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Na análise de um problema que diga respeita à oponibilidade de um direito registado ou

registável que envolva, portanto, a análise do problema do conceito de terceiros para efeitos de
registo predial, podemos seguir um dos seguintes caminhos…

• Artigo 5º CRPred. – Duplas alienações ou “situações triangulares” – Exemplo clássico -


António aliena o seu imóvel a Bernardo por escritura pública e segundo todos os demais
trâmites legais e voluntários. Bernardo não observa o ónus de registo, sendo que o
artigo 2º a) CRPred determina que a compra e venda de imóveis está, de facto, sujeita
a registo. António aliena, dias mais tarde, o mesmo imóvel – que ainda constava no
registo em seu nome – a Carlos, novamente com observância de todos os trâmites legais
e voluntários necessários à perfeição do negócio. Carlos dirige-se a uma conservatória
do registo predial e procede ao registo do imóvel. Quem será o legítimo proprietário do
imóvel? Bernardo ou Carlos, e porquê? Nestes casos, uma resposta perfeita deverá
passar pelos seguintes passos…
o Verificação das posições jurídicas de cada um dos compradores nos termos do
direito substantivo (abstraindo das regras registais), nomeadamente com
referência ao tipo negocial (874º, por exemplo) e à transmissão da propriedade
(408º nº1);
o Constatação de que, por estarmos perante factos sujeitos a registo (situar facto
jurídico sub judice numa das alíneas do artigo 2º do CRPred), a realidade registal
prevalecerá, mediante o preenchimento de determinados requisitos, sobre a
realidade substantiva.
o Constatação de que um problema relativo à oponibilidade ou inoponibilidade
de direitos registáveis envolvendo disputas entre terceiros pode seguir um de
três caminhos…
▪ 5º CRPred.
▪ 17º nº2 CRPred.
▪ 291º CC.
o (Cont.) Constatação que, por estarmos perante uma dupla alienação
formalmente perfeita do mesmo direito a sujeitos diferentes, o problema situa-
se no artigo 5º CRPred e nunca nos outros dois expedientes, uma vez que ambos
tratam não de duplas alienações, mas de vendas sucessivas, como adiante
explicitaremos detalhadamente.
o Abordar as posições jurídicas de cada um dos terceiros (neste caso, de Bernardo
e Carlos) individualmente, salvo explicitação em concreto da hipótese. Se,
porventura, a hipótese colocar a questão entre António e Bernardo (ou
qualquer outro sujeito que lhes suceda na posição contratual), será o artigo 4º
CRPred a dar-nos a solução, uma vez que não estaremos perante um problema
de terceiros, mas, simplesmente, inter partes.
o Aferir o preenchimento dos três – segundo a Escola de Lisboa e defendido por
Sousa Antunes - requisitos do artigo 5º nº1 CRPred (oponibilidade dos factos
sujeitos a registo a terceiros) …
▪ Registo do facto
▪ Onerosidade do negócio jurídico (Carvalho Fernandes dispensa este
requisito, por forma a dar cobertura à tutela de negócio jurídicos
gratuitos; Sousa Antunes considera, contudo, preferível desconsiderar
os negócios jurídicos gratuitos uma vez que não implicam qualquer
sacrifício patrimonial do adquirente).
▪ Boa-fé do adquirente (Escola de Coimbra dispensa este requisito, por
considerar que interpõe um atrito desnecessário à prova desta situação
jurídica, fruto da natural privacidade do processo volitivo (probatio
diaboli); Sousa Antunes considera, contudo, preferível uma ligeira
obstrução da agilidade probatória a uma tutela registal de um
adquirente manifestamente de má-fé).
o (Cont.) se qualquer destes requisitos não for preenchido, a questão, do ponto
de vista das regras registais relativas à posição do sujeito em análise, termina
por aqui, na medida em que a sua situação jurídica não será tutelada, gozando
esse comprador somente da sua (frágil) posição jurídica substantiva.
o Uma vez preenchidos estes três requisitos exigidos pela Escola de Lisboa e
confirmada a tutela registal do facto sujeito a registo aqui em causa, a posição
do sujeito em análise está consolidada (efeito consolidativo do registo). Mas
será oponível a terceiros?
