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Direito Internacional Privado

4.º Sessão
1. Conceitos
2. Artigo 20.º CC
3. OJC de Base Territorial – n.º 1 e 2
4. OJC de Base Pessoal – n.º 3
5. Outros Elementos de Conexão
6. Regulamentos Roma I e II
7. Regulamentos n.º 650/2012 e 2016/1103|1104
8. Regulamento n.º 1259/2010
1. Conceitos
Por ordenamento jurídico complexo, por vezes designados
ordenamentos jurídicos pluri-legislativos, são aqueles ordenamentos
jurídicos de Estados soberanos em que coexistem diferentes sistemas
jurídicos dentro desse mesmo Estado soberano.

Os ordenamentos jurídicos complexos dividem-se em ordenamento


jurídico complexos:
i) de base territorial – onde a multiplicidade de sistemas jurídicos
assenta numa divisão territorial do Estado soberano;
ii) de base pessoal – onde a multiplicidade de sistemas jurídicos
assenta numa divisão em razão das diferentes categorias de pessoas.
1. Conceitos (continuação)
A questão que se coloca a propósito dos ordenamentos jurídicos complexos é saber qual a lei
aplicável quando a regra de conflitos remete para o Estado soberano. Para que esse problema se
coloque é necessário estarem preenchidos 3 pressupostos cumulativos:
i) remissão para um ordenamento jurídico complexo;

ii) os vários sistemas jurídicos que coexistam nesse ordenamento jurídico complexo ofereçam
soluções distintas; assim, não se preenche este requisito se:
a) se houver uma harmonização interna entre todos os sistemas jurídicos;
b) se houver um regime que se aplica a todos esses sistemas jurídicos, aprovado no âmbito do
Estado Soberano;
c) se houver um regime material que regula a situação jurídica internacional em caso de conflitos.

iii) a regra de conflitos deve remeter para o ordenamento jurídico complexo no seu todo, ou seja,
para a lei do Estado soberano; assim, se remeter diretamente para o Direito Local então o problema
já não se coloca – para aferir se uma regra de conflitos remete para a lei do Estado soberano ou para
o Direito Local é necessário, ou verificar a existência de alguma norma que delimite o âmbito da
remissão, ou através da interpretação do elemento de conexão e através do entendimento relativo a
2. Artigo 20.º
É possível fazer uma divisão do Artigo 20.º CC:

i) o n.º 1 e o n.º 2 – que se reportam aos ordenamentos jurídicos


complexos de base territorial;

