Você está na página 1de 44

Curso: Direito 2020

ESCOLA SUPERIOR DE ECONOMIA E


GESTÃO
DELEGAÇÃO DE CHIMOIO
CURSO DE DIREITO

Apontamentos da disciplina
De
Direito Agrário

Docente: Denny Odonel Matias Tomo


Ano: 2020
Frequência: 3º Ano
Semestre: 1º

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


1
Curso: Direito 2020

1. INTRODUÇÃO

1.1 Noções dos direitos reais ou das coisas

O direito das coisas é o conjunto de normas reguladoras das


relações entre os homens, tendo em vista os bens corpóreos e
incorpóreos. Do que se deduz que o Direito das Coisas é o
conjunto de normas que regulam as relações jurídicas entre os
homens face às coisas, capazes de satisfazer as suas
necessidades e susceptíveis de apropriação individual, quando
tais coisas forem úteis e raras e quando estabelecem relações de
domínio.

1.2 Noções da coisa e a respectiva classificação

Consideramos Coisa, tudo aquilo que é idóneo de proporcionar


utilidade, que corresponde aos nossos desejos. Genericamente é
o objecto no sentido próprio da relação dos direitos reias.

Por sua vez numa perspectiva subjectiva classificam-se em:

 Coisas Móveis e Imóveis.


 Coisas Principais, Acessórias e as Pertenças.
 Coisas Divisíveis e Não Divisíveis.
 Coisas Consumíveis e as Coisas não Consumíveis.

1.3 Noções da posse

Juridicamente, a Posse implica desde logo a apreensão material


de uma coisa. Implica que uma coisa corpórea esteja sob domínio
de uma pessoa. Trata-se aqui de um requisito mínimo.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


2
Curso: Direito 2020

O regime jurídico da posse consta do art. 1251º e ss C.C

O professor Menezes Cordeiro, define a posse como “ a afectação


material de uma coisa corpórea aos fins de pessoas
individualmente consideradas”.

Por sua vez, o professor Oliveira Ascensão, parte da própria noção


legal do art.1251 CC, para definir a posse como sendo “a
exteriorização de um direito existente ou suposto, relativo a
coisa”

1.4 Vicissitudes da posse

A posse manifesta-se de várias formas sendo os seus aspectos


dinâmicos quando analisados no âmbito dos direitos reais e, no
caso particular, a sua eventual manifestação e especificidade no
direito de uso e aproveitamento da terra.

Pretendemos, neste caso, analisar as eventualidades da posse


assim como as suas respectivas mudanças.

A lei trata da aquisição no art. 1263º e ss e da perda art. 1267º e


ss todos do Código Civil.

Aquisição, diversas são as formas de adquirir a posse ora


vejamos o artigo 1263 CC:

a) Aquisição originária, quando se adquirir a posse sem que


se reporte a terceiro;
b) Aquisição derivada, quando se adquirir a posse a um
possuidor anterior;

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


3
Curso: Direito 2020

c) Constituo possessório, quando unilateralmente um


detentor adquire a posse;
d) Por inversão do título da posse, quando há oposição do
detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía
ou mesmo quando há transferência.

Perda da posse conforme o artigo 1267 CC

O possuidor pode perder a posse nas seguintes situações:

a) Pelo abandono;
b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser
posta fora do comércio;
c) Pela cedência;
d) Pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo
possuído, se a nova posse houve durado por mais de um
ano.

1.5 Usucapião

É uma forma legalmente prevista de aquisição de direitos reais. O


adquirente por usucapião recebe o direito correspondente com a
actuação como possuidor. Entretanto dá-se por de usufrutuário
aquele que mantem a posse de forma ininterrupta de uma certa
coisa durante um certo tempo. Cfr art’s 1287 ss CC.

1.6 Direito de Propriedade

Segundo o art. 1305º do CC, o direito de propriedade implica a


atribuição de poderes de uso, fruição e disposição.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


4
Curso: Direito 2020

A propriedade constitui o conjunto de direitos e responsabilidades


referentes a uma coisa. Sendo o vínculo jurídico que sujeita uma
coisa de mundo exterior (res corporalis) ao pleno (real ou
potencial) e exclusivo poder de soberania de uma pessoa que fica
tendo o direito de usar, fruir e dispor dela, dentro dos limites da
lei.

A propriedade é comummente qualificada como o “direito real


máximo”, sendo, como se tem defendido, o modelo de todos os
direitos reais.

1.7 Características do direito de propriedade:

Plenitude: o direito de propriedade tende a abranger todos os


poderes que podem existir sobre uma coisa; na medida em que
esses poderes são todos, eles dificilmente elencáveis, gozam de
alguma indeterminabilidade; numa enunciação clássica, recebida
no art.1305º, esses poderes respeitam ao uso, à fruição e à
disposição das coisas objecto do direito de propriedade,
contudo há limites e restrições.

Elasticidade: O direito de propriedade é elástico pelo facto


de que os poderes que nele se acham oscilarem dentro de
amplos limites sem que, por isso, ele perca a sua natureza
ou identidade. E ainda tende a expandir-se até ao máximo das
faculdades que pode comportar.

Perpetuidade: o direito de propriedade é perpétuo, não tem


prazo, não cessa pelo decurso do tempo; o nº 3 do art. 298º

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


5
Curso: Direito 2020

CC diz que “os direitos de propriedade, usufruto, uso e


habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem,
mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente
previstos na lei; anuncia.

A perpetuidade que aqui defendemos não significa que o direito


não possa caducar ou por outra razão deixar de produzir os
efeitos de Direitos. Queremos no entanto defender que a
destruição de uma coisa pode fazer cessar o direito. A
expropriação de um bem imóvel por exemplo, pode fazer
cessar o direito de propriedade ( Cfr art 82 CRM).

Exclusividade: o direito de propriedade é um direito exclusivo,


pois o seu titular tem a faculdade que lhe é reconhecida por lei
de usar e fruir a coisa com exclusão de terceiros.

Ilimitado: Por fim, o direito de propriedade é ilimitado no sentido


de que o proprietário pode retirar do seu objecto as utilidades que
este é susceptível de fornecer, indo até à pratica dos actos de
disposição.