o Para aferir tal ponto, importa verificar o preenchimento dos requisitos do artigo
5º nº4 CRPred, onde se define legalmente – na senda do acórdão uniformizador
de 1999, ainda que em termos ainda mais restritivos – o que são terceiros para
efeitos de registo predial…
▪ Aquisição do direito a um autor comum (lá está, a tal situação triangular
criada pela dupla alienação);
▪ Incompatibilidade dos direitos adquiridos pelos compradores (o que
sucede se forem, por exemplo, dois direitos de propriedade, uma
propriedade e um usufruto, uma propriedade e um direito de
superfície, um direito de superfície e uma servidão, um direito de
superfície e um usufruto, enfim, desde que não se aliene uma nua
propriedade (esvaziada por ónus ou encargos) e se constitua um
usufruto ou um direito de superfície, haverá sempre incompatibilidade,
pelo menos para um dos compradores. Esta última ressalva prende-se
com o facto de que o após a constituição de um usufruto, por exemplo,
o proprietário não goza da plenitude desse direito, mas somente uma
nua propriedade, nos termos supracitados. Assim, pode perfeitamente
alienar a sua posição a outrem sem incompatibilidade material entre o
adquirente da nua propriedade e o usufrutuário da mesma.
o Preenchidos estes requisitos, o sujeito em análise gozará da inteira tutela
registal contra a posição do outro comprador (ex-legítimo proprietário segundo
as regras do direito substantivo – 408º), operando um efeito aquisitivo do
registo para Carlos (segundo o exemplo enunciado).
o Enfim, cumpre definir o que sucederá ao direito arredado pela tutela registal
atribuída a um dos intervenientes…
▪ Oliveira Ascensão – Resolução dos direitos incompatíveis.
▪ Carvalho Fernandes – Expetativa jurídica dos titulares dos direitos
incompatíveis.
▪ Menezes Cordeiro – Inoponibilidade dos direitos incompatíveis com o
registo aquisitivo. Esta posição é de especial interesse, uma vez que
admite, nos seus termos, a hipótese de revivescência dos direitos reais
incompatíveis com o registo tabular. Este autor admite que possa haver
revivescência desses direitos em quatro tipos de situações…
• Reintegração do direito real na esfera do primeiro alienante.
• Aquisição do direito real por terceiro de má-fé (perfilando o
entendimento da Escola de Coimbra)
• Entrega voluntária (arrependimento) da coisa obtida pelo
terceiro titular do registo a seu verdadeiro proprietário
substantivo.
• Renúncia do direito por terceiro (renúncia à tutela aquisitiva
registal).
o Por último, uma referência poderá ser feita aos meios de defesa da propriedade
que o adquirente registal poderá fazer uso para reaver o bem que lhe é, por
direito, devido…
▪ Ação de reivindicação (1311º CC);
▪ Ação de restituição da posse (1276º CC).
• 17º nº2 CRPred. – Alienações sucessivas ou “situação retilínea” – Exemplo clássico –
Bernardo, com base em títulos falsos, obtém inscrição, em seu favor, juntos do registo
predial, de um facto aquisitivo do direito de propriedade sobre o imóvel de António.
Bernardo observa o ónus de registo, sendo que o artigo 2º a) CRPred determina que a
compra e venda de imóveis está sujeita a registo. Bernardo aliena, dias mais tarde, o
mesmo imóvel a Carlos, com observância de todos os trâmites legais e voluntários
necessários à perfeição do negócio. Carlos dirige-se a uma conservatória do registo
predial e procede ao registo do imóvel. Quem será o legítimo proprietário do imóvel?
Como poderemos tutelar a posição jurídica de António, que não demonstrou, sequer,
qualquer vontade de negociar o seu imóvel? Como poderemos tutelar a posição de
Carlos, que, de boa-fé, adquire o imóvel a Bernardo segundo todos os trâmites legais?
Gozará Carlos, por graça das regras registais, de um efeito aquisitivo do registo, que lhe
permitirá conservar a propriedade do imóvel, não obstante tenha adquirido o imóvel a
non domino, num negócio de compra e venda de bens alheios? Neste caso, uma
resposta perfeita deverá incluir os seguintes passos…
o Verificação das posições jurídicas de cada um dos intervenientes nos termos do
direito substantivo (abstraindo das regras registais), nomeadamente com
referência aos tipos negociais (874º, por exemplo), e a hipotéticos vícios dos
negócios jurídicos, como a nulidade da venda de bens alheios (892º).
o Constatação de que, por estarmos perante factos sujeitos a registo (situar facto
jurídico sub judice numa das alíneas do artigo 2º do CRPred.), a realidade registal
prevalecerá, mediante o preenchimento de determinados requisitos, sobre a
realidade substantiva.
o Constatação de que um problema relativo à oponibilidade ou inoponibilidade
de direitos registáveis envolvendo disputas entre terceiros pode seguir um de
três caminhos…
▪ 5º CRPred.
