você

Cartórios
com
Serviços jurídicos e tecnológicos de qualidade em benefício do cidadão

No 32 – Ano 5 – Julho a Setembro de 2023 – Uma publicação da Anoreg/SP e Sinoreg/SP

“Os Cartórios têm

papel decisivo
na criação de
um ambiente de
segurança jurídica”
Recém-empossado presidente do STF
e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso
diz que na estrutura jurídica brasileira
as unidades extrajudiciais têm uma
atuação importante a desempenhar

Especial: Tabelionato de Registro de Imóveis: Registro Civil: Tabelionato de Entrevista:

Com 20 anos Notas: Semana de PL propõe garantir Protesto: “Acho fundamental que
de vigência, Código Ressureição Digital: Regularização o registro de Quase 60% os Cartórios consigam
Civil será atualizado Inteligência Artificial Fundiária: Solo dupla maternidade das dívidas prestar serviços cada vez
em busca de acende debate Seguro entrega ou paternidade enviadas a Protesto melhores à sociedade”,
segurança jurídica sobre a preservação títulos nos Estados para casais são pagas em afirma o ministro da
nas relações civis da memória da Amazônia Legal homoafetivos até três dias Justiça, Flávio Dino

Cláudio Marçal Freire
Cartórios com Você
é uma publicação trimestral
do Sindicato dos Notários e Registradores
do Estado de São Paulo (Sinoreg-SP)
e da Associação dos Notários e
Registradores de São Paulo (Anoreg-SP)
voltada aos operadores do Direito e
integrantes dos Poderes Judiciário,
George Takeda Legislativo e Executivo das esferas
municipais, estaduais e federal.
O Sinoreg/SP e a Anoreg/SP

Uma instituição
não se responsabilizam pelos artigos
publicados na revista, cuja opi nião
expressa somente as ideias de seus

a serviço do Brasil
respectivos autores. É proibida a
reprodução total ou parcial dos textos

