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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

1º Teste - 19/01/2023
Turmas 3 e 4

Observações:

- Tempo de prova: 2 horas


- Cotações: 8-5-7
- Em cada pergunta serão consideradas como fatores de avaliação a clareza expositiva, a
capacidade de síntese e a correção da expressão escrita.

Responda, em alternativa, à pergunta 1 ou à pergunta 4, num total de três


respostas (pergunta 2 + pergunta 3 + pergunta 1 OU pergunta 4)

No dia 1 de outubro de 2022, Ana sofreu um grave acidente de viação, na


sequência do qual ficou internada em coma.
Desde esse dia, Bento, amigo muito próximo de Ana, deslocou-se diariamente
ao apartamento desta para cuidar do gato e das plantas, regularizou as prestações da
água, luz e condomínio devidas por Ana e, inclusivamente, contratou um canalizador
para resolver uma fuga de água que estava a afetar a casa do vizinho de baixo.
Sabendo que, antes do acidente, Ana estava a pensar vender o seu apartamento e
regressar à sua cidade natal, Bento, que era mediador imobiliário, incluiu o apartamento
de Ana no portefólio de imóveis para venda da sua empresa, tendo celebrado, em nome
desta, contrato-promessa de compra e venda do apartamento, no dia 3 de dezembro,
com Carla. Nesse contrato-promessa foi inserida uma cláusula, pela qual Carla poderia
nomear um terceiro para ocupar a sua posição contratual e foi pago por esta um sinal de
€30.000,00.
Ana despertou do estado de coma no início de janeiro e teve alta hospitalar
poucos dias depois. Nessa altura, Bento pô-la a par do que tinha feito durante o período
do seu internamento, tendo solicitado a devolução dos montantes pagos relativamente às
contas da água, luz e condomínio e dos custos com o canalizador, assim como o
pagamento de €12.500,00, correspondente a 5% do valor pelo qual foi fixada a venda do
apartamento no contrato-promessa, valor de mercado habitualmente cobrado a título de
comissão pela atuação das empresas de mediação imobiliária. Ana ficou muito ofendida
com o que considera ser um “aproveitamento ultrajante do amigo” e recusa-se a pagar
qualquer valor.
1. Sabendo que Ana ratificou o contrato-promessa de compra e venda dois dias
depois da conversa com Bento, a que terá este (Bento) direito? (8 valores) –
em alternativa à pergunta 4
Critérios de correção: situação enquadrável no instituto da gestão de negócios:
menção da noção e preenchimento dos requisitos. i) Quanto ao reembolso das despesas
com a água, luz e condomínio e com o canalizador, não havendo aprovação da gestão o
direito ao reembolso das despesas efetuadas pressupõe que a mesma tenha sido
exercida em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do
negócio, o que, na falta de elementos em contrário, parece ser o caso; ii) Quanto à
celebração do contrato-promessa de compra e venda, está em causa uma gestão
representativa, pelo que se aplicam as regras da representação sem poderes (art. 471.º
e 268.º CC); tendo havido ratificação por A, o negócio é eficaz face a esta. iii)
Aplicação dos artigos 470.º e 1158.º, n.º 2 CC à promoção, por B, da celebração do
contrato-promessa, dado estar no âmbito do exercício da sua atividade profissional e A
ter ratificado o negócio. iv) Obrigação de B entregar a A o montante pago por C a
título de sinal (artigo 465.º, e) CC).

2. No dia marcado para a escritura pública de compra e venda do apartamento,


compareceu no notário Daniel, irmão de Carla, fazendo-se acompanhar de
uma declaração escrita desta a nomeá-lo promitente-comprador em sua
substituição. Ana recusa-se a celebrar o contrato-promessa de compra e
venda com Daniel. Terá razão? (5 valores)
Critérios de correção: trata-se de contrato para pessoa a nomear. Não tendo sido
convencionado prazo, a nomeação de D deveria ter sido feita no prazo de cinco dias a
contar da celebração do contrato-promessa, o que não se verificou. Não há indicação
de que a declaração de nomeação tenha sido acompanhada de procuração de D nesse
sentido, anterior à celebração do contrato. Problematização do cumprimento do
requisito da ratificação da declaração de nomeação, atendendo à presença de D no
notário. Consolidação dos efeitos do negócio na titularidade de C.

3. Desde essa data, e apesar das diversas tentativas de contacto telefónico, Ana
não conseguiu falar com Carla para marcar nova data para a escritura de
compra e venda, pelo que, cansada, enviou a esta uma carta registada com
aviso de receção a informar que, se Carla não marcasse a escritura pública de
compra e venda no prazo de quinze dias, consideraria o contrato resolvido
por incumprimento. Mantendo-se o silêncio de Carla, o que poderá Ana fazer
findos os quinze dias? (7 valores)
Critérios de correção: contrato-promessa de compra e venda sinalizado, respeitante à
celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre fração autónoma,
sem eficácia real. Incumprimento de C, promitente-comprador. A tem direito a fazer
seu o sinal de €30.000,00. No caso concreto parece estar afastada a possibilidade de
recorrer à execução específica, por vontade da credora A. Com efeito, da interpelação
para cumprimento que endereçou a C resulta clara a cominação da resolução do
contrato por incumprimento definitivo.
4. Entretanto, no dia 20 de dezembro de 2022, Eva e Fernando, dois amigos de
Bento que viviam em Lisboa, enviaram-lhe um whatsapp a informar que
pretendiam passar a semana entre o Natal e o Ano Novo no Porto e que
tinham até já reservado um quarto no hotel Sheraton. Bento respondeu que
isso era um absurdo e que podiam ficar alojados, sem custos, em casa de
uma amiga que não estava de momento lá a viver. Ana veio a descobrir que
Eva e Fernando ficaram alojados uma semana no seu apartamento no dia 15
de janeiro, em conversa com uma vizinha que assinalou a simpatia dos
amigos que tinha recebido na semana entre o Natal e o Ano Novo. Muito
zangada - e apesar de reconhecer não ter sofrido danos com a ocorrência para
além dos custos com água e eletricidade, que Bento rapidamente ressarciu
através de mbway-, Ana pretende exigir de Eva e Fernando o valor cobrado
por um apartamento da mesma tipologia e zona geográfica no Airbnb.
Poderá fazê-lo? (8 valores) em alternativa à pergunta 1
Critérios de correção: dado que B não atua aqui por conta nem no interesse de A não
estamos no âmbito da gestão de negócios. A atuação de E e F (intervenção em bens
alheios) deve ser avaliada à luz do regime do enriquecimento sem causa. Referência à
teoria do conteúdo de destinação dos direitos no âmbito do enriquecimento por
intervenção. Apreciação da verificação dos pressupostos do art.º 473.º CC. E e F
constituem-se na obrigação de restituir, nos termos do art.º 479.º. Determinação do
montante a restituir: problematização da boa fé de E e F e dos limites da restituição
por equivalente; o limite do empobrecimento patrimonial Vs empobrecimento real.

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