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TGCP 2022/2023

Casos práticos

I
A Transportes Mondego, Lda., sociedade que se dedica ao transporte de
passageiros e mercadorias entre as duas margens do rio Mondego, tem dois
sócios-gerentes, Artur e Carlos.
Ambos têm uma participação activa no dia-a-dia da empresa, tendo perfeito
conhecimento de que todos os barcos têm que ser obrigatoriamente
inspecionados a cada 6 meses, de modo a que seja garantida a plena capacidade
e segurança de todas as embarcações.
No entanto, e com vista à redução dos custos e despesas com a manutenção dos
equipamentos, Artur e Carlos decidiram que os barcos apenas seriam sujeitos a
inspecção a cada ano e meio, pelo que ordenaram aos seus colaborados que
assim actuassem.
Acontece que, numa tarde, um dos barcos que realizava o transporte de 100
passageiros no rio Mondego, teve uma falha mecânica grave, o que fez com o
que o mesmo embatesse com violência contra o cais de chegada.
Do embate, resultaram 50 feridos ligeiros, 3 feridos graves e 1 morto.
1. Face ao exposto, Artur e Carlos são responsáveis criminalmente pelo
sucedido? E a pessoa colectiva, é responsável?
2. Considerando que, ao invés de ter ocorrido uma falha mecânica, o acidente
se deveu a uma falha humana do trabalhador que conduzia o barco
(considere a possibilidade de o trabalhador ter largos anos de experiência
ou não ter qualquer experiência e não estar a ser supervisionado por
superior), o trabalhador é responsável? E os sócios? E a pessoa colectiva?

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II

No âmbito da sua actividade comercial, a Bons Pagadores, Lda. celebrou um


contrato de fornecimento com a sociedade Se Pedes Pagas, S.A., nos termos do
qual esta última acordou fornecer à Bons Pagadores, Lda. diversos equipamentos
informáticos, devendo a mesma proceder ao pagamento do equipamento nos 60
dias posteriores à sua entrega.
Porém, a data de vencimento da primeira factura coincidiu com um período
marcado por grandes dificuldades de tesouraria da Bons Pagadores, Lda..
Acresce que a relação entre Augusto, gerente da Bons Pagadores, Lda., e Bento,
accionista maioritário da Se Pedes Pagas, S.A., tinha vindo a deteriorar-se desde
o início da relação contratual entre as duas sociedades e Augusto desejava
secretamente vingar-se de Bento. Assim, para pagamento da factura vencida,
Augusto assinou e entregou a um colaborador da Se Pedes Pagas, S.A. um
cheque no valor total da dívida.
No entanto, no mesmo dia, comunicou por escrito ao Banco que o referido cheque
fora furtado. Em virtude da referida comunicação, o cheque foi devolvido com a
menção de “revogado por justa causa – furto”, ficando, desta feita, impedido o seu
pagamento.

1. Tendo em conta o disposto nos arts. 11.º, 12.º e 256.º, n.º 1 – d) do Código
Penal, pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal de
Augusto e/ou da Bons Pagadores, Lda..
2. Imagine que, no decurso do procedimento criminal, Augusto morre. Pode,
ainda assim, a Bons Pagadores, Lda. ser responsabilizada criminalmente
pela falsificação do documento? (vd. Ac. do TRL, de 08.05.2013, Proc.
11110/05.8TDLSB.L2-3, disponível em www.dgsi.pt)

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III

A., Director e responsável jurídico– com função de reporte directo ao Conselho de


Administração da sociedade anónima X. oferece determinadas vantagens, mais
prometendo dar outras, não devidas a qualquer título, ao funcionário judicial B., a
troco da prestação de informações privilegiadas sobre o andamento de processos
judiciais em que a sociedade anónima X é arguida ou visada.
Suponha que se apura que A., não obstante ser Director e responsável jurídico,
não tem por função acompanhar, conhecer ou interferir nos processos judiciais
em curso, já que essa função está cometida a escritórios de advogados.
- Aprecie a possibilidade de responsabilização penal da pessoa colectiva X. pelo
crime de dádiva ou promessa indevida de vantagens (p. e p. pelo artigo 372.º do
Código Penal)
Cfr. Acórdão do TRL, de 9.11.2019, no proc. 6421/17.2JFLSB.L1-3, em especial
no segmento “Da responsabilidade penal da Benfica SAD” .

IV
Eduardo residia com sua mãe, Francisca, há alguns anos. Francisca era uma
pessoa muito doente e que estava impossibilitada de se movimentar,
necessitando da ajuda do seu filho para se alimentar. Apesar de ter conhecimento
da situação em que se encontrava a sua mãe, Eduardo não comparece na casa
onde ambos habitavam durante vários dias, deixando de a alimentar. Francisca
vem a falecer em virtude de não se ter podido alimentar durante vários dias.
Tendo em conta os arts. 10.º, 131.º e 132.º do Código Penal, pronuncie-se acerca
da eventual responsabilidade criminal de Eduardo.
(Ac. do S.T.J., de 7.09.2003, Proc. 03P1677 www.dgsi.pt.)

1
António dirigia-se para um jogo de futebol, já atrasado, quando Bento, que
conduzia o seu motociclo visivelmente distraído, embateu na parte lateral do seu
veículo. Bento fica estendido no meio da estrada, sendo evidente que o mesmo
ficou gravemente ferido, em consequência do acidente. Apesar de António ter
ouvido claramente os pedidos de socorro de Bento, seguiu o seu caminho sem
nada fazer para o auxiliar. Alguns minutos mais tarde Carlos passa pelo local, a
pé, e presta auxílio a Bento, chamando ainda a ambulância que o transporta ao
hospital, conseguindo assim evitar males maiores.

1 - Pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal de António,


sabendo que este alega que não pode ser responsabilizado porque a vítima
acabou por ser socorrida e ainda porque não teve culpa na produção do acidente.

2 – Suponha agora que Bento morre, por não ter sido socorrido a tempo. Tendo
em conta os arts. 10.º, 131.º e 200.º do Código Penal, pronuncie-se acerca da sua
eventual responsabilidade penal.
(Ac. da Rel. do Porto, de 25.02.2004, Proc. 0344756, www.dgsi.pt.)

VI
Hélio convence João a entrar, durante a noite, numa fábrica, onde existem várias
máquinas perigosas. Como não quer ser descoberto, Hélio não acende as luzes
da fábrica, mas consegue evitar as máquinas, porque já conhece bem o local.
Porém, como João nunca tinha entrado naquela fábrica, tropeça numa das
máquinas e é atingido por um braço mecânico, ficando inanimado no chão, com
um grave ferimento visível na cabeça. Hélio apercebe-se do sucedido, mas
resolve abandonar o local para evitar ser encontrado no interior da fábrica. João
acaba por falecer em virtude de não ter sido socorrido a tempo.
Tendo em conta os arts. 10.º e 131.º do Código Penal, pronuncie-se acerca da
eventual responsabilidade criminal de Hélio.