R
sem autorização dos editores.
Endereços:
Sinoreg-SP: Largo São Francisco, 34
ecém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de 8º andar – Centro – São Paulo – SP
Justiça (CNJ), o ministro Luís Roberto Barroso enfatizou em seu discurso de posse a impor- Cep: 01005-010 – Tel. (11) 3106-6946
tância da segurança jurídica, cujo papel é proporcionar um bom ambiente para o desenvolvi- Anoreg-SP: Rua Quintino Bocaiúva, 107
8º andar – Centro – São Paulo – SP
mento social, democrático e econômico do país.
Cep: 01004-010 – Tel. (11) 3105-8767
Em entrevista exclusiva à Revista Cartórios com Você, durante o XI Fórum Jurídico de Lisboa, rea-
lizado em Portugal, Barroso falou sobre sua trajetória e fez questão de ressaltar que “os Cartórios têm Sites:
um papel decisivo na criação de um ambiente de segurança jurídica”. Sempre balizado pela confiança www.sinoregsp.org.br
www.anoregsp.org.br
pública e pela sua atuação democrática e plural, estas instituições visam salvaguardar os direitos jurí-
dicos e patrimoniais da população, cuja segurança jurídica é demonstrada nos atos praticados no dia a Presidentes:
dia pelas unidades extrajudiciais. Cláudio Marçal Freire
Já o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, outro entrevistado desta edição, falou (Sinoreg-SP)
sobre a automatização e digitalização das serventias, adequadas ao Sistema Eletrônico dos Registros George Takeda
(Anoreg-SP)
Públicos (Serp), em que as novidades ainda povoam o ideal de notários e registradores em todos os
rincões do país. Jornalista Responsável:
Certo é que processos tecnológicos e automatizados já fazem parte do cotidiano das unidades extra- Alexandre Lacerda Nascimento
judiciais. É o que demonstra uma matéria desta edição ao falar sobre a preservação da memória e as
Edição:
Diretivas Antecipadas de Vontade (Davs) que povoam substancialmente os atos praticados nos Tabelio-
Frederico Guimarães
natos de Notas do país.
O trabalho de notários e registradores também é refletido na busca pelo acesso regular à terra através Redação:
dos Cartórios de Registro de Imóveis no processo de regularização fundiária, outro tema abordado nesta Danielle Campez,
edição. Afinal, são as unidades extrajudiciais que garantem a segurança jurídica para basilar os atos da Frederico Guimarães,
Larissa Luizari e Vinicius Oka
vida de milhões de brasileiros, que possivelmente estará refletida no novo Código Civil que será atuali-
zado, buscando ainda mais segurança jurídica nas relações civis. Projeto Gráfico e editoração:
Segurança ofertada também em discussões que precisam de aperfeiçoamento, como é o caso da luta MW2 Design
dos brasileiros no combate à violência contra a mulher, em que segundo o corregedor-nacional de Jus- Impressão e CTP:
tiça, ministro Luis Felipe Salomão, “os Cartórios têm sido valiosíssimos aliados no combate à violência JS Gráfica e Editora - (11) 4044-4495
contra a mulher”. Também é importante o aprimoramento da discussão envolta da Rede Nacional para js@jsgrafica.com.br
a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, proporcionada pelos Cartórios de www.jsgrafica.com.br
Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas. Tiragem:
No Congresso Nacional, projetos de lei em tramitação ou que já foram aprovados, como o PL 5423/20, 5.000 exemplares
sobre a dupla maternidade ou paternidade, buscam ainda mais ofertar mais segurança jurídica às re-
Colabore conosco enviando sugestões,
lações civis. Já os Cartórios de Protesto lutam para ampliar ainda mais a sua atuação, na iminência críticas ou notícias para o e-mail:
da aprovação de projetos importantes como o Projeto de Lei n°6204, de 2019, que dispõe sobre a imprensa@anoregsp.org.br .
desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial, e o PL 4188, o chamado
Não jogue este impresso
“Marco Legal das Garantias”, já sancionado pelo presidente Lula e convertido na Lei 14.711/2023. Para
em via pública.
os credores, um alento: quase 60% das dívidas enviadas a Protesto são pagas em até três dias em todo
o território nacional.
Os Cartórios brasileiros são uma instituição que goza de prestígio público, autonomia e celeridade.
Como diria o novo presidente do STF e do CNJ: “os Cartórios colaboram para um dos grandes elementos
que justificam a existência do Estado: a segurança jurídica”.
Uma ótima leitura a todos.

Cláudio Marçal Freire

Presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (SINOREG/SP)

George Takeda
Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG/SP)
Sumário

“Acho fundamental que os

Cartórios consigam prestar serviços
cada vez melhores à sociedade”
Para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino,
é importante que os Cartórios tenham condição de

6
atender da melhor forma possível os cidadãos brasileiros

PL propõe garantir o registro de

dupla maternidade ou paternidade
para casais homoafetivos
Embora casos de reprodução assistida
sejam previstos pelo Poder Judiciário, país

8
ainda não tem legislação sobre o tema

PEC corrige anomalia em que

brasileiros perdiam nacionalidade
ao adquirir outra cidadania
Registro Civil permanece sendo porta de entrada
para mais de quatro milhões de brasileiros que

18
buscam manter sua nacionalidade originária

Semana de Regularização Fundiária:

Solo Seguro entrega títulos
nos Estados da Amazônia Legal
Instaurada pelo Provimento 144 do CNJ, Semana
conta com o apoio dos Cartórios de Registro de

28
Imóveis para promover o acesso regular à terra

Com 20 anos de vigência,

Código Civil será atualizado em busca
de segurança jurídica nas relações civis
Responsáveis por atos que englobam fatos existenciais dos
indivíduos e ocorrências patrimoniais, Cartórios utilizam

46
Código como um dos principais instrumentos no seu dia a dia

“Os Cartórios têm papel

decisivo na criação de um
ambiente de segurança jurídica”
Recém-empossado presidente do STF e do CNJ, ministro Luís
Roberto Barroso diz que na estrutura jurídica brasileira as unidades

