sua extinção e substituição pela sociedade limitada unipessoal (SLU). Publicado por Kamilla Maria ano passado
1. INTRODUÇÃO
O Direito Empresarial é regido pelo Código Civil e a legislação
extravagante em matéria comercial. Antes da promulgação da lei n.º 10.406, de 2002, a regulação em matéria mercantil ocor- ria pela Teoria dos Atos do Comércio, de origem francesa, ado- tada ainda pelos legisladores ao criarem o Código Comercial de 1850, conforme o doutrinador Ricardo Negrão (2020, p. 33).
Nesse sentido, Alberto Asquini desenvolveu um conceito de em-
presa baseado em quatro perfis ou aspectos, são eles: subjetivo, objetivo, funcional e corporativo ou institucional. Todavia, ten- do em vista que o último aspecto, corporativo ou institucional, submete-se à legislação trabalhista, o professor Waldirio Bulga- reli adaptou esse conceito de Asquini para um modelo triédrico ao definir empresa como: “atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exerci- da pelo empresário, em caráter profissional, por um complexo de bens” (1995, p. 100 apud NEGRÃO, 2020, p. 35). O Código Civil, em seu art. 966, define empresário como sendo aquele “quem exerce profissionalmente atividade econômica or- ganizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Cabe ressaltar que estes podem ser classificados em individuais, ou seja, que exerçam a atividade empresarial indivi- dualmente, ou societários, como sociedades com fins comerci- ais. Ademais, apesar de o art. 44, II, do Código Civil abranger as sociedades como pessoas jurídicas, não são todas que possuem personalidade jurídica, como as sociedades simples.
Existem diversos tipos de empresas e sociedades, algumas com
requisitos semelhantes, outras diferentes. Não cabe aqui, diante do tema proposto, analisar, mesmo de forma breve, todas as es- pécies de sociedades. O foco principal se dá na Empresa Indivi- dual de Responsabilidade Limitada e sua extinção mediante a criação da Sociedade Limitada Unipessoal.
2. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE
LIMITADA (EIRELI)
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada é resultado
do Projeto de Lei n. 4.605, de 4 de fevereiro de 2009, apresenta- do pelo Deputado Marcos Montes. Posteriormente, foi apensado outro projeto semelhante do Deputado Eduardo Sciarra. No úl- timo foi proposto a denominação “empreendimento individual de responsabilidade limitada” com a abreviatura “EIRL”, no en- tanto, diante da dificuldade da pronúncia, foi alterado para a abreviatura atual.
Quanto aos motivos da criação do projeto, segundo estudos, tra-
tou-se de um estímulo ao mercado, em especial, a livre iniciati- va. Outrossim, foi uma também uma maneira de arrecadar mais impostos, já que haviam sociedades, no entanto, muitos dos pe- quenos empreendedores não possuíam registros. Com a forma- lização, foi possível um aumento da arrecadação. Ao passar para a última etapa de criação de uma lei, a Presidente da República vetou o parágrafo 4 que dispunha sobre a não aplicação da des- consideração da pessoa jurídica, sendo assim, manteve-se a aplicação da desconsideração.
Após o sancionamento da Lei n.º 12.441, de 11 de julho de 2011,
pela então presidente Dilma Rousseff, inseriu-se a EIRELI no rol de pessoas jurídicas de direito privado, através do acréscimo do inciso VI. Nesse sentido, o legislador também inseriu no Có- digo Civil outro dispositivo para ser possível a utilização da nova modalidade de empresa, sendo este o art. 980-A.
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada
será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Visto isso, passa-se a analisar as principais características da EI-
RELI. Inicialmente, para a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada, é necessário a integralização de um capital social mínimo de cem vezes o salário mínimo vigente no País, sendo esta a única responsabilidade do titular.
