito, ou seja, é a possibilidade de aplicar uma determinada
sanção a quem violar uma norma jurídica.
• A exterioridade: as normas jurídicas disciplinam comportamentos que se
manifestam exteriormente.
• A estatalidade. O pluralismo jurídico afirma que, ao contrário, nem todo o
direito é criado ou aplicado pelos órgãos estatais. O Estado não tem o
monopólio da criação do direito nem a exclusividade da sua aplicação: são
vários os tribunais internacionais e internos que não pertencem ao Estado Þ
podemos então recusar que a estatalidade seja uma dimensão essencial do
direito.

Tema 2- A ordem jurídica


A ordem jurídica é constituída por 2 direitos: objetivo (perspetiva da ordem jurídica) e
subjetivo (perspetiva dos sujeitos).
O que é um direito subjetivo privado em sentido estrito? É o poder ou a faculdade,
reconhecida pela ordem jurídica a uma pessoa, de exigir ou pretender de outra um
determinado comportamento negativo (non facere) ou positivo (facere). Corresponde-
lhe um dever jurídico. Direitos subjetivos privados em sentido estrito: direitos
individuais de cada um, os quais podem ou não ser realizados, de acordo com a
vontade do indivíduo.
Fala-se da faculdade ou poder de exigir quando, não obtendo a satisfação do seu
direito, o titular do direito subjetivo pode solicitar ao tribunal que aplique
determinadas medidas que lhe proporcionem a mesma, ou uma vantagem equivalente
ou outras sanções. Estaremos perante a faculdade ou poder de pretender quando o
titular do direito subjetivo não pode reagir contra o adversário que não cumpra o seu
dever jurídico.
Quais são as doutrinas que explicam o direito subjetivo? Qual a sua natureza jurídica?
A ciência jurídica é feita de divergências, portanto temos várias teorias:

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• Teoria da vontade
Para Savigny o direito subjetivo é um instrumento que permite a liberdade de
ação, o livre desenvolvimento da vontade autónoma. A expressão final é a de
Windscheid, que entende o direito subjetivo como a nossa vontade
juridicamente protegida. Surgem então várias críticas:
a) A vontade dos menores e dos deficientes mentais não é juridicamente
protegida pois não sabem o que querem e, todavia, são titulares de direitos
subjetivos.
b) Há direitos temporariamente sem titular, ou seja, não há vontade, ex.
herança jacente ou nascituro (direitos cujo titular se aguarda que nasça).
Uma pessoa que morre e deixa bens é chamada “de cuius” ou causante
porque dá causa à herança e é o autor da herança. (Uma pessoa que morre
e não deixa bens: mortuus).
Os herdeiros são chamados a aceitar ou recusar: aceitam, são donos.
Enquanto não aceitam, a herança diz-se jacente pois ainda não tem dono.
c) Pode o trabalhador renunciar as suas férias? Não, o objetivo é de proteger
o trabalhador: direito cuja renúncia não produz consequências jurídicas.
d) As pessoas coletivas têm também direitos subjetivos, mas não têm uma
vontade psicológica ou humana; logo, não poderiam ser titulares desses
direitos.
e) O titular dum direito subjetivo pode não querer exigir o seu cumprimento.
Se dependesse da vontade, esse direito devia extinguir-se, o que não
sucede.
Podemos então concluir que há direito sem vontade. Windscheid reconhece,
mas diz que a vontade não é psicológica, mas normativa: a vontade do
ordenamento jurídico. É aí que a teoria perde a sua essência e a especificidade
do direito subjetivo perde sentido.
• Teoria normativista: Kelsen. O direito subjetivo é o reflexo de um dever.
Quando alguém tem um dever de prestar alguma coisa, surge o reflexo de um
direito de exigir esse cumprimento noutra pessoa. Temos deveres, os reflexos
desses deveres são os direitos subjetivos. O ponto de partida são os direitos de
onde resultam deveres. Crítica: o direito subjetivo não é independente, é esse
direito subjetivo que está dependente do dever (ex. os direitos a que
correspondem os deveres conjugais).
• Teorias negativistas: um dos autores dessas teorias é Karl Larenz. O Homem faz
parte da sociedade, e a sociedade é que tem direitos, o Homem não. O Homem
tem deveres numa comunidade e só secundariamente tem certas faculdades
(não direitos subjetivos) necessárias ao cumprimento desses deveres. (Esse
homem aderiu a várias doutrinas de Hitler...)
• Teoria do interesse: Ihering, rival de Savigny. Ele considera que o direito
subjetivo é constituído por dois elementos igualmente importantes. Um, formal
(a proteção ou a tutela que a lei confere); e outro, material: o interesse em
sentido amplo. Ele vai caracterizar então o direito subjetivo como um interesse
juridicamente protegido. Surgem também várias críticas à cerca desta teoria:
a) O credor pode não ter interesse ao exigir que o devedor pague, mas o
direito de exigir persiste. O interesse não é essencial ao direito subjetivo

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pois se aquele faltasse, não existiria direito subjetivo, ora ele continua a
existir, mesmo não havendo presença de interesse.
b) Há interesses juridicamente protegidos a que não correspondem direitos
subjetivos como por ex. a vacinação. Não dispomos de um direito subjetivo
à vacinação do vizinho.
c) Quem protege o interesse de um menor? Os direitos subjetivos? Não. É o
estatuto de incapacidade que o faz, para a proteção do mesmo. O
ordenamento jurídico pode proteger interesses não através da concessão
de direitos, mas restringindo a capacidade dos indivíduos.
d) Há casos em que o interesse e o direito pertencem a pessoas diferentes:
num contrato a favor de um terceiro A promete a B pagar uma certa
quantia a C; o direito subjetivo pertence a B e o interesse a C.
Podemos concluir que o direito subjetivo não é um interesse juridicamente
protegido. Está em causa uma pessoa abstrata, um modelo, uma média: bonus
pater familias, o homem médio, a figura jurídica à qual o direito recorre. Mas o
interesse dessa figura não é o interesse de todos.

O que é um direito potestativo? (outro tipo de direito subjetivo) É um direito que se


traduz na faculdade ou poder de, por ato livre de vontade, só de per si ou integrado
por uma decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à
contraparte. Corresponde-lhe a sujeição do adversário. O direito potestativo sujeita
uma ação à parte sem que ela possa se manifestar a respeito, devendo agir de acordo
com o imposto.
Os direitos potestativos podem ser:
• Constitutivos (criação de uma nova relação jurídica; artigo 1550º CC, servidão
de passagem)
• Modificativos (se a relação jurídica já existente se modificar; artigo 1767º CC,
separação de bens)
Se eles não escolherem nenhum regime, o direito obriga o regime da
comunhão de adquiridos.
Os noivos têm o direito potestativo modificativo de mudar o regime.
• Extintivos (que extinguem uma relação jurídica anterior; artigo 1788º CC,
divórcio)

Classificação dos direitos subjetivos


Direitos subjetivos inatos e não inatos: inatos os direitos de personalidade, aqueles
que nascem com a pessoa (exceto 2: o direito ao nome pois só se recebe o nome
quando se procede o registo do nascimento que não é imediato; o direito moral de
autor que só se atualiza quando a pessoa cria alguma coisa enquanto autor) e não
inatos os direitos subjetivos que se adquirem depois da nascença (direito de
propriedade, de crédito, etc.)
Direitos essenciais e não essenciais: essenciais os direitos indissoluvelmente ligados à
pessoa (direito de personalidade) e não essenciais os direitos concebíveis sem a pessoa
(direitos de crédito, reais, etc.)
Direitos pessoais e patrimoniais: os pessoais não têm valor económico (direitos de
personalidade). Os patrimoniais são suscetíveis de avaliação pecuniária (direito de
propriedade).

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Direitos absolutos e relativos: os direitos absolutos são direitos de exclusão porque
impõem à generalidade das pessoas (erga omnes) o seu respeito e abstenção, são
poderes diretos e imediatos sobre uma pessoa ou coisa. Os direitos relativos são
direitos de colaboração: exigem a colaboração da pessoa que se obrigou, são poderes
através de um comportamento.
Direitos disponíveis e indisponíveis: os direitos disponíveis são os direitos que se
podem desligar do seu titular (direitos patrimoniais) e os indisponíveis são
intransmissíveis (direito de personalidade e alguns direitos de família).
Direitos simples e complexos: simples são aqueles que se traduzem numa pretensão e
numa prestação específica como o direito de crédito em que o devedor se obriga a
restituir determinada quantia de dinheiro, e complexos aqueles que são constituídos
por um feixe de possibilidades de atuação, como o direito das responsabilidades
parentais. Ex. de direito subjetivo simples: contrato de depósito (artigo 1185º CC);
direito subjetivo complexo: direito de propriedade sobre animais (artigo 1305º CC)

Direitos de direção, poderes-deveres ou poderes-funcionais


São direitos acompanhados de deveres; o titular desse direito não é livre, é obrigado a
atuar pois estão em causa interesses que não são apenas seus. (artigo 1878º CC: o
poder parental é um dever).
Poderes-deveres são direitos subjetivos?
Miguel Reale, professor brasileiro, autor do CC brasileiro: não porque num direito
subjetivo o titular é livre, mas neste caso é obrigado, ou seja, não é um direito
subjetivo. O direito subjetivo visa também a satisfazer interesses próprios, estes
poderes-deveres visam a satisfazer interesses alheios (ex. filhos).
Os bons pais assumem os interesses dos filhos como os próprios, ou seja, a crítica
precedente não é válida: crítica feita por Orlando de Carvalho, professor da
universidade de Coimbra. Os poderes-deveres são verdadeiros direitos subjetivos.

O que são direitos subjetivos públicos? São direitos que os cidadãos podem invocar
contra o Estado, quer exigindo uma certa atuação quer impondo limites ao exercício
dos seus poderes, ex. direito à segurança social.
Origem e evolução
Na idade média, o rei era o guardião da justiça, ou seja, era “impensável” que ele
pudesse agir contra o bem das pessoas. Em consequência, os direitos subjetivos
públicos não existiam porque o bem-estar das pessoas estava assegurado pelo Rei.
Qual a sua natureza jurídica?
• Doutrina contratualista ou jusnaturalista: os Homens começaram por viver no
estado natureza. Depois eles tornaram-se guerreiros, passaram a exercer força
uns contra os outros e para acabar com esse estado de guerra, eles juntaram-se
e fizeram o pacto social. Nesse pacto social criaram o estado civil para garantir
os direitos subjetivos públicos. Ambos Locke e Rousseau partiram dessa base,
mas chegaram a soluções diferentes: Locke à fundamentação do liberalismo e
Rousseau à apologia da democracia.
Locke: no status naturalis, os homens eram titulares de direitos naturais.
Faltava uma ordem política organizada que se encarregasse de dirigir os litígios
e de defender os direitos. Por isso, através dum contrato social criaram o
Estado (status civilis).

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Rousseau: a natureza generosa dava tudo aos homens, ou seja, os homens não
eram dependentes dos outros, eram livres, iguais. Os homens viviam felizes,
em harmonia e em paz na status naturalis. Surgiu a propriedade privada com
um homem insensato que determinou um espaço como só dele. Com essa
propriedade privada nasceu a desigualdade e o desejo de domínio dos homens.
Para remediar isso, a humanidade teve que passar do status naturalis ao status
civilis: através dum contrato social, os homens cederam ao Estado os direitos
que possuíam no status naturalis e o Estado devolveu-lhos transformados em
direitos civis, ou seja, garantidos e protegidos por leis: daí nascem os direitos
subjetivos (públicos). Crítica: o estado natureza nunca existiu e contraria a
natureza sociável do homem.
• Doutrina da autolimitação: o estado é soberano, goza de soberania, tem um
poder quase ilimitado, limita-se a si próprio e então reconhece os nossos
direitos subjetivos públicos. Crítica: se o estado se autolimita, também pode
deixar de autolimitar-se. Não se autolimitando, os indivíduos ficam à sua
mercê. Jellineck diz que “os direitos subjetivos públicos existem na medida em
que o Estado não pode deixar de traçar limites a si próprio, enquanto Estado de
direito”. Mas Ihering, o autor desta doutrina, diz que o estado é obrigado a
limitar-se, por causa do peso da comunicação social, que pode destruir um
governo. Ele diz que se trata de um problema político e não jurídico.

