Você está na página 1de 4

LICENCIATURA EM DIREITO

ANO LECTIVO: 2023/2024


DIREITOS REAIS – 3.º ANO – TURMA B
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ ALBERTO VIEIRA
SUBTURMAS: 13 E 16

Caso Prático N.º 6

(Usucapião)

Considere a seguinte hipótese:

António era usufrutuário vitalício da Herdade do Bom Retiro.


O prédio era da titularidade de Bento, que celebrara com António um usufruto, de
natureza vitalícia.
António saiu da Herdade do Bom Retiro, rumo a Lisboa, em 1988, nunca mais tendo lá
voltado.
Carlos, sabendo do negócio entre António e Bento, e que o primeiro deixara a Herdade
do Bom Retiro, decide invadir, nesse mesmo ano, aquele prédio rústico, tendo passado
aí a residir, utilizando, ainda, as diversas máquinas agrícolas que aí se encontravam.
Entretanto, em 2018, Bento morre, tendo deixado ao seu filho Ernesto, no seu
testamento, o direito de propriedade sobre a herdade, o qual decide reivindicar, junto
de Carlos, o direito que herdara de seu pai.
Carlos, sabendo do sucedido, decide, de imediato, apresentar acção declarativa,
invocando a usucapião do direito de propriedade.
Na contestação desta acção, foi junto por Ernesto aos autos, duas notificações judiciais
avulsas, levadas a cabo pelo Advogado de António e Bento, e endereçadas a Carlos,
respectivamente, no ano de 2007 e 2016, nas quais solicitava o abandono imediato da
Herdade do Bom Retiro e afirmado a titularidade daquele prédio rústico, nunca o tendo
abandonado, tendo ambos sempre consigo as chaves do imóvel.

Quid juris ?
R:

1. António era usufrutuário vitalício da Herdade do Bom Retiro, isto nos termos do
artigo 1439º e seguintes do CC.

2. O prédio era da titularidade de Bento, que tem o direito de propriedade nos termos
do artigo 1305º do CC.

3. Carlos invade essa mesma herdade, sabendo do negócio de usufruto, passando aí


a residir. Estamos perante um fenómeno de apossamento, que é uma forma de
aquisição da posse, nos termos do artigo 1263º/a). Assim, verifica-se um caso de
esbulho, em que Carlos não só tem na sua posse o prédio como também as suas
máquinas, passando a ter a posse por referência àquelas coisas corpóreas.

António tem posse de duas coisas corpórias: o prédio e as máquinas.

De acordo com o Professor Orlando de Carvalho, a posse é um espelho de um


determinado direito. Assim, a posse nada tem que ver com a titularidade desse direito.

Se tiver a posse, conjugada com a verificação de determinados requisitos, então pode-


se vir a adquirir o direito real através da usucapião.

Assim, a usucapião é, de acordo com José Alberto Vieira, um facto constitutivo geral
de direitos reais. A sua eficácia restringe-se a apenas uma categoria de direitos reais,
os direitos reais de gozo.

Note-se, no entanto, que não estão abrangidos todos os direitos reais de gozo. Nos
termos do art. 1293o, não são Usucapíveis o direito de uso e habitação e as servidões
prediais não aparentes.

No caso concreto, a posse de Carlos era exercida nos termos do direito de propriedade.

4. Para Carlos invocar a usucapião do direito de propriedade, teriam de se verificar 3


requisitos:
1- Uma posse boa para a usucapião (nomeadamente, a posse boa para usucapião
tem de ser pública e pacífica).
2- A posse tem de ser verificada por certo lapso de tempo (dependendo da natureza
da coisa e também dos caracteres da posse)
3- A invocação do usucapião pelo possuidor (aquele que aproveita), judicial ou
extrajudicialmente, pelo artigo 303º (que tinha como consequência retrair os
efeitos da usucapião à data do início da posse).

1º Requisito: No caso concreto, o requisito da boa posse para a usucapião verifica-se.


Para tal, aplicamos o artigo 1297º para coisas imóveis, na medida em que a posse tem
de ser pública e pacífica. Como pública, o artigo 1692º esclarece como a que se exerce
de modo a poder ser conhecida pelos interessados, e como pacífica, o artigo 1261º/1
esclarece como tendo sido adquirida sem violência. (Bento tinha conhecimento da
situação, até por ter constituído advogado).

2º Requisito: Relativamente ao artigo 1296º, na medida em que não existe registo do


título nem da posse, a usucapião só se pode dar no termo de 20 anos, se for de má-fé,
como no caso concreto se verifica por parte de Carlos.

Está aqui em causa a conceção subjetiva-ética de boa-fé, que significa que está de boa
fé aquele que ignora sem culpa que está a lesar um direito alheio.

Carlos começara a viver na herdade em 2018, já tendo passado mais de 20 anos. No


entanto, levanta-se um problema, dado que foi endereçada a Carlos uma notificação em
2008. Assim, o artigo 323º/1 do CC aplica-se por via do artigo 1292º, pelo que se
interrompe a contagem do prazo pela notificação judicial, tendo esta sido interrompida
em 2006.

(Como o proprietário e o usufrutuário receberam notificações judiciais avulsas, que é


uma forma mais solene de proferir uma vontade. Esse ato é idóneo a interromper a
prescrição. Aqui é um ato instantâneo e não duradouro. Se tivesse intentado uma ação
judicial em 2007, mas a ação só ficava decidida em 2010, julgada improcedente, aqui
é diferente, porque o prazo começa a contar o prazo em 2010, porque não é um ato
interruptivo instantâneo.)
António de facto, saiu da herdade, mas isto tem alguma influencia na titularidade do
seu direito ou do seu exercício possessório?

Teria de ser demonstrado que o usufruto se extinguiu por não uso. Nos termos do artigo
1476º, nº1, alínea c) o usufruto extingue-se pelo seu não exercício durante 20 anos,
qualquer que seja o motivo.

Mas essa extinção tem de ser demonstrada, porque se não era muito fácil.

António perdeu a posse nos termos do artigo 1267º/d). Quando há esbulho, contra a
posse que estava a ser exercida, há a perda da posse passado 1 ano.

Eu não considerei a alínea a) do abandono porque António ainda tinha a chave, pelo
que significa que não havia abandono. Alguns autores defendem que quanto a imóveis
nem pode acontecer.

Você também pode gostar