56
extrajudiciais têm uma atuação importante a desempenhar

4
 Ressureição Digital: Inteligência
Artificial acende debate sobre
a preservação da memória
Novas Fronteiras da Tecnologia
trazem desafios ao respeito da

58
vontade das pessoas

O Direito ao fim:
o respeito à vontade
da morte digna
Promulgada em Portugal, a Lei da Eutanásia
traz aos holofotes jurídicos a coleta da

68
vontade perante o desejo de morte

Sinal Vermelho: Cartórios mobilizam

todo o Brasil em campanha de
combate à violência contra a mulher
Provimento 147 da Corregedoria Nacional de Justiça
insere notários e registradores na política permanente

74
de enfrentamento a este tipo de violência

Cartórios de RTDPJ
participam de evento para
discutir aspectos da Redesim
Rede Nacional para a Simplificação do Registro
e da Legalização de Empresas e Negócios foi

94
tema de encontro realizado pela Receita Federal

Quase 60% das dívidas

enviadas a Protesto são
pagas em até três dias
Levantamento conduzido pelos Cartórios mostra que
quando uma dívida é enviada a protesto em até

102
15 dias, a chance de ser paga pelo devedor é de 59%

“O segmento dos Cartórios

é um parceiro confiável
com estrutura e capacidade”
Para o senador Efraim Filho (União Brasil/PB), é importante aprovar
projetos no Congresso como o PL das Garantias e o PL 6.204, que

110
torna os tabeliães de Protesto agentes de execução civil

Cartórios com Você 5

Entrevista

“Acho fundamental que os

Cartórios consigam prestar serviços
cada vez melhores à sociedade”
Para o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, é importante que os Cartórios
tenham condição de atender da melhor forma possível os cidadãos brasileiros

Ministro da Justiça e Segurança Pública do

Brasil, Flávio Dino coleciona experiências nos
três Poderes da República: Judiciário, Legisla-
tivo e Executivo.
Dino já foi governador do Estado do Mara-
nhão (2015-2022), presidente da Embratur
(2011-2014), deputado federal pelo Mara-
nhão (2007-2011), além de juiz federal da 1ª
Região (1994-2006).
Mestre em Direito Constitucional pela Uni-
versidade Federal do Maranhão, Dino conver-
sou com a Revista Cartórios com Você, fez
uma análise criteriosa da democracia brasilei-
ra, falou sobre a tentativa de golpe de Esta-
do do dia 08 de janeiro em Brasília, além de
comentar a digitalização e informatização dos
Cartórios brasileiros.
Segundo o ministro da Justiça, “é funda-
mental que os Cartórios consigam prestar ser-
viços cada vez melhores à sociedade”.

“Hoje a democracia
tem um valor mais forte
do que meses atrás, inclusive
com a normalização entre
os três Poderes”

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, diz que tem adotado uma conduta
colaborativa e atenciosa em relação aos atentados a República no dia 08 de janeiro