Tema 3- As figuras jurídicas afins (aos direitos subjetivos)


Meros interesses jurídicos
São interesses protegidos pela lei a que não correspondem direitos subjetivos.
Exemplos: o interesse do automobilista em que a estrada esteja em boas condições, o
interesse na ordem das ruas, na vacinação das pessoas com quem convivemos.... Falta-
nos, no entanto, a faculdade ou o poder de exigir ou pretender esses comportamentos
que definem os direitos subjetivos.
Faculdades em sentido estrito
São possibilidades de agir (facultates agendi) que a ordem jurídica admite e garante
sem, todavia, constituírem direitos subjetivos. Estas faculdades (primárias: passear, ir
ao jardim...) são alheias aos direitos subjetivos e, portanto, não se confundem com as
faculdades jurídicas (secundárias).
Direitos de reflexo
São posições jurídicas que nos são tuteladas porque provêm das obrigações dos
outros. Exemplo: direito de a criança ter segurança, alimentação etc. provém da
obrigação dos pais. Artigo 495º CC, nr. 3: a pessoa que tem direito à indemnização tem
um direito de reflexo. Se a pessoa que morreu num acidente não lhe consegue prestar
mais alimentos, então essa prestação passa a ser obrigação do autor do acidente.
Expetativa jurídica: São situações em que se encontra uma pessoa que ainda não tem
um direito subjetivo, mas conta razoavelmente vir a ter. Trata-se duma “situação
intermédia mais ou menos consistente” da esperança, que o direito protege. Exemplo:
a probabilidade de o filho vir a ser herdeiro legitimário do pai. Enquanto este viver,
aquele só tem uma expetativa e não um direito à herança paterna. Todavia, a
expetativa do filho existe é o direito protege-a, por ex. pelo artigo 2194º e 2196º do
CC.

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Tema 4- Fins do direito
O direito serve para realizar, satisfazer certos fins: realizar a justiça e a segurança.
A justiça
O que é a justiça? A vontade constante e perpétua de entregar a cada um o seu
direito, aquilo que é seu- Ulpianus, jurisconsulto
Características:
• A impessoalidade: a justiça não é criada por nós, é criada na sociedade.
Corresponde a uma realidade cultural.
• O dinamismo: a justiça não é uma totalidade finita, mas uma categoria do
mundo cultural em contínua evolução.
• A alteridade: o outro. Visa disciplinar as nossas relações com os outros.

Os elementos lógicos da justiça são:


• A proporcionalidade: ideia de proporção entre o que se dá e o que se recebe, o
que se exige e o que se presta, entre os delitos e as penas...
• A igualdade: resulta da proporcionalidade, que implica que sejam tratados
igualmente os casos iguais e desigualmente o que é diferente.
• A alteridade: a justiça valora as condutas socialmente relevantes, ou seja,
dirigidas aos outros com quem nos relacionamos.
Estes elementos carecem, no entanto, de concretização: pertencem à justiça formal.
Impõe-se, portanto, uma justiça material: ela tem a ver com a nossa integração na
sociedade. Ela é constituída:
• Dum pressuposto material: é o mundo onde os homens se movem com os seus
interesses divergentes, cujos conflitos ao direito cabe resolver.
• Dum pressuposto pessoal: é a nossa participação na sociedade, a participação
pessoal na realização dos valores e no domínio dos bens que formam o
património do todo social, de modo que cada membro da comunidade em
causa possa constituir um suum (o seu) próprio, isto é, uma esfera de
autonomia pessoal e material através da qual ele se reconheça um elemento
integrante e responsável comparticipante no mundo humano-social em que se
encontra situado.
• Duma integração comunitária: ela oferece-nos a complementaridade e a
colaboração de que necessitamos para nos realizarmos numa vida plenamente
humana. Ela exige a solidariedade e a coresponsabilidade (somos responsáveis
pelos “seres” uns dos outros).

Modalidades da justiça:
• Comutativa ou corretiva: justiça que corrige os desequilíbrios nas relações
contratuais. Assegura a equivalência entre prestações ou entre dano e
indemnização, atribuindo a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).
• Distributiva: distribuição que o Estado faz para nós em função do critério da
necessidade ou do mérito, ela rege a repartição dos bens comuns pelos
membros da sociedade, segundo um critério de igualdade proporcional.
• Geral ou legal: é a justiça do direito público/fiscal. Quem recebe menos, paga
menos. Quem recebe mais, paga mais (baseando-se sempre no critério da
igualdade proporcional).

Santos Justo
A equidade: Aristóteles. É a justiça dos casos concretos e opõe-se à justiça vista como
uma intenção normativa de carácter geral.
Funções:
• Dulcificadora: suaviza o rigor, a dureza da lei. Dura lex, sed lex= a lei é dura,
mas é lei. Humaniza o direito com certos valores ou sentimentos (compaixão,
indulgência, etc.)
• Integradora: problemas na vida cuja previsão não existe: lacuna. Constitui um
fator a ponderar no processo de integração das lacunas.
• Corretiva: corrige, modifica ou restringe a lei, afastando soluções absurdas.
• Resolutória ou decisória: constitui um critério de decisão dos casos, em
substituição das soluções pré-estabelecidas nas normas jurídicas.
• Flexibilizadora: ajusta a norma jurídica ao caso a decidir.

Relação entre justiça e equidade


A justiça é racional, fria, enquanto a equidade é irracional e emocional.
São realidades antagónicas, que se opõem.
A equidade também é uma forma de justiça, mas concreta e não abstrata. A equidade
é então um momento da realização concreta da justiça Þ não há antagonismo, mas
sim complementaridade

A segurança: outra finalidade do direito.


A segurança pode ser entendida no sentido de:
1. Ordem imanente: traduz o estado de ordem e de paz que a ordem jurídica
tutela prevenindo e reprimindo os atos de agressão contra pessoas e bens.
2. Certeza do direito: é a segurança que nos permite prever os efeitos jurídicos
dos nossos e, em consequência, planear a vida em bases razoavelmente firmes.
Constitui uma condição de previsibilidade sem a qual a vida seria uma contínua
surpresa e a estabilidade não existiria.
3. A segurança perante o Estado: é tutelada pelo princípio da legalidade que
limita a ação do Estado; o Estado atua no cumprimento das leis
4. Segurança social: traduz as exigências do direito ao trabalho e à libertação da
necessidade e do temor; e procura assegurar a todo o ser humano a base
material do seu sustento (reforma, abono...)

Relação entre justiça e segurança


O direito pode servir ou não os dois termos ao mesmo tempo? Para o direito realizar a
segurança corre o risco de sacrificar a justiça. Artigo 6º CC: ninguém pode pedir ao juiz
que o absolva porque não conhecia a lei. Porquê? Para dar segurança ao comércio
jurídico. Será justo? Não, porque exigimos a pessoas analfabéticas que conheçam as
leis tal como as pessoas que sabem ler conhecem. Condenar alguém que não é
culpado: nesse caso, o direito realiza a segurança, mas é injusto.
A lei não tem eficácia retroativa, só vigora para a frente: artigo 12º CC. Objetivo: não
haver surpresas de leis anteriores que não conhecemos.
Haverá um verdadeiro conflito ou antagonismo entre a justiça e a segurança? O direito
para dar segurança, arrisca-se a ser injusto. A segurança justa é a que interessa ao
direito. A segurança está ao serviço da própria justiça.
O direito está fundamentalmente ao serviço da justiça e só depois da segurança. Fim

Santos Justo
Tema 5- Nação, Estado e Direito
O que é uma nação? É uma comunidade de carácter cultural, que assenta numa
convivência mais ou menos longa de homens ligados pela mesma etnia, pela mesma
língua e pelas tradições sedimentadas naquela convivência. Trata-se duma realidade
com uma dimensão simultaneamente natural e cultural: aquela corresponde a
exigências naturais da vida humana; esta constitui a cristalização de valores
intelectuais e morais que um povo encarna e aspira realizar.
A nação permite que os homens se ajudem mutuamente ao longo do tempo,
fornecendo-lhes valores que acrescentam e transmitem de geração em geração. Ela
também imprime um carácter particular que individualiza e distingue os seus membros
com específicos modos de ver, de pensar e de atuar.
Podemos ver numa comunidade nacional algumas notas que a permitem caracterizar:
• É uma forma de vida. Todo o homem possui uma “dimensão nacional” que é
um dos fatores na formação da sua personalidade
• É uma comunidade total cimentada pelos seus valores e pode compreender
pequenas comunidades de carácter económico, cultural, idiomático, etc.
• Os valores aí realizados e cristalizados constituem a sua cultura. Há sempre
uma especificidade que não deve prejudicar as suas dimensões universais
• Os vínculos nacionais não se fundamentam num “contrato social”, estendem-se
do passado ao presente e prolongam-se no futuro: há uma continuidade, uma
tradição
A Nação não é um valor supremo: os valores nacionais nunca devem prejudicar o valor
universal mais elevado que se chama Humanidade.

O que é o Estado? O status é uma comunidade territorial politicamente independente


integrada por governantes e governados; é o poder do governo dessa comunidade. É
uma sociedade que se fixou num determinado território e se organizou politicamente
em termos autónomos e soberanos.
O Estado é relativamente recente: a formação e a generalização do conceito moderno
são fruto duma longa evolução que arranca no século 16, dominado por um fenómeno
natural: a Renascença (renascimento da cultura greco-romana, filosofia grega...). Foi
também a renascença de um homem novo que se difere do homem medieval.
Esse homem novo produziu o estado. O Homem era um ser apagado, distante, não
participativo nem criativo, mas a partir da renascença é um homem que discute, que
se afirma, que participa. À volta desse homem cria-se o Estado.
No século 13 existem aspetos importantes que contribuem para a criação do Estado:
• Redução de vários exércitos: um único exército
• Criação da fazenda pública: receitas e despesas do Estado central, respetivo
aparelho administrativo
• Rede de tribunais que cobre quase todo o país - julgam com autonomia e
independência: unidade de decisão judicial
Com a queda do feudalismo (sistema político, económico e social que predominou na
Europa até a afirmação dos Estados modernos) desmoronaram-se os vários poderes e
passamos a ter um só poder: o do rei. Com a introdução do laicismo, a igreja perde
muito dos seus poderes que se vão concentrar no rei.
Ele é o governante e o representante do povo, mas o território não está no nome dele
- da obra de Aristóteles, Política

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Elementos estruturantes do Estado:
• Povo – conjunto dos cidadãos ou nacionais, ou seja, de pessoas ligadas ao
Estado pelo vínculo jurídico de nacionalidade que lhes reconhece o gozo de
direitos políticos de eleger e serem eleitos.
Não é população, pois essas são as pessoas que habitam num certo território,
mas podem não ter certos direitos políticos se não forem nacionais, ou seja,
não são povo.
• Território – o povo fixa-se num certo espaço territorial constituído pelo solo,
subsolo, espaço aéreo e plataforma marítima. É limitado por fronteiras e define
o âmbito da competência no espaço dos seus órgãos supremos.
É o espaço onde o povo é “senhor de se reger segundo as suas leis, executadas
por autoridade própria com exclusão da intervenção de outros povos”.
Sem território não há estado: o povo nómada não tem território, logo não tem
estado.
• Poder soberano – é o princípio do poder limitado pelo direito interno e
internacional e pela moral. É um poder político autónomo com faculdade de
instituir órgãos que exerçam o senhorio de um território e nele criem e
imponham normas jurídicas, dispondo dos necessários meios de coação.
Poder político = soberania. Os Estados federados (Brasil, EUA) não são
verdadeiros Estados porque estão sujeitos a constituições federais e não
podem estabelecer relações internacionais próprias: não são absolutamente
independentes, logo não há soberania.

Quais são as funções que o Estado tem de desempenhar?


São funções primárias (principais ou independentes) as que os órgãos do poder
político do Estado podem realizar de uma forma “essencialmente livre ou
minimamente vinculada”. Elas são duas:
1. Política – consiste na definição e prossecução, pelos órgãos do poder político,
dos interesses essenciais da sociedade, realizando, em cada momento, as
opções para o efeito consideradas mais adequadas.
É uma função que se exerce com uma grande liberdade e desde logo consta na
constituição.
2. Legislativa – prática de atos legislativos pelos órgãos constitucionalmente
competentes que obedeçam à forma prevista na Constituição.
É livre, mas não tanto como o poder político, porque não pode fazer leis que
violem as da Constituição.

As funções secundárias (subordinadas ou dependentes) decorrem das funções


primárias:
1. Função jurisdicional: consiste no julgamento de litígios suscitados por conflitos
entre interesses privados ou públicos e privados; e na punição de violação das
normas jurídicas. É desempenhada pelos tribunais que são órgãos
independentes (só dependem da lei e do direito) e imparciais (estão acima das
partes do conflito), cujos titulares sofrem de certas incompatibilidades; gozam
duma instituição própria (o Conselho Superior da Magistratura) que os nomeia,
coloca, transfere, promove e sanciona disciplinarmente; são inamovíveis e não
podem ser responsabilizados pelos seus julgamentos e decisões.

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2. Função administrativa: executa as leis, executa os nossos interesses. Esta
função está sujeita ao princípio da legalidade: a administração no que faz tem
de respeitar a lei, não pode agir arbitrariamente. É uma tarefa cometida a
órgãos interdependentes, dotados de iniciativa e parcialidade na realização do
interesse público e com titulares amovíveis e responsáveis pelos seus atos.

