Você está na página 1de 12

PROCESSO CIVIL – MARCHA DO PROCESSO

HIPÓTESES PRÁTICAS

Universidade Católica Portuguesa


2023/2024

1
I
PETIÇÃO INICIAL

1.

Ana instaurou uma ação contra Beatriz e Carlos, pedindo a declaração de nulidade
do contrato de compra e venda da fração autónoma Y de um determinado prédio, por
Beatriz a Carlos, com fundamento na simulação da parte compradora. O contrato foi
celebrado por escritura pública de Janeiro de 2010 e pelo preço de € 300.000,00. Ana
pede ainda que o tribunal declare que ela era a verdadeira proprietária da fração, de modo
a poder corrigir o que se encontrava inscrito no registo predial.
Para o efeito, Ana alegou que, na altura, se encontrava em vias de iniciar um
processo de divórcio e que, para evitar que a fração entrasse na comunhão conjugal,
combinou com Beatriz (proprietária da fração) e com Carlos que a fração seria comprada
em nome de Carlos, mas, na realidade, por Ana, que pagaria efetivamente o preço.
Para o caso de o tribunal vir a entender que não havia prova do acordo, Ana alega
ter celebrado com Carlos um contrato de mandato sem representação e pede a sua
condenação na transmissão da propriedade da fração; e, se o tribunal também não der
como assente este contrato, pede a restituição dos € 300.000,00 que diz ter entregue a
Beatriz, por enriquecimento sem causa.
Todos são portugueses; Ana reside em Lisboa; Beatriz e Carlos residem no Porto,
cidade onde se situa o prédio a que pertence a fração e onde foi lavrada a escritura de
compra e venda.

Suponha que os réus contestam em conjunto, dizendo que é contraditório pedir


simultaneamente a declaração de nulidade e a condenação de Carlos na transmissão do
direito de propriedade sobre a fração, ou a restituição do dinheiro; que, por isso, Ana não
pode fazer todos esses pedidos numa mesma ação e que, consequentemente, a ação
deveria ter sido liminarmente indeferida, sem sequer os citar. Diga justificadamente se os
réus têm razão, ou se a ação poderia ter sido proposta tal como foi.

2
2.

António, português, advogado, domiciliado em Sintra, celebrou verbalmente com


Bela Arte, Lda, com sede em Sintra, um contrato, mediante o qual Bela Arte, Lda. se
comprometeu a reservar para António um determinado quadro, que tinha em exposição
na sua galeria de Lisboa, com a condição de que, até ao dia 1 de Abril de 2019, António
pagasse metade do preço e o restante em 1 de Setembro seguinte, sendo o quadro lhe seria
então entregue até ao fim do ano de 2019.
O preço acordado foi de € 40.000,00; com o acordo de reserva, António deixou
um sinal de €1.000,00.
Em Outubro de 2019, António viu o quadro em casa dos seus amigos e vizinhos
Cristina e Diogo, quando compareceu a um jantar para o qual tinha sido
convidado. Vendo o quadro, António exaltou-se, insultou e agrediu Diogo,
acusando-o de “ter em casa um quadro que é dele”.

Logo em Novembro seguinte, António instaurou uma ação contra Cristina e


Diogo, pedindo que o tribunal declarasse (1) que é ele o proprietário do quadro, por o ter
comprado e pago integralmente a Bela Arte, Lda., (2) que condenasse os réus a entregar-
lhe o quadro e a (3) pagar-lhe uma indemnização de € 50.000,00, por danos patrimoniais
e não patrimoniais. Segundo alegou, para além de ter ficado profundamente abalado com
o incidente, ficou mal visto junto de todos os que estavam no jantar, sendo que o
responsável por ele “ter perdido a cabeça” foi Diogo, que lhe chamou mentiroso; e várias
dessas pessoas eram suas clientes e cessaram os contratos com ele, por causa do sucedido.

Suponha que, na contestação, os Réus alegaram o seguinte:


i) Que não é possível, numa mesma ação, pedir, simultaneamente, (1), (2) e (3), porque o
contrato invocado por António não tem nada a ver com os incidentes em sua casa.
Qualifique a defesa e diga se Diogo tem razão;
ii) Que, de qualquer forma, o tribunal não pode apreciar o pedido de indemnização,
porque António, nem identifica os clientes que alegadamente terá perdido, nem concretiza
os ganhos que terá deixado de auferir com essa perda. Qualifique a defesa e, admitindo
que é assim mesmo, diga como deve proceder o juiz.

3
II
CONTESTAÇÃO

Por contrato escrito, com as assinaturas dos intervenientes reconhecidas presencialmente


por notário, a sociedade A, com sede em Lisboa, prometeu vender a B e C, espanhóis,
domiciliados em Faro, a fração I de um determinado edifício em Coimbra, pelo preço de
500 mil euros. Segundo consta do documento que consubstancia o contrato, este teria
eficácia real e B e C já tinham pago 50% do preço antes da respetiva assinatura, ficando
combinado que o restante seria pago na data da escritura, a marcar pela vendedora e a
realizar em Lisboa.
B e C, na data da escritura, não compareceram.
Como consequência, A propôs contra B e C uma ação destinada a obter a execução
específica do contrato-promessa, a condenação no pagamento da totalidade do preço em
dívida e a devolução da fração que tinha sido entregue aos réus.
B foi citado pessoalmente e C editalmente por ser desconhecido o seu paradeiro. Apenas
B contestou.