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VII
Francisco, que se julga grande conhecedor de porcelana chinesa, vai à tenda de
Gonçalo, numa feira, onde repara numa bonita terrina. Como pensa que aquela
terrina é um original do século XVI Francisco oferece, de imediato, € 10.000.
Gonçalo aceita prontamente a proposta, apesar de saber perfeitamente que a
terrina era uma imitação, no valor de € 15. Dias mais tarde, Francisco vem a
apurar que, na realidade, a terrina era uma imitação barata importada da China e
que Gonçalo teria aceitado vendê-la pelos € 15, seu valor de mercado, mas nada
disse para esclarecer o erro em que se encontrava Francisco, aproveitando a
situação para “ganhar uns cobres”.
Tendo em conta os arts. 10.º e 217.º do Código Penal, pronuncie-se acerca da
eventual responsabilidade criminal de Francisco.
(Ac. do S.T.J., de 18.06.2008, C.J., t. 2, www.colectaneadejurispeudencia.pt, Ac.
do STJ, de 4.11.87, BMJ nº 371)

VIII
António circulava na segunda circular, em plena hora de ponta, quando Bento
embateu no seu carro a 30 km/h. O susto foi tal, que António sofreu um ataque
cardíaco, do qual veio aliás a falecer.

a) Será Bento responsável pela morte de António?


b) Suponha agora que o acidente foi provocado voluntariamente por Bento,
que sabia que António padecia de grave doença cardíaca e que já anteriormente
tinha sofrido um ataque de coração na sequência de um acidente de viação. A
sua resposta é a mesma? (Ac. do S.T.J., de 21/4/94, disponível em www.dgsi.pt)
c) Bento demonstra que António se dirigia para o aeroporto, onde devia
embarcar num avião que se despenhou, tendo falecido todos os seus ocupantes.
Será este facto relevante para excluir a eventual responsabilidade de Bento pela
morte de António?

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IX
João dá uma bofetada a Carlos, que se desequilibra e cai, batendo com a cabeça
numa pedra. A morte foi imediata.
Quid iuris?
(Ac. do S.T.J., de 6/3/91, C.J., ano XVI, t. 2, pp. 5 e segs.)

X
António conduzia o seu automóvel numa rua pouco iluminada, seguindo à sua
frente Bento, que guiava uma bicicleta, encostado à berma. António não se
apercebe da presença de Bento e dá-lhe um ligeiro toque com o retrovisor direito
do seu automóvel, o que provoca o desequilíbrio de Bento e correspondente
queda. Porém, António não chega a tomar consciência de que o seu automóvel
bateu em Bento. Em consequência da queda Bento bate com a cabeça numa
pedra, ficando estendido no chão. Bento vem a falecer em consequência dos
ferimentos sofridos e por não ter sido assistido a tempo.
António é acusado pela prática de um crime de homicídio simples (art. 131.º do
C.P.) em concurso efectivo com um crime de omissão de auxílio (art. 200.º, n.º 2
do C.P.). Concorda com esta acusação?
(Ac. do S.T.J., de 13.03.1991, Proc. 041606, www.dgsi.pt)

XI
António, agricultor de 73 anos e analfabeto, decide destruir um poço e uma mina
existentes em determinado terreno que herdou de seu pai, agindo na convicção
de que lhe pertencem. Sucede, porém, que tais bens não pertencem a António.
Poderá António ser responsabilizado criminalmente por estes factos (art. 212.º do
C.P.)?
(Ac. da Rel. do Porto, de 25.03.1998, Proc. 9840018, de 21.03.1990, Proc.
0224943 www.dgsi.pt, e de 22.02.1989, C.J., T.1, p. 220)

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XII
Eis os factos que o Tribunal Colectivo deu como provados e que se reputam
assentes:
a) A partir de 1991, começaram a existir desentendimentos entre o arguido A e F, a propósito da
passagem de camiões daquele pelo lugar e freguesia de Campos, onde este exercia o cargo de
Presidente da Junta de Freguesia, e, em encontros posteriores, as relações entre ambos
agravaram-se cada vez mais. b) Em 26 de Julho de 1993, durante uma rixa, o arguido foi atingido
por vários disparos de pistola, que o obrigaram a submeter-se a intervenção cirúrgica e cujas
lesões lhe determinaram cerca de 200 dias de doença com incapacidade para o trabalho. c) O
arguido A imputou e imputa a autoria de alguns desses disparos ao referido F. d) No dia 24 de
Julho de 1994, o arguido formulou o propósito de se vingar e matar o referido F. e) Na tarde desse
dia, o arguido esteve nas imediações da sua vacaria, sita do lado esquerdo da estrada que dá
acesso ao lugar de ..., atento o sentido Ruivães - Campos. f) A cerca de 300 metros dessa vacaria,
o F deixou o seu automóvel estacionado, junto à casa do seu irmão G e, com sua mulher e filhos,
no fim da tarde desse dia, deslocou-se a uma festa em Fafião, no automóvel, também de cor
branca, do seu amigo B, conduzido por este. g) Das imediações da vacaria, o arguido podia avistar
os carros, a sair ou a entrar junto da casa do G, irmão do F. h) Em Fafião, este foi informado por
H de que recebeu um telefonema estranho de uma mulher, que não identificou e que pelo seu teor
concluiu que pretendiam avisar das intenções do A em matar o F. i) Por volta das 23 horas, o F
regressou de Fafião com as demais pessoas que o acompanhavam e dirigiram-se todos para o
local onde tinha deixado estacionado o seu automóvel, a fim de seguir nele para a sua residência
no lugar de Campos, sita mais adiante, a cerca de 1000 metros. j) Chegado a casa do seu irmão
G, por volta das 23 horas e 30 minutos, o F saiu sozinho do automóvel do B e entrou no seu
automóvel e, momentos depois, o B reiniciou a marcha, prestando-se a levar a C e seus filhos à
residência destes, os quais seguiam no banco de trás - a C atrás do banco do condutor e os filhos
à sua direita, deitados a dormir. k) Nessa altura, o arguido já se encontrava, a pé, na berma
esquerda da estrada (sentido Ruivães - Campos), a cerca de 100 metros da boca do carreiro que
dá acesso à casa do G, irmão do F, à esquerda deste, para o matar, estando para o efeito munido
com uma arma de fogo, tipo caçadeira, carregada com cartuchos de bala próprios para caça
grossa. l) O B saíu com o seu automóvel do carreiro e depois de ter percorrido não mais de 90
metros em direcção a Campos, a mesma direcção do local onde se encontrava o arguido A, este
avistou o veículo e, empunhando com as duas mãos a dita arma, disparou o primeiro tiro na
direcção do habitáculo do veículo, que, sempre em movimento, foi sendo atingido com mais
disparos feitos pelo arguido, no lado esquerdo da frente e na parte lateral esquerda, indo
imobilizar-se adiante, ao embater com a parte lateral esquerda num muro que ladeia o lado
esquerdo da estrada, atento o sentido de marcha do veículo. m) Um dos projécteis provenientes

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dos disparos efectuados pelo arguido atingiu o corpo de B, alojando-se ao nível da terceira
vértebra dorsal, o que lhe causou, directa e necessariamente, paraplegia imediata, tendo este sido
submetido de urgência a intervenção cirúrgica (laminectomia e retirada do projéctil). n) A sua morte
só não se verificou devido aos tratamentos e cuidados recebidos nas unidades hospitalares
(Centro de Saúde de Vieira do Minho e Hospital de S. Marcos de Braga).

