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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

INTRODUÇÃO AO DIREITO – Exame de época normal


2020/2021 08/06/2021
10h -12h

Nota: responda a cada grupo num caderno de resposta diferente

GRUPO I
Tendo sido aceite como advogada-estagiária numa sociedade de advogados com sede no
Porto, Ana decide arrendar a Bárbara um apartamento sito na Rua dos Bragas, fixando-
se o pagamento de uma renda mensal no valor de €450,00. Como à data acordada para a
celebração do arrendamento Ana se encontrava fora do país, emitiu uma procuração a
favor do seu pai, Carlos, para que este assinasse o acordo em seu nome.
1. Qualifique, justificando, os factos jurídicos sublinhados (3 valores).
Critérios de correção: Arrendamento – ato jurídico ou facto jurídico voluntário;
negócio jurídico (na medida em que o seu núcleo essencial é integrado por uma ou mais
declarações de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos com ela
concordantes); bilateral ou contrato (pois que constituído por duas ou mais declarações
de vontade opostas, mas convergentes), e bilateral (porquanto se geram obrigações para
ambas as partes, ligadas entre si por um nexo de sinalagmaticidade). Procuração: ato
jurídico ou facto jurídico voluntário; negócio jurídico, pois o seu núcleo essencial é
integrado por uma ou mais declarações de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui
efeitos jurídicos concordantes com o teor da(s) vontade(s) manifestada(s) (ex voluntate).
Dentro dos negócios jurídicos, trata-se de um negócio jurídico unilateral, dado que é
composto por uma só declaração de vontade.

Chegado o dia do pagamento da renda, Bárbara sabendo que o pai de Ana tem elevadas
posses económicas, notifica-o para proceder ao pagamento do valor em dívida.
2. Estará o pai de Ana obrigado ao pagamento da renda? (3 valores)
Critérios de correção: o pagamento da renda como um dever jurídico correspetivo
de um direito subjetivo relativo; eficácia “inter partes” dos direitos subjetivos relativos;
distinção entre direitos subjetivos relativos e direitos absolutos. Bárbara apenas pode
exigir o pagamento da renda a Ana, enquanto contraparte no contrato.

GRUPO II
Findo o ano letivo, Adriana e Eduardo celebram um contrato de compra e venda pelo
qual a primeira vende ao segundo os seus manuais de Introdução ao Direito pela quantia
de 60€. Dado que Eduardo se tem de preparar para o exame de Introdução ao Direito da
época especial de setembro, os livros são-lhe entregues imediatamente, devendo efetuar
o respetivo pagamento aquando do começo das aulas em meados de setembro. Na data da
celebração do contrato, está em vigor o art. 885.º do Código Civil (lugar do cumprimento:
lugar do domicílio do credor), que é, durante o mês de agosto, alterado, passando a prever
que nas transações de livros o pagamento diferido do preço deverá ser feito por depósito
do devedor no banco do credor. Decorrido o prazo, Eduardo não sabe onde deve cumprir
a obrigação a que está adstrito. O que lhe diria? (5 valores)
Critérios de correção: Está em causa o problema da aplicação da lei no tempo. O
art. 885.º do CC contém uma norma supletiva. Seguindo a posição de Baptista Machado,
tratando-se da alteração de uma norma supletiva, considera-se que não há abstração
dos factos que deram origem à relação jurídica, nos termos e para os efeitos do artigo
12.º, n.º 2, 2ª parte, do CC. Esta solução deriva da importância reconhecida à vontade
das partes no âmbito das relações contratuais. Deste modo, a LN não se aplica ao
contrato celebrado por Adriana e Eduardo, mantendo-se o lugar do cumprimento no
domicílio do credor. Eduardo deverá, por isso, cumprir a obrigação no domicílio de
Adriana.

GRUPO III

Em maio de 2018, Ana vendeu a Bruno a sua quota na moradia de que ambos eram
comproprietários por €50.000,00, passando Bruno a ser o único proprietário da casa.
Ficou acordado que Ana, que vivia no imóvel desde 1987, deixaria a habitação e entregá-
la-ia a Bruno em fevereiro de 2019.
Sucede que Ana não abandonou a habitação em fevereiro de 2019, como havia
sido acordado, invocando ter já 65 anos e graves problemas de saúde, ser pessoa
economicamente desfavorecida e não ter conseguido realojamento pela Câmara
Municipal, como havia esperado.
Perante esta recusa e depois de muita insistência, em junho de 2019, Bruno acabou
por intentar uma ação executiva para entrega de coisa certa contra Ana, exigindo que esta
desocupasse de imediato a casa e lha entregasse.
Em sua defesa, Ana invoca o artigo 6.º-A, n.º 6, b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03,
na redação da Lei n.º 16/2020, de 29.05, segundo o qual ficam suspensos no decurso do
período de vigência do regime excecional e transitório de medidas de resposta à
pandemia de Covid-19: “b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de
insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa
de morada de família”.
Bruno contesta, invocando que tem já negociada a venda da casa a Carlos e que
irá perder o negócio se Ana não desocupar de imediato o imóvel, o que lhe causará um
prejuízo grave à sua subsistência, dado que contava com esse valor para pagar o
empréstimo que fez ao banco para pagar a quota-parte da casa a Ana. Acrescenta Bruno
que esta situação se enquadra no n.º 7 do referido artigo 6.º-A, segundo o qual: “[n]os
casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência
referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo
à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão
da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do
exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de
10 dias, ouvidas as partes.”
Em resposta, Ana argumenta que o n.º 7 do artigo 6.º-A não se aplica aos casos
em que o imóvel seja casa de morada de família, situação que é regulada pelo n.º 6, b).
Bruno discorda, invocando que “o que o legislador não distingue não deve o intérprete
distinguir”.
1. Indique, na sua opinião e de modo justificado, quem terá razão. (6 valores)
Critérios de correção: enquadramento da questão na problemática do concurso de
normas jurídicas de fonte legal. Verifica-se aqui uma controvérsia em torno da
interpretação dos n.º 6, b) e 7 do artigo 6.º-A. A insuficiência do recurso ao elemento
literal; a relevância da occasio legis e problemática da determinação da ratio legis
(manutenção das condições de habitabilidade, em contexto de fortes limitações à
circulação e confinamentos). Consequências a retirar da posição defendida quanto à
interpretação: interpretação declarativa de B Vs interpretação restritiva de A. Caso
inspirado no acórdão do TRP, de 27/04/2021 (processo n.º 1212/20.6T8LOU-B.P1)

2. Qualifique a norma jurídica constante do artigo 6.º-A, n.º 6, b) face ao n.º 7


do mesmo artigo na posição defendida por Ana. (3 valores)
Critérios de correção: natureza excecional do regime contido no artigo 6.º-A da Lei
n.º 1-A/2020, de 19.03, na redação da Lei n.º 16/2020, em razão da pandemia. Dentro da
natureza excecional de todo o regime, problematização da relação de excecionalidade
(ou especialidade) do n.º 6, b) face ao n.º 7, no que concerne aos imóveis que
correspondem a casa de morada de família.

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