Na contestação, B vem invocar o seguinte:


i) Que se apercebeu de que a fração objeto da compra e venda não possuía a
área que lhe tinha sido assegurada, sendo por isso o contrato inválido,
razão pela qual não celebrou a escritura.
ii) Que, caso se considere que A tem razão, este não teria direito à execução
específica, mas apenas a reter o sinal a título definitivo.
iii) Que foi indevidamente utilizada a citação edital, quanto a C, porque não é
exato que o seu paradeiro seja desconhecido, uma vez que apenas estava
de férias quando a citação pessoal foi tentada.
iv) Que A também lhe deve dinheiro como consequência de salários em atraso
no valor de 70.000 euros, resultantes de uma antiga relação laboral
existente entre ambos, sendo por isso de descontar aquele valor ao
montante pedido.

4
a. Diga se é admissível a formulação dos pedidos formulados por A contra B e C.
b. Qualifique os tipos de contestação apresentados por B em i), ii), iii) e iv) e diga se
são admissíveis.
c. Que consequências têm a falta de contestação de C, quanto às partes e ao processo?
d. Que consequências tem a defesa iii), caso seja procedente?

5
III
ARTICULADOS EM GERAL

Por escritura pública celebrada em Lisboa, A, domiciliado no Rio de Janeiro, vendeu a


B, português e domiciliado em Lisboa, o andar correspondente à fração D de um prédio
que construíra, em Lisboa, apenas com dois andares, pelo preço de 250 mil euros. A
continuou proprietário do outro andar.
Alegando que B se apoderou indevidamente da garagem do prédio, sustentando
ilegitimamente que era parte comum, A instaurou contra ele uma ação na qual pediu que
o tribunal declarasse que a garagem, à qual atribuiu o valor de 200 mil euros, é uma fração
autónoma, da qual é proprietário e, consequentemente, condene B a entregar-lha
desocupada.
Caso o tribunal considere que a garagem é parte comum, nesse caso, pedia que B fosse
condenado a reconhecer que o respetivo uso deveria ser alternado entre os dois
proprietários.
Aproveitou ainda para pedir a condenação de B no pagamento da parte do preço que ainda
lhe devia (7.500 euros), bem como da quantia de 5.000 euros, que alega ser-lhe devida a
título de salários em atraso, em virtude de uma antiga relação laboral que diz ter tido em
tempos com B.

a. Diga, justificando, se A pode formular a ação nestes termos. Em caso


negativo, o que deve o juiz fazer?

b. Caracterize os tipos de defesa utilizados por B e diga se são admissíveis.

(i) O A sempre referiu durante a negociação que a compra da


fração abrangia um local de garagem, pelo que tem direito à
utilização da mesma; de qualquer forma, não se recorda se
alguma vez chegou a ocupar o dito local de garagem.

6
(ii) Caso não se considere que tem direito à utilização da
garagem, esta nunca poderá ser considerada fração
autónoma, por força do estabelecido no regulamento de
condomínio;

(iii) Não tem de pagar o remanescente do preço porque a fração


não tem as características que lhe foram asseguradas por A,
vendedor, pelo que o contrato é anulável;

(iv) É titular de um crédito sobre A, em virtude do direito ao


reembolso de 10 mil euros que lhe emprestara. O empréstimo
havia sido feito por escrito, no Rio de Janeiro, do qual
constava que o dinheiro deveria ser restituído naquela mesma
cidade quando o credor o reclamasse, pelo que, caso o
Tribunal não considere procedente a defesa alegada em (iii),
pretende compensar os créditos e obter a condenação de A
na diferença;

c. A replicou. Analise a réplica apresentada por A, considerando que na


mesma A alegou que:

(i) Nunca assegurou que a compra da fração incluía a garagem,


pelo que B alega falsamente.

(ii) Nunca assegurou que a fração tivesse as características


referidas por B no ponto (iii) da contestação.

d. Suponha que A vem, posteriormente à apresentação da réplica, juntar ao


processo um documento assinado por B em que este reconhece ter
recebido a quantia de 10 mil euros, como reembolso do contrato de mútuo
celebrado entre ambos. Qual o valor deste documento no que se refere à
impugnação do alegado por B na contestação?

7
e. Admita agora que a ação tinha sido proposta contra B, C e D, todos
proprietários de frações do mesmo prédio a quem A tinha vendido andares
e contra quem pedia a condenação na entrega da garagem e a condenação
no pagamento do remanescente do preço não pago por cada um. Nenhum
dos réus contestou a ação, sendo certo que C e D foram citados por carta
registada com aviso de receção e que B foi citado editalmente.