ii) o n.º 3 – que se reporta aos ordenamentos jurídicos complexos de


base pessoal.
3. OJC de Base Territorial
O Artigo 20.º só se aplica diretamente aquelas situações em que o elemento de conexão
é a “nacionalidade” do interessado
À luz do Artigo 20.º deve-se:
i) utilizar o direito de conflitos interlocal unificado (aprovado no plano do Estado
soberano) do Estado soberano em ordem a encontrar qual o Direito Local competente,
nos termos do n.º 1;
ii) na ausência de direito de conflitos interlocal unificado, deve-se procurar a resposta
no Direito Internacional Privado Unificado do Estado soberano, nos termos do n.º 2, 1.º
Parte; isto decorre do princípio da harmonia de julgados, na medida em que o legislador
presumiu que havendo direito internacional privado unificado é provável que os
tribunais desse ordenamento jurídico complexo aplicassem o direito internacional
privado unificado por analogia para resolver a questão do conflito interlocal;
iii) na ausência de direito de conflitos interlocal unificado e de direito internacional
privado unificado, então considera-se a lei pessoal do interessado a lei da sua residência
habitual, nos termos do n.º 2, 2.º Parte.
Exemplo
“A, nacional dos Estados Unidos da América, com residência habitual em Nova Iorque,
quer casar em Portugal. Sabendo que cada Estado Federado estabelece requisitos
diferentes para a capacidade matrimonial; que os Estados Unidos não gozam de Direito
Interlocal Unificado, nem de Direito Internacional Privado Unificado.”
Nesse caso, a lei que regularia a capacidade matrimonial de A seria a lei da sua
nacionalidade, na medida em que o Artigo 49.º remete para a lei pessoal do
interessado, a qual é a lei da nacionalidade, nos termos do Artigo 31.º/1 ex vi Artigo
25.º, ou seja, a lei dos Estados Unidos da América.
Acontece que os Estados Unidos são um ordenamento jurídico complexo de base
territorial, sendo que as soluções em matéria de capacidade matrimonial são várias e
distintas entre os Estados Federados.
No exemplo, deve-se concluir pela aplicação da lei de Nova Iorque, na medida em que
essa é a lei da residência habitual do interessado, nos termos do Artigo 20.º/2, 2.º Parte,
sendo que o Estados Unidos não goza, a nível federal, de regras de conflitos Interlocais
ou de Internacional Privado, afastando as soluções do Artigo 20.º/1 e 2, 1.º Parte.
2.º Parte do n.º 2 do Artigo 20.º (Divergência | Doutrina
Tradicional)
A propósito do n.º 2 do Artigo 20.º existe uma divergência doutrinária que consiste em
saber o quê que acontece quando a residência habitual do interessado fica num outro
Estado que não o da sua nacionalidade:
i) Ferrer Correia e Baptista Machado defendem continuar-se a aplicar o Artigo
20.º/2, independentemente se a residência habitual do interessado for no Estado da
sua nacionalidade ou num outro para tal os autores invocam:
a) o elemento histórico da interpretação, na medida em que nos anteprojetos do
disposto constava uma solução contrária a essa defendida por esses autores, sendo que
a atual redação e anteprojeto posterior aponta para a solução dos autores, então a
vontade do legislador é que fosse essa a solução;
b) elemento literal, na medida em que o artigo 20.º/2, 2.º Parte estabelece no
fundo que a lei pessoal deixa de ser a lei da nacionalidade e passa a ser a lei da
residência habitual ; no fundo essa doutrina vê uma regra de conflitos
diferente/subsidiária, quando não se consegue chegar a uma solução através do
elemento de conexão nacionalidade.
2.º Parte do n.º 2 do Artigo 20.º (Divergência | Doutrina de
Lisboa)
ii) Isabel Magalhães/Dário Vicente/Lima Pinheiro entendem que o Artigo 20.º/2, 2.º Parte só se
pode aplicar se a residência habitual for dentro do Estado da Nacionalidade do Interessado isso
com base no facto que:
a) está-se a abdicar do elemento de conexão da nacionalidade se se admitisse remeter para a
lei da residência habitual nesse caso, quando o interessado tem nacionalidade; no fundo a escola
de Coimbra está a tratar o interessado como um apátrida, quando ele tem nacionalidade;
b) o Artigo 28.º da Lei da Nacionalidade por analogia.
Sem prejuízo de concordarem nos argumentos, os professores não concordam quanto ao
resultado da interpretação:
a) segundo os professores Isabel Magalhães e Lima Pinheiro está-se no âmbito de uma
interpretação restritiva;
b) segundo o professor Dário Vicente está-se no âmbito de uma redução teleológica, na
medida em que a letra da lei vai para além do espirito/função da norma: o Artigo 20.º tinha como
propósito resolver a questão dos conflitos interlocais aquando da remissão para um ordenamento
jurídico complexo, pelo que o texto do Artigo ao permitir a remissão para um outro Estado onde o
interessado tem residência habitual está a ir para além do espírito do disposto.
2.º Parte do n.º 2 do Artigo 20.º (Divergência | Doutrina de
Lisboa) (continuação)
À luz dessa doutrina chega-se a uma verdadeira lacuna oculta; devendo
o interprete-aplicador proceder a criação de uma regra ad hoc dentro
do espírito do sistema jurídico: segundo os autores, dessa regra deve
resultar a remissão o direito material local dentro do ordenamento
jurídico complexo com o qual o interessado tenha uma conexão mais
estreita, apurada através de laços objetivos e subjetivos.
Exemplo Divergência do Artigo 20.º, n.º 2, 2.º Parte

“A, súbdito britânico, que sempre residirá em Londrês, com residência


habitual em Portugal, quer casar com B em Portugal. Qual a lei
reguladora da sua capacidade para contrair casamento, sabendo que o
Reino Unido não tem DIP, nem Direito de conflitos Inter-local unificado.”
Ora, o Artigo 49.º, conjugado com o 31.º, n.º 1, apontam para a Lei do
Reino Unido, como lei da nacionalidade de A. Acontece que o Reino
Unido é um OJC de base territorial, pelo que importa analisar qual o
sistema local competente.
Não tendo DIP Unificado, nem Direito de conflitos interlocal unificado
são de afastar as soluções do n.º 1 e n.º 2, 1.º Parte do Artigo 20.º, pelo
que resta analisar a remissão para a residência habitual do visado, cf.
n.º 2, 2.º Parte.
Exemplo Divergência do Artigo 20.º, n.º 2, 2.º Parte