1 - Acusado o arguido pela tentativa de homicídio de B., vem o mesmo defender-


se, invocando que agiu em erro, uma vez que não o pretendia matar a ele, mas
antes F., pelo que não pode ser punido pelos factos que praticou. Tem razão?

2 - Suponha agora que o arguido matou o seu próprio pai, pensando que estava
a matar F. A sua resposta seria a mesma?

3 - E se o arguido pensasse que a vítima era o seu pai, embora na realidade se


tratasse de B?

(Ac. do S.T.J., de 30.10.1996, Proc. 96P725, www.dgsi.pt)

XIII
A matéria de facto provada é a seguinte:
"... o arguido foi assistir ao Benfica-Sporting, integrando a c1aque dos No Name Boys. Do
outro lado, ficavam as bancadas da Juve Leo. No interior do estádio, o arguido ocupou as primeiras
filas do sector 14, do topo sul - previamente destinado pelas entidades oficiais competentes à
c1aque dos No Name Boys. Em frente daquele sector, separadas pelo relvado, ficavam as
bancadas do topo norte, onde se situava, entre outros, o sector 17, destinado, pelas entidades
oficiais competentes, a ser ocupado por adeptos sportinguistas, mormente pela c1aque Juve Leo.
A distância entre estas duas bancadas é, em linha recta, da ordem dos duzentos metros. Antes
do início do jogo, sensivelmente quando alguns paraquedistas, largados de helicóptero, faziam a
sua aproximação ao relvado, o arguido, daquele lugar, lançou um foguete denominado Very light
- com a sua mão esquerda, inc1inou-o em posição oblíqua, para cima e ligeiramente para a frente
no sentido norte, retirou a protecção de borracha que faz aparecer a patilha e empurrou esta de
modo a activar a respectiva propulsão. Assim accionado, o foguete Very light descreveu uma
trajectória em arco, indo cair para além das bancadas do topo norte do estádio, Artigo em cima de

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umas árvores junto aos balneários, tendo provocado um pequeno incêndio nestas.”
"o arguido previra que o foguete assim disparado sobrevoasse a bancada do topo norte do
Estádio Nacional, reservada aos adeptos sportinguistas e que já na altura se encontrava repleta
de pessoas. Fê-lo de modo a que o mesmo fosse projectado de baixo para cima, em arco, de
modo a sobrevoar a bancada que avistava à sua frente.
Dez minutos depois do início do jogo, imediatamente a seguir ao primeiro golo do Benfica, o
arguido, aquando dos festejos por este golo, da segunda fila do já referido sector 14, lançou um
segundo foguete Very light.
Verificava-se, nessa mesma altura, uma grande agitação no grupo de espectadores, e
particularmente nos elementos afectos aos No Name Boys, que rodeavam o arguido, havendo
abraços, empurrões, saltos, gritos e outras exaltações de grande regozijo.
Também desta vez, o arguido segurou o foguete Very light com a mão esquerda, colocou-o
obliquamente para cima e inclinado para a frente, no sentido norte, e, com a mão direita, retirou a
protecção de borracha que faz aparecer a patilha.
Em virtude do seu próprio estado de euforia e da permanente agitação das pessoas que se
encontravam junto a si, envolvendo-o, o arguido, no momento em que empurrou a patilha que
acciona a respectiva propulsão, inclinou mais o foguete do que havia feito aquando do primeiro
lançamento.
O instrumento assim disparado seguiu uma trajectória tensa e quase em linha recta, sobrevoou
os jogadores, percorreu toda a distância entre as duas bancadas e foi chocar com o corpo da
vítima, que assistia ao jogo no sector 17, do topo norte do estádio, penetrando na região do peito,
de frente para trás, da esquerda para a direita e, ligeiramente, de baixo para cima.
Este embate provocou na vítima uma ferida perfuro-contundente na região para-estemal
esquerda, situada catorze centímetros abaixo do plano horizontal que passa pelos ombros, tendo
o orifício um diâmetro de sete centímetros, com eixo maior horizontal, com os bordos queimados
e com visualização de tecidos moles no interior.
Causou-lhe laceração da traqueia, crassa da aorta e lobos pulmonares direitos, queimados e
com pólvora aderente; hemorragias sub-endocárdicas; laceração dos arcos posteriores da 6.ª, 7.ª
e 8.ª costelas direitas e da espessura da musculatura intercostal; congestão meningoencefálica;
queimadura da musculatura peitoral direita e asfixia por intoxicação por monóxido de carbono,
lesões que, por si só ou associadas, foram causa da morte da vítima, ocorrida pelas 16 horas e
35 minutos desse dia.
O arguido apercebeu-se, poucos momentos após, do impacto deste foguete Very light na
bancada de adeptos sportinguistas onde se abriu uma clareira.
.. Ao efectuar este segundo lançamento do foguete Very light, previu o arguido que tal
instrumento se dirigisse na direcção norte, sendo sua intenção que o mesmo sobrevoasse a
bancada de espectadores, confiando que seguisse uma trajectória idêntica ao primeiro. Conhecia

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o modo de activação, potência e alcance do foguete Very ligh bem sabendo que se o mesmo, na
sua trajectória viesse a embater em alguém lhe poderia causar a morte. Sabia que o modo correcto
de lançar tal foguete é na vertical.
Tinha ainda conhecimento que o foguete Very light percorre em linha recta uma distância superior
a 200 (duzentos) metros, em poucos segundos.
No instante do disparo, não previu o arguido que logo que accionado o mecanismo de propulsão
naquelas circunstâncias o artefacto saísse, como efectivamente saiu, quase em linha recta, na
direcção da bancada em frente a si e que fosse atingir qualquer espectador, ferindo-o ou matando-
o.
Próximo do intervalo, ouviu dizer que morreu uma pessoa atingida por um foguete, tendo
concluído que essa pessoa fora mortalmente atingida pelo Very light por si lançado.
Nessa noite, ao ver as imagens na televisão em companhia de um amigo, o arguido ficou
emocionado chocado, não contendo o incómodo que as mesmas lhe causavam.”

Terá o arguido actuado com dolo eventual?


(Ac. do S.T.J., de 1.04.1993, B.M.J., n.º 426, pp. 154 e segs.)