▪ 17º nº2 CRPred.
▪ 291º CC
o (Cont.) Constatação que, por estarmos perante uma alienação sucessiva do
mesmo direito onde a primeira alienação foi forjada (ausência de qualquer
vontade negocial do suposto alienante), o problema situa-se no artigo 17º
CRPred (segundo a melhor doutrina, já que certos autores a enquadrariam no
artigo 291º) e nunca nos outros dois expedientes, uma vez que o artigo 5º trata
de um problema de dupla alienação e o artigo 291º partilha, sim, da aplicação a
vendas sucessivas, mas diverge no concernente ao campo de aplicação, uma vez
que requere um primeiro negócio intencional (não forjado, falsificado), embora
viciado por um vício substantivo (coação, erro, dolo, forma…).
o Abordar a posição jurídica do terceiro comprador (neste caso, Carlos), salvo
explicitação em concreto da hipótese.
o Aferir o preenchimento dos três requisitos impostos pelo artigo 17º nº2 CRPred:
▪ Registo do facto em momento anterior ao registo da ação de nulidade
(ação que, neste caso, seria interposta por António no momento em
que tivesse conhecimento da forja e da alienação feita por Bernardo a
terceiro, Carlos).
▪ Onerosidade do negócio jurídico.
▪ Boa-fé do adquirente.
▪ Oliveira Ascensão acrescenta a estes três requisitos um quarto…
• 291º nº2 Código Civil - Os direitos de terceiro (neste caso, de
Carlos) não são, todavia, reconhecidos, se a ação (de nulidade,
que seria interposta por António) for proposta e registada
dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
▪ (Cont.) O Professor Oliveira Ascensão, apercebendo-se de uma
aparente sobreposição e colisão de normas, âmbitos de aplicação e
soluções jurídicas entre o artigo 291º do Código Civil e o artigo 17º nº2
do CRPred, toma esta posição com base na incompreensão do porquê
do artigo 17º nº2 CRPred não consagrar esse prazo de 3 anos. Para este
Professor, a aplicação literal da solução legal levaria a uma
insustentável discrepância na tutela de terceiros (dos titulares originais
do direito sub judice – neste caso António), que, pela via do 17º nº2
facilmente veriam a ação de nulidade obstruída por um registo
prontamente levado a cabo pelo terceiro adquirente, acionando, assim,
um verdadeiro efeito aquisitivo ou tabular do registo. Diferentemente,
pela norma do 291º, os terceiros já poderiam interpor a ação de
nulidade no largo prazo de 3 anos. Como forma de conciliar e “alinhar”
estas situações, Oliveira Ascensão propõe, assim, uma interpretação
sistémica e analógica do requisito do 291º nº2 do Código Civil aos casos
contemplados pelo 17º nº2 CRPred, acrescendo este requisito aos três
supracitados. Para lá da divergência quanto ao prazo de interposição da
ação de nulidade, este autor é também claro na contraposição entre o
campo de aplicação das normas do 17º nº2 e do 291º…
• 17º nº2 CRPred – quando o vício é meramente registal (atenção
à norma do 122º CRPred, onde se admite a retificação).
• 291º CC - quando o vício do negócio que seria apto a transferir
a titularidade do direito é um vício substantivo (erro, coação,
simulação, incapacidade acidental, declarações não sérias,
divergências entre a vontade e declaração).
▪ (Cont.) Que poderemos dizer desta perspetiva?
▪ Carvalho Fernandes defende que os âmbitos de aplicação dos dois
preceitos estão bem definidos e devem ser os seguintes…
• 17º nº2 CRPred – quanto há registo intermédio (uma vez que
nesse caso é compreensível que não exista prazo de 3 anos para
a interposição da ação de nulidade, já que o terceiro adquirente
tinha todos os motivos para crer na probidade do registo do
sujeito intermédio e cumpre todos os trâmites legais).
• 291º CC - quando não há registo intermédio (uma vez que aí
bem se compreende o porquê da atribuição dos 3 anos de prazo
de interposição da ação de nulidade – o vício registal deste
segundo negócio é gravíssimo).