Sucede que tendo A a sua residência habitual fora do território do Estado


Soberano pluri-legislativo, a doutrina diverge quanto à aplicação do n.º 2,
2.º Parte:
i) Para Ferrer Correia e João Baptista Machado, em virtude do
elemento histórico e literal, deve-se entender que a remissão ainda assim
opera para a residência habitual do visado, sendo, portanto, competente
o Direito Português, uma vez que A tem residência em Portugal;
ii) Para Magalhães Colaço, Lima Pinheiro existe uma verdadeira lacuna
que deve ser integrada no sentido de remeter para o sistema local com o
qual o visado tem uma relação mais estreita, desta forma, uma vez que
sempre viveu em Londrês, deve-se considerar competente o Direito
Inglês.
4. OJC de Base Pessoal – n.º 3
No caso de remissão para ordenamentos jurídicos complexos de base
pessoal, então para aferir a lei aplicável deve-se:
i) olhar para o Direito Interpessoal Unificado;
ii) na ausência de Direito Interpessoal Unificado, deve-se:
a) segundo Lima Pinheiro, aplicar-se a lei com a conexão mais
estreita;
b) segundo Dário Vicente, aplicar-se a lei da conexão subsidiária,
ou seja, residência habitual.
5. Outros Elementos de Conexão
O Artigo 20.º só se aplica diretamente quando esteja em causa uma
regra de conflitos que tenha como elemento de conexão a
“nacionalidade”, pelo que cabe saber qual a lei aplicável quando a regra
de conflitos utiliza outro elemento de conexão. Relativamente a isso a
doutrina divide-se:
i) Baptista Machado, Ferrer Correia e Dário Vicente defendem que
quando é utilizado outro elemento de conexão, então entendem que a
remissão é feita diretamente para o sistema jurídico local, se à luz do
direito interlocal do sistema jurídico local esse sistema se considerar
competente; sem prejuízo, Dário Vicente não admite, porém, o reenvio
quando as regras de conflito utilizarem, ou a conexão mais estreita, ou
a escolha de lei como elementos de conexão;
5. Outros Elementos de Conexão (continuação)
ii) Lima Pinheiro e Isabel Magalhães defendem que como regras de
conflito só podem remeter para a lei do Estado Soberano; devendo-se
aplicar o Artigo 20.º por analogia. Sendo que a 2.º Parte do n.º 2 só se
pode aplicar caso haja razões para o aplicar por analogia. Na
eventualidade de nenhum critério do Artigo 20.º CC não conseguir
resolver a solução, entendem os autores que se deve entender que a
remissão é para o Direito Local, ou seja, os autores adicionam o crivo
do Artigo 20.º antes de remeter para o Direito Local.
6. Regulamentos Roma I e II
Os Artigos 22.º do Regulamento Roma I e do 25.º do Regulamento
Roma II estabelecem a mesma regra, segundo a qual cada sistema
jurídico local, para efeitos da remissão, é tratado como se fosse um
Estado soberano.
7. Regulamentos n.º 650/2012 e 2016/1103|1104
Os Regulamentos n.º 650/2012, 2016/1103, e 2016/1104 tem soluções distintas conforme se
trate:
i) de um ordenamento jurídico complexo de base pessoal – estabelecem os Artigos 37.º
Regulamento n.º 650/2012 e 34.º Regulamento n.º 2016/1103, que se deve atender primeiro
ao direito interpessoal unificado e, na sua ausência/insuficiência, a lei da conexão mais
estreita;
ii) de um ordenamento jurídico complexo de base territorial – estabelecem os Artigos 36.º
do Regulamento n.º 650/2012 e 33.º do Regulamento n.º 2016/1103 que se deve aplicar o
direito de conflitos interlocal para aferir da lei local aplicável, ou na insuficiência desse direito:
a) se o elemento de conexão for a residência habitual, a lei da residência habitual da
unidade territorial;
b) se o elemento de conexão for a nacionalidade, deve-se aplicar a lei do sistema local com
o qual o interessado mostre uma relação mais estreita;
c) se for outro elemento de conexão, deve-se aplicar a lei da unidade territorial em que se
encontra o elemento pertinente
8. Regulamento n.º 1259/2010
Por fim, no Regulamento n.º 1259/2010 encontra-se uma solução mista. No caso
dos:
i) ordenamentos jurídicos complexos de base pessoal – estabelece o Artigo 15.º
que se deve aferir o regime aplicável à luz das regras de conflitos interpessoais ou,
na ausência delas, a lei com o qual o cônjuge ou cônjuges tem uma relação mais
estreita;
ii) ordenamento jurídicos complexos de base territorial – estabelece o Artigo 14.º
que a lei aplicável vai depender do elemento de conexão, se for:
a) a residência habitual, aplica-se a lei da residência habitual numa unidade
territorial;
b) a nacionalidade, afere-se a lei aplicável à luz das regras de conflito interlocais
ou, na ausência delas, aplica-se a lei da unidade territorial com a qual o cônjuge ou
cônjuges têm uma relação mais estreita;
c) outro elemento, aplica-se a lei da unidade territorial relevante.

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