6
CcV - Como avalia o atual cenário da demo-
cracia brasileira?
Flávio Dino - Eu diria que os eventos terrí-
veis e difíceis que nós tivemos no 8 de janei-
ro propiciaram uma melhoria significativa do
ambiente. Se nós compararmos, por exemplo,
a questão militar. Eu diria que hoje, embora
nós tenhamos investigações em curso e mui-
to sérias, nós temos um clima de diálogo que
não havia meses atrás. Se nós fizermos uma
análise comparativa sem dúvida hoje a demo-
cracia tem um valor mais forte do que meses
atrás, inclusive com a normalização entre os
três poderes.
CcV - A tecnologia tem sido usada como
instrumento do populismo e autoritarismo.
Como conciliar a evolução da tecnologia
com a democracia?
Flávio Dino - Afirmando estes dois conceitos.
De um lado a tecnologia inevitavelmente tem
que evoluir e evolui, porém isso não é imune a
regulação. Uma vez que não há nenhuma ati-
vidade humana que se desenvolva sem regu-
lação que proteja as liberdades. Não se cuida
de censura. O maior desafio que há no mundo
hoje para a questão democrática se resume a
duas faces. De um lado o tema das desigual-
dades sociais, de outro este tema da relação
entre processos decisórios e inteligência arti-
ficial e mal uso da internet. O viés que essas
programações algorítmicas podem ter consti-
tui uma ameaça a processos decisórios pela
sociedade, a eleições livres, ao voto livre, e por
isso é preciso que com velocidade as várias
agências estatais e os três Poderes consigam
regular esse tema das tecnologias para pro-
teger as liberdades e proteger a democracia.
CcV - O PL das Fake News resolve isso?
Flávio Dino - O PL 2630 é uma tentativa vá-
lida, mas infelizmente não houve ambiente
no Congresso para a deliberação. Nenhuma
regulação será perfeita, mas é urgente fazê-
-la na medida em que nós temos uma legisla-
ção já superada pelos fatos, que é o chamado
Marco Civil da Internet, e tenho certeza que
ou o Congresso Nacional ou o próprio Poder
Judiciário vão nesse segundo semestre adotar
novos parâmetros normativos para proteger a
vida privada, proteger as crianças, os adoles-
centes, na medida em que, por exemplo, te-
mos a violência nas escolas mostrando quão
grave é a manipulação de vontades de criança
e adolescentes no espaço da internet.
CcV – Quase todos os serviços dos Cartórios
já podem ser feitos de forma eletrônica e
agora estarão interligados por meio do
Sistema Eletrônico dos Registros Públicos
(Serp). Como avalia esse avanço dos Cartó-
rios rumo à revolução digital?
“Cartórios mais eficientes,
velozes, aptos a prestar um
serviço melhor ao cidadão
podem se integrar melhor as
demandas da sociedade”
Flávio Dino - Acho fundamental que os
Cartórios consigam prestar serviços cada
vez melhores à sociedade. Até porque isso
poderá abrir espaço para outras inovações.
Nós temos um debate, por exemplo, sobre a
eficácia dos processos executivos no Brasil.
Há alguns que sustentam a ideia de desjudi-
cialização de processos executivos, total ou
parcialmente. Nesse caso, Cartórios mais efi-
cientes, velozes, aptos a prestar um serviço
melhor ao cidadão podem se integrar melhor
as demandas da sociedade, de tutelas de di-
reito, concretização de direitos de modo ge-
ral. Por isso vejo com muita alegria que os
Cartórios tenham condição de atender me-
lhor os cidadãos no nosso país.
CcV - Qual o papel do Governo para resolver
a questão da regulação das armas? Houve
um retrocesso sobre isso no Brasil?
Flávio Dino - Nós adotamos uma orientação
fixada pelo presidente Lula de em termos
gerais retornar à regulação vigente antes do
Governo Bolsonaro. Ou seja, a tendência é
que esse novo decreto definitivo que regula
a Lei 10.826 seja o retorno a limitação de
armas, da quantidade de armas, de munições,
também limitação de clubes de tiro, para que
não haja de um lado o impedimento dessa
atividade, não haverá isso. Ou seja, nós tere-
mos ainda pessoas privadas que terão porte
de arma, o mercado de armas vai continuar
a funcionar, mas não pode ser algo irres-
ponsável, não pode ser algo descontrolado.
Essa nova proposta do decreto está com o
presidente Lula. Com certeza o presidente
Lula deve adotar decisões e com isso o Brasil