1.8 Mecanismos jurídicos de defesa do direito da posse e


de propriedade

1.8.1 Defesa da posse

A lei prevê uma pluralidade de meios, nos termos dos artigos


1276 e sgs CC, de defesa judicial específica da posse (cfr art 1033
e sgs C.P.C), e é o que trataremos a seguir inerente a Tutela
Judicial da Posse:

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


6
Curso: Direito 2020

a) Embargos de terceiro

Encontram-se previstos no art. 1285 CC e visam a defesa do


possuidor contra a sua situação por acto judicial e tem os seus
termos definidos pelos artigos 1037 e sgs do Código do Processo
Civil (CPC.).

b) Acções possessórias

São de três espécies, as acções possessórias propriamente


ditas, nos termos conjugados dos artigos 1276 e sgs CC. e 1033
e sgs do CPC.

De prevenção, com fundamento no justo receio de turbação ou


esbulho, Conforme o art. 1276 CC;

De manutenção, contra perturbação efectiva, vide, art. 1278


CC, de notar que aqui, diferentemente da acção de restituição,
não chega a haver desapossamento:

De restituição, contra o esbulho ou privação da posse


efectiva, nos termos do art. 1278 CC, nesta já se verifica o
desapossamento.

De notar que uma má qualificação da providência adequada,


conforme o nº- 2 do art. 1033 do CPC, não afasta a procedência
da acção.

c) Restituição Provisória da posse

Com esta acção reage-se contra o esbulho violento, forma


mais grave de violação da situação do possuidor. Assim,
Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL
7
Curso: Direito 2020

antes de qualquer discussão as partes serão restituídas à


situação anterior, (vide, o art. 1279 CC, conjugado com os artigos
393 a 395 do CPC, atinentes aos procedimentos cautelares).

De notar que, o esbulho é havido como nunca perturbado, é


o que estabelece o art. 1283 CC, pelo que a lei considera que a
posse não foi interrompida

Entrega judicial da Posse

Apesar de não constar do código civil, mas apenas no código de


processo civil (arts 1044 e sgs), trata-se de uma importante acção
de defesa possessória.

O pressuposto desta acção é a exibição pelo autor do título


translativo da propriedade a seu favor, entenda-se, transmissivo
ou constitutivo de qualquer outro direito real bastante para
justificar a posse.

A acção é proposta contra o detentor da coisa, de acordo com o


nº- 1 do art. 1045 CPC, e segue uma tramitação expedita.
Qualquer decisão proferida no termo da acção de posse judicial é
extremamente provisória, não impedindo que o vencido faça
valer o seu direito pelas acções provisórias ou pelos outros meios
competentes, nos termos do art. 1051 CPC. Trata-se de uma
possessória destinada a efectivar a posse transmitida
contratualmente, cuja coisa nunca tinha sido entregue pelo
detentor no âmbito do constituo possessório.

1.8.2 Defesa da propriedade

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


8
Curso: Direito 2020

Por sua vez a defesa do direito de propriedade segue termos


específicos do o art 1311 e sgs C.C. cj com art 1034 e sgs C.P.C. O
Proprietário pode fazer-se valer da acção de reivindicação para
exigir qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento
do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que
lhe pertence.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


9
Curso: Direito 2020

2. NOÇÃO DO DIREITO AGRÁRIO

2.1 Preliminares

Antes de compreender o conceito do direito agrário importa


recordar que no primeiro estagio de evolução humana em
especial a ocupação da terra era desordenada, de primeira logo
observava-se que o modo de convivência do homem era
irracional justamente porque realizava queimadas
descontroladas, abetes de espécies em extinção a qualquer
instante, mantendo-se na ingenuidade total e na falta de
discernimento que que os recursos naturais fossem escassos.

Entretanto, momento posterior quando começaram a emergir


conflitos de terra entre os povos existentes, o homem tornou-se
elucidado pois passou a compreender que havia necessidade de
disciplinar o uso dos recursos naturais de maneira adequada
devido a extrema essencialidade.

Ora é nesta senda que surge o direito agrário, assim como o


direito do ambiente ambas disciplinas jurídicas do direito público,
ocupado a primeira panorama das relações do homem e a
natureza e outra definindo as políticas gerais adoptadas pelo
Estado que visam a conservação do meio rural.

2.2 Conceito

Direito Agrário é o ramo da ciência jurídica que estuda as


relações do homem com a terra no seu aspecto político,
económico, social e ambiental, com o intuito de estabelecer

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


10
Curso: Direito 2020

princípios e regras para regular a exploração dos recursos


naturais para fins da realização de actividade agrícolas,
pecuárias, agro-industrial e extractiva”.

Direito Agrário é o conjunto de princípios e normas que, visando a


imprimir função social à terra, regulam relações feitas à sua
pertença e uso, e disciplinam a prática das explorações agrárias e
da conservação dos recursos naturais”.

Ou ainda, pode-se dizer simplesmente o Direito Agrário é o ramo


jurídico que regulamenta as relações agrárias, observando-se a
inter-relação entre homem, terra e sociedade.

2.3 Características

Imperatividade: o Estado oficiosamente exerce uma potencial


intervenção nas relações agrárias tornando obrigatória a
aplicação das leis existentes de forma imperativa na perspectiva
de conferir maior benefício aos sujeitos mais vulneráveis da
relação agraria (o trabalhador e o camponês)

Promoção da função social da terra: o Estado adopta políticas


agrarias para possibilitar a utilização racional do solo, fazendo
com que o recurso descrito beneficie na sua generalidade e com
maior amplitude inúmeros cidadãos, independentemente de
estarem residindo no campo assim como nas cidades, sem
esquecer de contemplar a preservação do ambiente e dos
respectivos recursos naturais

2.4 Disciplinas afins

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


11
Curso: Direito 2020

Convém identificar as disciplinas que confunde-se com o direito


Agrário

Arrendamento rural (locação urbana)

O arrendamento rural assemelha-se ao direito agrário na matéria


relativa a ocorrência do uso e gozo do imóvel rural, por um tempo
indeterminado ou determinado, com a finalidade de exercer a
actividade de exploração, pode ser agrícola, pecuária, agro-
indústria. Mas não chega a ser o direito agrário justamente
porque para a existência do arrendamento rural é necessário que
haja certa retribuição ou aluguer, já o direito agrário não o seu
uso não é feito de forma onerosa.

Contrato Agrícola

Este tipo de negócio jurídico não se pode confundir com o direito


agrário justamente por corresponde a uma matéria específica do
direito agrário, isto é o direito agrário abrange um leque de
utilidade provinda dos recursos que a terra oferece havendo
possibilidades neste caso da agricultura realizar a actividade
pecuária ao passo que o contrato agrícola cinge-se restritamente
no exercício da actividade agrícola ou agricultura (actos de
cultivar os campos).