XIV
Na 1.ª instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
"No dia 3 de Novembro de 2001, cerca das 15h, junto à residência de D.........., na Av. da ....., em
....., área desta comarca, a arguida envolveu-se em discussão com a referida D.......... e muniu-se
de um pau com cerca de um metro de comprimento para lhe bater. Então a arguida levantou o
pau na direcção da referida D.......... para com ele a atingir na cabeça, mas quando aquele já fazia
a trajectória descendente, aquela D.......... desviou-se, e o pau manuseado pela arguida foi atingir
a cabeça do menor C.........., nascido em 13 de Outubro de 1989, filho de D.........., que se
encontrava junto desta. Em consequência da pancada que levou, além de dores, o referido
C.......... sofreu ferida na linha média da região frontal, orientada longitudinalmente, com cerca de
13 mm de comprimento, que demandou para cura cerca de dez dias, sem incapacidade para o
trabalho. A arguida agiu sabendo e querendo molestar fisicamente a dita D.......... que não atingiu
por esta se ter desviado da trajectória do pau, acabando por atingir a cabeça do dito menor,
possibilidade que nem sequer representara.

Pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal da arguida.


(Ac. da Rel. do Porto, de 20.10.2004, Proc. 0443297, www.dgsi.pt)

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XV
Matéria de facto provada:
“Em 24-7-75, pelas 18 horas, na Rua de Gago Coutinho, em frente do Café
Paladium, freguesia de Fornos, Marco de Canavezes, o réu teve uma discussão
com José da Silva, por uma questão de mulheres;
Cerca das 20 horas desse dia, estando aquele réu sentado na esplanada do
mencionado café, ali chegou Belmiro Pereira da Silva, que, dirigindo-se àquele
réu, lhe disse: “Então tu é que querias bater ao meu irmão!”, e imediatamente lhe
vibrou uma bofetada, não lhe provocando ferimentos.
Em seguida e depois de Belmiro ter, de novo, avançado para o réu, este, com a
pistola examinada nos autos, disparou um tiro que atingiu aquela vítima na região
do pescoço, produzindo-lhe as lesões descritas no relatório de autópsia, que
necessariamente lhe causaram a morte.
O réu estava separado da vítima um metro e meio aquando do disparo;
Ao disparar o tiro, o réu representou como possível a morte da vítima e praticou
todos os actos necessários para que a morte daquela se seguisse;
A vítima estava desarmada;
O réu agiu para evitar nova agressão por parte da vítima, com receio que aquele
se consumasse.”
Terá o réu agido em legítima defesa?
(Ac. da Rel. do Porto, de 23.06.1976, C.J., t. 3, pp. 276 e segs.; do S.T.J., de
21.01.1998, B.M.J., n.º 473, pp. 133 e segs.)

XVI
Francisco, inimigo de longa data de Gonçalo, há muito que aguarda uma boa
oportunidade para por fim aos seus dias, pelo que anda sempre armado, à espera
da melhor ocasião para o efeito. Numa determinada noite, Francisco está
calmamente a sair do seu automóvel, quando se apercebe que Gonçalo o espera,
empunhado uma pistola, que dispara de imediato. Sucede que Gonçalo falha a
pontaria, o que dá tempo a Francisco para sacar a sua arma, antecipando-se a
1
Gonçalo - com um sorriso nos lábios e pensando “desta é que eu me vejo livre
deste gajo” -, disparando um tiro que atinge Gonçalo, provocando-lhe morte
imediata.

1 - Pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal de Francisco.

2 – Suponha agora que Francisco nem sequer se apercebeu de que Gonçalo


empunhava uma arma, tendo disparado logo que o viu. A sua resposta é a
mesma?

3- Imagine agora que Gonçalo empunhava uma arma de plástico e que apenas
queria assustar Francisco, tendo Francisco disparado de imediato acreditando
que a arma era verdadeira. A sua resposta é a mesma?

(Ac. do S.T.J., de 19.01.1999, Proc. 98P1003, disponíveis em www.dgsi.pt)

XVII
O Tribunal da Relação de Coimbra relatou que:
“II - Se se prova apenas que o arguido

- cortou a sua própria orelha;

- não tendo aí ninguém que o conduzisse ao posto médico;

- e só por isso resolveu conduzir veículo, mesmo sabendo que havia ingerido
bebidas alcoólicas, para ali se tratar do ferimento;

- e que conduziu com uma das mãos enquanto com a outra segurava a orelha
cortada;”

Terá o arguido agido em estado de necessidade?

1
(Ac. da Rel. de Coimbra de 16.05.2001, Proc. n.º 1105/2001, da Rel. do Porto, de
29.05.2002, Proc. n.º 0240258, da Rel. de Lisboa, de 18.11.2004, Proc. n.º
7347/2004-9, de 05.05.1998, Proc. n.º 0034305, de 09.02.1994, Proc. 0319613,
www.dgsi.pt)

XVIII
Na sequência de um naufrágio, António agarra-se a uma tábua, o que permite
que vá flutuando, à espera de ser socorrido. Bento, também náufrago, que estava
quase a afogar-se, não dispondo de qualquer outro meio para evitar a sua morte,
aproxima-se de António e consegue tirar-lhe a tábua, vindo António a falecer por
não saber nadar.
1 - Pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal de Bento.
2 – Suponha agora que António consegue impedir que Bento lhe tire a tábua,
afogando-o. Pronuncie-se acerca da eventual responsabilidade criminal de
António.
3- E se fosse provado em tribunal que afinal a tábua tinha espaço suficiente para
os dois náufragos?

XIX
Factos dados como provados:
1- No dia 4 de Abril de 1999, dia de Páscoa, pelas 18,45 horas, o arguido, tripulando o veículo
automóvel ligeiro de passageiros da marca Fiat, modelo Uno 1.0 IE, com a matrícula CZ, na
localidade de Vila Maior, freguesia de Cabril, área desta comarca, passou pelo automóvel ligeiro
de passageiros da marca Datsun, modelo 1200 De Luxe, com a matrícula IU, pertencente a B
(daqui para a frente apenas ....), que se encontrava parado no largo daquela povoação.
2- O arguido dirigia-se ao lugar de Lodeiro, freguesia de Cabril, área desta comarca, a casa da
sua avó paterna, e fazia-se acompanhar pelo seu pai, C, o qual seguia no banco de passageiros
sito ao lado do banco do condutor.
3- No momento em que a viatura conduzida pelo arguido passou pela viatura IU, a testemunha D
encontrava-se sentada no banco do condutor, tendo ao seu lado, no banco do passageiro, o
mencionado B.