voltará a ter uma legislação de controle res-
ponsável, de controle ponderado quanto ao
uso de armas.
CcV - O senhor já comentou que o extremis-
mo foi disciplinado no Brasil. O que seria
esse extremismo disciplinado?
Flávio Dino - Nós temos duas perspectivas.
A primeira é que no exercício do Governo,
se olharmos por exemplo, a pandemia, vamos
encontrar que em larga medida desastres
institucionais foram evitados por decisões
do Supremo Tribunal Federal pela atitude
dos governadores e também por decisões do
Congresso. Nós tínhamos um negacionista
fanático, extremista, irresponsável na con-
dução da pandemia, mas que nós consegui-
mos conter pelo funcionamento das outras
instituições. E outro disciplinamento se dá a
posteriori. O primeiro concomitante. Depois
do exercício do governo, nós temos agora o
momento da responsabilização. O momen-
to em que, por exemplo, fatos estão sendo
investigados, fatos estão vindo à tona, por
um Judiciário independente, pelo Ministério
Público, pela Polícia Federal, e nós dizíamos
isso a época, que esse momento chegaria. E é
bom que chegue, inclusive em razão da pre-
venção. Acho que fica uma lição para eventu-
ais novos aventureiros extremistas que lem-
brem que depois a conta chega. E essa conta
se dá exatamente pelo bom funcionamento
das instâncias de investigação.
CcV - Em relação a CPI do 8 de janeiro. O
“Apesar de todas
as dificuldades os
valores democráticos
venceram no Brasil
e vencerão sempre”
senhor acha que pode contribuir com o tra-
balho dos congressistas?
Flávio Dino - Claro que tenho uma atitude
evidenciada pelos fatos, de sempre colaborar
com o Poder legislativo. Já estive cinco ou seis
vezes no Congresso Nacional falando do 08 de
janeiro. Não se constitui sequer uma novidade
e aprecio que todos os poderes do Estado fa-
çam a sua parte. Ou seja, que a Polícia consiga
continuar os inquéritos como tem feito, que o
Poder Legislativo possa fazer o seu inquérito
parlamentar, mas sobretudo que o Poder Judi-
ciário julgue. Então sempre terei uma atitude
colaborativa, de respeito à autonomia desses
poderes, e ao mesmo tempo acho que isso é
uma prova de que apesar de todas as dificul-
dades os valores democráticos venceram no
Brasil e vencerão sempre.
CcV - No começo do Governo havia a pro-
messa de criar um pacote antigolpe. Isso
está em andamento?
Flávio Dino - Nós temos quatro propostas
centrais que foram apresentadas na ocasião.
A primeira delas, a mais importante é esta
relativa a regulação das fake news, da desin-
formação e do ataque a democracia. Nós prio-
rizamos esse assunto conscientemente, por-
tanto concentramos esforços nessa direção do
debate com o Congresso. É falso e equivocado
uma ideia de que o chamado pacote da demo-
cracia foi abandonado, não foi. Apenas nós te-
mos esse processo de negociação com o Con-
gresso que é especialmente complexo nesse
momento da vida brasileira. E nós temos mais
três projetos. Os três estão em análise técnica
em outras áreas do governo. Acho que nesse
segundo semestre a pauta parlamentar vai se
voltar um pouco mais para os temas institu-
cionais. Nós tivemos o primeiro semestre no
Congresso que foi tomado, em primeiro lugar,
pelo 08 de janeiro, uma tentativa de golpe de
Estado. Em segundo lugar, pela dificuldade
de formação dos campos parlamentares, os
blocos parlamentares, a chamada governabi-
lidade. Em terceiro lugar, a pauta econômica.
Então os dois pilares principais da pauta eco-
nômica, qual seja o arcabouço fiscal e a re-
forma tributária estão em andamento, então
espero que nesse segundo semestre haja um
espaço maior para tratarmos de temas institu-
cionais relativos a reconfiguração política, das
instituições do Estado, confio que esses temas
vão ganhar primazias, espaço e nós alcança-
remos algumas deliberações, que nunca são
aquelas que desejamos integralmente, porque
nós temos que ter espírito democrático para
entender que fazemos propostas, mas nem
sempre elas são acolhidas. É com esse espí-
rito que nós vamos nesse segundo semestre
intensificar os esforços para fortalecer a lei de
defesa da democracia no Brasil.
Cartórios com Você 7
Registro Civil