Quanto à titularidade da empresa, é válido voltar para o caput
do art. 980-A ao dispor que “será constituída por uma única pessoa”, não há distinção quanto à pessoa física ou jurídica. Posteriormente, no § 2.º, se tem a expressão “pessoa natural” para tratar da limitação de vezes em que o instituto pode ser uti- lizado, sendo este uma única vez. Dessa forma, surgiu a dúvida: a EIRELI pode ser constituída por pessoa jurídica? A jurispru- dência afirma que sim, pois em diversos casos judiciais houve a concessão de liminares autorizando as pessoas jurídicas a cons- tituírem essa modalidade de empresa. Solucionado esse confli- to, há outra questão, pois, como mencionado anteriormente, a pessoa natural somente pode constituir uma EIRELI, logo, pode-se pensar que as PJs também teriam essa limitação, con- tudo, a doutrina afirma não haver restrição.
Além disso, é obrigatório a abreviatura “EIRELI” ao final do
nome empresarial, que pode ser uma firma ou denominação. Outrossim, a EIRELI pode decorrer da concentração das cotas, em único sócio, sendo assim, se admitiu a conversão de uma so- ciedade limitada em EIRELI, por exemplo. Por fim, a questão do registo foi bastante controvertida, pois havia o conhecimento de que somente poderia ser realizado perante o Registro Público de Empresas Mercantis ou o Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Nesse sentido, em 2012, editou-se o Enunciado 471, na V Jorna- da de Direito Civil, que também não resolveu o questionamento ao utilizar a expressão “registro competente”. Dessa forma, con- forme doutrina, existiram duas espécies de EIRELI: a empresá- ria e a civil (não empresária). A primeira registrava-se no Regis- tro Público de Empresas Mercantis, enquanto a última era ins- crita mediante o Registro Civis de Pessoas Jurídicas.
Após o estudo dos aspectos iniciais da Empresa Individual de
Responsabilidade Limitada, Portanto, é possível observar esta como um meio-termo entre o empresário individual e a socieda- de limitada. Outrossim, foi bastante recorrente a confusão entre o empresário EIRELI e o empresário individual, logo, faz-se ne- cessário fazer uma breve análise para diferenciá-los.
Primeiramente, há algumas semelhanças entre essas duas mo-
dalidades, pois ambos são individuais e empresários, contudo, o empresário individual é regido pelo art. 966 do Código Civil e possui responsabilidade ilimitada, ou seja, o patrimônio pessoal responde pelo negócio, enquanto a EIRELI foi regulamentada pelo art. 980-A e, como o próprio nome já dispõe, há responsa- bilidade limitada. Portanto, existem semelhanças entre as duas espécies, mas são diferentes. Dessa forma, feito as considerações sobre a EIRELI, passa-se a analisar a criação da Sociedade Limitada Unipessoal e suas consequências.
3. A LEI N.º 14.195/2021 E A EXTINÇÃO DA EIRELI
Como tratado no início do presente artigo, até então, quem bus-
cava abrir uma empresa individual existiam algumas opções, entre elas, a EIRELI. Todavia, a Lei 14. 195, 27 de agosto de 2021 pôs fim a Empresa individual de Responsabilidade Limita- da ao dispor, em seu art. 41, o seguinte texto:
Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada
existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transfor- madas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.
Inicialmente, válido lembrar de uma das principais característi-
cas da EIRELI, o capital social de no mínimo cem vezes o salário mínimo. Sendo esta criada com o objetivo de facilitar a regulari- zação de empreendedores no mercado, essa capital social tão alto não foi interessante para as pessoas que queria constituir uma empresa que limitasse a responsabilidade, logo, muitas preferiram buscar um sócio para constituir uma Sociedade Em- presária Limitada ou continuar na informalidade.
Diante disso, em 2019, a Medida Provisória N. 881, de 2019, co-
nhecida como MP da Liberdade Econômica, incluiu no art. 1.052, do Código Civil, uma nova modalidade societária, ao dis- por: “A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social”. Assim, criou-se a Sociedade Limitada Uni- pessoal - SLU. Com o surgimento da SLU, a EIRELI, que já era de difícil constituição, passou a ser menos relevante, visto que, a Sociedade Limitada Unipessoal oferece a mesma segurança jurí- dica que uma sociedade, além de poder ser o sócio único na em- presa e sem a necessidade de integralização de um capital social com valor tão elevado.