2.5 Fontes do direito agrário

Conceito

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


12
Curso: Direito 2020

A definição das fontes pode ser vista em diversos contextos. Em


lato senso pode ser descrita como sendo fonte tudo aquilo que
origina ou produz um determinado evento, como pode ser o lugar
donde dimana alguma coisa. Mais para nos importa conhecer o
conceito da fonte de direito no seu sentido técnico jurídico:
“compreende-se por fonte o modo de criação e revelação do
direito”. A fonte do direito é o lugar onde provém a norma
jurídica. E por sua vez elas subdividem-se em:

Fontes Materiais ou imediatas: são os factos sociais, que


deflagram a produção das normas. Ou seja é o modo de criação
de direito.Fontes Formais ou mediatas: serão os factos sociais
que indicam a forma como o direito se desenvolve. Por outra
são os modos de revelação do direito.

Enumeração

Lei

Lei é a fonte formal do Direito, pela qual o Estado pelo Poder


Legislativo estabelece as normas de conduta e organização da
sociedade. Em especial as fontes do direito agrário no nosso
ordenamento jurídico são as seguintes:

 A Constituição da República de Moçambique


 A Lei de Terra e o respectivo Regulamento de lei de Terra
 A Lei de floresta e fauna e Bravia e o Respectivo
regulamento, entre outros dispositivos avulsos.

Costumes

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


13
Curso: Direito 2020

Por Costumes compreende-se que são as práticas sociais


reiteradas de prevalência habitual que se assumem como fontes
formais do Direito quando são reconhecidas, pelo Estado, para a
conduta e organização da sociedade. Em particular para o direito
agrário Moçambicano o direito consuetudinário detém a extrema
relevância se não a mais importante das fontes entre as outras
justamente porque a própria lei intitula os mecanismos
tradicionais para responder certas questões de ordem jurídica.

Jurisprudência

Jurisprudência não a menos importante mas são os precedentes


judiciais, o conjunto de decisões uniformes proferidas pelos
Tribunais, sobre uma determinada matéria jurídica.

É o que chamam de ciência em direito conjunto de soluções


dadas as questões de direito pelos tribunais superiores.

Doutrina

Doutrina caracteriza-se pelos estudos e teorias, desenvolvidos


pelos juristas, com o objectivo de sistematizar e interpretar as
normas vigentes. Ora no direito Agrário todas as manifestações
de cunho doutrinário são atendidas como sendo fonte de direito
justamente por complementarem as lacunas existentes na Lei.

3. A TERRA EM MOÇAMBIQUE

3.1 Aspectos históricos, e a problemática de terras nas


Constituições Moçambicanas.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


14
Curso: Direito 2020

A terra em Moçambique sempre foi alvo de conflitos e discussão


Desde o tempo da ocupação colonial que as populações rurais
foram sendo retiradas das suas zonas de origem onde as terras
eram mais férteis, e alocadas em terras áridas para a agricultura.

Período pré-colonial

No período pré colonial, a ocupação territorial esteve na


origem de grande parte das contradições e conflitos entre
famílias, grupos étnicos tribais, clãs etc.

Com a evolução sócio cultural das comunidades, a ocupação


efectiva da terra passou a ser feita por grupos de influência
e que tinham à sua frente um chefe tradicional que liderava
todo o processo de vida da comunidade.

O chefe tradicional passou, assim, a ser o Gestor da terra, embora


com a responsabilidade de gerir o seu uso racional em
benefício da comunidade.

Em caso de conflito na utilização da terra, cabia ao chefe


tradicional decidir. Os régulos ou regedores e chefes de terras
como também eram conhecidos, passaram também a
controlar pequenos grupos populacionais e pequenas porções
de terras dentro de um certo regulado, tendo, por isso poder
para decidir os conflitos que ocorressem em matéria de uso da
terra.

Período Colonial

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


15
Curso: Direito 2020

A terra em Moçambique sempre foi alvo de conflitos e discussão e


no início do século dezanove foi evidente tal pretensão.
Entretanto, através da penetração colonial e ocupação afectiva do
território moçambicano, foram evidentes as formas de
desenvolvimento desiguais entre as populações, facto que
obrigou a que estas se revoltassem contra os colonizadores.

Outro factor que participou na manifestação de tais


desigualdades foi a forma como o sistema colonial instalou e
promoveu a divisão entre as diversas populações, tribos e
comunidades.

No período colonial, em Moçambique, o direito de distribuição e


do uso da terra era de exclusiva responsabilidade do poder
colonial instituído e, obviamente, os conflitos que foram surgindo
entre os indígenas e os colonos eram tratados sempre com
recurso às instituições de poder instituído pelo colono, que,
com base nas suas normas fazia cumprir as decisões tomadas
e que geralmente beneficiavam os colonos.

E conforme o instrumento que vigorava na altura designado


Regulamento de ocupação e concessão de terrenos nas
províncias ultramarinas, os moçambicanos podia ocupar, usar, e
fruir a terra de forma conjunta ou individualmente e era
reconhecido o costume das sociedades. E o acesso a terra era
feito mediante as seguintes formas:

 Aforamento (cfr artigo 1491 CC)


 Arrendamento (cfr artigo 1064 CC)
Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL
16
Curso: Direito 2020

 Compra e vendas de terrenos ocupados por prédios urbanos


ou adquiridos para a sua construção, nas cidades.( cfr artigo
874 CC )

Período após a independência

Com a independência de Moçambique a 25 de Junho de 1975 a


propriedade da terra foi nacionalizada ao abrigo do artigo 8 da
Constituição da República de 1975. Segundo o referido artigo “A
terra e os recursos naturais são propriedade do Estado. O Estado
determina as condições do seu aproveitamento e do seu uso”.

A primeira Lei de Terras em vigor em Moçambique, após a sua


independência nacional, foi a aprovada pela Lei n.º 6/79, de 3 de
Julho. O respectivo regulamento foi aprovado pelo Decreto n.º
16/87, de 15 de Julho.

Estes instrumentos para além de tratarem do novo regime de


acesso à terra em Moçambique, dispuseram sobre o
processo de validação dos direitos relativos à terra adquiridos
no período anterior à independência nacional.

Deste modo, os direitos particulares ou individuais sobre a terra


foram nacionalizados ou por outra forma o Estado
moçambicano passou a ser o proprietário da terra ao abrigo
da constituição.

De referir que a terra e as infra-estruturais nela implantadas,


usadas pelos colonos para exploração agrícola, foram na altura da
independência expropriadas através de processos de

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


17
Curso: Direito 2020

intervencionamento e nacionalização ao abrigo do Decreto lei nº-


16/75 de 13 de Fevereiro enquanto através do Decreto lei 5/76
se nacionalizou a terra urbana ou outra usada para
arrendamento.