1
4- Depois do veículo do arguido ter passado pelo IU, a testemunha D arrancou com este na mesma
direcção que era seguida por aquele, tendo alcançado o CZ cerca de um quilómetro adiante e
colocando-se imediatamente atrás de tal viatura.
5- Enquanto seguia atrás do veículo do arguido, o B fazia soar incessantemente a buzina do IU,
tripulado pela identificada testemunha.
6- O arguido receava o B por causa de um desentendimento que tinha havido entre ambos algum
tempo antes, no qual o segundo o ameaçou de morte, e por o mesmo ser temido pela generalidade
das pessoas da região por se envolver, frequentemente, em desacatos e por andar, habitualmente,
armado com facas e paus.
7- O arguido levava consigo a pistola semi-automática de calibre 6,35 mm Browning, com cano de
53 mm de comprimento, da marca FN, modelo Baby, com o nº 205PM13664, melhor examinada
a fls. 297 a 300 e 313, que havia comprado algum tempo antes, na sequência da ameaça da vítima
indicada em 6) e temer a sua concretização.
8- Sabia o arguido que o carregador da pistola acabada de mencionar se encontrava municiado
com pelo menos quatro munições, todas elas de calibre 6,35 mm.
9- A dado momento da sua marcha, nas condições apontadas em 4) e 5) e por causa do que ficou
referido em 6), o arguido retirou a pistola indicada em 7) de uma bolsa do seu veículo, onde a
trazia, destravou-a após a ter retirado do coldre, e colocou-a debaixo das nádegas.
10- Chegados ao local de Lodeiro, junto ao acesso à casa da sua referida avó, o arguido parou a
viatura por si conduzida junto à berma direita da estrada, atento o sentido de trânsito Vila Maior -
lugar de Lodeiro.
11- Quando ainda se encontrava ao volante e com as portas e janelas do veículo fechadas, parou
à frente do CZ o veículo automóvel onde se fazia transportar o citado B que dele logo saiu e dirigiu-
se ao arguido.
12- O B levava consigo um pau (vulgo, cajado) em forma cilíndrica, com cerca de 1,24 m de
comprimento e 3 cm de diâmetro, apresentando uma das extremidades com a forma esférica com
cerca de 9 cm de diâmetro, melhor caracterizado no relatório de fls. 207 e segs. e nas fotografias
juntas a fls. 98 a 100.
13- Abeirando-se do arguido, o B disse-lhe para sair do carro, pois se o não fizesse lhe "ralaria" o
carro todo.
14- Este abriu então a porta do lado do condutor e colocou a perna esquerda no exterior do veículo.
15- De imediato, o B desferiu um murro contra o arguido, atingindo-o na cara, do lado esquerdo,
próximo do olho desse lado e, de seguida, com o pau que empunhava, desferiu uma pancada no
mesmo, atingindo-o na perna esquerda, agressões estas que causaram, directa e
adequadamente, escoriações na região malar esquerda do arguido, infiltração de cor amarelada
arroxeada na região periorbicular esquerda, dor na região parietal esquerda e escoriação no terço

1
inferior, parte anterior, da perna esquerda, as quais demandaram para cura 9 dias de doença com
incapacidade para o trabalho.
16- O arguido acabou por conseguir agarrar o dito pau, quando o B se preparava para o atingir
com nova pancada.
17- A testemunha D - que entretanto tinha ido efectuar a manobra de inversão de marcha do IU
uns metros mais adiante e colocara este veículo à frente da viatura do arguido - aproximou-se
então do B, agarrou-o por detrás, puxou-o e afastou-o do arguido, tendo este aproveitado para se
trancar no interior da sua viatura, onde continuava o seu pai que se encontrava assustado e imóvel.
18- Enquanto o arguido se trancava na sua viatura, o B disse ao D que fosse buscar uma caçadeira
ao carro (ao IU), lhe metesse dois cartuchos de zagalotes e matasse o arguido e o pai deste,
solicitação que a dita testemunha não observou, tendo-se ido embora.
19- O B dirigiu-se então novamente à viatura do arguido, onde este e seu pai continuavam
sentados, respectivamente, no banco do condutor e no banco do passageiro ao lado daquele e,
com o mencionado pau começou a desferir sucessivas pancadas no vidro frontal daquele veículo,
estilhaçando tal vidro.
20- Seguidamente, ainda com aquele pau, desferiu uma pancada na porta do condutor, quebrando
o respectivo vidro e espelho retrovisor lateral.
21- Logo após, desferiu outra pancada com o mesmo pau que atingiu o tejadilho do veículo do
arguido, bem como o rebordo superior da porta do condutor.
22- Após, recuou dois ou três passos, levantou novamente o aludido pau e avançou, com ele
empunhado, em direcção ao arguido que continuava sentado ao volante do seu veículo.
23- O arguido, receando que o B o fosse agredir novamente com o referido pau, inclinou-se para
a sua direita, mantendo-se, porém, sentado no banco do condutor, pegou na pistola que acima
ficou descrita e, com ela empunhada na mão direita, apontou-a na direcção do B que nesse
momento se lhe apresentava visível apenas da cintura para cima (tronco e cabeça).
24- De seguida, quando o B distava cerca de 1,5 a 2 metros do arguido, este efectuou quatro
disparos consecutivos com a referida pistola, atingindo aquele com três deles, um dos quais no
tórax e os dois restantes nos membros superiores.
25- O projéctil que atingiu o tórax do B penetrou na respectiva linha média esternal, provocando-
lhe um orifício de bordos escoriados, com 6 mm de diâmetro, com orla de contusão de 6 mm de
maior largura à direita, seguido de trajecto penetrante na cavidade torácica.
26- Dos projécteis que atingiram o B nos membros superiores, um provocou dois orifícios de
bordos escoriados, com 5 mm de maior diâmetro cada, na face dorsal do antebraço direito,
seguidos de trajecto único penetrante nas massas musculares, enquanto o outro provocou
escoriação linear longitudinal, de 52 por 5 mm na prega do cotovelo esquerdo, com orifício
arredondado de 5 mm de maior diâmetro e, ainda, laceração de bordos lisos e regulares, com 5
mm, na face posterior do cotovelo esquerdo.

1
27- Em consequência do atingimento com os referidos projécteis, o B sofreu as lesões descritas
no relatório de autópsia junto a fls. 149 a 170, as quais se dão por reproduzidas, designadamente:
- orifício arredondado no corpo do esterno ao nível da inserção das quintas costelas, desenhando
na espessura do osso um trajecto de diante para trás, da direita para a esquerda e ligeiramente
de cima para baixo, com infiltração sanguínea;
- laceração da parte anterior do folheto parietal, com infiltração sanguínea;
- três orifícios no miocárdio, com infiltração sanguínea, sendo um na parede ventricular direita
anterior, outro na parede ventricular esquerda anterior e outro no septo interventricular,
desenhando um trajecto linear de diante para trás e da direita para a esquerda;
- laceração do folheto parietal, ao nível do arco médio do oitavo espaço intercostal esquerdo, com
infiltração sanguínea;
- quatro orifícios na pleura visceral, com infiltração sanguínea, sendo dois no lobo superior e dois
no inferior, desenhando no parênquima pulmonar um trajecto linear de diante para trás e da direita
para a esquerda.
28- As lesões traumáticas acabadas de indicar foram causa directa, necessária e adequada da
morte do B.
29- O arguido agiu pela forma que ficou descrita por ter ficado convencido que o B o ia agredir de
novo com o aludido cajado, temendo, assim, pela sua integridade física e pela própria vida e
efectuou os apontados disparos com intenção de se defender daquela agressão, prevendo, no
entanto, que desse modo tiraria a vida àquele, resultado que aceitou como consequência possível
da sua actuação.
30- No momento em que efectuou os disparos, o arguido encontrava-se amedrontado pelo
comportamento da vítima.
31- O arguido não era possuidor de licença de uso e porte de arma de defesa.
32- Tinha consciência das características da referida pistola e sabia que a licença de uso e porte
de arma de defesa não só era legalmente exigida como a sua falta era sancionada pela legislação
penal.
33- A partir do momento indicado em 17), em que a testemunha D parou o IU à frente do veículo
do arguido, este ficou impedido de se pôr em fuga, se o desejasse, por ter a via obstruída à sua
frente com aquela viatura e com um monte de terra que também a ocupava parcialmente e por
não haver à sua retaguarda espaço que lhe permitisse uma rápida inversão do sentido de marcha,
por a estrada ter 3 metros de largura e ser ladeada, num dos lados, por um muro em terra,
enquanto do outro existia uma ribanceira.
34- O arguido confessou os factos, não tem antecedentes criminais, tinha então 21 anos de idade
e era operário fabril na empresa de plásticos "..&..", em Fajões - Oliveira de Azeméis, auferindo
salário que rondava os 80.000$00 mensais.