Anteriormente, só era possível constituir uma sociedade com,
no mínimo, dois sócios, e quando um destes se retirava, falecia ou era excluído, a recomposição desse sócio deveria ocorrer em até 180 dias. Contudo, com a criação da SLU, nessas situações, a sociedade limitada passa a ser limitada unipessoal, devendo apenas ocorrer uma alteração do contrato social e arquivamento na Junta Comercial.
Outra diferença entre a EIRELI e a SLU se dá a limitação na EI-
RELI de pessoas físicas somente poderem constituir uma única empresa, fato que não se repete na nova modalidade de socieda- de, já que não há nenhuma limitação. Dessa forma, perante a escassa utilização da EIRELI e da facilidade e segurança jurídica da recente modalidade era esperado a extinção da Empresa In- dividual de Responsabilidade Limitada.
Como disposto no início do tópico, em 2021, o art. 41 dispôs so-
bre a substituição da EIRELI para SLU. Ademais, a Medida Pro- visória N. 1.085. de 27 de dezembro do mesmo ano revogou o art. 980-A, que, antes, regia a Empresa Individual de Responsa- bilidade Limitada. Logo, fica a dúvida: o que acontecerá com as EIRELI já existentes?
O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integra-
ção, por meio do Ofício Circular SEI nº 3510/2021/ME, de 9 de setembro de 2021, orientou as Juntas Comerciais quanto ao processo de mudança. Uma das diversas orientações dispostas no ofício está a de incluir na ficha cadastral da empresa indivi- dual de responsabilidade limitada a informação de que foi “transformada automaticamente para sociedade limitada, nos termos do art. 41 da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021”. Outrossim, essa mudança também fez alteração a razão social da empresa que, deixará de ser “EIRELI” para ser “LTDA”.
4. CONCLUSÃO
Feito toda a análise, pode-se concluir que a criação da Empresa
Individual de Responsabilidade Limitada com o objetivo de tirar os empreendedores da informalidade não foi alcançada devido, principalmente, ao capital social mínimo de cem vezes o salário mínimo. Nesse contexto, a MP da Liberdade Econômica trouxe uma nova modalidade societária com características semelhan- tes à EIRELI, porém, sem essa necessidade do capital social tão alto. Tal fato facilitou a constituição dessa nova espécie que pos- sibilitou a criação de uma sociedade limitada por um único sócio.
Com a criação da Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) extin-
guiu-se a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, pois conferir maior dinamicidade à economia, facilitando a constituição das empresas com a segurança de que o patrimônio social da empresa não se confunde com o patrimônio pessoal do titular. Sendo assim, através da Lei 14.195, de 2021, foi prevista a transformação das EIRELI em SLU, fazendo a revogação táci- ta dos arts. 44, VI e 980-A. Posteriormente, a MP N. 1.085 revo- gou expressamente os referidos artigos.
Após essa mudança, não se esperam grandes alterações, já que
não mudará o regime tributário da empresa, consequentemente, não terá efeitos nos impostos. As alterações legislativas visam somente a natureza jurídica empresarial. Dessa forma, apesar de a mudança ser considerada recente, não é esperado haver prejuízos para o empresário, tampouco para a economia. Ao contrário, com o aumento na facilidade de abertu- ra de uma empresa, é aguardado um favorecimento ao capital privado, logo, geração de riqueza e emprego.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei Nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Altera a Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2011/lei/l12441.htm Acesso em: 09 fev. 2022.
BRASIL. Lei Nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Disponível em:
BRASIL. Medida provisória nº 1.085, de 27 de dezembro de
2021. Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos - SERP, de que trata o art. 37 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a Lei nº 11.977, de 2009, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e a Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019- 2022/2021/Mpv/mpv1085.htm#art20. Acesso em: 10 fev. 2022.
BRASIL. Medida provisória nº 881. de 30 de abril de 2019. Ins-
titui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabe- lece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.- gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm. Acesso em 10 fev. 2022.
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