Qual a natureza jurídica do Estado? (domínio especulativo)


1. Teoria normativista – o estado é, segundo Kelsen, o somatório das suas
próprias leis, é a totalidade das leis que dirigem os seus nacionais, então o
Estado é o direito como atividade normativa.
Críticas: se o Estado fosse o direito, teria sentido limitar juridicamente a
atuação do Estado? Por exemplo, o princípio da legalidade limita a atuação da
administração pública. O Estado também é sujeito de direitos e obrigações.
Resumindo, não faz sentido definir o Estado como o próprio direito se ele
também tem direitos e obrigações, e é limitado pelo direito em si. O direito é
anterior e superior ao Estado, o que faz com que este não possa ser o direito.
Estas críticas destruíram a teoria normativista de Kelsen.
2. Teoria marxista: esta teoria vê a realidade económico-social constituída por
uma estrutura e por uma supraestrutura formada pelo Estado, direito, religião,
moral, etc. que funcionam como valores de defesa. Como o direito, o Estado
não passa dum instrumento da classe dominante para sujeição das outras. E
quando a classe capitalista for exterminada, deixará de haver oposição de
classes (luta de classes) e o Estado tornar-se-á desnecessário: desaparece. O
mesmo destino terão o direito e a religião porque, no mundo de felicidade, não
há opressão nem conflitos.
No entanto, não há lugar para uma situação definitiva sem contradições: essa
sociedade idílica repleta de perfeição social e de bem-estar é uma sociedade
estagnada sem a esperança de melhores dias, sem ideologia, porque nada mais
há a desejar.
A realidade encarregou-se de desfazer esta utopia nos países que procuraram
pôr em prática o marxismo: a sociedade tornou-se, aí, das mais imperfeitas e
humanamente insuportáveis.
O Estado de Kelsen e o Estado marxista não refletem a realidade. Por um lado, o
Direito não se confunde com o Estado: cabe-lhe limitá-lo e legitimá-lo. Por outro lado,
a justiça não tolera o desrespeito pela dignidade humana e, portanto, a
instrumentalização do Direito e do Estado ao serviço da opressão.
Numa palavra, o Estado só pode ser de Direito.

O Estado de direito
É o Estado que atua pelas normas do direito, que respeita as normas jurídicas, que
obedece ao direito. O Estado de direito tem na juridicidade a sua essência: ubi civitas,
ibi ius. O direito fundamenta-o e define as suas competências.
Na sua história podemos destacar 3 etapas:
• A luta contra o arbítrio judicial: o liberalismo foi buscar à Idade Média
argumentos contra o arbítrio que os juízes gozavam na administração da
justiça. Os juízes estavam acima da lei para poderem ser independentes e

Santos Justo
imparciais, e só aplicariam bem o direito se estivessem acima da lei. Eles
tratavam os fortes com brandura e os fracos com dureza.
Os abusos dos juízes foram invocados no século 18 na defesa da estrita
vinculação do juiz à lei.
• A instauração duma justiça administrativa que controle os atos da
administração. Traduz um protesto contra a prática administrativa do Estado
absoluto que tratava os fracos com uma desigualdade enorme e os poderosos
com pura simpatia. Significa também um voto de confiança na justiça.
• A institucionalização dum controlo jurisdicional das leis, pois os legisladores
faziam leis injustas. Implica a consideração de que o legislador deve respeitar
um direito superior que a Constituição consagra, e podendo o ato legislativo ser
inconstitucional, impõe-se a sua apreciação por uma instância jurídica (em
Portugal, por uma jurisdição constitucional específica).

Características do Estado de direito


Percorridas estas fases, ergue-se o Estado de direito como o Estado que realiza a
conceção personalista de justiça e se caracteriza por 4 notas fundamentais:
1. O ordenamento jurídico é todo hierarquicamente estruturado e tem na lei a
fonte mais importante. Primeiro a Constituição, depois as leis ordinárias: lei,
decreto-lei e regulamentos, que devem obediência as leis ordinárias.
2. São afirmados e protegidos os direitos humanos fundamentais – é o
reconhecimento dos direitos subjetivos públicos dos seus cidadãos. A sua
omissão traduziria uma restrição à liberdade e uma negação da pessoa
humana.
3. Controlo da atividade administrativa. A atuação administrativa pode ser objeto
de impugnação (se não atuar segundo o princípio da legalidade) graciosa –
dirigida à própria administração; e contenciosa – apresentada no tribunal
competente, o administrativo. Também existe o recurso hierárquico – é a
possibilidade de recorrer à entidade superior para resolver o ato ilícito da
entidade inferior.
4. Controlo legislativo. A legislação é jurisdicionalmente controlada. Assim se
garante a obediência à Constituição, ou seja, uma garantia jurídica dos direitos
subjetivos públicos ao recorrer a um certo tribunal. Em Portugal é o tribunal
constitucional, nos EUA são os tribunais comuns que apreciam a
constitucionalidade da lei. Se o tribunal comum americano afasta uma lei
porque é inconstitucional, revoga a lei e desempenha uma função legislativa, o
que não pode fazer porque só pode exercer funções executivas: está a violar o
princípio da separação de poderes.
Quem é o guarda dos guardas? O guardião do Estado de direito é aquele que julga os
atos do Estado: os tribunais.
O Estado de direito é onde tudo é controlado, não existe qualquer arbítrio.

Tema 6- Norma jurídica


A norma jurídica constitui um elemento fundamental do direito, na função de ordenar
a convivência humana. Define-se norma jurídica como um critério de qualificação e
decisão de casos concretos para o juiz, na decisão de uma sentença, não cair no

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arbítrio: o juiz é guiado pela norma jurídica para chegar a uma resolução jurídica. Ela é
um critério fundamental e indispensável da aplicação das leis. É uma unidade, um
instrumento de segurança do comércio jurídico.

As normas jurídicas orientam todos os nossos comportamentos. Se ela guia os nossos


comportamentos, é essencialmente uma norma de conduta?
Se ela guia os nossos comportamentos, a norma está antes dos nossos
comportamentos para podermos atuar segundo essa norma. As normas jurídicas que
são posteriores aos comportamentos, impossibilitam-nos de nos guiarmos por elas –
não são normas de conduta.
As normas retroativas não podem orientar os nossos comportamentos porque vigoram
no passado – não são normas de conduta.

As normas jurídicas são modelos de orientação e dão a quem as aplica uma


possibilidade de acomodação: princípio da liberdade criativa.

Estrutura tipo das normas jurídicas


Estruturalmente, a norma jurídica é constituída por 2 partes:
1. Previsão ou hipótese – refere uma situação típica da vida, ou seja, uma
determinada situação de facto, uma certa conduta, uma certa relação ou outro,
ex. 493 CC
2. Estatuição ou injunção – é a aplicação de efeitos jurídicos no caso de a situação
prevista (na previsão) se verificar
O nexo que liga a hipótese à estatuição é o facto de se imputar os efeitos jurídicos a
quem realizou os factos.
A previsão pode preceder a estatuição (ex. 483 CC). Todavia, podemos encontrar a
estatuição antes da previsão (ex. 284 CRP).
Existem 3 tipos de conceitos: os técnico-jurídicos, os conceitos técnicos duma outra
ciência e os conceitos de linguagem comum.

Características de uma norma jurídica


1. Hipoteticidade: os efeitos jurídicos referidos na estatuição só se aplicam se os
factos da hipótese se verificarem; se não ocorrerem, a norma jurídica não se
aplicará
2. Generalidade: a norma jurídica aplica-se a uma categoria abstrata de pessoas e
não a uma ou a uma pluralidade de pessoas determinadas no momento da sua
elaboração. Por isso, não são normas jurídicas os preceitos contratuais.
3. Abstração: a norma jurídica aplica-se não a um caso específico, mas a um
número indeterminado de situações submissíveis à categoria prevista
Há quem entenda que a norma jurídica goza também de imperatividade e
coercibilidade. Rejeitamos a imperatividade como característica da norma jurídica
porque há algumas normas que só aplicamos se quisermos, logo não são imperativas
ex. direitos subjetivos. Rejeitamos também a coercibilidade porque há algumas normas
que não são suscetíveis de aplicação da força (ex. obrigações naturais).

Classificação das normas jurídicas


Que tipos de normas jurídicas existem?

Santos Justo
Quanto à sua relação com a vontade dos seus destinatários, as normas jurídicas
podem ser:
1. Imperativas (injuntivas ou cogentes): a sua aplicação não depende da vontade
das pessoas. Impõem-se-lhe, exigindo um comportamento que pode ser
positivo (facere) ou negativo (non facere); por isso, podemos classificá-las em:
a) Precetivas – impõem-nos uma conduta. Sucede, por exemplo, com a norma
que determina que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (406
CC)
b) Proibitivas – proíbem uma conduta. Sucede com grande parte das normas
penais; com a norma que proíbe o casamento a quem tenha idade inferior a
16 anos ou a quem é casado (1601 CC)

2. Permissivas (ou dispositivas): permitem ou autorizam certos comportamentos.


Podem ser:
a) Facultativas (concessivas ou atributivas) – permitem ou facultam certos
comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou faculdades.
Sucede com a norma que concede ao proprietário o gozo pleno e exclusivo
dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem
(1305 CC)
b) Interpretativas – determinam o alcance e o sentido de certas expressões ou
declarações negociais suscetíveis de dúvida. Acontece com a norma que
interpreta as expressões “uso contínuo”, “uso diário”, “uso noturno”, “uso
semanal”, “uso estival”, e “uso hibernal” (1402 CC)
c) Supletivas – suprem a falta de manifestação da vontade das partes sobre
determinados aspetos dum negócio jurídico que carecem de
regulamentação. Acontece com a norma que, na falta de convenção
antenupcial, o casamento considera-se celebrado sob o regime de
comunhão de adquiridos (1717 CC)

Quanto ao âmbito de validade espacial, as normas jurídicas podem ser:


1. Universais (nacionais ou globais) – aplicam-se em todo o território do Estado.
Sucede com as normas contidas na maior parte das leis e decretos-leis
2. Regionais – só se aplicam numa determinada região. É o caso das normas
integradas nos decretos legislativos regionais
3. Locais – aplicam-se apenas no território duma autarquia local. São, por
exemplo, as normas contidas nas posturas municipais.
A lei é dada a conhecer quando é publicada no Diário da República. Mas há leis
que não são publicadas nesse diário. Se uma lei foi feita pelo governo só para
ser aplicada em Aldoar e foi publicada no Diário da República, não é necessário
provar no tribunal que tal direito existe, pois as leis que constam no Diário da
República têm de ser do conhecimento de todos, nomeadamente do juiz. As
leis de uma câmara não são publicadas no Diário da República e é necessário
provar em tribunal que os direitos aí consagrados existem = interpretação
restritiva do artigo 348 do CC, reduzindo o alcance do direito local.

Santos Justo
Em relação ao âmbito de validade pessoal, as normas jurídicas classificam-se em:
1. gerais ou comuns – estabelecem um regime regra para o setor de relações que
disciplinam, aplicadas a todas as pessoas (219 CC)
2. excecionais – consagram um ius singulare, ou seja, são normas opostas ao
regime regra, num setor restrito. São aquelas que exigem escritura pública ou
documento particular autenticado em determinados negócios jurídicos (875 e
947 CC). Estas normas exigem aquilo que as outras não exigem.
3. especiais: normas que se aplicam a um círculo restrito de pessoas. São
diferentes, mas não opostas às regras comuns, ex. das normas do direito
comercial que regem os comportamentos dos comerciantes.
Uma regra comum não pode revogar uma regra especial, salvo declaração do
legislador (7, nº3 CC)

Quanto à plenitude do seu sentido, as normas jurídicas distinguem-se em:


1. autónomas: expressam um sentido completo, isto é, possuem um conteúdo
independente do de outras normas jurídicas, ex. do artigo 130 do CC, que fixa
os efeitos da maioridade
2. não autónomas ou remissivas: não têm um sentido completo e, para o
obterem, remetem para outra ou outras normas. Podendo a remissão fazer-se
de diferentes maneiras, importa distinguir as normas de:

a) remissão explícita: referem expressamente a norma ou normas para que


remetem. Pode ser:

I. modificativa: a norma não só remete para outra ou outras, mas


também modifica o seu alcance. A norma A remete para a norma B
e altera o seu conteúdo. A modificação pode ser:

1. restritiva – a norma jurídica para que a norma (remissiva)


remete é restringida. Sucede com a norma sobre a constituição
dos direitos de uso e habitação que remete para a norma sobre
a constituição do usufruto, mas afasta a aquisição por usucapião,
evitando uma repetição (1485, 1440 e 1293 CC)
2. ampliativa – a norma remete para outra e amplia o seu alcance.
É o caso da norma sobre a administração de coisa comum
(compropriedade) que remete para a norma que se ocupa da
administração da sociedade, mas favorece a constituição da
maioria dos comproprietários (1407 nº1 e 985 nº4)

II. não modificativa: a norma limita-se a remeter para outra que a


completa, sem modificar (restringir ou ampliar) o seu alcance. A
remissão pode ser:

1. intra-sistemática – a norma jurídica remete para outra norma do


mesmo sistema jurídico. Trata-se dum processo técnico-
legislativo frequente que não só evita repetições como assegura
um paralelismo e uma unidade de soluções. Sucede com a

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norma sobre a responsabilidade do mutuante que remete para a
que se ocupa da responsabilidade do comodante (1151 e 1134
CC)
2. Extra-sistemática – a norma jurídica remete para sistemas
jurídicos diferentes (estranhos ou estrangeiros). É o caso das
normas do Direito Internacional Privado que remetem para
outra ordem jurídica (14 e 65 CC)

b) Remissão implícita: a norma jurídica não remete expressamente para outra


norma, mas estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considera
igual ao facto ou situação disciplinada por outra norma para a qual,
portanto, implicitamente remete. São remissões implícitas as:

