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Ficha de trabalho nº13

2. O n.º 2 do artigo 1699.º CC proíbe, nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos, a estipulação da comunhão geral ou da comunicabilidade dos bens referidos
no n.º 1 do artigo 1722.º CC. A norma visa assegurar a proteção dos filhos do
cônjuge, garantindo-lhes que o seu progenitor manterá no seu património os bens
levados para o casal ou adquiridos a título gratuito. B e C, que viviam em união de
facto, foram recentemente pais de um menino, D, e decidiram finalmente casar-se.
Partindo de uma interpretação metodologicamente correta, diga se poderão
escolher o regime da comunhão geral de bens.
Ainda que o caso se encontre abrangido pela letra da lei, nã o parece ser abrangido pelo
seu espírito. Qual é a razã o de ser do art.1699º/2 do CC? É proteger os filhos anteriores de
apenas um dos cô njuges, que a nã o existir esta proibiçã o viriam as sua legitimas
expectativas sucessó rias afetadas. Ao proibir nos casamentos celebrados por quem tenha
filhos a comunhã o geral dos bens, esta norma visa salvaguardar os interesses sucessó rios
dos filhos anteriores de apenas um dos cô njuges. E de que modo o faz? Garantindo-lhes
que o seu progenitor manterá no patrimó nio pró prio os bens levados para o casal, ou
adquiridos a títulos gratuitos ou ainda aqueles que estã o sub-rogados no seu lugar. Bens
esses que nã o se confundirã o no patrimó nio comum do casal, que está sujeito a divisã o por
metade com o cô njuge, que em caso de partilha levantaria a sua metade e ainda seria
herdeiro em concorrência com o filho.
Quando o filho é comum ao casal, a sua proteçã o em termos de patrimó nio encontra-se
plenamente acautelada, isto porque, enquanto folho comum do casal ele sempre receberá
na qualidade de herdeiro, as qualidades que lhe cabe, seja qual for o regime de bens.
Portanto, concluímos que a proibiçã o perde neste caso a sua razã o de ser, e lá onde
termina a razã o de ser da lei cessa/termina o seu alcance.
Parece que o legislador adotou um texto que atraiçoou o seu pensamento legislativo, na
media em que diz mais do que aquilo que deveria dizer. O interprete nã o se deve deixar
levar pelo alcance aparente do texto. Neste caso o interprete deve restringir o alcance do
texto de modo a corresponder com a raccio legis.
Assim, B e C podem optar por casar no regime de comunhã o geral de bens, porque na
medida em que se trata de um filho comum e nã o se fazendo sentir por isso a necessidade
de proteçã o que motivou o art. em estudo, parece que se pode optar por este regime.

3. No dia 15 de maio de 2018, António e Bárbara, estudantes da FDUP, celebraram


um contrato de compra e venda, pelo qual aquele vendeu a esta um Código Civil pelo
preço de €7,5 euros. Ficou acordado que António entregaria a Bárbara o referido
Código Civil no dia 18 de maio e Bárbara pagaria o preço no dia 21, altura em que
receberia a sua mesada. Sucede que, no dia 18, António não apareceu na faculdade
para entregar o Código a Bárbara, conforme havia ficado combinado, tendo-lhe
enviado um SMS a explicar que se havia esquecido do Código Civil na casa dos seus
pais, onde apenas regressaria após o exame de Introdução ao Direito, no dia 22.
Bárbara, aborrecida, nada respondeu. Quando, no dia 21, António e Bárbara se
cruzaram na faculdade, António exigiu o pagamento dos €7,5 euros devidos pela
compra do Código, o que Bárbara recusa, invocando que António também não lhe
havia entregado o Código Civil, conforme se tinha comprometido. António rejeita a
argumentação de Bárbara, invocando que, nos termos do artigo 428.º CC, a exceção
de não cumprimento do contrato apenas se aplica “se não houver prazos diferentes
para o cumprimento das prestações”, o que não se verifica no contrato por eles
celebrado. Fazendo uma interpretação metodologicamente correta do artigo 428.º
CC, indique quem terá razão.
Trata-se de um contrato bilateral (colocar a definiçã o)
Uma interpretaçã o diz se metodologicamente correta quando é feita segundo a
metodologia da interpretaçã o, ou seja, quando é feita segundo as diretrizes da
hermenêutica jurídica. De facto, temos um contrato que prevê prazos
diferentes para o cumprimento. Qual é a razã o de ser desta norma? Trata-se de uma tutela
compulsó ria - é um meio de pressã o para o cumprimento. Neste caso eles celebravam um
contrato compra e venda, mas este contrato prevê prazos diferentes para o cumprimento
das prestaçõ es. O ponto da divergência está em torno do â mbito de aplicaçã o da norma em
contratos sem prazos diferentes.
Antó nio, numa interpretaçã o muito baseada no elemento literal, entende que exceçã o do
nã o cumprimento do contrato só poder ser invocado quando o contrato nã o preveja
prazos diferentes para o cumprimento das prestaçõ es. Barbara, tomando em linha de
conta o elemento racional considera ser a exceçã o invocá vel devido ao incumprimento do
contrato do primeiro. O art.428º/1 CC cumpre uma finalidade compulsó ria- visa o
incumpridor a adotar a conduta, ainda que tardiamente. Deverá concluir-se que deve
aplicar a norma do 428º também nos casos em que a parte que nã o cumpriu deveria tê-lo
feito em primeiro lugar. A pró pria razã o de ser da lei impõ e a aplicaçã o a este caso da
norma embora nã o seja diretamente abrangido pela letra da lei, é ainda abrangido pelo
seu espírito.
A forma que foi adotada peca por defeito, ou seja, o texto da lei diz menos do que aquilo
que queria dizer - interpretaçã o extensiva. Neste caso, a letra da lei abrange menos casos
do que aqueles que deveria. Neste caso devemos fazer uma interpretaçã o extensiva.
Também era necessá rio fazer uma interpretaçã o corretiva - que está reservada para
situaçõ es onde temos lapsos.