Embora o processo de nacionalização da terra tenha sido


decidido com base em princípios políticos através do acto de
soberania do Estado e estar claro que o regime político e o
governo da FRELIMO defendessem que a terra era uma
conquista do povo, não havia um instrumento legal que regulasse
a forma de acesso, uso e aproveitamento da terra.

É assim que nasce a lei nº- 6/79 de 3 de Julho (A 1ª lei de


Terras) e, mais tarde o Decreto lei nº- 16/87 de 15 de Julho
(Regulamento da lei de Terras), instrumentos que à luz da
previsão constitucional dispunham que “ a menos que os
detentores de direitos à terra regularizassem os seus direitos
nos termos da lei de terras dentro dum prazo de três anos, esses
direitos reverteriam a favor do Estado”.

Estava claro que os cidadãos não podiam exercer o direito de


propriedade sobre a terra, mas sim o direito de uso e
aproveitamento, numa alusão sobre os direitos de posse
sobre a terra.

De notar, também, que o artigo 1 da lei de terras dispunha já


nessa altura, que “ a terra não pode ser vendida nem por outra
forma arrendada, hipotecada ou penhorada”, numa clara alusão
de que os direitos sobre a terra tão somente se
Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL
18
Curso: Direito 2020

circunscreviam à posse, ao direito de uso e aproveitamento,


não se aceitando, por isso a pratica de actos de disposição.
E esta posição vem prevalecendo.

Em 1997 e através da Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro, foi


aprovada a actual Lei de Terras.

Adiante o Regulamento da Lei de Terras aplicáveis às “zonas


não abrangidas pelas áreas sob jurisdição dos Municípios que
possuam Serviços Municipais de Cadastro” foi aprovado em
1998, através do Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro.

O regulamento aplicável às “áreas de cidade e vila legalmente


existentes e nos assentamentos humanos ou aglomerados
populacionais organizados por um plano de urbanização” fora
aprovado através do Decreto n.º 60/2006, de 26 de
Dezembro adiante, o “Regulamento do Solo Urbano” . A Lei
de Terras aplica-se tanto à terra urbana como à rural

Os antecedentes do regime jurídico sobre terras em


Moçambique e o actual pacote legal relevante sobre a matéria
são formados por um conjunto de políticas, leis e demais
instrumentos legais.

A definição do regime da terra sempre teve tratamento,


também, ao nível da própria Constituição. Actualmente
encontra-se em vigor a Constituição da República de
Moçambique de 2004 com as referidas . Antecederam a actual

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


19
Curso: Direito 2020

Constituição, a Constituição de 1975 e a Constituição de


1990.

3.2 Direito de terra em Moçambique

Desde a independência nacional foi rejeitado o princípio da


propriedade privada da terra e afirmada propriedade do Estado,
tanto quanto aos recursos naturais, mas o acesso ao uso da terra
teve suas evoluções: ora vejamos

Influencia socialistas:

ACRPM de 1975 dispunha que o sector económico do Estado era o


elemento impulsionador da economia nacional e que a
propriedade do Estado (Terra) receberia protecção especial sendo
a entidade estadual responsável de assim o fazer.

Aos camponeses e trabalhadores o Estado encorajava-os a


organizarem-se em forma colectiva de produção de produção cujo
seria apoiado e orientado (as chamadas cooperativas)

O sector privado era tolerado mais com um regime obrigacional e


fiscal gravasso ou pesado cfr artigo 9, 10, 11 CRPM.

Com o projecto da 1ª Lei de Terra em prol da reforma agraria de


1979 estabeleceu-se que:

 O Estado passaria a estimular e apoiar a integração das


explorações familiares nas zonas de desenvolvimento
planificado;
Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL
20
Curso: Direito 2020

 O partido Frelimo as cooperativas e Empresas Estatais


gozavam da utilização gratuita da Terra, sem prazo
enquanto que para as Empresas privadas era Oneroso e
periódico entre 5 a 15 anos renovável.
 A execução dos planos de desenvolvimento agrários podiam
implicar a transferência dos agregados familiares e o seu
reenquadramento, sem direito direito a indeminização,
apenas uma compensação de material de construção
serviria.

A percepção africana

Para os africanos os direitos da terra são reservados pelos


súbditos ao carácter absoluto, exclusivo, e transmissível
hereditariamente e perpétuo.

Para estes a redistribuição periódica da terra correspondem as


condições impostas pelo sistema agrícola, pela rotação de
culturas, emigração dos membros.

Os membros da comunidade tem o acesso livre a certas parcelas


para uso de terra, quanto individual ou finalístico (pastagem)

A terra é sagrada e inviolável, inalienável, e foram estes aspectos


que ditaram o reconhecimento do direito consuetudinário.

Influência da economia de mercado.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


21
Curso: Direito 2020

O Programa de Reabilitação Económica (PRE) na perspectiva de


reactivar a produção e reduzir gradualmente os desequilíbrios
financeiros e económicos

No que diz respeito a terra, apesar de ser propriedade de Estado,


articulou-se em meios convenientes de transmissão a favor de
pessoas singulares ou colectivas.

Em 1990 a CRM artigo 4 e 48, em vista as forças do mercado na


qual a iniciativa dos agentes económicos a participação de todos
tipos de propriedade, e a acção do Estado como regulador do
crescimento e desenvolvimento que era a nova ordem
económica, foram reconhecidos os direitos adquiridos por
herança ou ocupação

A Constituição da República em vigor estabelece os


seguintes princípios a respeito da terra:

 Em Moçambique a terra é propriedade exclusiva do Estado. (


cfr art 3 L.T)
 A terra não deve ser vendida, hipotecada, penhorada ou de
qualquer outra forma alienada.( cfr art 6 C.R.M)
 A Terra é o meio universal de criação da riqueza e do
bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é
direito de todo o povo moçambicano.
 O Estado confere o direito de uso e aproveitamento da
terra, e determina as condições para tal uso.(cfr art 10, e
sgs L.T)

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


22
Curso: Direito 2020

3.3 Políticas nacionais de terra

Em 1995 foi aprovada a Política Nacional de Terra e a Estratégia


de Implementação, que foi o marco para as alterações à
legislação de terras que se seguiram . A Política Nacional de
Terras, aprovada pela Resolução n.º 10/95, de 17 de
Outubro, define o seguinte princípio orientador para a
legislação sobre a terra em Moçambique: “assegurar os
direitos do povo moçambicano sobre a terra e outros
recursos naturais, assim como promover o investimento e o uso
sustentável e equitativo destes recursos”.