I. Ficções legais – o legislador determina que um determinado facto


ou situação é ou se considera como se fosse igual ao facto ou
situação prevista noutra lei. Por isso, assimilando ficticiamente o
facto x (já disciplinado), a nova norma jurídica vai permitir que outra
norma (que disciplina o facto y) também se aplique ao facto x.
Sucede com a norma jurídica que finge feita a interpelação do
devedor se a tiver impedido. (805 nº2, alínea c do CC)

II. Presunções legais – para afastar as dificuldades que, por vezes, a


prova dum facto ou situação a regular suscita, o legislador dispõe
que, provada a existência dum determinado facto, se considere
também provada a existência doutro. Na base das presunções está a
relação entre os dois factos (o que não se prova e o que se prova)
que, ensina a experiência, normalmente quando um ocorre também
o outro se verifica. Por isso, verificado e provado o facto x também
se tem por verificado o facto y. Assim sucede com a norma que
determina a presunção de paternidade: provado que A tem por mãe
B, presume-se que o seu pai é o marido de B. E ao pai (presumido)
aplicam-se as normas que estabelecem os efeitos da filiação,
nomeadamente as responsabilidades parentais (1826 e 1874 CC).
As presunções legais podem ser:
1. Absolutas (iuris et de iure) – não admitem prova em contrário.
Sucede com a presunção de que a posse adquirida por violência
é de má-fé (1260 nº3 CC)
2. Relativas (iuris tantum) – podem ser ilididas mediante prova em
contrário. Sucede com a presunção de paternidade (1826 e
seguintes do CC: O marido pode provar que não é o pai e destrói
a presunção)

Quanto à sanção que aplicam, as normas jurídicas classificam-se em:


• Leis mais que perfeitas, leges plus quam perfectae – determinam a invalidade
dos atos que as violem e aplicam, ainda, uma pena aos infratores. Sucede com
o casamento celebrado por quem já é casado (1601 alínea c). O infrator vai

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sofrer com a invalidade do casamento e com uma pena de prisão devido a
bigamia.
• Leis perfeitas, leges perfectae – só determinam a invalidade dos atos contrários
à norma. Esta lei destrói o ato transgressor. Sucede com a compra e venda e a
doação de bens imóveis sem escritura pública ou documento particular
autenticado (875 CC), a compra e venda é, nesse caso, nula.
• Leis menos do que perfeitas, leges minus quam perfectae – não estabelecem a
invalidade do ato contrário, mas determinam que não produzirá todos os seus
efeitos. Ou seja, aplica uma sanção a quem violou uma norma jurídica, mas
essa sanção é menor. É o caso do casamento dum menor, com mais de 16 anos
de idade, sem a autorização dos pais ou do tutor: o casamento é válido, mas o
menor não deixa de o ser quanto à administração de bens que leve para o casal
ou adquira posteriormente a título gratuito (1649 CC).
• Leis imperfeitas, leges imperfectae – norma jurídica cuja violação não é
sancionada. Essa norma é imperfeita: é o caso da violação de uma obrigação
natural (402 CC).

Sanção
Do latim sanctio – ação de sancionar e sancire – tornar algo inviolável.
Correntemente, fala-se de consequência negativa ou reação desfavorável da ordem
jurídica ao incumprimento duma norma jurídica. Trata-se da sanção dita negativa, que
se traduz na privação de um bem. Menos correntemente, refere-se como sanção uma
reação favorável ao cumprimento duma norma jurídica. É a sanção positiva ou premial,
que se traduz na atribuição de prémios ou recompensas.
A sanção nem sempre está presente nas normas jurídicas: as obrigações naturais,
porque não são judicialmente exigíveis, não a admitem. Podemos concluir que a
sanção não é essência da norma jurídica.

Classificação das sanções


As sanções classificam-se em:
1. Reconstitutivas – restabelecem a situação que existiria se a norma jurídica não
tivesse sido violada. A sanção reconstitutiva pode revestir os seguintes aspetos:
a) Reconstituição em espécie (ou in natura): repõe a situação anterior à
violação da norma. É a sanção que o direito privilegia. Temos o exemplo do
artigo 1341: se alguém plantar ou construir alguma coisa em terreno alheio
viola o direito de propriedade de alguém e tem a obrigação de desfazer a
obra e repor as coisas tal como estavam antes dele intervir.
b) Execução específica: aplica-se no Direito das Obrigações e traduz-se na
realização da prestação imposta pela norma ofendida. Sucede com a
entrega judicial de coisa determinada que o devedor se obrigou a entregar
ao credor (827 CC). Outros exemplos: A cedeu a B uma casa para aí viver o
B durante 1 ano sem pagar renda (contrato de comodato). Mas o
comodatário, passado 1 ano, recusa-se a restituir a casa ao comodante. O
comodante tem o direito a recuperar a casa e propõe uma ação onde o
comodatário é condenado a restituir-lhe a casa, obtida a condenação do
comodatário (827 do CC igualmente). A promete vender a B uma casa
dentro de 2 meses e não vende. O B (promitente comprador) propõe uma

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ação judicial e a sentença substitui a compra e venda e vai produzir os
efeitos dessa mesma.
c) Indemnização especifica: repõe a situação com um bem que, não sendo o
que foi danificado, permite desempenhar a mesma função. Será o caso de
alguém que é obrigado a restituir um objeto igual ao que destruiu (566 CC)

2. Compensatórias (ou ressarcitórias) – estabelecem uma situação que, embora


diferente, se considera valorativamente equivalente à situação que existia
antes da violação da norma jurídica. Tal situação obtém-se através da
indemnização dos danos causados a que o transgressor fica obrigado. A
indemnização pode cobrir os danos emergentes e também os lucros cessantes,
ou seja, a frustração de um ganho (564 CC). Tratando-se de danos não
patrimoniais ou pessoais, a “indemnização” tão-só permite compensar o lesado
e, por isso, é preferível falar de reparação ou de compensação da dor ou do
desgosto sofrido (496 CC)

3. Punitivas – aplicam um mal ao infrator como castigo da violação de uma norma


jurídica. Trata-se de punições particularmente graves que funcionam quando os
valores fundamentais da ordem jurídica são desrespeitados. Estas sanções, que
implicam a privação de um bem (a vida, a liberdade, bens patrimoniais) e a
reprovação da conduta do infrator, podem ser:
a) Criminais: são as mais graves, porque correspondem a violações que a
ordem jurídica considera criminosas. O seu campo privilegiado é o Direito
Penal.
b) Civis: são estabelecidas pelo direito civil em relação a condutas indignas.
Constitui exemplo a incapacidade sucessória por motivos de indignidade
(2034 CC)
c) Disciplinares: aplicam-se à infração de deveres de determinadas categorias
profissionais no exercício da respetiva atividade laboral. Sucede com a
repreensão, a suspensão e o despedimento.
d) Contraordenacionais: são geralmente dimanadas da administração pública
e punem, com coimas, certas condutas suscetíveis de lesarem interesses
fundamentais.

4. Preventivas – visam afastar futuras violações, cujo receio é justificado pela


prática dum determinado ato ilícito. A inibição do exercício da tutela a quem
praticou crimes que façam temer o seu mau exercício (1933 e 1948 CC)

5. Compulsórias – procuram que, embora tardiamente, o infrator adote a


conduta devida e que a violação não se prolongue; por isso, cessam logo que a
norma jurídica desrespeitada seja observada. Constitui exemplo o direito de
retenção que, quando uma divida se relaciona com um objeto, permite ao
credor a sua retenção até à satisfação integral do seu crédito (754 e 755 CC)

Especial referência merece a ineficácia jurídica, porque o seu carácter de sanção não é
pacificamente reconhecido. Estamos perante uma reação da ordem jurídica que
impede que os atos jurídicos desconformes com a lei produzam todos ou alguns

Santos Justo
efeitos jurídicos que, em condições normais, produziriam. A ineficácia jurídica
comporta as seguintes modalidades:
1. Inexistência jurídica – ocorre quando nem sequer aparentemente se verifica
uma qualquer materialidade (um corpus) de certo ato jurídico. Trata-se de
casos muito graves em que para o direito nada há e, por isso, nenhum efeito
jurídico pode produzir-se. Sucede com o casamento celebrado sem a
declaração da vontade de um ou ambos os nubentes

2. Invalidade – verifica-se quando um ato, que existe materialmente, sofre dum


vicio que justifica a não produção de efeitos jurídicos; por isso, deverá ser
restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se não for possível a restituição
em espécie, o valor correspondente. Compreende 2 modalidades:

a) Nulidade: ocorre quando a violação da norma jurídica ofende um interesse


público (a compra e venda de imóveis sem escritura pública); por isso, não
carece de ser invocada por quaisquer interessados e pode ser declarada por
conhecimento oficioso do juiz se tiver elementos que certifiquem a sua
existência; pode ser invocada por qualquer pessoa que tenha interesse na
não produção dos efeitos jurídicos; não é curável com o tempo pois está
acima da vontade das partes.
b) Anulabilidade: faz referência a um regime jurídico menos gravoso. Verifica-
se quando a violação da norma jurídica ofende um interesse particular; por
isso, é necessário que seja invocada pela pessoa ou pessoas a favor de
quem foi estabelecida e o juiz não a pode declarar ex officio; é remediável
pelo decurso do tempo e por confirmação dos interessados.

3. Ineficácia em sentido restrito – ocorre quando o ato que transgrediu a lei não
produz todos (270 CC) ou parte dos seus efeitos jurídicos (1649 CC)

Proposições jurídicas incompletas


São incompletas porque não chegam a ser normas: não nos impõem nenhum dever
ser. Tão-só constituem elementos que integram as hipóteses de normas jurídicas ou
definem os conceitos normativos aí utilizados.
São proposições jurídicas incompletas as:
• Definições legais: funcionam como elementos orientadores, todavia não
decisivos. É o regime jurídico do instituto que vincula e não a sua definição; por
isso, se esta o contrariar nalgum aspeto, prevalece o regime jurídico. São
exemplos as definições de coisa (202 CC) ou ainda de testamento (2179 CC)
• Classificações legais: arrumam a matéria legal e contribuem para esclarecer as
referências que as normas jurídicas comportam. São exemplos as classificações
das coisas (203 CC) ou ainda dos testamentos (2204 CC)
• Regras meramente qualificativas: qualificam ou precisam os elementos-base
que a ordem jurídica utiliza. Sucede com as regras sobre a personalidade a
capacidade jurídicas.
Afastada a escravatura, a personalidade jurídica adquire-se no momento do
nascimento. Ela acompanha-nos desde que nascemos até à morte. A

Santos Justo
suscetibilidade de sermos sujeitos de direitos e obrigações é definida por
personalidade jurídica.

Tema 7 – Tutela pública


A tutela pública é a função que o Estado desempenha para tornar efetivas as normas
jurídicas através dum aparelho cuja estrutura não é inteiramente homogénea: os
mecanismos de proteção são os tribunais e a administração pública. Traduz, portanto,
uma garantia dos direitos subjetivos, conferindo-lhes uma consistência prática.
Constitui a situação normal dos nossos dias, mas é fruto duma longa evolução que
assinala a passagem gradual da utilização da força bruta para o da força juridicamente
disciplinada.
Quando é que ela surgiu? Com o Estado. Mas quando ainda não havia tribunais,
administração pública e polícia quem é que exercia essa função? Os nossos
antepassados. As ofensas intrafamiliares eram punidas pelo chefe que dispunha de
amplos poderes. Mas se o infrator pertencesse a outra família, a reação envolveria
grupos diferentes, assistindo-se à vingança privada (vindicta privata) que normalmente
envolve uma dupla injustiça: a impunidade, quando a vítima ou o seu grupo carecem
de força para reagir; e a reação excessiva, desproporcional, quando não lhe falta.
Contra os excessos da vingança privada reagiu a famosa Lei de Talião (olho por olho,
dente por dente). Mas o grande combate coube aos monarcas, quer reconhecendo e
promovendo a paz, as tréguas e o direito de asilo, quer desenvolvendo um aparelho
judicial próprio (instituições judiciárias) e a justiça foi-se impondo.

A tutela pública comporta várias modalidades:


• Preventiva – previne, ou seja, funciona antes da violação do direito e procura
evitá-la. Esta modalidade de tutela pública é constituída:
a) pela autoridade policial
b) pelas sanções jurídicas negativas – olhando para a sanção do outro,
abstemo-nos de praticar aquela ação
c) pelas medidas de segurança – internamento de delinquentes possivelmente
perigosos
d) pela inabilitação do autor dum determinado delito exercer certa atividade
ou profissão – cassação da carta de condução por crime na condução
e) etc.
• Repressiva – funciona depois de consumada a violação do direito e consiste na
reação traduzida na aplicação duma sanção, ou seja, de determinados efeitos
jurídicos desfavoráveis ao infrator. Relaciona-se, portanto, com a
coercibilidade: “a suscetibilidade de aplicação coativa final de sanções com
expressão física, se as regras forem violadas”.
A coercibilidade não constitui a essência das normas jurídicas: a sua
juridicidade não resulta de coercibilidade; esta é que deriva daquela e, por isso,
só será legítima se a norma jurídica o for: se estiver de acordo com a ideia de
direito. Porém, o direito ou é vigente ou não é direito e a sua vigência depende,
em boa parte, da coercibilidade. Assim, importa ver na coercibilidade um
instrumento da eficácia do direito que requer um poder social organizado (o
poder do Estado) dotado de força necessária que o direito legitima.

