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1 de Março de 2024

Fim da Eireli: aspectos jurídicos de


sua extinção e substituição pela
sociedade limitada unipessoal
(SLU).
Publicado por Kamilla Maria ano passado

1. INTRODUÇÃO

O Direito Empresarial é regido pelo Código Civil e a legislação


extravagante em matéria comercial. Antes da promulgação da
lei n.º 10.406, de 2002, a regulação em matéria mercantil ocor-
ria pela Teoria dos Atos do Comércio, de origem francesa, ado-
tada ainda pelos legisladores ao criarem o Código Comercial de
1850, conforme o doutrinador Ricardo Negrão (2020, p. 33).

Nesse sentido, Alberto Asquini desenvolveu um conceito de em-


presa baseado em quatro perfis ou aspectos, são eles: subjetivo,
objetivo, funcional e corporativo ou institucional. Todavia, ten-
do em vista que o último aspecto, corporativo ou institucional,
submete-se à legislação trabalhista, o professor Waldirio Bulga-
reli adaptou esse conceito de Asquini para um modelo triédrico
ao definir empresa como: “atividade econômica organizada de
produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exerci-
da pelo empresário, em caráter profissional, por um complexo
de bens” (1995, p. 100 apud NEGRÃO, 2020, p. 35).
O Código Civil, em seu art. 966, define empresário como sendo
aquele “quem exerce profissionalmente atividade econômica or-
ganizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços”. Cabe ressaltar que estes podem ser classificados em
individuais, ou seja, que exerçam a atividade empresarial indivi-
dualmente, ou societários, como sociedades com fins comerci-
ais. Ademais, apesar de o art. 44, II, do Código Civil abranger as
sociedades como pessoas jurídicas, não são todas que possuem
personalidade jurídica, como as sociedades simples.

Existem diversos tipos de empresas e sociedades, algumas com


requisitos semelhantes, outras diferentes. Não cabe aqui, diante
do tema proposto, analisar, mesmo de forma breve, todas as es-
pécies de sociedades. O foco principal se dá na Empresa Indivi-
dual de Responsabilidade Limitada e sua extinção mediante a
criação da Sociedade Limitada Unipessoal.

2. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE


LIMITADA (EIRELI)

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada é resultado


do Projeto de Lei n. 4.605, de 4 de fevereiro de 2009, apresenta-
do pelo Deputado Marcos Montes. Posteriormente, foi apensado
outro projeto semelhante do Deputado Eduardo Sciarra. No úl-
timo foi proposto a denominação “empreendimento individual
de responsabilidade limitada” com a abreviatura “EIRL”, no en-
tanto, diante da dificuldade da pronúncia, foi alterado para a
abreviatura atual.

Quanto aos motivos da criação do projeto, segundo estudos, tra-


tou-se de um estímulo ao mercado, em especial, a livre iniciati-
va. Outrossim, foi uma também uma maneira de arrecadar mais
impostos, já que haviam sociedades, no entanto, muitos dos pe-
quenos empreendedores não possuíam registros. Com a forma-
lização, foi possível um aumento da arrecadação. Ao passar para
a última etapa de criação de uma lei, a Presidente da República
vetou o parágrafo 4 que dispunha sobre a não aplicação da des-
consideração da pessoa jurídica, sendo assim, manteve-se a
aplicação da desconsideração.

Após o sancionamento da Lei n.º 12.441, de 11 de julho de 2011,


pela então presidente Dilma Rousseff, inseriu-se a EIRELI no
rol de pessoas jurídicas de direito privado, através do acréscimo
do inciso VI. Nesse sentido, o legislador também inseriu no Có-
digo Civil outro dispositivo para ser possível a utilização da nova
modalidade de empresa, sendo este o art. 980-A.

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada


será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do
capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a
100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Visto isso, passa-se a analisar as principais características da EI-


RELI. Inicialmente, para a constituição da empresa individual
de responsabilidade limitada, é necessário a integralização de
um capital social mínimo de cem vezes o salário mínimo vigente
no País, sendo esta a única responsabilidade do titular.