A Política Nacional de Terras também orienta e reconhece os


direitos costumeiros sobre a terra como base para a legislação
actual que descreve o processo de formalização dos direitos à
terra. Entre outros.

A PNT estabelece os seguintes objectivos prioritários cfr


ponto 13 e 14:

 Recuperar a produção de alimentos e garantir a segurança


alimentar;
 Criar condições para que a agricultura do sector familiar se
desenvolva e cresça, tanto em volume de produção como
em índices de produtividade, sem que lhes falte o seu
recurso principal, a terra;

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


23
Curso: Direito 2020

 Promover o investimento privado, utilizando de uma forma


sustentável e rentável a terra e outros recursos naturais,
sem prejudicar os interesses locais.

3.4 Princípios fundamentais da PNT cfr o ponto 17:

 A manutenção da terra como propriedade do Estado,


princípio consagrado na Constituição da República;
 Garantia de acesso e uso da terra à população, bem como
aos investidores, reconhecem-se os direitos costumeiros
de acesso e gestão das terras das populações rurais
residentes, promovendo justiça social e económica no
campo;
 Garantia do direito de acesso e uso da terra pela mulher;
 Promoção do investimento privado nacional e estrangeiro,
sem prejudicar a população residente e assegurando
benefícios esta e para o erário público nacional;
 Participação activa dos nacionais com parceiros em
empreendimentos privados;

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


24
Curso: Direito 2020

4. ESTUDOS COMPARADOS ENTRE AS LEGISLAÇÕES DE


TERRA EM MOÇAMBIQUE

4.1 Fundamentos da sua criação

A 1ª lei de terras de 1979 foi elaborada no período após a


independência nacional, cujo o sistema dominante na altura era o
socialismo implementado pelo governo da Frelimo, na altura o
Estado era detentor exclusivo de todo poder sócio e económico.

E o país findo a guerra da luta de libertação colonial, a partir do


momento que ascende o poder autónomo e independente teve
como uma das primeiras necessidade efectuar a reconstrução
nacional por se tratar da essencialidade de um Estado recém
instituído deveria fazer face a sua organização interna de modo a
ter o devido reconhecimento da sua soberania.

Ora ao abrigo deste evento, o Estado na qualidade de provedor


de recursos estava obrigado a reforçar a finalidade da satisfação
colectiva que visasse os interesses do povo que naquele altura
encontravam-se dispersos ou seja os feitos das guerras alocou
arrastadamente as pessoas para os campos.

E para restabelecer o elo com as pessoas o governo tomou a


iniciativa de elaborar dispositivos legais que conferissem o acesso
a terra ao seu povo, e assim foi pela primeira vez criada a lei de
6/79, de 3 de Julho.

Em relação a 2ª lei de terras, que por sinal está em vigor até aos
dias actuais, diferente da que antecede esta foi elaborada numa

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


25
Curso: Direito 2020

época em que o Estado decidiu implementar uma política


económica e social baseada nas orientações dos países
modernos, é a referida economia de mercado ou seja
Moçambique passou a ser um Estado capitalista onde o papel do
Governo passou a ser simplesmente de regularizar as actividades
dos entes privados.

Nesta ideologia em que o Estado adoptou um mecanismo político


com vista a promover a criação de riqueza e do bem-estar social
e impulsionar o desenvolvimento que consistia um dos desafios
para o próprio Estado, viu-se obrigado conceder o direito de uso e
aproveitamento da terra a todos cidadãos residentes em
Moçambique, desta vez de forma mais extensiva e flexível.

Justamente mostrou-se a necessidade da revisão da 1ª lei de


terras, de forma a adequá-la à nova conjuntura política,
económica e social e garantir o acesso e a segurança de posse de
terra, tanto dos camponeses moçambicanos, como dos
investidores nacionais e estrangeiros. Facto que anteriormente
era impraticável devido a ideia do Estado arrogar para si com
exclusividade a promoção da satisfação colectiva.

E o principal objectivo no presente momento era incentivar o uso


e aproveitamento da terra, de modo a que esse recurso, que pela
essencialidade é um dos mais importante que o país dispõe, e
simultaneamente seja valorizado e contribua para o
desenvolvimento da economia nacional.

4.2 Principais inovações


Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL
26
Curso: Direito 2020

É susceptível de observar de primeira certas inovações


relativamente ao quadro legal vigente, as quais passaremos a
mencionar:

 O reconhecimento dos direitos costumeiros sobre aterra;


 A necessidade de flexibilidade da lei;
 A formalização do informal.

Quanto ao reconhecimento dos direitos costumeiros (veja o


art.º 4 da lei 6/79 e art.º 10 e 12 da lei 19/ 97). já tinha sido
sugerido pela revisão constitucional de 1990, quando legislador
constituinte definiu que “ o Estado reconhece e protege os
direitos adquiridos por herança ou ocupação”

Segundo a PNT, os sistemas costumeiros são já um recurso


inquestionável e oferece um serviço “público” a um custo ínfimo
para o Orçamento Geral do Estado, na administração e gestão
de terras nas zonas rurais (cfr o ponto 21 PNT) .

Por exemplo, estes sistemas funcionam eficazmente na


reintegração da população deslocada no interior do país e dos
regressados dos países vizinhos. (cfr o ponto 5 da PNT)

Em relação a necessidade de ter uma lei flexível, que não


especificasse o que fazer em cada situação cultural diferente,
mas admitisse o princípio de que em cada região pudesse
funcionar o respectivo sistema de direitos consuetudinários,
de acordo com a realidade local conforme o ponto 22 PNT.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


27
Curso: Direito 2020

Esta flexibilidade deveria permitir igualmente a sua


actualização ao longo do tempo, sem recorrer a revisões
periódicas.

E por fim a formalização do informal (cfr o artigo 14 da actual lei


de terra conjugado com o ponto 65 PNT) refere-se a abertura de
um processo de registo que permite a estabelecer os direitos e
condições de acesso e acções pelas comunidades locais sobre
uma área por si explorada, principalmente no que respeita ao
cadastro do sector familiar.

4.3 Os sucessos alcançados pela de implementação da


Legislação sobre terras.