Santos Justo
O aparelho estatal
• Os tribunais

Função e princípios estruturantes


A tutela pública realiza-se principalmente através da intervenção dos tribunais; por
isso, fala-se de tutela ou garantia judiciária.
Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo (202 nº1 CRP). Pertence-lhes, portanto, o exercício da função
jurisdicional do Estado que se traduz na aplicação da Constituição e das outras normas
jurídicas, para dirimirem os conflitos entre interesses privados e entre interesses
privados e públicos.
Para o desempenho desta função, os tribunais estruturam-se segundo os seguintes
princípios:
1. Independência – os juízes só obedecem à lei; por isso, não estão sujeitos a
ordens, instruções ou diretivas de qualquer autoridade. A independência é
garantida pelos princípios da irresponsabilidade dos juízes pelos seus
julgamentos e decisões e da inamovibilidade; e é ainda reforçada por certas
incompatibilidades e pelo “autogoverno” da magistratura judicial.
2. Imparcialidade – os juízes julgam de forma livre e descomprometida dos
interesses dos litigantes. A sua neutralidade é garantida pela proibição de
servirem em comarca onde desempenharam funções de Ministério Público nos
últimos 3 anos; e de exercerem funções em tribunais em que sirvam
magistrados ou funcionários de justiça a que estejam ligados por casamento,
união de facto, parentesco ou afinidade em qualquer grau. Em consequência, o
juiz pode declarar-se impedido e pedir dispensa de intervir na causa quando
entenda que pode suspeitar-se da sua imparcialidade
3. Passividade – os juízes não podem resolver o conflito de interesses que a ação
pressupõe sem que uma das partes tenha pedido e a outra sido devidamente
chamada a deduzir oposição. O juiz pode assistir à prática de um crime, mas
não pode tomar a iniciativa de o julgar, é necessário que o processo seja
iniciado.

Organização judicial
É uma estrutura constituída por vários tribunais. Além do Tribunal Constitucional e de
Contas, existem fundamentalmente duas categorias de tribunais estaduais: os
tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
Os tribunais judiciais escalonam-se numa estrutura hierárquica, que funciona com vista
à interposição de recursos dos tribunais inferiores para os superiores. Assim, seguindo
a ordem crescente, temos:
1. Tribunais de primeira instância ou de comarca, em todos os concelhos. Se
houver recurso duma decisão tomada por esse tribunal, é reencaminhado para
um tribunal superior de segunda instância.
2. Tribunais de segunda instância, que se denominam tribunais de Relações. Estes
vão avaliar e julgar as decisões. Se houver ainda recurso, é reencaminhado para
o tribunal superior a todos ou outros.
3. Supremo Tribunal de Justiça, é único.

Santos Justo
Para se recorrer, é preciso que se cumpra a alçada do tribunal: se o valor do
processo do tribunal de comarca for inferior a 5 000 euros, não há recurso para
o tribunal de relação. Se o valor do processo do tribunal de relação for inferior
a 30 000 euros, também não se pode recorrer para o tribunal supremo de
Justiça.

Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de


relações jurídicas administrativas e fiscais. Seguindo a mesma ordem, existem os
seguintes tribunais administrativos e fiscais:
• De círculo e tributários – são chamados tribunais regionais, pois têm as suas
sedes em várias regiões do país
• Centrais administrativos – em Lisboa e no Porto. Julgam os recursos de
tribunais de círculo e de tribunais tributários
• Supremo tribunal administrativo – é o órgão superior da hierarquia dos
tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, tem sede em Lisboa e jurisdição
em todo o território nacional. Julga recursos dos tribunais centrais
administrativos.

• A Administração Pública
A tutela administrativa é contra a própria administração, ou seja, os próprios atos
administrativos, as decisões da administração pública; ao abrigo da lei que resolve um
problema concreto.

Garantias administrativas
As garantias graciosas resultam da institucionalização, no seio da Administração
Pública, de mecanismos que controlam a sua atividade; por isso, tornam-se efetivas
através da atuação dos seus órgãos. Distribuem-se por 3 grandes grupos:
1. Garantias petitórias – visam prevenir a lesão de direitos ou interesses
legalmente protegidos dos cidadãos e não pressupõem, em regra, um ato
administrativo. Compreendem:
a) o direito de petição: é a faculdade que cada um de nós tem reconhecida
pela ordem jurídica de pedir à administração pública de fazer algo que não
fez, ou seja, que tome determinadas decisões
b) o direito de representação: é a faculdade de fazer uma exposição,
manifestando uma opinião contrária à dum órgão da Administração Pública
ou chamando a atenção duma autoridade administrativa para certa
situação ou ato, com vista à sua revisão ou à ponderação das suas
consequências
c) o direito de queixa: é a faculdade de denunciar qualquer
inconstitucionalidade ou ilegalidade, bem como o funcionamento anómalo
de qualquer serviço, a fim de que sejam adotadas medidas contra os
responsáveis, por ex. um processo disciplinar contra um funcionário público
d) o direito de oposição administrativa: é a faculdade reconhecida às pessoas,
cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados por
atos a praticar num procedimento administrativo, de nele intervirem,

Santos Justo
contestando quer os pedidos dirigidos à Administração quer os projetos
que esta divulgue ao público (pedir para ponderar, alterar, anular)

2. Garantias impugnatórias – são os meios que os particulares podem utilizar para


atacar um ato administrativo perante os órgãos da Administração Pública; é
impugnar aquilo que já está feito. São:
a) a reclamação: é o pedido de reapreciação do ato administrativo (lesivo dos
nossos interesses) dirigido ao seu autor. Tem carácter necessário ou
facultativo e pode fundamentar-se quer na ilegalidade quer na
inconveniência desse ato
b) o recurso hierárquico: dirige-se ao superior hierárquico do órgão que
praticou o ato administrativo para que o revogue ou modifique.
Fundamenta-se na sua ilegalidade ou inconveniência e pode revestir as
seguintes modalidades:
• Necessário – é indispensável para que se possa impugnar
jurisdicionalmente; sem a confirmação desse ato não podemos
recorrer ao tribunal
• Facultativo – é apenas uma tentativa de resolver o problema fora
dos tribunais. Podemos passar pelo hierárquico do autor do ato e se
ele o destruir, não temos necessidade de recorrer ao tribunal
c) o recurso hierárquico impróprio: permite impugnar um ato administrativo
perante um órgão da mesma pessoa coletiva que, não sendo superior,
exerce poderes de supervisão sobre o órgão que o praticou
d) o recurso tutelar: é o meio de impugnar um ato administrativo praticado
por um órgão duma pessoa coletiva pública perante um órgão de outra
pessoa coletiva de direito público que sobre aquele exerça poderes de
tutela ou de superintendência (quando a lei permite recorrer para o
Governo de certas deliberações das câmaras municipais.

3. Queixa ao Provedor de justiça – pode incidir sobre ações ou omissões dos


poderes públicos, para que sejam supridas as deficiências das tradicionais
garantias de proteção dos cidadãos perante a Administração Pública.
O Provedor de justiça é um órgão que não tem poder decisório, mas aconselha,
exerce a sua influência. É eleito pela maioria qualificada (2/3) dos deputados da
assembleia da república.

Tutela jurisdicional
A CRP garante aos cidadãos, perante a AP, uma “tutela jurisdicional efetiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos”, nomeadamente para obterem o
reconhecimento desses direitos ou interesses e para impugnarem os atos
administrativos que os lesem. Essa tutela é efetivada, em regra, através dos tribunais
administrativos.
• Tutela não graciosa, contenciosa ou jurisdicional: impugnamos um ato
administrativo e não se resolve ® recorremos ao tribunal para que condene a
administração pública a realizar aquilo que não fez.

Santos Justo
Ministério Público
O MP é um órgão constitucional da administração da justiça. Goza de autonomia em
relação aso demais órgãos do poder central, regional e local, mas não é um órgão de
soberania nem se confunde com os órgãos do poder judicial porque não tem
competência para praticar atos materialmente jurisdicionais. No âmbito da justiça
administrativa, goza de vastos poderes processuais.
Dispõe de estatuto próprio e é constituído por um corpo de magistrados, responsáveis
e hierarquicamente subordinados. Na base o procurador da república (nos tribunais),
acima os procuradores-gerais adjuntos (nos distritos), depois o vice-procurador geral
da república e acima o procurador-geral da república. A sua gestão e o exercício da
ação disciplinar pertencem à Procuradoria-Geral da República.

Funções do MP
1. Representa o Estado
2. Exerce a ação penal – o MP é quem leva um crime ao juiz através dum
processo, é quem cuida dos processos penais para depois os submeter ao juiz.
Tem conhecimento do crime e inicia o processo por sua própria iniciativa.
Um crime público é, por exemplo, um homicídio.
No caso duma difamação, o MP pode ter conhecimento dela, mas se não
houver queixa da vítima difamada ele não atua – crime semipúblico
Se fizerem queixa e acusarem um advogado por ofensa à integridade física, é
um crime particular.

Jurisdição e Administração
Como os órgãos da AP também aplicam o direito, é necessário distinguir a Jurisdição
da Administração.
A Jurisdição traduz-se na apreciação e decisão duma situação jurídica concreta a cargo
de órgãos do Estado independentes e imparciais, nos termos dum processo organizado
e disciplinado pela lei. Pelo contrário, a Administração é desempenhada por órgãos
que são parte nas suas decisões.
Por outro lado, a decisão ou sentença é proferida sob um ponto de vista
exclusivamente jurídico, enquanto à Administração cumpre implementar as diretivas
políticas do Governo.

Tema 8 – Tutela privada


É a defesa de direitos realizada pelos particulares – autotutela; justiça ou coação
privada. Há situações em que a autotutela não pode ser afastada, quando não há
hipóteses da autoridade pública intervir a tempo. Esta comporta várias figuras
jurídicas:
• Direito de resistência – é a faculdade de resistir a qualquer ordem que ofenda
os nossos direitos, liberdades e garantias e de afastar pela força qualquer
agressão se não for possível recorrer à autoridade pública. 21 CRP

• Ação direta – é o recurso à força para evitar a inutilização prática dum direito,
no caso de ser impossível recorrer aos meios coercivos normais (ex. tribunal).
Pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração duma coisa. O

Santos Justo
agente não pode, todavia, exceder o necessário para evitar o prejuízo nem
sacrificar interesses superiores aos que visa realizar (ex. a vida). 336 do CC

• Legítima defesa – é o ato que afasta uma agressão atual ou iminente ilícita
contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, quando não for
possível recorrer à autoridade pública e o prejuízo causado não exceder
manifestamente o que puder resultar da agressão (337 CC).
Ela depende, portanto, dos seguintes pressupostos:
a) Uma agressão ilegal e atual ou iminente
b) Contra a pessoa ou património de quem reage ou de terceiro
c) Impossibilidade de recurso à autoridade pública
d) Racionalidade dos meios de defesa, ou seja, proporcionalidade entre esta e
a violência sofrida. No entanto, se o excesso de legítima defesa for devido a
perturbação ou medo não culposo do agente, o ato considera-se
igualmente justificado. 337 nº2 CC

• Estado de necessidade – é a situação em que alguém se encontra, que justifica


a licitude da ação de destruir ou danificar uma coisa alheia para remover o
perigo atual ou iminente de um dano manifestamente superior quer do agente
quer de terceiro. O autor do dano é, no entanto, obrigado a indemnizar o
lesado pelo prejuízo sofrido se o perigo for provocado por sua culpa. Temos
como exemplo um incêndio. Para o apagar, é preciso invadir o prédio alheio e
destruir tudo o que estiver na passagem, para evitar um dano manifestamente
superior (talvez a morte de várias pessoas ou a destruição completa de uma
zona).
Portanto, os seus pressupostos são:
a) A existência de um perigo atual ou iminente para um bem jurídico próprio
ou alheio
b) A impossibilidade de afastar o perigo sem danificar uma coisa alheia
c) A não atuação voluntária do agente na produção do perigo
d) A proporcionalidade entre a coisa sacrificada e o bem jurídico que é salvo
do perigo

• Direito de retenção – é a faculdade que o credor goza de reter uma coisa do


devedor para o coagir a cumprir a sua obrigação (754 e 755 CC). Temos como
exemplo um relojoeiro que retém um relógio enquanto o dono não lhe pagar o
preço do conserto.