▪ (Cont.) Apesar de aparentemente perfeitamente lógica, a verdade é que
a posição de Carvalho Fernandes não é isenta de críticas. Desde logo a
crítica de que a situação consagrada por este autor ao regime do 291º
é verdadeiramente inverosímil, uma vez que nenhum notário, sem
violação grave do seu código de conduta e das regras registais –
legitimidade e trato sucessivo – daria provimento a uma compra e
venda relativa a um bem imóvel registado em nome de pessoa diferente
da que celebra o negócio como alienante. É uma hipótese meramente
académica, sem grande relevância prática.
▪ Qual será, então, a posição a perfilar? A que considerarmos mais
razoável. O mais importante na resolução deste tipo de hipóteses é a
enunciação correta de ambas as posições, acompanhada de hipotéticas
divergentes soluções a que a aplicação de cada uma poderá,
casuisticamente, conduzir.
o Uma vez preenchidos estes requisitos exigidos, fica confirmada a tutela registal
do facto sujeito a registo e a posição do terceiro adquirente está garantida
(efeito aquisitivo do registo).
o De seguida, cumpre definir o que sucederá ao direito atacado pela tutela
registal atribuída a um dos intervenientes…
▪ Oliveira Ascensão – Resolução dos direitos incompatíveis.
▪ Carvalho Fernandes – Expetativa jurídica dos direitos incompatíveis.
▪ Menezes Cordeiro – Inoponibilidade dos direitos incompatíveis com o
registo aquisitivo. Esta posição é de especial interesse, uma vez que
admite, nos seus termos, a hipótese de revivescência dos direitos reais
incompatíveis com o registo tabular. Este autor admite que possa haver
revivescência desses direitos em quatro tipos de situações…
• Reintegração do direito real na esfera do primeiro alienante.
• Aquisição do direito real por terceiro de má-fé.
• Entrega voluntária (arrependimento) da coisa obtida pelo
terceiro titular do registo a seu verdadeiro proprietário
substantivo.
• Renúncia do direito por terceiro (à tutela registal).
o Caso os requisitos não sejam preenchidos, prevalecerão as regras substantivas
e o titular original poderá destruir o negócio entre o sujeito intermédio e o
terceiro adquirente (por causas de nulidade do registo constantes do 16º
CRPred, pelos interessados do 16º - B, CRPred).
Nota: Duas notas relativas à matéria registal…

• Ações executivas - um agente executivo que pretende empreender uma penhora,


arresto, ou hipoteca nunca é terceiro para efeitos do registo predial (5º nº4 CRPred –
não adquire a autor comum).
• Venda judicial – Será o adquirente judicial de um bem sujeito a registo terceiro para
efeitos de registo? Duas posições distintas são perfiláveis…
o NÃO - Acórdão 2008 STJ - O direito de propriedade derivado de venda judicial
transfere-se para o património do comprador por força da lei e não por
declaração negocial do executado. Vendido o mesmo imóvel a outrem, o
adquirente na venda judicial não é terceiro para efeitos de registo. Assim, o
comprador do imóvel em venda judicial não pode opô-la a uma transmissão
anterior feita pelo executado a pessoa que a não inscreveu no registo predial
antes do registo da penhora. Isto implica que, por exemplo, uma vez provado
que à data em que foi penhorado o imóvel e registada a penhora já se efetivara
a venda pelo executado a outrem, a penhora foi de bens alheios, sendo a venda
judicial também de bens alheios. De tudo resulta que ao comprador de imóvel
em venda judicial pode ser, com êxito, oposta uma transmissão anterior feita
pelo executado a favor de pessoa que não a fez inscrever no registo predial
antes do registo da penhora, por não ser de considerar terceiro, para efeitos de
registo, no confronto com aquela pessoa, na medida em que o direito de
propriedade emergente de venda judicial para o respetivo titular não o é por
ato do executado, mas por força da lei.
o SIM - Nota 20 do acórdão 3/99 STJ - O que realmente ocorre e verdadeiramente
caracteriza tal venda forçada é uma inerente coerção: o vendedor (executado)
é obrigado a vender ao comprador (arrematante) que ofereceu o melhor preço,
procurando-se dar satisfação aos créditos do exequente e eventuais
reclamantes. Trata-se, porém, de uma verdadeira venda em que a propriedade
passa diretamente do executado para o comprador, embora por intermédio
do juiz (Estado), normalmente subordinada como tal à regra nemo plus juris re
aliena transferre potest quam ipse habet. Sousa Antunes defende esta posição.

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