Alguns princípios fixados na PNT foram relativamente


concretizados. Estamos a referir nos à:

 A manutenção da terra como propriedade do Estado;


 O acesso e uso da terra pela população, Foi
assegurado o direito do povo moçambicano sobre a terra
e outros recursos naturais;
 A promoção do investimento nacional;
 A promoção do direito de acesso e uso da terra pela mulher;
 A redução ainda que não plena de conflitos sobre a terra nas
zonas rurais e urbanas, não significando, que não haja
potenciais conflitos de terra, em resultado do processo de
desenvolvimento do país e a concorrência pelos
melhores recursos do país.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


28
Curso: Direito 2020

4.4 Os principais constrangimentos jurídicos na


implementação da legislação sobre terras

Nesta senda é possível identificar as principais lacunas,


insuficiências e contradições que resultam da aplicação
prática da referida Legislação. E ao longo dos tempos constatou-
se que as matérias e os inconvenientes comummente levantados
foram os seguintes:

 Falta de critérios claros sobre a representação das


comunidades locais e transparência dos processos de
consulta comunitária no âmbito da atribuição do DUAT;
 Deficiente contribuição da legislação sobre terras para
promover o investimento privado estrangeiro, e assegurar
benefícios para a população e para o erário público nacional;
uma vez que as dificuldades que se manifestam no processo
de consulta nas comunidades locais, tem afectado
consideravelmente a entrada do investimento estrangeiro;
 Uso insustentável dos recursos naturais de forma a garantir
a qualidade de vida para as presentes e futuras gerações;
 Deficiente conhecimento e aplicação da legislação sobre
terras pela Administração Publica.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


29
Curso: Direito 2020

5. DIREITO DE USO E APROVEITAMENTO DE TERRA

5.1 Propriedade da terra e domínio público;

Direito do Estado sobre a terra

A terra é uma propriedade publica, aplicando-se aos princípios e


regras atinentes aos bens do Estado, caracterizado de forma
expressa pela indisponibilidade de aquisição (impossível de
aquisição como propriedade), intransmissibilidade pelas formas
de alienação (Proibida a Venda, Hipoteca, ou Penhora) tanto para
o Estado como para o Particular, e por fim pela exclusividade
sendo o Estado o único titular de propriedade vedando esta
possibilidade a outras pessoas colectivas publica (Autarquias
Locais)

Resultante destas características a Administração Publica acaba


contendo as seguintes funções:

 Administração: (responder aos pedidos de autorização de


uso e aproveitamento de terra);
 Redistribuição: (em função de objectivo de justiça social e de
equidade);
 Gestão: (tomar e impor medidas de protecção e
conservação, garantir o uso planeado e sustentável e as
condições de utilização);
 Garantia dos direitos (assegurada através dos tribunais e
outros órgão de resolução de conflitos).

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


30
Curso: Direito 2020

5.2 Elementos fundamentais do regime Jurídico do Direito


de Uso e Aproveitamento da Terra.
5.2.1 Sujeito
Consideram-se sujeitos os titulares do direito de uso e
aproveitamento da terra, ou seja, os beneficiários ou utilizadores
da terra, assim reconhecidos e tutelados pela lei, nos artigos 10 e
11 da LT, estão indicados os sujeitos do referido DUAT.

Podemos distinguir do conjunto desses sujeitos, por um lado os


sujeitos singulares e, por outro, os sujeitos colectivos. A lei de
terras usa os termos pessoas singulares e pessoas colectivas.
As pessoas singulares podem ser tanto nacionais como
estrangeiras. Deste modo, vamos ver sucessivamente as pessoas
singulares nacionais, e pessoas singulares estrangeira, as
pessoas colectivas nacionais e as pessoas colectivas estrangeiras
e por ultimo a comunidade local.

a)Pessoas singulares nacionais


Consideram-se todos os moçambicanos, homens e mulheres. O
ponto de partida é, desde logo, a personalidade jurídica que se
adquire nos termos dos princípios da própria lei civil, com o
nascimento completo e com vida, Cfr. Artigo 66, nº- 1 do C.C.
Quanto à capacidade jurídica dessas pessoas consideramos que o
direito de uso e aproveitamento da terra é concedido aos
utilizadores e produtores directos da terra logo, existem pessoas
que não gozam da capacidade civil (de exercício), contudo

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


31
Curso: Direito 2020

integram o grupo de utilizadores directos da terra ou fazer parte


do grupo de pessoas que vivem exclusivamente da terra.

b)Pessoas singulares estrangeiras


Trata-se de todos os indivíduos estrangeiros.
Entretanto, requer-se destes que, em primeiro lugar, residam no
País há mais de cinco anos e cumulativamente tenham um
projecto de investimento aprovado pelas autoridades
moçambicanas.
Deve-se, assim, entender que os estrangeiros só adquirem terras
para fins de actividades económicas, isto é, na condição de
investidores Cfr. Artigo 11 conjugado com os artigos 11 e 24 do
RLT.

c) Pessoas colectivas nacionais


São as pessoas colectivas o próprio Estado (através das suas
diversas instituições e serviços), as autarquias locais, as
instituições públicas autónomas (institutos públicas, fundos
públicos, fundações públicas, Universidades, empresas públicos,
sociedades, as associações criadas no âmbito da lei comercial, as
fundações civis e de uma forma geral qualquer associação ou
instituição privada a quem seja, por lei, reconhecida
personalidade jurídica.

d)Pessoas colectivas estrangeiras

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


32
Curso: Direito 2020

Às pessoas colectivas estrangeiras para que se lhes reconheça


direito a terra, devem cumprir, em primeiro lugar, o requisito de
estarem constituídas na República de Moçambique ou aqui
registadas, quando constituídas no estrangeiro.
Em segundo lugar, devem ter um projecto de investimento
devidamente aprovado pelo Estado, através do Centro de
Promoção do investimento (CPI). O significado deste requisito é
de que as pessoas colectivas estrangeiras, tal como vimos em
relação às pessoas singulares estrangeiras, só têm acesso à terra
quando esta se destine à actividade económica, cfr Artigo 11
alinea b) LT conjugado com os artigos 11 e 24 n 2 do RLT

e) Comunidades locais
A lei de terras criou uma espécie de uma nova categoria de
pessoas colectivas, as comunidades locais, reconhecendo-lhes
direitos e deveres em relação à terra.
As mesmas são definidas para efeitos da lei em apreço como as
pessoas singulares nacionais agrupadas e localizadas numa
circunscrição territorial de que não ultrapasse o nível de
localidade e que tenham por fim, nessa organização,
salvaguardar interesses comuns sobre a terra Cfr. Art 1, nº- 1 L.T.
São três os elementos que integram o conceito de comunidade
local:
 Agrupamento de pessoas: singulares nacionais (substrato
humano);

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


33
Curso: Direito 2020

 Localização: circunscrição territorial igual ou inferior a


localidade (âmbito territorial);
 Fim: salvaguardar interesses comuns sobre a terra (fim
social).