Tema 9 – fontes do direito


Naturalmente, o que é uma fonte? É o local onde a água surge e se permite colher com
maior ou menor facilidade. A expressão “fontes do direito” é, portanto, num sentido
metafórico, introduzida na vida jurídica por Cícero, um jurisconsulto romano.
O problema das fontes do direito traduz-se em saber de que modo se constitui e
manifesta o direito positivo. Temos 3 modalidades das fontes de direito:

Santos Justo
1. Fontes de produção, exsistendi – órgãos que produzem o direito, ex.
parlamento, governo, assembleia legislativa da Madeira e dos Açores,
autarquias locais...
2. Fontes de juridicidade, manifestandi – são os modos de formação ou produção
das normas jurídicas e manifestam-se pelas leis, decretos-leis, etc.
3. Fontes de conhecimento, cognoscendi – são os textos onde se encontram as
normas jurídicas, são os textos que lemos para conhecermos o direito. O mais
importante é a CRP e de seguida o CC.

Terá legitimidade uma lei dizer quais são as fontes do direito se a própria lei é uma
dessas fontes? Não, só quem não é fonte é que pode dizer quais são as fontes: é o caso
da consciência ético-jurídica do povo.

Classificação das fontes do direito


Com base no nosso código civil, as fontes do direito classificam-se em:
1. Imediatas – são as leis e as normas corporativas. As leis são as “disposições
genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes”. As normas
corporativas são as “regras ditadas pelos organismos representativos das
diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais”
2. Mediatas – a sua força vinculativa resulta da lei. São os usos e a equidade.

Distinguem-se ainda em:


1. Voluntárias – explicitam uma vontade dirigida especificamente à criação duma
norma jurídica. São fontes voluntárias a lei, a jurisprudência e a doutrina.
2. Não voluntárias – não traduzem essa vontade. São fontes não voluntárias o
costume e os princípios fundamentais do direito.

Fontes voluntárias
A lei
É o conjunto de princípios que regem todos os seres. Limitando-nos ao campo do
direito, importa distinguir várias aceções: a lei como sinónimo do direito; a lei como
um dos modos de formação das normas jurídicas; e a lei como diploma emanado da
AR por oposição aos decretos-leis do Governo.
Enquanto fonte do direito, a lei é frequentemente definida como “toda a norma
escrita proveniente dos órgãos estaduais competentes”. Porém, não devemos
confundir as normas jurídicas com os textos legais: nem toda a lei contém direito, pois
o fim da lei é ordenar a vida em sociedade e não especificamente a criação do direito.
Distinguem-se dois sentidos:
1. A lei formal – é um diploma emanado do órgão legislativo; documento escrito.
Um exemplo de lei puramente formal é aquela que atribui a competência do
parlamento ao governo para legislar sob determinada matéria.
2. A lei material – aqui é o conteúdo que está em causa. É um diploma com
sentido normativo, que impõe um dever ser.
Um exemplo de lei puramente material é a do aumento das rendas; não
respeita a forma, mas também conteúdo.

Santos Justo
Classificação das leis
Atendendo à solenidade, as leis podem classificar-se em:
a) Solenes
1. Leis constitucionais
2. Leis ordinárias: leis e decretos-leis
3. Decretos legislativos regionais
b) Não solenes
1. leis emanadas dos órgãos centrais do Estado
2. leis elaboradas pelos órgãos locais do Estado
3. leis das regiões autónomas
4. leis das autarquias
O nosso código civil exclui os diplomas das autarquias locais das fontes do direito. Não
sendo órgãos do Estado nem entidades corporativas, os seus diplomas não são leis
nem normas corporativas: não são, portanto, fontes do direito.
Todas as leis não solenes não podem contrariar as que são solenes.

Hierarquia das leis


A organização do sistema jurídico, a necessidade de algumas leis se ocuparem dos
aspetos gerais e outras dos pormenores (regulamentos) e a possibilidade de surgirem
conflitos entre as leis justificam que estas sejam dispostas num sistema piramidal
hierarquizado, elaborado por Kelsen. Seguindo a ordem de importância decrescente,
temos:
1. as leis constitucionais – fixam os grandes princípios da organização política e
da ordem jurídica e os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.
Constituem as leis fundamentais do Estado; as restantes leis devem-lhes
obediência, sob pena de incorrem no vício de inconstitucionalidade. Há leis
constitucionais mais importantes que outras:
a) Leis constitucionais editadas pelo legislador constituinte originário (poder
constituinte)
b) Leis constitucionais emanadas do poder constituinte de revisão (poder de
revisão)
c) Leis constitucionais mediatas – são as normas e os princípios de Direito
Internacional geral e convencional e as normas emanadas dos órgãos
competentes das organizações internacionais de que Portugal faz parte

2. as leis ordinárias:
a) as leis e os decretos-leis – estabelecem, em regra, as normas, princípios e
institutos para a resolução dos problemas. Têm igual valor.
b) os decretos legislativos regionais – têm âmbito regional e versam sobre
matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respetiva região
autónoma (Madeira e Açores) que não estejam reservadas aos órgãos de
soberania

3. os regulamentos – possibilitam a aplicação ou execução das leis e decretos-leis


quer pormenorizando as suas normas quer formulando normas
complementares e instrumentais. Derivam do poder regulamentar que só em

Santos Justo
sentido amplo se considera legislativo e não devem violar o disposto numa lei
ou decreto-lei sob pena de ilegalidade.
Seguindo a ordem hierárquica decrescente, são regulamentos:
1. o decreto regulamentar do governo – ajudam a detalhar as leis sem
contradizê-las, já que apenas regulamentam ou executam o que foi ditado
por leis ordinárias ou constitucionais)
2. a resolução do Conselho de Ministros – ato legislativo de efeito interno e
conteúdo concreto. Pode ser de carácter político, processual, legislativo ou
administrativo
3. a portaria – ato administrativo ordinário, ou seja, ato que tem como
finalidade disciplinar o funcionamento da AP ou a conduta dos seus agentes
4. o despacho normativo – regulamento administrativo aprovado por membro
do Governo

Resolução de conflitos
Pode suceder que das leis se retirem normas jurídicas conflituantes: se existirem várias
soluções para o mesmo problema, teremos de escolher uma. Neste caso, importará
recorrer aos critérios da:
1. superioridade: aplica-se a lei superior a uma lei inferior
2. posteridade: aplica-se a lei mais recente; tem a presunção de que é mais
perfeita
3. especialidade: aplica-se a lei especial que prevalece sobre a lei geral, exceto se
outra for a intenção inequívoca do legislador
Todavia, podem surgir conflitos que estes critérios não permitam resolver. Nesse caso,
não se aplica critério nenhum e estamos perante uma lacuna de colisão: o juiz é que
vai criar a norma para o caso concreto, ou seja, é uma aplicação da lei no tempo.

Desvalores do ato legislativo


O ato legislativo deve obedecer a requisitos exigidos pela CRP, sob pena de aquela
padecer de inconstitucionalidade. Consequentemente, a lei passa por vários
momentos: discussão, elaboração, aprovação, promulgação pelo PR, publicação no
Diário da República e entrada em vigor. Portanto, uma lei pode ser:
a) inexistente – a violação da Constituição é tão grave que se recusa existência à
lei; por isso, não produz quaisquer efeitos. Sucede com a lei não promulgada
pelo PR (137 CRP) ou não referendada pelo governo (140, nrs. 1 e 2 CRP)
b) nula – a violação da CRP não afeta a existência da lei, mas justifica a sua
nulidade. A lei não produz efeitos desde o início e qualquer pessoa a pode
invocar sem limites de correntes dum prazo
c) ineficaz – a lei sofre dum vício que a impede de produzir os seus efeitos. Sucede
com a sua não publicação no Diário da República (119 nr.2 CRP)

Aspeto dinâmico da lei


Publicação
Para concluir o processo legislativo, a lei deve ser publicada porque, para poder
orientar as nossas condutas, é necessário que seja conhecida. A CRP determina os atos
que devem ser publicados no DR; e quanto aos demais, remete para a lei (ordinária)

Santos Justo
que fixará as formas de publicidade e as consequências da sua falta. Entretanto, o CC
estabelece que “a lei só se torna obrigatória depois de publicada do DR”.
Porém, porque nem todas as leis são publicadas no jornal oficial e sendo irrecusável a
sua obrigatoriedade a partir da publicação nos termos legalmente estabelecidos,
importa interpretar restritivamente aquela disposição do CC.

Vacatio legis
A vacatio legis é o tempo que decorre entre a publicação e a entrada em vigor da lei,
considerado necessário para que a lei possa ser conhecida e interpretada, pois há leis
mais complexas que outras. Se o legislador não fixar a vacatio legis, são 5 dias no
continente e 8 nas autarquias locais.

Retificações
Pode suceder que o texto publicado do DR divirja do texto real. Importa, por isso, fazer
as necessárias retificações:
1. as retificações de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza
análoga ou para correção de erros materiais provenientes de divergências
entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1ª série do
DR devem ser publicadas na mesma série do DR que publicou a lei retificada
2. devem provir do órgão que aprovou o texto original
3. só serão admitidas até 60 dias após a publicação do texto retificado
4. reportam os seus efeitos à data da entrada em vigor do texto retificado

Cessação da vigência da lei


Segundo o nosso CC, a vigência duma lei pode cessar por:
• Caducidade – a lei deixa de vigorar no prazo cumprido
• Revogação – a lei cessa a sua vigência por efeito dum alei posterior de valor
hierárquico igual ou superior. Pode ser:
a) Expressa: a nova lei declara que revoga a lei anterior
b) Tácita: resulta duma incompatibilidade entre as leis nova (revogatória) e
antiga (revogada); disciplina a mesma matéria, mas de forma diferente
c) Global: a lei nova regula completamente um instituto jurídico ou um ramo
do direito e, por isso, ficam revogados os respetivos preceitos da lei
anterior
d) Individualizada: a lei nova revoga especificadamente a lei anterior ou uma
ou algumas das suas normas
e) Total: a lei anterior cessa totalmente a sua vigência. Também se denomina
ab-rogação
f) Parcial: só uma parte da lei deixa de vigorar. Fala-se também de derrogação
Ainda quanto à revogação, temos a repristinação, que é a reentrada em vigor
duma lei que anteriormente tenha sido revogada por outra, por efeito da
revogação desta última. Ou seja, se a lei 2 revogou a lei 1, mas a lei 2 é
inconstitucional, a lei 1 recupera a sua vigência.
Com a cessação da vigência duma lei não devemos confundir a suspensão: a lei
mantém-se em vigor e só os seus efeitos se suspendem.

Santos Justo
As normas corporativas
O que é uma norma corporativa? São leis não desempenhadas por corporações pois
hoje não existem, mas por entidades competentes que desempenham de algum modo
uma atividade muito próxima da das corporações antigamente.
Tais normas constituem leis em sentido material. Disciplinam determinados setores da
vida social, são ditadas por entidades competentes e devem obedecer às formas
estabelecidas para a criação normativa.
O nosso código civil continua a considerar as normas corporativas fontes imediatas do
direito (1 nº1 e 2 CC), mas há quem entenda que essas normas estão revogadas pela
constituição: o regime corporativo sendo abolido, essas normas estão revogadas (1
nº2 CC)
Cessar a vigência de uma lei é fazer interpretação ab-rogatória.

Jurisprudência
No direito romano, eram as decisões dos jurisconsultos, os cientistas do direito.
Entende-se hoje por jurisprudência o conjunto das decisões em que se exprime a
orientação constante seguida pelos tribunais (sobretudo superiores) ao julgarem os
casos concretos que lhes são submetidos. A orientação constante corresponde ao
facto de uma decisão tomada hoje por um juiz ficar para se aplicar aos casos do
mesmo género futuramente.
São fontes do direito português? Não são, pois não estão previstas em lado nenhum
como fonte do direito português. Apesar de ser uma orientação constante, um tribunal
pode afastar-se dessa orientação e dar outra sentença, porque não é fonte de direito.
A jurisprudência só é fonte de direito quando os tribunais constitucionais declaram a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade duma lei ou duma norma.

Doutrina
A doutrina são as opiniões dos jurisconsultos acerca duma questão de direito, expostas
em tratados, manuais, livros, artigos, etc. É o pensamento jurídico, é a ciência jurídica
– a dogmática.
No direito romano a doutrina foi durante muito tempo a grande fonte do direito.
Constituem exemplos os contratos: a criação destes foi feita pelos jurisconsultos
romanos.
O nosso código civil não consagra o pensamento jurídico dos jurisconsultos como fonte
do direito, mas isso não impede que o seja, pois o que não faltam são normas que
provenham do pensamento jurídico dos jurisconsultos antigos, ainda que não dito
expressamente. A doutrina não é uma fonte formal, mas sim
material.