Quanto à titularidade da empresa, é válido voltar para o caput


do art. 980-A ao dispor que “será constituída por uma única
pessoa”, não há distinção quanto à pessoa física ou jurídica.
Posteriormente, no § 2.º, se tem a expressão “pessoa natural”
para tratar da limitação de vezes em que o instituto pode ser uti-
lizado, sendo este uma única vez. Dessa forma, surgiu a dúvida:
a EIRELI pode ser constituída por pessoa jurídica? A jurispru-
dência afirma que sim, pois em diversos casos judiciais houve a
concessão de liminares autorizando as pessoas jurídicas a cons-
tituírem essa modalidade de empresa. Solucionado esse confli-
to, há outra questão, pois, como mencionado anteriormente, a
pessoa natural somente pode constituir uma EIRELI, logo,
pode-se pensar que as PJs também teriam essa limitação, con-
tudo, a doutrina afirma não haver restrição.

Além disso, é obrigatório a abreviatura “EIRELI” ao final do


nome empresarial, que pode ser uma firma ou denominação.
Outrossim, a EIRELI pode decorrer da concentração das cotas,
em único sócio, sendo assim, se admitiu a conversão de uma so-
ciedade limitada em EIRELI, por exemplo. Por fim, a questão
do registo foi bastante controvertida, pois havia o conhecimento
de que somente poderia ser realizado perante o Registro Público
de Empresas Mercantis ou o Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Nesse sentido, em 2012, editou-se o Enunciado 471, na V Jorna-
da de Direito Civil, que também não resolveu o questionamento
ao utilizar a expressão “registro competente”. Dessa forma, con-
forme doutrina, existiram duas espécies de EIRELI: a empresá-
ria e a civil (não empresária). A primeira registrava-se no Regis-
tro Público de Empresas Mercantis, enquanto a última era ins-
crita mediante o Registro Civis de Pessoas Jurídicas.

Após o estudo dos aspectos iniciais da Empresa Individual de


Responsabilidade Limitada, Portanto, é possível observar esta
como um meio-termo entre o empresário individual e a socieda-
de limitada. Outrossim, foi bastante recorrente a confusão entre
o empresário EIRELI e o empresário individual, logo, faz-se ne-
cessário fazer uma breve análise para diferenciá-los.

Primeiramente, há algumas semelhanças entre essas duas mo-


dalidades, pois ambos são individuais e empresários, contudo, o
empresário individual é regido pelo art. 966 do Código Civil e
possui responsabilidade ilimitada, ou seja, o patrimônio pessoal
responde pelo negócio, enquanto a EIRELI foi regulamentada
pelo art. 980-A e, como o próprio nome já dispõe, há responsa-
bilidade limitada. Portanto, existem semelhanças entre as duas
espécies, mas são diferentes.
Dessa forma, feito as considerações sobre a EIRELI, passa-se a
analisar a criação da Sociedade Limitada Unipessoal e suas
consequências.

3. A LEI N.º 14.195/2021 E A EXTINÇÃO DA EIRELI

Como tratado no início do presente artigo, até então, quem bus-


cava abrir uma empresa individual existiam algumas opções,
entre elas, a EIRELI. Todavia, a Lei 14. 195, 27 de agosto de
2021 pôs fim a Empresa individual de Responsabilidade Limita-
da ao dispor, em seu art. 41, o seguinte texto:

Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada


existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transfor-
madas em sociedades limitadas unipessoais independentemente
de qualquer alteração em seu ato constitutivo.

Inicialmente, válido lembrar de uma das principais característi-


cas da EIRELI, o capital social de no mínimo cem vezes o salário
mínimo. Sendo esta criada com o objetivo de facilitar a regulari-
zação de empreendedores no mercado, essa capital social tão
alto não foi interessante para as pessoas que queria constituir
uma empresa que limitasse a responsabilidade, logo, muitas
preferiram buscar um sócio para constituir uma Sociedade Em-
presária Limitada ou continuar na informalidade.

Diante disso, em 2019, a Medida Provisória N. 881, de 2019, co-


nhecida como MP da Liberdade Econômica, incluiu no art.
1.052, do Código Civil, uma nova modalidade societária, ao dis-
por: “A sociedade limitada pode ser constituída por uma ou
mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de
constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre
o contrato social”. Assim, criou-se a Sociedade Limitada Uni-
pessoal - SLU. Com o surgimento da SLU, a EIRELI, que já era
de difícil constituição, passou a ser menos relevante, visto que, a
Sociedade Limitada Unipessoal oferece a mesma segurança jurí-
dica que uma sociedade, além de poder ser o sócio único na em-
presa e sem a necessidade de integralização de um capital social
com valor tão elevado.