Não sendo, no entanto, pessoas colectivas no sentido em que


essa figura jurídica é tradicionalmente entendida, a nossa
atenção deve ser dada às particularidades reservadas pela lei de
terras quanto ao reconhecimento legal, estatuto, actuação, etc.,
das comunidades locais, assim como quanto à posição concreta
dos membros que o integram.

5.2.2 Formas de aquisição.

São duas às formas de constituição do direito de uso e


aproveitamento da terra: por ocupação e por concessão do direito
de uso e aproveitamento da terra por uma autoridade
competente do Estado.
Estas duas formas demarcam dois processos de acesso à terra: a
que ocorre por meio do direito consuetudinário (tradicional) que
coexiste com o acesso à terra e por meio da legislação do Estado.
Devido à algumas especificidades dadas pelas exigências
adicionais impostas pela lei e o seu regulamento, a adquisição do
direito de uso e aproveitamento da terra também se faz para fins
de actividade económica.

a) Por ocupação

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


34
Curso: Direito 2020

A figura da ocupação é definida no ortigo 12 da LT e artigos 9 e


10 do RLT
Por sua vez o termo ocupação, por outro lado, é aqui usado no
seu sentido lato e para diferenciar esta forma de acesso à terra
da via por autorização de um pedido referida no artigo 12, alínea
c) da LT.
Pois, o acesso à terra por via das normas e práticas costumeiras
tem os mesmos efeitos legais, havendo diferenças nos
mecanismos, regras e autoridades que governam os respectivos
processos.
A ocupação da terra pode ocorrer por duas vias, segundo as
práticas e normas costumeiras ou fora do quadro de intervenção
dessas normas.

b) Ocupação através de normas e práticas costumeiras


A lei de terra não codifica estas normas e práticas costumeiras
Artigo 12 alínea a) da Lei de Terras e artigo 9 nº. 1 do
Regulamento da Lei de terras.
Nesse sentido, reconhece o pluralismo jurídico que caracteriza a
sociedade moçambicana de que as regras de uso e
aproveitamento da terra são uma das suas manifestações mais
características. E este pluralismo jurídico tem um duplo sentido:
em primeiro lugar, pela intervenção de vários sistemas
normativos locais e, em segundo, pela coexistência desses
sistemas com o sistema normativo positivo do Estado.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


35
Curso: Direito 2020

c) Ocupação sem a intervenção de normas e práticas


costumeiras
É o acto de alguém instalar-se num terreno e começar a trabalhar
nele sem antes obter alguma autorização das autoridades e
estruturas comunitárias ou do Estado.
No entanto, para que esta forma de ocupação seja considerada
válida para todos os efeitos legais, a mesma tem de ser feita em
obediência aos princípios e regras da boa fé.
Se bem que a boa fé deve significar que durante a instalação e
permanência do sujeito (singular nacional) não tenha ocorrido
qualquer forma de violência física ou moral e durante e
permanência nunca o ocupante tenha sido abordado por pessoas
singulares, comunidades locais ou autoridades com legitimidade
para tal, se o ocupante tiver permanecido no terreno, usando-o e
aproveitando-o ininterruptamente pelo menos durante mais de
dez anos, este pode requerer o reconhecimento dessa situação
como um direito definitivo de uso e aproveitamento da terra.
Neste caso, são aqui chamadas a intervir as outras regras da
figura da usucapião.

Constituição do direito de uso e aproveitamento da terra


por via de uma autorização do Estado ver o Artigo 12, alínea
b) RLT e artigo 10 nº- 1 da LT.
Paralelo aos mecanismos do direito consuetudinário a
“apropriação” originária da terra pelos sociais ocorre igualmente
pela intervenção directa do Estado.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


36
Curso: Direito 2020

Neste caso, a terra só pode ser concedida em face de um pedido


formal dirigido ao órgão
competente da administração pública, directa do Estado (central
ou local) ou autárquica
(municipal) e sobre o qual tenha recaído uma decisão favorável.
O regulamento da lei de terras prevê um mecanismo processual
muito simplificado de aquisição de terras por via da
administração pública segundo o plasmado nos rtigos 13,19,27 da
LT. e 24 e seguintes do RLT.

Constituição do direito de uso e aproveitamento da terra


para actividades económicas
A lei de Terras regula também o modo e as condições em que se
constitui o direito de uso e aproveitamento da terra para fins
ligados com a prática de uma actividade económica. A actividade
económica, para efeitos da lei de terras, vai desde o
aproveitamento directo da terra contida nos limites do terreno
pretendido através da realização de uma actividade agrária, a
implantação no terreno de infra-estruturas ligadas com outras
actividades, até ao simples pedido de um terreno como via para o
acesso aos recursos e facilidades localizados na superfície ou no
subsolo do terreno em causa

O primeiro aspecto que nos chama atenção sobre a lei nesta


matéria é a distinção, para fins da lei em análise, de actividades

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


37
Curso: Direito 2020

económicas do resto das actividades que legalmente podem ter


lugar sobre a terra. A lei é omissa quanto a esse aspecto. Nem
pela definição ou caracterização de “agente económico” que
eventualmente nos poderia ajudar nesta distinção, nos parece ser
a via mais acertada.

Segundo uma definição técnica e acolhida pela Lei de


investimentos, 2891, Lei nº. 3/93, de 24 de Junho. “Actividade
económica” é a “produção e comercialização de bens e serviços,
qualquer que seja a suam natureza, levada a cabo em qualquer
sector da economia nacional”.

Relativamente ao plano de exploração referido no art. 19º da LT,


este vem definido como um documento através do qual o
requerente do direito de uso e aproveitamento da terra indica o
que pretende fazer com o terreno que solicita, descrevendo
essencialmente as actividades principais e complementares que
espera leva a cabo, as construções e benfeitorias a realizar, a sua
calendarização e em caso aplicável, os montantes a despender,
mão-de-obra a empregar, tecnologia a utilizar, os rendimentos a
obter do referido empreendimento.