(i) Explique quais são as consequências resultantes da falta de


contestação, quer do ponto de vista dos réus, quer no que respeita
à marcha do processo;

(ii) Diga se, apesar de os réus não terem contestado, C e D podem


vir ao processo, passado o prazo da contestação, invocar o
pagamento dos créditos invocados por A.

8
IV

SANEAMENTO E CONDENSAÇÃO

A, português, domiciliado em Lisboa, comprou um quadro a B, francês, domiciliado em


Paris. Tendo vindo a descobrir que a pintura que comprara se tratava de uma cópia, e não
do original, como julgara, A intentou ação de anulação contra B. Na contestação, B vem
defender-se alegando a incompetência do tribunal português, devido ao seu domicílio.
No momento próprio, o juiz profere despacho saneador, entretanto transitado em julgado,
com o seguinte conteúdo:
“O tribunal é competente, as partes são legítimas e estão devidamente representadas por
advogado, não há nulidades nem exceções de que me cumpra conhecer oficiosamente ou
a requerimento das partes”.
Pode o juiz, na sentença final, absolver o réu da instância com fundamento em
incompetência absoluta por ter, entretanto, concluído de modo diferente?

9
V
CASO JULGADO

1.

António comprou a Bento um quadro que julgava ser antigo, pelo preço de 35 mil euros.
Todavia, quando o mandou restaurar, descobriu que tinha sido pintado recentemente.
António instaurou contra Bento uma ação na qual pediu a anulação do contrato de
compra e venda e a condenação de Bento na restituição da parte do preço já paga
(metade).

a. A ação foi julgada procedente, por sentença transitada em julgado. Mas Bento
não se conforma e propõe uma nova ação contra António, invocando o contrato e
pedindo a sua condenação no pagamento da parte do preço que não tinha sido paga.
Pode António opor-se ao julgamento deste pedido, invocando a sentença proferida
na primeira ação?

b. Suponha agora que Bento não contestou, mas que a ação foi julgada
improcedente porque o tribunal entendeu tratar-se de um caso de erro sobre os
motivos (e não sobre o objeto, como o autor o qualificara) e faltar a alegação e
prova do acordo sobre a essencialidade dos motivos, a que se refere o nº 1 do artigo
252º do Código Civil.
A sentença transitou em julgado. António propôs nova ação, relativa ao mesmo
contrato e pedindo igualmente a sua anulação. Para além do que alegara na primeira
ação, alegou terem as partes reconhecido, por acordo, que António só comprava o
quadro porque estava convencido de que era antigo. Bento opôs caso julgado.
Tem razão?

c. Suponha agora que foi que Bento que instaurou a ação, pedindo a condenação
do António no pagamento da parte do preço não paga.
António defendeu-se invocando a anulabilidade do contrato, pelo erro já descrito;
mas foi condenado a pagar, por sentença transitada em julgado.

10
Passado um tempo, António instaura contra Bento uma ação de anulação do
mesmo contrato, com fundamento:
i) No mesmo erro;
ii) Em erro causado por dolo (um empregado de Bento convencera-o de que
o quadro era antigo);
iii) Em erro só descoberto, segundo alega, depois do trânsito em julgado da
sentença.
Bento contesta esta ação invocando a exceção de caso julgado. Tem razão?

2.

Suponha que Carlota e Diana são comproprietárias de um prédio rústico. Carlota


instaura contra Eugénio uma acção de reivindicação do prédio, sustentando que Eugénio
o detém indevidamente. A acção é julgada improcedente, por sentença transitada em
julgado, por falta de prova da titularidade do direito de propriedade.
Diana instaura contra Eugénio uma nova acção de reivindicação, do mesmo prédio, com
o mesmo fundamento. Eugénio defende-se invocando caso julgado anterior. Tem razão?

3.

A instaurou contra B uma ação de reivindicação de um prédio rústico, situado em Mafra,


de que alega ser proprietário desde a compra efetuada a C, em Janeiro de 2010. B, na
contestação, vem impugnar os factos alegados por A, e pedir que, caso o tribunal
considere procedente o pedido de A, este seja condenado a pagar as benfeitorias por ele
efetuadas no imóvel e que estima em 50 000 euros.
Por sentença transitada em julgado, a ação foi julgada procedente com fundamento na
compra e venda referida por A. O pedido de B foi julgado improcedente.

11
a) Imagine que, posteriormente ao trânsito em julgado, B, inconformado, vem
instaurar nova ação para condenação de A no pagamento de uma indemnização
pelas benfeitorias realizadas no imóvel, mas vem agora corrigir o montante para
60 000 euros. Pode fazê-lo? A resposta seria diferente se B não tivesse chegado a
fazer o pedido de indemnização pelas benfeitorias na primeira ação?
b) Imagine que a primeira ação tinha sido julgada improcedente por sentença
transitada em julgado. Pode A instaurar nova ação de reivindicação, com
fundamento em usucapião?
c) Imagine agora que, numa outra ação, C, vendedor do imóvel, vem pedir a
condenação de A no pagamento da parte do preço não paga, relativa ao contrato
de compra e venda celebrado. Está o tribunal vinculado a considerar a celebração
da compra e venda com fundamento na força de caso julgado da primeira
sentença?

12

Você também pode gostar