PL propõe garantir o registro de

dupla maternidade ou paternidade
para casais homoafetivos
Embora casos de reprodução assistida sejam previstos pelo
Poder Judiciário, país ainda não tem legislação sobre o tema

Por Larissa Luizari

8
Atualmente, o Brasil tem mais de 50 mil regis-
tros de crianças com o nome de duas mães,
segundo dados da Associação dos Notários
e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) dos
últimos dez anos. Em relação ao número de
crianças com o nome de dois pais, os dados
da Anoreg-BR indicam que existem mais de
91 mil registros. No entanto, a legislação bra-
sileira não prevê expressamente o registro
de filhos por dois pais ou duas mães, sendo
destinado aos tribunais brasileiros interpretar
os dispositivos existentes de forma a permitir
estes registros por casais homotransafetivos.
Em 2017, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) publicou o Provimento 63, que prevê a
lavratura do registro de duas mães em caso de
reprodução assistida, desde que se apresente
uma série de documentos, incluindo laudos da
clínica de fertilização, o que já exclui, automa-
ticamente, casais que optam por outras formas
de reprodução, como a inseminação caseira.
E é neste cenário, no qual o reconheci-
mento e a proteção dos direitos das famílias
homoafetivas são temas cada vez mais rele-
vantes na luta pela igualdade e pela diversi-
dade, que, em 2020, entrou em tramitação
na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
5423, que propõe garantir o registro de du-
pla maternidade ou paternidade para casais
homoafetivos que tenham filhos, indepen-
dentemente do estado civil.
De autoria da deputada federal Maria do
Rosário (PT-RS), a iniciativa visa assegurar
que todas as famílias tenham seus laços afe-
tivos e responsabilidades legalmente reco-
nhecidos. Desta forma, o registro na certidão
de nascimento terá o nome dos genitores
como sendo de duas mães ou de dois pais,
conforme o caso, estendendo-se aos demais
documentos de identificação civil, tais como
documentos de identidade, comprovantes
de pessoa física, carteira nacional de habili-
tação, documentos oficiais de identificação
profissional e passaportes.
Segundo a deputada, a aprovação do PL
5423/20 pode representar um marco sig-
nificativo para as famílias homoafetivas no
Brasil ao assegurar o direito de reconheci-
mento da parentalidade, permitindo que
esses casais possam registrar seus filhos e
filhas com os nomes de ambos os genitores.
“Trata-se de uma medida que não apenas
enfrenta a negação de direitos das crianças
ao solucionar problemas como o acesso à
retirada de passaportes, programas de be-
nefícios do governo como o Bolsa Família e
programas universitários, como também o
apagamento da maternidade ou paternida-
de”, explica Rosário.
A oficial de registro civil em Minas Gerais
e presidente nacional da Comissão de Notá-
rios e Registradores do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM) e diretora do IB-
DFAM/MG, Márcia Fidélis, explica que tanto
o PL 5423/2020 quanto os outros dois a ele
apensados, 2760/21 e 2643/23, têm o obje-
tivo de garantir o reconhecimento jurídico a
relações familiares que envolvam a comuni-
dade LGBTQIAP+, permitindo o livre acesso
à cidadania, em igualdade de condições com
os demais cidadãos. “A leitura conjunta dos
textos propostos com suas respectivas justifi-
cativas aponta claramente a finalidade inclu-
siva do que se propõe”.
A registradora acrescenta ainda que, com
esse mesmo objetivo, o PL 2760/21, por
sua vez, propõe a alteração do formulário
da Declaração de Nascido Vivo (DNV) - hoje
engessado no formato familiar heteronorma-
tivo - para que dele conste os nomes dos dois
pais ou das duas mães, de acordo com sua
configuração real. E, o PL 2643/23, o mais
recente dentre os três que tramitam juntos,
além de propor alteração semelhante na
DNV, sugere a inclusão de uma quarta clas-
sificação de sexo, o “Intersexo”, a se somar
aos campos já dispostos no formulário como
“masculino”, “feminino” e “ignorado”.
Cartórios com Você 9
Registro Civil

Conheça o total de crianças por estado no Brasil

com o nome de duas mães ou pais no registro de nascimento
MÃES PAIS
1.332
2.659
169
189
2.544
1.110
369
431
12.127
4.922
2.148
1.828
625
624
3.281
478
3.278
2.566
4.355
4.090
178
310
345
334
4.656
1.926
2.828
1.883
2.968
1.688
1.211
1.018
12
41
4.778
2.533
7.131
7.772
178
158
1.182
716
4.879
299
1.052
468
7.952
1.528
435
360
21.130
13.123
706
439
91.849
53.493
Mato Grosso do Sul
Acre