1
35- Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade, é pessoa tímida, insegura e algo
imatura, circunstâncias que o tornam vulnerável ao meio que o rodeia.
36- É considerado como pessoa pacata e ordeira e está bem inserido no meio em que vive.
37- No momento dos factos, a vítima apresentava uma TAS de 2,12 g/l.

Pronuncie-se acerca da eventual da responsabilidade criminal do arguido.


(Ac. do S.T.J., de 3.10.2002, Proc. 02P2138, disponível em www.dgsi.pt, e de
05.06.1991, B.M.J., n.º 408, pp. 181 e segs.)

XX
Carlos mata Bento com dois tiros de pistola, em estado de completa
inimputabilidade provocado pelo consumo de bebidas alcoólicas. Pronuncie-se
acerca da eventual responsabilidade de Carlos na seguintes situações:
a) Carlos pretende matar Bento, mas como não tem coragem para o fazer,
resolve embriagar-se para o efeito;
b) Carlos está numa festa com Bento, seu inimigo de longa data, e ingere
várias bebidas alcoólicas, apesar de saber que já por diversas vezes
perdeu o controlo em estado de embriaguez, envolvendo-se em rixas, o
que vem efectivamente a acontecer com Bento;
c) Carlos está numa festa com Bento, pessoa que não conhece, e resolve
embriagar-se para comemorar a vitória do S.C.P. num jogo da taça de
Portugal contra um clube da IV.ª divisão. Em estado de completa
embriaguez envolve-se numa rixa com Bento, adepto do outro clube.
d) Duarte e Francisco, amigos de Carlos, misturam-lhe na sua bebida uma
grande quantidade de álcool, sem que este se aperceba, durante uma festa
m que está também presente Bento, vindo os dois a envolver-se numa rixa.

XXI

O Tribunal Colectivo considerou provada a seguinte factualidade:

1
1. A 1ª arguida, sociedade comercial, tinha por objecto o estudo, concepção e execução
de obras de construção civil, compra e venda e gestão de imóveis e execução de obras
públicas, e esteve inscrita com o CAE ..., na actividade de construção e engenharia civil,
ficando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal para efeitos do Imposto
sobre o Valor Acrescentado (IVA).

2. Os arguidos "B" e "C" foram, desde a constituição daquela sociedade, e


nomeadamente no período entre Julho de 1997 e Dezembro de 1998, sócios-gerentes da
mesma.

3. Nesse período, a arguida cobrou aos seus clientes quantias correspondentes a IVA,
que estava obrigada a declarar e a entregar mensalmente ao Estado, facto que apenas
foi omitido nas declarações relativas aos meses de Abril e Junho de 1998, em que não se
registaram valores em dívida a entregar aos serviços do Estado.

4. Os arguidos, pelo menos no período em que se verificam os factos relatados, não


organizaram extractos de conta corrente quanto aos pagamentos dos diversos clientes.

5. Dos valores liquidados e recebidos a título de IVA, os arguidos não entregaram nos
cofres do Estado as quantias indicadas na tabela seguinte, no valor total de 24 139
057$00 (hoje, € 120.405,11):

6. Os arguidos integraram tais quantias no património da arguida, pagando salários e


acorrendo aos custos imediatos da laboração, não obstante saberem que aquelas não
lhes pertenciam e que não as podiam utilizar para esses fins. Os arguidos "B" e "C" agiram
em nome e no interesse da arguida, em conjugação de esforços, com a intenção de obter,
como obtiveram, vantagens patrimoniais em detrimento do Estado Português.

7. A partir de 1995, começaram as dificuldades financeiras da arguida, com a diminuição


de obras e atrasos nos pagamentos pelos seus clientes, o que levou à acumulação de
dívidas para com a banca, os fornecedores e, por vezes, os trabalhadores. Quando deixou
de cumprir com os pagamentos junto dos Bancos, a arguida não mais conseguiu ter
acesso ao crédito por essa via.

8. A falência da arguida foi decretada nos autos n.º 73/98, do Tribunal de Ponte da
Barca, por sentença de 9 de Abril de 1999, não se encontrando efectuado o registo da
sua liquidação.

Os arguidos invocam que não podem ser responsabilizados criminalmente por


estes factos, uma vez que, como sempre afirmaram, «estavam de boa-fé ... nunca

1
lhes passou pela ideia que fosse crime não retribuir IVA ao Estado ... sabiam que
era contra a lei, mas nunca lhes disseram que era crime...». Têm razão?
(Ac. da Rel. de Guimarães, de 22.11.2004, Proc. 1121/04-1 e da Rel. de Évora,
de 15.02.2005, Proc. 1887/03-1, www.dgsi.pt)

XXII

R., solteiro, servente de pedreiro, …melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento no
âmbito do processo comum n.º …do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de …, e
veio a ser condenado, por sentença publicada a 4 de Novembro de 2004 (fls. 83 a 88), mas que,
por razões que se ignoram, apenas consta como depositada no dia 29.11.2004, e no que ao
presente recurso importa, pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de um
crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível nos termos do disposto no art. 3.º
n.º1 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 2,00,
no montante global de € 80,00.

