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CASOS PRÁTICOS

DE
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

VI. Reenvio

Caso*

Andrew, português, viúvo, habitualmente residente em Nova Iorque, é pai de


Bárbara, portuguesa, que nasceu e sempre residiu em Nova Iorque. Bárbara, depois de
atingir a maioridade, revelou-se uma empreendedora de sucesso, sendo hoje em dia
dona da principal empresa de mediação de imóveis de luxo dos EUA.
Andrew faleceu em 1 de setembro de 2017 e havia feito testamento deixando todos
os seus bens a Charles, seu motorista, norte-americano, também residente em Nova
Iorque. O património de Andrew era constituído por bens imóveis situados em Portugal
e no Panamá.
Em outubro de 2017, Bárbara intentou, num cartório notarial português, inventário
respeitante à sucessão por morte do pai. Sustentando ser a lei portuguesa a aplicável,
Bárbara considera que o testamento de Andrew não é válido na parte em que este
dispôs do seu património na quota que, à luz da lei portuguesa, seria indisponível.
Invoca também que, mesmo que fosse aplicável uma lei estrangeira que considerasse
válido o testamento, a reserva de ordem pública internacional obstaria à sua aplicação.
Charles alega, por seu lado, que a lei aplicável ao caso é a de Nova Iorque,
segundo a qual o testamento é integralmente válido.
Admitindo que:
a) o cartório notarial português é internacionalmente competente;
b) a norma de conflitos nova-iorquina, bem como a panamiana, regula a
sucessão imobiliária pela lei do lugar da situação dos imóveis;
c) nos Estados Unidos da América não existem regras de Direito interlocal
unificado nem de Direito Internacional Privado unificado; 36º/1 a)
d) quer a lei material nova-iorquina, quer a panamiana, consideram este
testamento integralmente válido;
e) os tribunais nova-iorquinos praticam, nesta matéria, devolução integral ou
dupla devolução e os panamianos a referência material;

diga se a pretensão de Bárbara é procedente.


Estamos perante um conflito plurilocalizado, na medida em que temos a intervenção
de vários ordenamentos jurídicos no caso (EUA, PT, PANAMÁ) e teremos de saber
qual a lei que regula a sucessão neste caso imobiliária.
Sendo-nos dito que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes,
concluímos que a L1 é a lei portuguesa. Estando em causa matéria sucessória,
cumpre analisar a aplicabilidade do Regulamento das Sucessões, visto que por via do
primado do DI, este prevalecerá, caso aplicável, sobre o direito nacional. Para tal
temos de analisar os âmbitos do regulamento, se os mesmo estão preenchidos:
 Âmbito de aplicação material – art.1º/1: o regulamento aplica-se às sucessões
por morte, não sendo aplicável em matérias fiscais, aduaneiras ou
administrativas. Não há aqui qualquer uma das exceções previstas no n.º2 e
parece estar preenchido o conceito de sucessão do artigo.3º/1 a);
 Âmbito de aplicação temporal – art.83º/1: o regulamento é aplicável às
sucessões das pessoas falecidas em 17 de agosto de 2015 ou data posterior,
pelo que este âmbito também se encontra preenchido já que A falece a 1 de
setembro de 2017;
 Âmbito de aplicação espacial – o regulamento é aplicável em todos os
Estados-membros, com exceção da Dinamarca e da Irlanda: como já vimos, os
tribunais PT são competentes, sendo ele um EM sujeito ao regulamento;
 Âmbito de aplicação territorial – universal.
Estando os âmbitos do regulamento preenchidos, é possível aplicar a regra geral
prevista no artigo 21º/1 que nos diz “salvo em disposição em contrário, aplica-se a lei
do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito”, que no caso
seria EUA. A L2 é, por isso, a lei dos EUA, onde vigora um sistema de dupla
devolução, ou seja L2 julga o caso da mesma forma que o caso seria julgado pela lei
que essa considerou competente.
O direito dos EUA regula o caso por via da aplicação da lex rei sitae¸ou seja, aplica a
lei do Estado onde o imóvel se encontra:
1. IMÓVEL SITO EM PORTUGAL:

Estamos perante um caso de reenvio para a lei PT, uma vez que o imóvel se
encontra em PT e é para a lei do Estado do imóvel que o sistema EUA remete.
Tendo a OJ EUA um sistema de DD, o mesmo coloca-se na posição do sistema
português, julgando o caso como este julgaria. Assim – L2 remete para L1, mas L1
aplica L2.
Visto que a L2 remete para a lei PT e já que aplicamos o regulamento, temos que
analisar o artigo 34º do regulamento para a questão de reenvio. Não parece que o
34º/1 a) regulamento esteja preenchido já que a lei dos EUA não faz uma
verdadeira remissão para a lei portuguesa, já que se considera competente a si
mesmo.
A situação aqui seria resolvida pela lei inglesa, não sendo admitido o reenvio.

2. IMÓVEL SITO NO PANAMÁ:

Neste caso, L2 coloca-se na posição da L3 e julga como esta julgaria. A L3, por
sua vez, considera-se competente para julgar do caso. Se se considera o
regulamento aplicável, analisamos o 34º para a questão do reenvio. O 34º/1 b)
já parece estar preenchido já que o Estado terceiro (EUA) remete para outro
estado terceiro (Panamá) e esse considera-se competente, pelo que o reenvio
era admitido e aplicávamos a lei do panamá.

VII. Remissão para ordenamentos jurídicos complexos

Caso *
A sociedade imobiliária X, com sede efetiva em Lisboa, vendeu, por contrato
celebrado em Loures, a António, português, residente habitualmente no Texas (E.U.A.),
um imóvel situado no Estado do Texas.
Sabendo que nos E.U.A. não existe Direito interlocal ou DIP unificado, determine
qual a lei competente para regular o regime dos direitos reais sobre o imóvel.
Estamos perante um problema plurilocalizado, na medida em que a sociedade X tem
sede em Lisboa, e pretende celebrar um contrato com A, português residente nos
EUA, de um imóvel sito no Texas. A situação tem contacto com mais de uma OJ
sendo objeto de DIP.
Esta matéria encontra-se regulada no artigo 46º CC (não fazemos qualificação pois no
caso não temos indicação de normas materiais dos diferentes estados para
identificarmos o conceito-quadro), que no nr1 define que o regime é definido pela lei
do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas – no caso, o imóvel está
situado no Texas, EUA, sendo esta a L2. Sendo os EUA um OJ complexo ou
plurilegislativo, temos de analisar o artigo 20ºCC.
O art 20º, nº 1 determina que, se em razão da nacionalidade, for competente a lei de
um Estado em que existem diferentes sistemas legislativos locais (como aqui
acontece, pois que a lei portuguesa remete a questão para a lei americana), então é o
direito interno desse Estado que fixa, em cada caso, o sistema aplicável. No fundo,
manda o art 20º, nº 1 que se determine se o Estado em questão apresenta, ou não,
direito interlocal unificado. É-nos dito que não.
Segue-se então a análise do art 20º, nº 2 – a primeira parte manda olhar para o direito
internacional privado do mesmo Estado. É-nos também dito que o mesmo não existe,
pelo que a questão é remetida para o art 20º, nº 2, 2ª parte. Aí, considera-se como lei
pessoal do interessado a lei da sua referência habitual. A é quem quer constituir o
direito real, pelo que o mesmo é português com residência nos EUA – a norma manda
aplicar a lei dos EUA.

NOTA: Se o elemento de conexão não for a nacionalidade, o caso não é contemplado


pelo art. 20º CC. ISABEL COLLAÇO indica que há uma lacuna que nos faz aplicar
analogicamente o artigo 20º. Quer isto dizer que, no caso de remissão para um
ordenamento complexo de base territorial se deve sempre atender ao Direito Interlocal
e ao DIPrivado unificados de que o ordenamento complexo disponha. como proceder
se não houver Direito Interlocal nem DIPrivado unificados? -> Se a remissão operada
pela norma de conflitos apontar para um determinado lugar no espaço ou diretamente
para determinado sistema local, há que entender a remissão operada pela norma de
conflitos como uma remissão para o sistema local. Quando os elementos de conexão
apontam para um determinado lugar no espaço, há que considerar os sistemas locais
como se fossem autónomos e entende-se que a norma de conflitos, ao remeter para
um lugar no espaço, está a remeter indiretamente para o sistema que aí vigora.

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