Alagoas

Amazonas

Amapá

Bahia

Ceará

Distrito Federal

Espírito Santo

Goiás

Maranhão

Minas Gerais

Mato Grosso

Pará

Paraíba

Pernambuco

Piauí

Paraná

Rio de Janeiro

Rio Grande do Norte

Rondônia

Roraima

Rio Grande do Sul

Santa Catarina

Sergipe

São Paulo

Tocantins

Todos os estados

Dados obtidos entre janeiro de 2013 e agosto de 2023

Fonte: Arpen/BR

TRANSFORMAÇÕES
O PL 5423/20 visa alterar a legislação vi- registro, visto que ainda são necessários pro- tem uma lei, fica claro, para todos os cidadãos
gente para permitir que casais homoafetivos cessos judiciais para alguns casos, especial- e cidadãs, que se explicita o artigo 5º da Cons-
tenham o direito ao registro de dupla materni- mente os que envolvem inseminação caseira. tituição Federal, que para mim é um mantra:
dade ou paternidade de seus filhos, indepen- A oficial de registro civil e vice-presidente todos somo iguais perante a lei, sem distinção
dente do estado civil. Atualmente, é comum da Associação dos Registradores de Pessoas de qualquer natureza”.
que apenas um dos membros do casal seja Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), A deputada Maria do Rosário explica ain-
registrado como pai ou mãe, deixando o outro Daniela Mróz, explica que, caso o projeto seja da que o projeto pode simplificar e agilizar o
como pai ou mãe socioafetivo, sem qualquer convertido em lei, haverá uma alteração direta processo de reconhecimento da paternidade
vínculo legal com a criança. Isso porque, efe- na Lei 6.015/1973, conhecida como Lei de socioafetiva para esses casais, que passarão a
tivamente, no país, não há lei que assegure o Registros Públicos, por meio da introdução do ter um respaldo legal específico, evitando que
registro, por casais homoparentais, de seus fi- artigo 60-A, garantindo-se o ingresso direto, tenham de recorrer ao sistema judicial em to-
lhos diretamente em Cartório de Registro Civil sem necessidade de autorização judicial, da dos os casos, tornando o processo mais aces-
das Pessoas Naturais. dupla maternidade ou paternidade no registro sível e menos oneroso. “Essa medida só pode
Segundo a advogada especialista em diver- de nascimento da criança, com reflexo nos de- trazer benefícios ao Brasil. Afinal, trata-se de
sidade e inclusão Lucila Lang, a aprovação mais documentos subsequentes. uma obrigação legal do Estado brasileiro, que
do PL geraria mais segurança jurídica para o Para o diretor-presidente da Associação tem a responsabilidade de garantir direitos a
tema, uma vez que a conquista de direitos que Brasileira de Famílias Homotransafetivas quem quer que seja. Para além da segurança
envolvem a comunidade LGBTQIAP+ foi via (Abrafh), Toni Reis, quanto mais direitos fo- jurídica e redução de judicialização, é impor-
judiciário e não via legislativo. Um segundo rem garantidos, seja pelo Supremo Tribunal tante ressaltar que o respeito e reconhecimen-
aspecto que a especialista também considera Federal (STF), pela jurisprudência ou pelo le- to à diversidade de formas de constituição fa-
importante é o de garantir e desburocratizar o gislativo, melhor. “A partir do momento que se miliar presentes na sociedade brasileira não