Anteriormente, só era possível constituir uma sociedade com,


no mínimo, dois sócios, e quando um destes se retirava, falecia
ou era excluído, a recomposição desse sócio deveria ocorrer em
até 180 dias. Contudo, com a criação da SLU, nessas situações, a
sociedade limitada passa a ser limitada unipessoal, devendo
apenas ocorrer uma alteração do contrato social e arquivamento
na Junta Comercial.

Outra diferença entre a EIRELI e a SLU se dá a limitação na EI-


RELI de pessoas físicas somente poderem constituir uma única
empresa, fato que não se repete na nova modalidade de socieda-
de, já que não há nenhuma limitação. Dessa forma, perante a
escassa utilização da EIRELI e da facilidade e segurança jurídica
da recente modalidade era esperado a extinção da Empresa In-
dividual de Responsabilidade Limitada.

Como disposto no início do tópico, em 2021, o art. 41 dispôs so-


bre a substituição da EIRELI para SLU. Ademais, a Medida Pro-
visória N. 1.085. de 27 de dezembro do mesmo ano revogou o
art. 980-A, que, antes, regia a Empresa Individual de Responsa-
bilidade Limitada. Logo, fica a dúvida: o que acontecerá com as
EIRELI já existentes?

O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integra-


ção, por meio do Ofício Circular SEI nº 3510/2021/ME, de 9 de
setembro de 2021, orientou as Juntas Comerciais quanto ao
processo de mudança. Uma das diversas orientações dispostas
no ofício está a de incluir na ficha cadastral da empresa indivi-
dual de responsabilidade limitada a informação de que foi
“transformada automaticamente para sociedade limitada, nos
termos do art. 41 da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021”.
Outrossim, essa mudança também fez alteração a razão social
da empresa que, deixará de ser “EIRELI” para ser “LTDA”.

4. CONCLUSÃO

Feito toda a análise, pode-se concluir que a criação da Empresa


Individual de Responsabilidade Limitada com o objetivo de tirar
os empreendedores da informalidade não foi alcançada devido,
principalmente, ao capital social mínimo de cem vezes o salário
mínimo. Nesse contexto, a MP da Liberdade Econômica trouxe
uma nova modalidade societária com características semelhan-
tes à EIRELI, porém, sem essa necessidade do capital social tão
alto. Tal fato facilitou a constituição dessa nova espécie que pos-
sibilitou a criação de uma sociedade limitada por um único
sócio.

Com a criação da Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) extin-


guiu-se a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada,
pois conferir maior dinamicidade à economia, facilitando a
constituição das empresas com a segurança de que o patrimônio
social da empresa não se confunde com o patrimônio pessoal do
titular. Sendo assim, através da Lei 14.195, de 2021, foi prevista
a transformação das EIRELI em SLU, fazendo a revogação táci-
ta dos arts. 44, VI e 980-A. Posteriormente, a MP N. 1.085 revo-
gou expressamente os referidos artigos.

Após essa mudança, não se esperam grandes alterações, já que


não mudará o regime tributário da empresa, consequentemente,
não terá efeitos nos impostos. As alterações legislativas visam
somente a natureza jurídica empresarial.
Dessa forma, apesar de a mudança ser considerada recente, não
é esperado haver prejuízos para o empresário, tampouco para a
economia. Ao contrário, com o aumento na facilidade de abertu-
ra de uma empresa, é aguardado um favorecimento ao capital
privado, logo, geração de riqueza e emprego.

REFERÊNCIAS

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digo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
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10.406, de 10 de janeiro de 2002 para permitir a constituição de
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em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/lei/l12441.htm Acesso em: 09 fev. 2022.

BRASIL. Lei Nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
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2009, e altera a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, a Lei
nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei nº 6.766, de 19 de
dezembro de 1979, a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, a
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a Lei nº
11.977, de 2009, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e a
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/fim-da-eireli-aspectos-juridicos-de-


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