Fim da matéria até ao segundo teste

Santos Justo
Fontes não voluntárias
As fontes não voluntárias não manifestam a vontade específica, como vimos nas fontes
voluntárias.
a) Costume
O costume tem sido definido como uma prática social constante observada com o
sentimento ou convicção de que é juridicamente obrigatória. Trata-se duma fonte
anónima do direito, cujas normas têm a sua eficácia automaticamente assegurada.
A doutrina romano-canónica vê no costume dois elementos fundamentais:
1. Corpus (elemento material ou objetivo) – é uma prática social reiterada.
Também se denomina uso
2. Animus (elemento espiritual ou subjetivo) – é a consciência, a convicção ou
reconhecimento, pelos membros do grupo social, de que aquela prática é
juridicamente obrigatória

Importância. Perspetiva histórica


A importância do costume como fonte do direito varia ao longo da história. Nas
sociedades primitivas, constituiu a única fonte; depois, quando a lei surgiu, coexistiram
durante muito tempo; e finalmente, o legislador não resistiu à tentação de o limitar e
recusar.
No primeiro século da nossa independência, o costume é fonte por excelência do
Direito Português; depois o costume cedeu primazia à lei. O código civil de 1867
concluiu esta marcha, afastando o costume como fonte do direito; e o atual não se
afastou desta orientação: o costume não é considera fonte do direito.

Fundamento da obrigatoriedade
O costume é vinculativo porquê? A doutrina tradicional, que procura fundamentar a
obrigatoriedade do costume, dispersa-se por várias teorias. Destacamos as que
consideram o costume:
• Produto da vontade do legislador – o costume e a lei derivam da voluntas
legislatoris; tão-só diferem na forma como se manifesta: expressa, na lei; tácita,
no costume
• Expressão direta da consciência do povo e, portanto, a fonte genuína do
direito. É o entendimento da Escola Histórica de Savigny, para quem o direito é
uma criação espontânea do espírito do povo
• Autorização do Estado – em si e por si, o costume não é fons iuris, porque a sua
juridicidade é atribuída pelo Estado através da lei

Relação costume-lei
Embora a lei seja atualmente a fonte do direito predominante, não está acima do
costume. Na sua relação com a lei, o costume pode ser:
1. Secundum legem – a norma que a interpretação retira do costume tem o
mesmo sentido da norma extraída da lei. Fala-se também de costume
confirmativo ou interpretativo
2. Praeter legem – a norma consuetudinária disciplina matérias que a lei não
previu. Fala-se também de costume integrativo
3. Contra legem – a norma jurídica, que o costume oferece, esta em oposição à
norma legal; assim como uma lei pode revogar um costume, também este pode

Santos Justo
fazer cessar a vigência duma lei anterior que lhe seja contrária. Diferente é o
desuso: uma prática (corpus) a que falta a convicção da sua obrigatoriedade
(animus); por isso, não extingue a lei

O costume no Direito Português


O nosso código civil não refere o costume no capítulo das fontes do direito e exclui
expressamente o costume contra legem: a vigência da lei cessa apenas por caducidade
e revogação. E também o costume praeter legem foi silenciado no processo previsto
para a integração das lacunas. Porém, não faltam regulamentos no código civil que
consagrem costumes, apenas não são expressamente apresentados. Temos o exemplo
do artigo 348 – o direito consuetudinário é um direito que faz referência aos costumes.
Temos também o artigo 1400, que trata da divisão de águas segundo os costumes.
O costume é, então, uma fonte do direito, porque se não fosse, o tribunal não o
aplicaria.

O uso
O uso é uma prática mais ou menos constante e reiterada, mas desacompanhada do
sentimento ou convicção da sua obrigatoriedade jurídica: há um corpus, mas falta o
animus para ser costume e, portanto, fonte autónoma do direito.
No entanto, o ordenamento jurídico não pode fechar os olhos a muitos usos sociais.

b) Princípios fundamentais e gerais do direito


Os princípios fundamentais do direito são, nas palavras de Baptista Machado,
“exigências feitas a todo e qualquer ordenamento jurídico” que pretenda “ser
coerente com a sua própria pretensão de legitimidade e validade”. São também
“princípios universais de direito, por imporem as suas exigências a todo e qualquer
ordenamento jurídico”. Estes podem ser:
• Fundamentais porque são a essência da juridicidade, sem eles não há direito,
ex. Constituição
• Gerais porque não têm um carácter de fundamentalidade, porque não são
absolutos, porque pode ser um princípio em vez de outro, ex. a ausência de
forma que designa a consensualidade nos contratos consensuais e a exigência
de forma nos contratos formais

Posição do Direito Português


O nosso direito positivo consagrou os princípios fundamentais do direito. Desde logo, a
Constituição da República acentua a dignidade humana, a soberania popular, a
igualdade perante a lei, etc.
Quanto ao código civil, afirma-se que “não há referência expressa”. Porém, o atual CC
não deixou de consagrar os princípios fundamentais do direito quer na interpretação
quer na integração das lacunas da lei.

Santos Justo
Técnica jurídica – A interpretação

A interpretação é a atividade intelectual que procura retirar de uma “fonte” do direito


o sentido normativo (a regra ou a norma jurídica) que permita resolver um caso
prático que reclama uma solução jurídica.
Porquê que é necessário fazer uma interpretação?
1. Porque é necessário para saber aplicar as normas jurídicas corretamente
2. Porque há expressões vagas e equivocas, e é preciso dar-lhes um sentido claro
3. Porque o legislador pode se enganar

Modalidades
Existem duas grandes modalidades de interpretação:
1. Autêntica – dimana duma “fonte” não hierarquicamente inferior à que se
interpreta. Ocorre através duma lei (dita interpretativa) que se integra na lei
interpretada. Trata-se da explicitação legislativa duma lei duvidosa, carecida de
esclarecimento, que tem a força vinculativa de lei.
2. Doutrinal – é a interpretação feita por qualquer pessoa. Compreende a
interpretação:
• Jurisdicional – feita pelo tribunal, que vai interpretar a lei e retirar a
norma jurídica para resolver o problema.
• Administrativa – a cargo da Administração Pública
• Particular – feita por qualquer pessoa não jurista (nós que somos
obrigados a conhecer a lei)
• Doutrinal propriamente dita – realizada por jurisconsultos e juristas.
A primeira só tem efeito vinculativo no processo em que tem lugar. A
segunda tem eficácia meramente interna na AP e, portanto, não vincula
os particulares. E a força das duas últimas baseia-se na autoridade
intrínseca (saber socialmente reconhecido) das razões invocadas. O
jurista fundamenta a decisão que toma com os seus conhecimentos.

Objetivo da interpretação
• Teoria subjetivista – defendida nomeadamente por Savigny
Segundo esta teoria, a interpretação jurídica visa apreender e reconstruir o
pensamento ou a vontade real do legislador que se exprime no texto da lei.
Na sua base está o entendimento do direito como um conjunto de imperativos ou
comandos-regras imputáveis a um poder que se titula e personaliza no legislador, que
os imporia por livre decisão. Ou seja, o legislador faz as leis, manifesta a sua vontade:
interpretar a lei é saber, é conhecer a vontade do legislador.
Podemos considerar, na teoria subjetivista, as seguintes orientações:
1. Em relação ao tempo ou momento em que o pensamento ou a vontade do
legislador releva, temos o subjetivismo:
a) Historicista – atende ao momento da feitura da lei
b) Atualista – preocupa-se em determinar qual seria a vontade do legislador
no momento em que a lei é interpretada
2. Quanto à relação do pensamento ou vontade do legislador com a letra da lei,
temos o subjetivismo:

Santos Justo
a) Moderado – a vontade do legislador deve refletir-se no texto da lei, ainda
que minimamente
b) Extremo – o pensamento ou a vontade do legislador é determinante
mesmo sem aquela base literal mínima, isto é, com indiferença total do
texto
As críticas enfraqueceram e prepararam a superação da teoria subjetivista.
Destacamos as principais: o Estado e o poder político são realidades institucionais e
não pessoais e, portanto, carecem de vontade psicológica; o legislador é um termo
cómodo que personifica entidades muito complexas e nem sempre é fácil ou mesmo
possível determinar a sua vontade; e reduzindo a interpretação jurídica à vontade do
legislador, atribui-se à lei um âmbito mais pobre e, por isso, amplia-se o recurso à
integração das lacunas.
Será que a lei é fruto da vontade exclusiva do legislador? O legislador é que faz a lei
certo, mas essa lei expressa a cultura de um povo, ou seja, a lei também é fruto da
vontade do povo.

• Teoria objetivista de Radbruch


Segundo esta teoria, após a sua elaboração a lei desliga-se da vontade do legislador e
assume um valor próprio: tem vida autónoma, uma “vontade”, um “sentido” não
psicológico, mas jurídico.
A teoria objetivista compreende, também, duas orientações:
1. Objetivismo historicista – procura apreender o sentido objetivo da lei no
momento da sua feitura
2. Objetivismo atualista – procura apreender o sentido objetivo da lei no
momento da sua interpretação
Esta teoria não é insuscetível de crítica. Referimos duas: a de que, embora esteja
limitado pelos possíveis significados linguísticos do texto e pelo sistema do direito em
que a lei se insere, o juiz goza duma apreciável margem de arbítrio que sacrifica a
certeza e a segurança do direito e é suscetível de atentar contra o dever de obediência
ao poder constituído; e a de que a expressão “vontade da lei” é uma personificação
injustificada da lei, pois só o Homem tem vontade.

• Teoria mista (ou de síntese)


Segundo a nova teoria, importa retirar o que existe de verdade nas teorias subjetivista
e objetivista: naquela, o entendimento de que a lei é feita por homens e para homens;
nesta, a ideia de que a lei vai além da intenção do legislador.
Com esta atitude, a teoria mista afirma a obediência ao poder legislativo que é um
imperativo constitucional nos Estados de direito; e propõe-se evitar o perigo de abuso
e desintegração em que incorre quem menospreza o significado voluntarista, político-
decisório que a legislação também tem em democracia.

Elementos da interpretação
A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios,
que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em
que a lei se expressa (elemento literal); os outros constituem os elementos
correntemente denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
• Elemento literal – são as palavras em que a lei se exprime; é a letra da lei.

Santos Justo
Constitui o ponto de partida da interpretação jurídica e desempenha duas
funções:
1. Negativa (ou de exclusão) – afasta a interpretação que não tenha uma base
de apoio mínimo na letra da lei. É a teoria da alusão
2. Positiva (ou de seleção) – privilegia sucessivamente, de entre os vários
significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral
da linguagem

• Elementos lógicos

I. Elemento histórico

Este elemento atende à génese da lei e é constituído por:


a) Trabalhos preparatórios – são os anteprojetos, projetos, atas que registam
as discussões nas comissões e nas sessões parlamentares
b) Precedentes normativos – são as normas, nacionais e estrangeiras, que
vigoraram no passado ou na época da formulação da lei e a influenciaram
c) Occasio legis – é o circunstancialismo jurídico-social que rodeou a feitura da
lei, que o intérprete não deve desconsiderar

II. Elemento sistemático

Na base deste elemento está a ideia de que a ordem jurídica tem unidade e
coerência jurídico-sistemática, pelo que a compreensão duma norma postula a
cognição das normas afins ou paralelas.
Com efeito, as normas jurídicas relacionam-se por:
a) Subordinação – é a relação entre uma norma e os princípios gerais do
sistema jurídico, cujo conhecimento auxilia o seu esclarecimento
b) Conexão – é a relação entre normas contíguas que formam o contexto da
norma
c) Analogia – é a relação entre preceitos semelhantes que integram outros
institutos. As normas não contíguas chamam-se “lugares paralelos”
Este relacionamento determina que, na interpretação duma fonte, tenhamos
presente que a norma jurídica a retirar não está isolada. Temos o exemplo do
contrato de comodato, que é constituído por várias normas. Não o podemos
conhecer sem conhecer todas as normas relacionadas com ele.

III. Elemento racional (ou teleológico)

Este elemento constitui a ratio legis, ou seja, a razão-de-ser, o fim ou objetivo


prático que a lei se propõe a atingir. A ratio legis revela a valoração ou
ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina, e a sua
importância é fundamental.

Resultados da interpretação
Cotejando a letra com o “espírito” da lei é possível realizar as seguintes espécies de
interpretação da lei:

Santos Justo
• Interpretação declarativa – é a interpretação em que o sentido ou “espírito” da
lei coincide perfeitamente com o significado das suas palavras. Será lata ou
restrita se o sentido literal fixado for o mais amplo ou restrito (ex.: a palavra
homem pode significar ser humano masculino – sentido restrito; e ser humano
independentemente do sexo – sentido lato)

• Interpretação extensiva – verifica-se quando o intérprete, observando uma


desarmonia entre o significado literal e o espírito da lei, corrige aquele para,
deste modo, obedecer à vontade da lei. O legislador disse menos do que queria
e, por isso, o sentido literal é estendido até coincidir com o espírito da lei.