5.2.3 Titulação, registo e prova;

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


38
Curso: Direito 2020

Titulação
A luz do artigo 13 L.T o titulo de DUAT geralmente é emitido pelos
Serviços Públicos de Cadastro, gerais ou urbanos.
Mas sabe-se que existem sujeitos que despensas o referido titulo,
e diante a ausência de título não ficará o cidadão prejudicado do
seu direito do uso e aproveitamento da terra Adquirido por
ocupação. E em regra o processo de titulação do direito do uso e
aproveitamento da terra inclui o parecer das autoridades
administrativas locais, precedido de consulta às comunidades,
para efeitos de confirmação da não ocupação por outro sujeito.

Registo
O registo tem como efeito tornar conhecido a situação jurídica
das coisas , e principalmente para evitar a existência de ónus
oculto que possam ser um entrave a circulação jurídica dos bens.
E segundo o artigo 14 LT a constituição, modificação, transmissão
e extinção do direito de uso e aproveitamento da terra estão
sujeitas a registo. Mas não significando esto uma obrigatoriedade,
vigora aqui o principio da instancia e não de oficialidade,
devendo neste caso o requerente realizar o pedido aos serviços
competentes para a sua efectivação.
Em caso da ausência de registo não prejudica o direito de uso e
aproveitamento da terra adquirido por ocupação, a menos que
consiga comprovar o facto nos termos da presente Lei.

Prova

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


39
Curso: Direito 2020

Tendo em conta que o legislador consagrou a admissibilidade de


provas verbais e documentais em caso de litígios de terra, isto em
sede dos tribunais, torna-se assim relevante abordar acerca dessa
possibilidade da dispensa de título ou licença para explorações
familiares versos a importância dada ao título escrito como meio
de prova do direito de uso e aproveitamento de terra.
Função das provas
A prova é o meio ou instrumento através dos quais se procura
determinar a convicção do julgador.
Segundo o artigo 341 C.C as provas tem como função, demostrar
a realidade dos factos, diante dos litígios envolvendo partes ou
sujeitos que invocam a titularidade do direito de uso e
aproveitamento da terra, sendo sempre necessário a
apresentação dos factos que a comprovem a existência de quem
contem o melhor direito.
Meios de prova previstos no artigo 15 LT cj artigo 21 RLT
A lei de terra partilha dos meios gerais para comprovação do
direito de terra, a observar:

 Prova escrita cfr artigo 362 CC e seg


A prova escrita ou documental pode ser constituída pelo titulo,
pela autorização provisória ou certidão do registo.
 Prova testemunhal cfr artigo 392 CC e sgs
A prova testemunhal pode ser apresentada por membros,
homens e mulheres das comunidades locais, nos casos dos que
adquirem o DUAT por ocupação.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


40
Curso: Direito 2020

 Prova pericial cfr artigo 388 CC e sgs


Consistente no parecer técnico de pessoa habilitada e são
espécies de perícia: o exame, a vistoria e a avaliação, podendo
constituir na avaliação de árvores plantada, sua idade e outras
provas matérias que comprovem a ocupação.

Em relação a hierarquia das provas, existe aqui uma ligeira


dificuldade em afirmar literalmente que um daqueles meios de
prova é valorado ou sobrepõe o outro, assim sendo preferimos
nos avançar dizendo que existe uma ineficácia das provas mas
variam consoante as circunstâncias e os factos.

5.2.4 Transmissão;
Transmissão do “duat” entendida como processo pelo qual um
direito passa da titularidade de um sujeito para outro de forma
permanente.

Os direitos reais conhecem este fenómeno, podendo a sua


transmissibilidade ser possível tanto em vida ou por motivo de
morte do seu titular conforme indicado no art. 2024 do Código
Civil.
A transmissibilidade traduz igualmente e em termos práticos o
poder de disposição de que o titular do direito goza sobre a coisa.
Falamos concretamente da disposição jurídica e não da
disposição material.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


41
Curso: Direito 2020

O direito de uso e aproveitamento da terra deve ser analisado


com especial cautela quanto à transmissibilidade, porquanto a lei
no artigo 16 LT mostra-se fortemente restritiva. Entretanto,
apenas autoriza a transmissão do direito de uso e aproveitamento
da terra em duas hipóteses, por “mortis causa” e a transmissão
do direito de uso e aproveitamento da terra sobre um prédio
urbano “por motivo da transmissão de um imóvel nele
implantado”.

5.2.5 Competências cfr artigo 22, 23 LT cj RLT


Em áreas não cobertas por planos de urbanização, compete:
Aos Governadores Provinciais:
a) Autorizar pedidos de uso e aproveitamento da terra de áreas
até ao limite máximo de 1000 hectares;
b) Autorizar licenças especiais nas zonas de protecção parcial;
c) Dar parecer sobre os pedidos de uso e aproveitamento da terra
relativa a áreas que correspondam à competência do Ministro da
Agricultura e Pescas.

Ao Ministro da Agricultura e Pescas:


a) Autorizar os pedidos de uso e aproveitamento da terra de
áreas entre 1000 a 10000 hectares;
b) Autorizar licenças especiais nas zonas de protecção total;
c) Dar parecer sobre os pedidos de uso e aproveitamento da terra
relativos a áreas que ultrapassem a sua competência.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


42
Curso: Direito 2020

Ao Conselho de Ministros:
a) Autorizar pedidos de uso e aproveitamento da terra de áreas
que ultrapassem a competência do Ministro da Agricultura e
Pescas, desde que inseridos num plano de uso da terra ou cujo
enquadramento seja possível num mapa de uso da terra;
b) Criar, modificar ou extinguir zonas de protecção total e parcial;
c) Deliberar sobre a utilização do leito das águas territoriais e da
plataforma continental.

Aos Conselhos Municipais e de Povoação e


Administradores do Distrito
Compete aos Presidentes dos Conselhos Municipais e de
Povoação e aos Administradores do Distrito, nos locais onde não
existam órgãos municipais, autorizar pedidos de uso e
aproveitamento da terra nas áreas cobertas por planos de
urbanização e desde que tenham serviços públicos de cadastro.

As Comunidades locais
1. Nas áreas rurais, as comunidades locais participam:
a) Na gestão dos recursos naturais;
b) Na resolução dos conflitos;
c) No processo de titulação, conforme o estabelecido no nº 3 do
artigo 13 da presente Lei;
d) No exercício das competências referidas nas alíneas a) e b) do
nº 1 do presente artigo, as comunidades locais utilizam, entre
outras, as normas e práticas costumeiras.

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


43
Curso: Direito 2020

5.2.6 Meios de defesa;

Ver ponto 1.8 Mecanismos jurídicos de defesa do direito da posse

Apontamentos de Direito Agrário Elaborado pelo professor : De’OdoneL


44

Você também pode gostar