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2020/2021

1.º semestre

CASOS PRÁTICOS
DE
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

VER SISTEMA DE PONDERAÇÃO CONFLITUAL

IX. Estatuto pessoal

Caso n.º 25

Alexandre e Brunilda, portugueses, residentes habitualmente no Estado do Texas,


celebram aí, em 2008, um testamento de mão comum.
Considerando que:

a) Alexandre e Brunilda faleceram em janeiro de 2014;


b) foi intentada ação perante tribunal português, que é internacionalmente
competente;
c) os EUA não possuem Direito interlocal e Direito Internacional Privado
unificados;
d) segundo o Direito material do Estado do Texas, é possível realizar testamentos
de mão comum;
e) o Direito de conflitos do Estado do Texas remete a regulação da questão para a
lei da residência habitual do declarante;
f) o regime de Direito material português consta do artigo 2181.º do Código Civil;

diga se o testamento de mão comum é válido.

Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada em que se conectam


diferentes ordens jurídicas, uma vez que A e B são cidadãos portugueses com residência
habitual no Estado do Texas, tendo falecido ambos e deixado um testamento de mão
comum celebrado no Estado do Texas.
A Lei do Foro é a portuguesa e, visto encontrarmo-nos no âmbito de matéria de
sucessões, vigora o Regulamento 650/2012. Para a aplicação do regulamento, teriam de
se encontrar preenchidos o que não acontece relativamente ao âmbito temporal que,
versado no art. 83º, exige que aplicação do mesmo se reporte apenas às sucessões das
pessoas falecidas em 17 de Agosto de 2015 ou após essa data, o que, in casu, não
acontece.
Excluindo-se a aplicação do Regulamento 650/2012, cabe atentar às normas de
conflitos da lei do foro. Do art. 64º, al. c) do Código Civil resulta que a admissibilidade
de testamentos de mão comum é regulada pela “(…) lei pessoal do autor da herança ao
tempo da declaração (…)”. A lei pessoal de Alexandre e Brunilda é, de acordo com o
art. 31º, nº1, a lei da nacionalidade, devendo a situação ser regulada pela lei portuguesa
não podendo, como desde já resulta do art. 2181º do Código Civil, testar no mesmo acto
duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro.
Porém, o art. 31º do CC, no seu nº2, apresenta a possibilidade de serem
reconhecidos em Portugal, os negócios jurídicos celebrados no país da residência
habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se
considere competente. De acordo com o professor Lima Pinheiro, estamos perante um
desvio ao princípio da nacionalidade em matéria de estatuto pessoal para reconhecer a
validade de negócios jurídicos celebrados no país de residência habitual, em
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conformidade com a lei deste país contando que esta se considere competente. O
professor acrescenta que o artigo em questão se trata de uma manifestação do princípio
do favor negotii.
Ao remeter para a lei da residência habitual onde tenham sido celebrados os
negócios, tutela-se a confiança do contratante que advém da possibilidade de se ter
formado, no espírito da pessoa, a convicção de que o negócio seria válido visto que ela
terá observado as prescrições do país onde reside habitualmente.
Este artigo apresenta 3 requisitos para a sua aplicação que cabe analisar:
1- Negócio Jurídico celebrado em país da Residência Habitual do declarante: O
local de residência de A e B encontrava-se no Estado do Texas tendo sido nesse
local que celebraram o testamento de mão comum, encontrando-se este requisito
preenchido.
2- Negócio seja válido perante a lei da Residência Habitual: Perante a lei do Estado
do Texas o testamento de mão comum é um negócio válido, encontrando-se este
requisito também preenchido.
3- Que a lei da residência habitual se considere competente: Havendo neste ponto
que consultar as normas de conflito do país da residência habitual e ver se este
se considera competente. Considerando que os Estados Unidos da América se
apresentam como um ordenamento jurídico complexo, isto é, uma ordem
jurídica em que coexistem diferentes sistemas de Direito Privado, neste caso de
base territorial visto que comporta diferentes sistemas aplicáveis a diversas
circunscrições territoriais, encontramo-nos no âmbito de aplicação do art. 20º do
CC. Há agora que determinar, de entre os sistemas que vigoram no Ordenamento
Jurídico Complexo, o aplicável. Esta determinação é orientada por dois
princípios:
1- O de que pertence ao OJ complexo resolver os conflitos de leis
internos e, por isso, determinar qual o sistema interno aplicável
2- O de que se o ordenamento complexo não resolver o problema, deve
aplicar-se de entre os sistemas que vigoram no âmbito do
ordenamento complexo, o que tem uma conexão mais estreita com a
situação a regular
Não havendo direito interlocal nem DIPrivado Unificados a remissão operada pela
norma de conflitos aponta para um determinado lugar no espaço ou diretamente para
determinado sistema local, há que entender a remissão operada pela norma de conflitos como
uma remissão para o sistema local – in casu para a Lei do Estado do Texas que por sua vez se
considera competente. Assim, damos por preenchido o último requisito.
Preenchidos os requisitos do nº2 do art. 31º CC, o testamento de mão comum seria
válido.

Sub-hipótese 1
E se o testamento, celebrado no Texas, fosse inválido à luz da lei do Texas mas
válido à luz da lei do Chile, para a qual aquela remetia, sendo que a lei do Chile se
considerava competente?