Factos provados:
1 - No dia 23 de Agosto de 2002, cerca das 15h, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula…,
pela Estrada do …, sem estar legalmente habilitado.
2 - Nessa altura foi interveniente em acidente de viação.
3 - O arguido possuía licença de condução de velocípedes a motor.
4 - O arguido agiu de forma livre e deliberada.
B) Factos não provados:
Não se provou que:
1.O arguido soubesse que conduzia o mencionado veículo sem ser portador de licença de
condução ou qualquer outro título que o habilitasse à condução de veículos motorizados.
2. Não obstante quis agir como descrito, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
O tribunal exarou na sentença a seguinte motivação:
O Tribunal formou a sua convicção baseando-se nas declarações do arguido que admitiu conduzir
o ciclomotor naquelas condições de tempo e lugar referindo, porém, que desconhecia não estar
habilitado uma vez que possuía licença de condução de velocípedes emitida pela Câmara
Municipal de … e nunca ninguém lhe disse que tinha que a substituir. Consideraram-se ainda as
declarações do agente que o fiscalizou, P.M., que confirmou tais declarações afirmando que, na
altura, o arguido ficou surpreendido alegando que pensava estar devidamente encartado.
A decisão em causa encarou a questão do enquadramento jurídico nos seguintes termos:

1
“Pratica o crime de condução sem carta p. e p. pelo artigo 3.º n.º1 do DL 2/98, 03/01 quem
conduzir veículo a motor, na via pública, ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos
do Código da estrada.
Acresce que o Código da Estrada, no seu artigo 121º nº1 estabelece que só pode conduzir um
veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito.
Por seu turno, o artigo 122º nº 2 do mesmo diploma estatui que o documento que titula a
habilitação para conduzir ciclomotores designa-se licença de condução.
Subjectivamente o referido tipo legal de crime exige uma conduta dolosa nos termos do artigo 14º
do Código Penal.
Ora tendo-se apurado que o arguido conduzia o veículo ciclomotor pela via pública e que o fazia
sem estar habilitado com licença de condução mostram-se preenchidos os requisitos objectivos
do crime de condução sem carta.
Sucede porém que o arguido não sabia que o fazia sem estar habilitado porquanto detinha uma
licença de condução de velocípedes a motor emitida pela Câmara Municipal de… que em tempos
o tinha permitido. Efectivamente, importa chamar à colação o DL 114/94, 03/05, que no seu
art.132º nº1 estatuía que o documento que titulava a habilitação para a condução de ciclomotores
e motociclo de cilindrada não superior a 50 cm3 se designava licença de condução.
Sucede porém que, nos termos do artigo 47º do DL 209/98, 15/07 - publicado na sequência da
entrada em vigor do novo código da estrada (2/98) e que regulamentou o regime jurídico da
habilitação legal para conduzir veículos na via pública, estatuindo disposições transitórias - durante
o prazo de um ano a contar da entrada em vigor do diploma – 20/07/1998 – os titulares de licença
de condução de velocípedes com motor estavam habilitados a conduzir ciclomotores, podendo
requerer a sua troca por licença de condução de ciclomotor na câmara municipal da sua área de
residência.
Tal prazo foi depois prorrogado pelo DL 315/99, de 11 de Agosto, que no seu artigo 4º o estendeu
até ao dia 30 de Junho de 2000.
Ora, face a tal alteração legislativa impõe-se concluir que, na altura da fiscalização, já o arguido
não estava habilitado a conduzir o referido veículo por não ter renovado a licença.
Concorda com a sentença?
(Ac. da Rel. de Évora, de 14.06.2005, Proc. 863/05-1, www.dgsi.pt, Ac. da Rel. de
Coimbra, de 14.12.1994, R.P.C.C., 1995, pp. 245 e segs.)

XXIII
Aníbal, nadador-salvador, encontrava-se no seu posto de vigia quando avistou
alguém a afogar-se. Olhando através dos binóculos, apercebeu-se de que a vítima
1
era Jerónimo, seu inimigo de longa data. Aníbal nada fez. Jerónimo, porém, não
veio a falecer devido ao pronto auxílio de Dionísio.
Aprecie a responsabilidade jurídico-penal de Aníbal.

XXIV
Factos provados:

1. No dia 17 de Abril de 1993, a hora indeterminada, mas cerca das 4 horas,


os arguidos acordaram, entre si, retirar do interior de um cofre existente no
estabelecimento de livrara "Bertrand", que fica na Rua Anchieta, n. 23, em
Lisboa, as quantias monetárias que ali pudessem estar;
2. Para entrarem no referido estabelecimento, os arguidos resolveram forçar a
fechadura da porta da entrada do mesmo, com a utilização de um cutelo e de
uma chave de fendas que o arguido A trazia consigo;
3. Na sequência do plano traçado, os arguidos dirigiram-se, a pé, até às
imediações da livraria "Bertrand", e, agindo ambos em conjugação de
esforços, dirigiu-se o A ao aludido estabelecimento, a fim de forçar a fechadura
da referida porta, enquanto o B ficou a distância não apurada, mas inferior a
cem metros daquela livraria, vigiando a aproximação de pessoas daquele
local;
4. Cerca das 4 horas e 30 minutos, os arguidos foram interceptados por
agentes da P.S.P., quando, pela forma descrita, procuravam penetrar no
interior daquele estabelecimento;
5. Cada um dos arguidos, ao agir como descrito, fê-lo consciente e
voluntariamente, com o propósito de se apoderar de tais quantias monetárias,
sabendo que as mesmas lhe não pertenciam, que agia contra a vontade do
dono, e que a sua conduta era proibida por lei.
6. Os arguidos só não concretizaram os seus intentos dada a intervenção dos
agentes da P.S.P., tendo levado a cabo a actividade descrita durante a noite
para mais facilmente concretizarem os seus objectivos.
1
Não se apurou se existiam quaisquer quantias monetária do cofre que os
arguidos pretendiam arrombar.

1 – Acusados de tentativa de furto, os arguidos invocam em sua defesa que:


a) não chegaram a iniciar a execução do furto que planearam;
b) não se provou que existissem quaisquer quantias monetárias no interior do
cofre, pelo que não pode ser condenados por aquele crime. Têm razão?

XXVI
A dá um tiro a B, atingindo-o na zona do tórax. Ao ver B sangrar, A arrepende-se
levando aquele imediatamente para o hospital.
1 – Devido ao pronto auxílio de A, B não veio a falecer.

a) Aprecie a responsabilidade penal de A.

b) E se B fosse o Presidente da república?

2 – A não conseguiu salvar B. Quid iuris?