• Interpretação restritiva – cumpre a função oposta à da interpretação extensiva:


perante um sentido literal que, sendo demasiado amplo, não corresponde ao
espírito da lei fornecido pelos elementos lógicos, o intérprete restringe, encurta
o significado das palavras da lei para colocar a expressão em harmonia com o
seu espírito. O legislador foi traído pelas palavras e disse mais do que queria
dizer.
Alguns exemplos ajudam a compreender a interpretação restritiva:
1. Negócio usuário – é anulável, por usura, o negócio jurídico quando alguém,
explorando estado mental de outrem, obtiver deste a promessa ou a
concessão de benefícios excessivos ou injustificados
2. Publicidade da lei – a lei, que deva ser publicada no Diário da República, só
se torna obrigatória depois de publicada no mesmo

• Interpretação ab-rogante – é a interpretação em que, concluindo haver uma


contradição insanável entre o significado literal e o espírito da lei, o intérprete
limita-se a reconhecer que a “fonte” jurídica não apresenta nenhuma norma
jurídica.
As contradições, que justificam esta interpretação, podem ser lógicas e
valorativas; por isso, a interpretação ab-rogante pode ser:
1. Lógica – há uma impossibilidade prática em obter uma solução
2. Valorativa – as valorações subjacentes às disposições a interpretar são
incompatíveis entre si

• Interpretação enunciativa – é a interpretação já não duma “fonte” do direito,


mas sim da própria norma donde se tira outra através do raciocínio e da
intuição.
Esta interpretação pode conduzir-nos aos seguintes resultados, que
habitualmente se exprimem nas seguintes regras:
1. A lei que permite o mais também permite o menos
2. A lei que proíbe o menos também proíbe o mais
3. A lei que disciplina um caso excecional pressupõe uma disposição contrária
para os casos não excecionais ou comuns

Santos Justo
A integração
• Lacuna
Entende-se por lacuna a ausência duma norma jurídica que permita resolver uma
situação da vida social que reclama uma solução jurídica.
Não há lacuna quando é necessário criar um direito mais perfeito – convoca-se o
legislador para fazer uma lei, não é o jurista que o fará. A necessidade de aperfeiçoar o
direito não se considera uma lacuna: é tarefa do legislador e não do jurista.

Perspetiva histórica das lacunas


Na ausência de uma norma jurídica no direito romano, havia a existência de direitos
subsidiários.
Mais tarde, segundo a dogma da plenitude lógica do ordenamento jurídico, não há
lacunas, porquê? Não exigindo uma solução jurídica, não é um problema jurídico:
estamos num espaço ajurídico.
Todavia, surgem sempre problemas inteiramente novos e diferentes, e não sendo
semelhantes aos casos previstos, a analogia não permite resolver os mesmos. A
integração da lacuna é confiada ao juiz – ele deve criar uma norma jurídica o mais
rapidamente possível para se evitar e acabar com um conflito.

Espécies
As lacunas compreendem várias espécies.
Segundo uma perspetiva, há lacunas:
1. Voluntárias – a inexistência de disciplina jurídica é querida pelo legislador
2. Involuntárias – o legislador não previu o caso que reclama solução jurídica e,
por isso, não elaborou a correspondente lei

Noutra perspetiva, a lacuna pode ser:


1. Da lei – ocorre no âmbito do direito legislado. Sucede com as lacunas:
a) Manifestas (ou patentes) – a lei não contém nenhuma norma jurídica,
embora a devesse ter
b) Ocultas (ou latentes) – a lei contém uma norma jurídica aplicável a uma
certa categoria de casos, mas não considerou situações especiais que
constituem uma certa categoria, a que não deve aplicar-se
c) De colisão – surge, quando várias normas jurídicas contraditórias
disciplinam uma determinada situação e, na falta de um critério que afaste
o conflito, nenhuma se aplica
2. Do direito – ocorre no âmbito do ordenamento jurídico que, não constituindo
um sistema fechado, mas aberto e sujeito a uma evolução contínua, é
suscetível de ser lacunoso.

Quanto ao tempo, podemos ter lacunas:


1. Iniciais – podem ser conhecidas (voluntárias) ou ignoradas (involuntárias) pelo
legislador. Nas primeiras, este não quis resolver a questão e preferiu
abandonar a sua solução à jurisprudência. Nas segundas, o legislador não teve
conhecimento da situação ou pensou erradamente que já estava disciplinada
2. Posteriores – resultam de novas questões que determinam a não aplicação
duma lei que se tornou inadequada

Santos Justo
Em relação à estrutura da norma jurídica, podemos ter lacunas:
1. de previsão – traduzem-se na falta de previsão de uma determinada situação
de facto
2. de estatuição – manifestam-se na ausência de consequências que o direito
atribui à verificação duma situação de facto

Justificação. O dogma da plenitude do ordenamento jurídico


O ordenamento jurídico é inevitavelmente lacunoso porque as suas fontes não podem
contemplar todas as situações possíveis em que a vida se manifesta.
São numerosas as razões que explicam as lacunas. Referimos fundamentalmente duas:
1. Imprevisibilidade – a vida é tão rica e complexa que há situações imprevisíveis
e, portanto, insuscetíveis de serem entendidas pelo legislador e disciplinadas a
priori numa lei. Isto porque a capacidade humana de previsão é muito limitada
e, por isso, as lacunas sempre existiram e sempre vão existir.
2. Intenção de o legislador não disciplinar determinada matéria – sucede, em
regra, quando esta é ainda muito fluída e, por isso, é arriscado legislar sem o
conhecimento mais completo da situação. Deixa então a tarefa de integração
duma lacuna para o juiz.
Com efeito, é um puro dogmatismo considerar que o procedimento analógico é
suscetível de suprir todas as lacunas da lei, retirando do sistema jurídico as soluções
que as situações da vida reclamam. O ordenamento jurídico não é um sistema
fechado, perfeito, mas inacabado e sempre incompleto e, por isso, em vão se
procurará nele todas as soluções jurídicas.

• Integração
A integração é a atividade intelectual destinada a encontrar a solução jurídica para
uma lacuna.
A sua necessidade resulta da pax social que o direito deve irrecusavelmente assegurar
para permitir a convivência humana.

Processos intra-sistemáticos
a) Analogia
A analogia é o raciocínio ou operação mental que, partindo de certas semelhanças
observadas, conclui que existem outras. Funda-se na semelhança entre dois
objetos e, por isso, a analogia não produz uma certeza absoluta, mas mera
probabilidade.
Assim, se sabemos que os elementos a, b e c são comuns aos objetos A e B, poder-
se-á, por analogia, concluir que o elemento d, que observamos em A, também
pertence a B.
Trata-se dum raciocínio composto de indução (permite obter um princípio geral
que contém a ratio comum aos casos análogos) e de dedução (realiza a conclusão
analógica).
Utilizada pelo pensamento jurídico, podemos definir a analogia (jurídica) como o
raciocínio que, argumentando com a semelhança entre um caso omisso (lacunoso)
e outro contemplado no ordenamento jurídico, estende àquele a solução deste.

Santos Justo
Natureza. Fundamento
É necessário considerar a ratio da disposição a aplicar e averiguar se a sua extensão
se justifica: se compreende, também, a situação a disciplinar. Por outro lado, os
factos devem merecer a mesma valoração, importando considerar não todos os
seus aspetos, mas, tão-só, os elementos decisivos. Se a diferença for essencial, a
semelhança cessa e a analogia deixa de funcionar.

Espécies
Dentro da analogia, distinguem-se tradicionalmente a:
1. Analogia legis (da lei) – é a operação mental que, partindo de uma norma
jurídica concreta, purifica a sua ideia fundamental através da eliminação dos
elementos não essenciais e, depois, aplica-a aos casos lacunosos, os quais só se
distinguem da situação prevista naquela norma em pontos secundários
2. Analogia iuris (do direito) – é a operação mental que, partindo duma
pluralidade de normas jurídicas, desenvolve, por indução, um princípio geral do
direito que, depois por dedução, aplica ao caso lacunoso

Limites
O recurso à analogia está proibido em determinadas matérias:
• Nas normas penais positivas – são as regras incriminatórias, onde o princípio
nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege (se não há lei, não há crime)
implica a proibição de fundar a condenação e a punição numa lei que apenas
mediatamente seja aplicável
• No direito fiscal – segundo o princípio da legalidade fiscal, os impostos devem
ser criados e disciplinados nos seus elementos essenciais através de lei. E, em
obediência a este princípio, as suas lacunas são inintegráveis absolutamente
• Nas normas excecionais – porque disciplinam somente determinadas situações,
não comportam aplicação analógica
O recurso à analogia está igualmente proibido quando a lei fixa uma enumeração
completa; reserva expressamente certo regime a casos específicos; e nas leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias.

b) Criação de uma norma ad hoc


Nas lacunas em que o recurso à analogia não se afigura possível, o nosso código
civil determina que a sua integração se faça “segundo a norma que o próprio
intérprete criaria, se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema”.
A norma assim criada esgota-se no caso concreto, isto é, não adquire carácter
vinculativo para casos futuros ou para outros julgadores.

Processos extra-sistemáticos
a) Normativos
Segundo esta via, as lacunas integrar-se-iam através de normas que os órgãos com
competência legislativa deviam elaborar. O juiz comunicaria a existência duma
situação lacunosa ao legislador e este dar-lhe-ia a norma jurídica necessária.

Santos Justo
Com efeito, logo se impuseram razões práticas: a excessiva morosidade; a
dificuldade de legislar com base apenas numa situação; e o não conhecimento
antecipado da lei pelos interessados.
A via dos processos normativos foi afastada.

b) Discricionários
Segundo este sistema, a integração das lacunas ocorreria quando se atribui a uma
entidade administrativa o poder de resolver, com base em razões de oportunidade
ou conveniência, determinadas situações. Porém, apenas se oferece uma solução
in concreto e não disposições genéricas (normas jurídicas): por isso, esgotando-se a
decisão no caso sub iudice, não se aplica às situações do mesmo género que surjam
no futuro. A via da solução discricionária não afasta as lacunas futuras.

c) Equitativos
Além de outras funções, e equidade desempenharia também uma função
integradora: a de ponderar as circunstâncias do caso (lacunoso) que reclama uma
solução jurídica.
Porém, este entendimento está superado e coloca-se, hoje, o caso concreto no
centro das preocupações da metodologia jurídica. Em consequência, a equidade é
entendida como um momento da concreta realização do direito.
Sendo a justiça do caso concreto, a equidade está presente na aplicação das
normas jurídicas e, portanto, não constitui um processo de integração.

Nova perspetiva metodológica

O desenvolvimento do direito
• A concreta realização do direito. Perspetiva metodológica
Atualmente, enfatiza-se o caso concreto decidendo como condicionante e
determinante da interpretação.
Reduzida a interpretação jurídica a um momento da concreta realização do direito, a
nova metodologia jurídica não reconhece uma distinção essencial entre a
interpretação e a integração e, por isso, fala-se de “desenvolvimento do direito”.

• Novos resultados
a) Interpretação corretiva – ocorre quando a norma jurídica abrange outras
hipóteses que o espírito da lei não comporta. O intérprete verifica que as
circunstâncias determinantes da formulação da lei se alteraram e, por isso,
corrige o texto da lei para realizar a sua intenção prática, considerando que
o legislador não teria querido a norma se tivesse previsto esse resultado.

b) Extensão teleológica – a extensão teleológica ocorre quando o teor literal


da lei é demasiado estrito e, com fundamento na sua imanente teleologia,
alarga-se o seu campo de aplicação a casos literalmente não abrangidos.
Exemplo: um homem casado pagava as cotas à segurança social para que à
sua morte, a sua mulher viúva tivesse rendimentos de segurança social. Ele
morreu e deixou de pagar as cotas, e a mulher corre o risco de perder a

Santos Justo
segurança social. Ela tem direito à indemnização calculada segundo os anos
de vida do homem. Ele foi atropelado aos 70 anos, mas a idade média de
morte dos homens é 75. O direito alemão manda estender a reforma até
aos 75 anos do marido, ou seja, a mulher tem direito a mais 5 anos de
reforma depois da morte do marido. Se a mulher vivesse mais do que esses
5 anos? Só tem reforma durante mais 5 anos, e os outros? O supremo
tribunal alemão considerou que a mulher tem reforma enquanto vive.
É um atropelo à letra da lei determinado pelo espírito da lei: estendeu-se a
interpretação muito para além do sentido literal da lei.

c) Redução teleológica – esta redução verifica-se quando o âmbito de


aplicação duma norma se reduz mais do que o limite resultante do sentido
literal. Os casos abrangidos pela sua letra são excluídos do seu campo de
aplicação com fundamento na teleologia imanente a essa norma e no
princípio de justiça de tratar desigualmente o desigual.
Exemplo: o nosso código civil proíbe o negócio consigo mesmo – A, menor
de 18 anos, tem um representante legal que faz o que ele não pode fazer
(compras, vendas = negócios). Então o representante legal B vai comprar
um prédio a A, o B comprador (em nome próprio) e simultaneamente
vendedor (em nome do A) – o código civil alemão proíbe isto. Se o prédio
valer 50 000, o B que representa o menor pode comprar por 20 000 porque
comprou para si mesmo, e acabou por prejudicar o menor. Para evitar que
o representante legal prejudique o seu representado, o B não pode
comprar o prédio de A.
Outro exemplo: uma doação. O doador enriquece outra pessoa sem esta
lhe dar qualquer contraprestação. B doa um prédio a A. Se este negócio
fosse proibido, o prejudicado era o A. Para evitar que o menor (incapaz)
seja prejudicado, como exceção dos negócios proibidos mencionou as
doações.

® são categorias de interpretação modernas

Santos Justo

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