“”
Neste caso o problema situar-se-ia, num primeiro plano, a respeito do
preenchimento do segundo requisito do art. 31º, nº2, isto é, a exigência de que o negócio
fosse válido perante a lei da residência habitual, sendo que nesta sub-hipótese de acordo
com a lei do Estado do Texas o testamento em mão comum não seria válido. Quanto ao
segundo requisito, o professor Dário Moura Vicente propõe uma interpretação extensiva
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referindo que aquilo que importará não será tanto a lei com a qual o negócio foi
celebrado, mas sim que o negócio seja eficaz no país de residência habitual.
Num segundo plano, encontraremos problemas também no preenchimento do
terceiro requisito do art. 31º, nº2, isto é, que a lei da residência habitual se considere
competente, sendo que, de acordo com a sub-hipótese em análise, seria a lei do Chile
competente por remissão da Lei texana.
A doutrina pronuncia-se relativamente a esta questão.
De acordo com o professor Ferrer Correia, deve admitir-se a aplicação do art. 31º,
nº2 aos casos não contemplados na letra do preceito salientando que deve ser
reconhecida a situação que se constitui segundo a lei de um terceiro país, caso o DIP do
Estado de Residência Habitual também aplique essa lei, isto é, defende que no caso de
reconhecimento de uma situação em conformidade com a lei de um país que não se
considere competente, mas eu é aplicada pelo direito de conflitos da residência habitual,
se deve aceitar a transmissão de competência.
Também o professor Lima Pinheiro admite a aplicação analógica do art. 31º, nº2, no
caso em que a situação se constitui no país de residência habitual segundo outro direito,
que se considera competente e que é o aplicável segundo o Direito de Conflitos da
residência habitual.

Sub-hipótese 2
E se o testamento, celebrado no Chile, fosse inválido à luz da lei do Texas mas
válido à luz da lei do Chile, para a qual aquela remetia, sendo que a lei do Chile se
considerava competente?

Quanto a esta situação, o professor Lima Pinheiro admite a aplicação analógica do


art. 31º, nº2, tratando-se de uma situação que se constitui num terceiro país com base na
lei de um terceiro ordenamento que se considere competente e seja válido de acordo
com o DIP da residência habitual.

Caso n.º 26

Alberto, português, celebrou, mediante troca de correspondência, um contrato de


prestação de serviço, que devia ser executado em Portugal, com a empresa AFS, S.A.,
que tem sede estatutária e sede da administração na África do Sul.
A AFS, S.A., quando viu que fez um mau negócio, intenta ação nos tribunais
portugueses pedindo a anulação do contrato com fundamento em que, segundo a lei da
sua sede da administração, a sociedade só se vincula mediante a assinatura de dois
administradores e o contrato está apenas assinado por um dos três administradores da
AFS, S.A..
Supondo que:
a) a lei material da África do Sul estabelece que as sociedades anónimas só se
vinculam mediante a assinatura de dois dos seus administradores;
b) as leis materiais portuguesa e brasileira não têm idêntica limitação, admitindo
que as sociedades anónimas se vinculam mediante a assinatura de apenas um dos
seus administradores.
A sociedade tem razão?
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Estamos perante uma situação jurídica plurilocalizada em que se conectam


diferentes ordens jurídicas, uma vez que Alberto é português e a empresa AFS S.A. tem
sede estatutátia e sede de administração na África do Sul.
Procura saber-se se o contrato de prestação de serviço celebrado entre Alberto e a
AFS S.A. pode ser anulado com fundamento de a lei da sede da administração faz
depender a vinculação da sociedade da assinatura de dois administradores, tendo apenas
um assinado. Há, pois, que determinar qual a lei aplicável ao funcionamento da pessoa
colectiva em questão.
Antes de mais cabe excluir a aplicação do Regulamento Nº593/2008(Roma I) por
não se encontrar preenchido o âmbito material, encontrando-se o problema sobre o qual
versa o caso excluído pelo art. 1º, nº2, al. f) e g).
Excluindo-se a aplicação do Regulamento 593/2008, cabe atentar às normas de
conflitos da lei do foro. O art. 38º do Código Civil refere que a representação da pessoa
colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal.
A AFS S.A. é uma sociedade comercial consequentemente uma pessoa colectiva e,
como resulta do art. 33º, nº1 do Código Civil, a lei pessoal da mesma corresponderá à
lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração,
do mesmo modo dispõe o art. 3º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais.
Deste modo, tem a sociedade sede na África do Sul, será essa a lei pessoal da
mesma. Aplicando-se a lei sul africana a sociedade teria razão e o contrato seria
anulável.

Sub-hipótese 1
E se a empresa tivesse sede estatutária em Portugal e sede principal e efetiva da
administração na África do Sul?

Neste caso sabe atentar ao art.3º, nº1, 2ª parte que dita eu a sociedade que tenha
sede estatuária em Portugal não poderá opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da
lei portuguesa, por forma a tutelar a confiança daqueles que contratam com a sociedade.
Sendo a sede estatutária em Portugal e a principal e efectiva num outro cabe saber
se a norma em questão é bilateralizável, isto é, se se aplica nos casos em que a sede
estatuária se localiza num país e a efectiva num outro.
Quanto a este ponto a doutrina diverge:
De acordo com MOURA RAMOS e MARQUES DOS SANTOS, a norma em
apreço não é bilateralizável, sendo que o seu intuito não será o de alargar o âmbito de
aplicação no espaço do Direito Português.
Já de acordo com FERRER CORREIA, a norma em apreço é bilateralizável com
fundamento na tutela da confiança de terceiros. Também DÁRIO MOURA VICENTE e
LIMA PINHEIRO subscrevem a esta orientação, referindo que a teleologia da norma
não justifica um unilateralismo que apenas salve a lei portuguesa. Assim, apenas será de
aplicar a lei da sede da Administração se, tendo sido demonstrado que a sede de
administração se encontra fora do Estado da sede estatuária, os terceiros em causa
devem contar com a competência do Direito da sede de administração.

Sub-hipótese 2
E se a empresa tivesse sede estatutária no Brasil e sede principal e efetiva da
administração na África do Sul?

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