XXVII
A matéria de facto provada é a seguinte:
1 ─ Em data não concretamente apurada, mas situada em Dezembro de 2004, os arguidos AA e
BB decidiram apropriar-se dos bens e valores que habitualmente a Agência …, sita na Praça …,
em Lisboa, depositava na Agência Bancária …, do Rossio, na mesma cidade;

2 ─ Assim, planearam fazer-se transportar para o local de moto ocultando alguns elementos da
matrícula de forma a não serem identificados através da mesma, e uma vez no local o arguido BB
permaneceria no veículo que manteria com o motor ligado enquanto o arguido AA se apropriava
dos referidos bens;

1
3 ─ Em concretização do plano previamente traçado, no dia 06 de Dezembro de 2004, entre as
10H00 e as 10H40, o arguido BB conduziu a moto de marca Honda, modelo CBR 600, de cor
preta, com matrícula …, para local próximo da agência …, sita na …;

4 ─ Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, no desenvolvimento das suas funções ao


serviço de tal agência, CC e o seu colega DD, empregados da agência …, saíram cerca das 10H45
da referida agência no intuito de procederem ao depósito da quantia monetária de € 80.000,00
(oitenta mil euros) no balcão do … do Rossio;

5 ─ Tal quantia monetária era transportada pelo referido DD, numa pasta de cor preta, da Western
Union (Unicâmbio - Agência de Câmbio, SA);

6 ─ Iniciaram o seu percurso apeado na Praça da Figueira, tendo continuado pela Rua do Amparo,
atravessando o passeio e parando na passadeira de peões imediatamente em frente, a qual dá
acesso à Praça D. Pedro IV (Rossio);

7 ─ Tendo continuado o percurso, imobilizaram-se em frente à passadeira de peões que dá acesso


ao passeio, junto à Calçada do Carmo;

8 ─ Ali pararam, aguardando que o sinal luminoso para peões apresentasse luz verde, a fim de
poderem atravessar a passadeira;

9 ─ Enquanto ali se encontravam, passou à frente dos referidos CC e DD a moto conduzida pelo
arguido BB, a qual se imobilizou cerca de 2 (dois) a 3 (três) metros depois de ultrapassar a
passadeira para peões;

10 ─ Enquanto o arguido BB manteve a mota em funcionamento realizando constantes


acelerações;

11 ─ Do lugar do pendura saltou o arguido AA, o qual imediatamente se dirigiu ao DD, agarrando-
lhe imediatamente a pasta onde este último transportava o dinheiro, apontando-lhe uma arma de
fogo ao mesmo tempo que proferia as palavras “larga, larga o saco”;

12 ─ Perante tal situação, o DD resistiu, protegendo a mala onde transportava o dinheiro com o
corpo, debruçando-se, altura em que o arguido AA efectuou alguns disparos para o ar com a arma
de fogo que transportava;

13 ─ Perante os disparos da arma de fogo, o DD acabou por largar a mala, a qual ficou na posse
do arguido AA;

1
14 ─ Nessa altura, e apercebendo-se da situação, o CC, que se encontrava distanciado do DD
cerca de 50 cm (cinquenta centímetros), ombro com ombro, procurando evitar a fuga do arguido
agarrou-se às suas pernas, fazendo-lhe uma placagem, ficando debruçado com a sua cabeça à
frente do AA;

15 ─ O arguido AA agrediu então o CC batendo-lhe com a coronha da arma que segurava na


cabeça e, em seguida, disparou a arma não tendo atingido ninguém;

16 ─ Então o referido DD correu em auxílio do seu colega CC e saltou para cima do arguido AA,
altura em que se envolvem os três em luta corpo a corpo;

17 ─ Nessa altura, o arguido AA efectuou mais dois disparos, em direcção dos ofendidos, os quais
atingiram o CC nas costas e na perna direita;

18 ─ No decurso da luta, o arguido AA largou a pasta de que lograra apropriar-se;

19 ─ Conseguindo dessa forma libertar-se do CC e do DD que permaneceram no chão;

20 ─ O arguido AA correu então em direcção à mota, onde o aguardava o outro arguido, montando-
a e colocando-se ambos os arguidos em fuga.

Os arguidos invocam que não podem ser condenados, por terem desistido da
prática do crime que lhes é imputado. Têm razão?

(Ac. do S.T.J., de 18.10.2006, Proc. 06P3052 e de 17.06.1999, Proc. 99P467,


www.dgsi.pt; Ac. do S.T.J., de 18.02.1999, C.J., t. 1,
www.colectaneadejurispeudencia.pt)

XXVIII
A contrata B para matar a sua mulher. Para o efeito, fornece instruções relativas
à forma como o homicídio deve ser cometido (a identidade da vítima, as suas
rotinas, o modo de execução, etc.) e paga de forma adianta uma parte do dinheiro
prometido, ficando convencido de que B vai levar a cabo o crime contratado.

1
Porém, B decide não o fazer e denuncia A às autoridades, que procedem à sua
detenção. Poderá A ser condenado por tentativa de homicídio?

(Ac. do S.T.J. n.º 11/2009, de 18.06.2009 e ac. do S.T.J. de 20.09.2018, Proc.


1324/15.8T9PRT.P1.S1)

XXIX
António, funcionário público, decide apropriar-se de várias quantias que tem à sua
guarda na tesouraria onde exerce funções. Para não levantar suspeitas, pede a
Bento para se dirigir ao balcão da tesouraria a fim de levantar e transportar e
depositar o dinheiro numa conta bancária de António, o que este faz.
Pronuncie-se sobre a eventual responsabilidade dos intervenientes pela prática
dos crimes de peculato e/ou abuso de confiança (arts. 205.º e segs. e 375.º do
C.P.).

XXX
No dia 16 de Abril de 2003, pelas 13,50 horas, na Rua ....., em ....., Matosinhos, o
arguido B fazia-se transportar no seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de
matrícula ..-..-JZ, da marca Hyundai, modelo Atos, de cor azul, sentando à frente,
do lado direito. Ao seu lado, no lugar do condutor, seguia C, menor de 12 anos de
idade, filho do arguido, que procedia à condução do seu veículo automóvel e com
o seu próprio consentimento. Aliás, foi o próprio arguido quem lhe perguntou se
queria conduzir a referida viatura e até quem o determinou a isso.
O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que o seu filho C. não podia
conduzir veículos automóveis na via pública por não possuir carta de condução e
mesmo sendo conhecedor que ele nem sequer se podia (nem pode ainda)
habilitar legalmente a obtê-la, ainda ou a que assumisse os comandos da viatura
automóvel.
O arguido é titular de carta de condução.
Pronuncie-se sobre a eventual responsabilidade dos intervenientes pela prática
do crime p.p. nos termos do art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do D/L n.º2/98, de 03/01.
(Ac. da Rel. do Porto, de 24.11.2004, Proc. 0443152, www.dgsi.pt)
1
XXXI
Guilherme, funcionário de uma empresa de segurança, conhecedor dos horários
de levantamento, para transporte ao banco, dos valores dos seus clientes,
convence Hilário a fazer-se passar por funcionário da mesma a fim de levantar os
mesmos valores, ainda antes de chegar ao local o colaborador destacado para o
efeito, a fim de se apropriar das quantias respectivas. Para o efeito, fornece a
Hilário um uniforme da mesma empresa, de forma a não levantar suspeitas. Na
execução deste plano Guilherme e Hilário conseguem recolher, em dias
diferentes, de 7 clientes da empresa de segurança, diversos valores, que fazem
seus.
Condenados pela prática de 7 crimes de burla simples, numa pena única
de 12 anos de prisão, os arguidos defendem-se invocando que:
a) praticaram um único crime de burla;
b) A pena que lhes foi aplicada é manifestamente excessiva.

(Ac. do S.T.J., de 08/02/1995, B.M.J., n.º 444, pp. 178 e segs e Ac. do S.T.J., de
24/10/1996, B.M.J., n.º 460, pp. 413 e segs)

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