4. D foi acusado da prática de crime de furto por ter subtraído a bicicleta de E. No


decurso da audiência, D declarou que se arrependera de imediato do ato que
praticou e que, duas semanas após os factos, devolvera o velocípede ao proprietário,
embora com algumas amolgadelas. Na sentença que proferiu, o juiz considerou
aplicável à situação a disciplina prevista no artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal (“[s]e
a restituição ou reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente
atenuada”), explicando que a restituição total da coisa furtada com perda de
qualidades é uma situação substancialmente análoga à restituição parcial prevista
na lei e, por isso, merecedora do mesmo regime. No entanto, E, na sua qualidade de
assistente, pretende recorrer da decisão, alegando que a mesma violou a proibição
de analogia em matéria penal vigente no nosso ordenamento jurídico. Quid iuris?
O juiz considerou que havia aqui uma lacuna. No seu entender a devoluçã o da coisa
furtada com danos, seria um caso omisso - que é um caso que nã o está juridicamente
regulado, mas que possui relevâ ncia jurídica e que por isso deveria ser regulado. (art.8º/1
- estabelece uma obrigaçã o de julgar- proibiçã o de denegaçã o de justiça). Nesta situaçã o
aplicou a este caso por analogia o art.206º/3 do Có digo Penal, porque entendeu que havia
uma analogia entre a situaçã o omissa e a norma 206º/3 do có digo penal.
Vamos ver se o juiz procedeu bem: vamos ver se existia de facto uma lacuna e, caso
concluamos que existe uma, vamos ver se procedeu bem ao integra-la com recurso à
analogia. Uma lacuna é uma situaçã o juridicamente relevante para a qual o nosso
ordenamento jurídico nã o oferece resposta.
Como é que se detetam as lacunas?
1. temos de estar perante um caso que nã o se encontre regulado pelas fontes de
direito existentes
2. este caso tem de ter relevâ ncia jurídica - porque temos muitas situaçõ es que se
situam extramuros da ordem jurídica - pode ser um caso que remeta para a ordem
moral, religiosa, de trato social.
3. temos de ver se o caso juridicamente relevante também deve ser juridicamente
regulado.
Se se concluir que o caso omisso cabe dentro desta delimitaçã o fundamental da ordem
jurídica, ainda é necessá rio determinar se ele deve ser juridicamente regulado.
Trata-se de um caso omisso - porque é um caso nã o regulado, na medida em que nã o é
possível por via da interpretaçã o encontrar uma norma que o regule. Também nã o nos
parece que seja possível fazer uma interpretaçã o extensiva da norma 206º/3 do Có digo
Penal de modo a que incorpore o caso.
O facto de o legislador ter regulado as situaçõ es das restituiçõ es totais ou parciais das
coisas furtadas, mas nã o ter regulado a restituiçã o total da coisa com danos parece que
estejamos perante uma situaçã o também necessita uma regulaçã o jurídica.
Uma vez detetada a existência da lacuna temos de a integrar. Como é que se integram?
Art.10ºCC
1. analogicamente - princípio da igualdade - casos semelhantes devem ter soluçõ es
semelhantes; certeza jurídica para obter uma maior similitude de casos julgados.
2. através da criaçã o de normas ad-hoc, na falta de caso aná logo
Em obediência ao art.10º/1 o interprete recorreu à analogia. Há ou nã o analogia entre as
duas situaçõ es? é necessá rio que o caso omisso e o caso regulado partilhem um nú cleo
comum.
Qual é esse nú cleo? Neste caso é o arrependimento, ou seja, o facto de ter havido
devoluçã o da coisa furtada.
Parece que o juiz procedeu bem quando disse que havia uma analogia entre as duas
situaçõ es.
Só há proibiçã o o recurso à analogia no Direito penal quando acentua a situaçã o
desfavorá vel para o agente. Neste caso ao aplicar por analogia este caso, beneficia o sujeito
e nã o prejudica.
(continua)

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