10
De autoria da deputada federal Maria do Rosário
(PT-RS), o PL 5423/20 visa assegurar que todas as
famílias tenham seus laços afetivos e responsabilidades
legalmente reconhecidos
“Trata-se de uma medida que
não apenas enfrenta a negação
de direitos das crianças
ao solucionar problemas
como o acesso à retirada de
passaportes, programas de
benefícios do governo como
o Bolsa Família e programas
universitários, como também
o apagamento da maternidade
ou paternidade”
Maria do Rosário,
deputada federal (PT-RS)
podem ser tratados como uma alternativa.
A igualdade de direitos para casais homoa-
fetivos representa um avanço no combate à
discriminação e ao preconceito, promovendo
uma cultura de respeito à liberdade de orien-
tação sexual e identidade de gênero”, enfatiza.
Segundo a oficial de registro civil e direto-
ra de Assuntos Jurídicos da Associação dos
Registradores de Pessoas Naturais do Estado
do Paraná (Arpen/PR), Nara Darliane Dors, a
grande mudança proposta pelo PL 5423/20 é
a de permitir que as famílias homotransafeti-
vas possam realizar esse registro diretamente
em Cartório, sem precisar, obrigatoriamente,
ter realizado o procedimento de reprodução
assistida em clínica, o que hoje ainda deman-
da muito custo. “Assim, além de consolidar em
um texto legal a permissão de registro com
dupla paternidade ou maternidade, que hoje
encontra amparo apenas em norma adminis-
trativa do CNJ e em julgados judiciais, a nova
lei também permitiria a casais, que realizaram
a autoinseminação, fora de estabelecimento
ou serviço especializado, pudessem obter o re-
Para o diretor-presidente da Associação Brasileira de
Famílias Homotransafetivas (Abrafh), Toni Reis, quanto
mais direitos forem garantidos, seja pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), pela jurisprudência ou pelo
legislativo, melhor
“A partir do momento que se
tem uma lei, fica claro, para
todos os cidadãos e cidadãs,
que se explicita o artigo 5º
da Constituição Federal, que
para mim é um mantra: todos
somo iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”
Toni Reis,
diretor-presidente da Abrafh
gistro de seus filhos sem a necessidade de re-
correr à autorização judicial para isso”, afirma.
No entanto, Márcia Fidélis ressalva que o
texto do projeto ainda deve ser trabalhado
para permitir que a dupla maternidade e/ou
paternidade possam ser estabelecidas por
mera declaração, independentemente da ida-
de do registrado. “Isso porque, especificamen-
te em relação ao PL 5423/2020, caso seja
aprovado o texto da forma como está, não ha-
verá repercussão no registro civil, até porque
seria inaplicável, pelos conflitos conceituais
que apresenta, confundindo registro público
com documento de identificação”. Entretanto,
acrescenta Fidélis, “uma alteração normativa/
legislativa nesse sentido, com critérios claros,
seria muito bem-vinda”.
A registradora Daniela Mróz também obser-
va lacuna no PL 5423/20, que, segundo ela,
carece de mais detalhamento, no sentido de
abarcar as situações como as que não se en-
quadram no Provimento 63/17. “Vale dizer, o
projeto diz apenas que ‘quando a filiação é de
união homoafetiva, independente do estado
civil, o registro garantirá a dupla maternidade
ou a dupla paternidade (...)’, porém, nada men-
ciona com relação ao método de concepção
dessa criança, aos documentos que deverão
A presidente nacional da Comissão de Notários e
Registradores do IBDFAM, Márcia Fidélis, explica
que tanto o PL 5423/2020 quanto os outros dois a
ele apensados, 2760/21 e 2643/23, têm o objetivo de
garantir o reconhecimento jurídico a relações familiares
que envolvam a comunidade LGBTQIAP+
“A leitura conjunta dos
textos propostos com suas
respectivas justificativas
aponta claramente a
finalidade inclusiva do que
se propõe”
Márcia Fidélis,
presidente nacional da Comissão
de Notários e Registradores do IBDFAM
ser apresentados para comprovar que esse
filho (a) é fruto de uma união homoafetiva e
eventuais consequências futuras para a crian-
ça, caso o pai ou a mãe biológica queira reco-
nhecê-la”.
Mróz acrescenta ainda que todos esses
detalhes são fundamentais e devem ser es-
clarecidos, tanto para balizarem a conduta
do registrador civil no momento da realiza-
ção do registro de nascimento, tanto para a
proteção dos pais, mães e da própria criança
no futuro. “Assim, apesar de ser um avanço,
mereceria um regramento mais profundo no
que tange aos requisitos para configurar essa
união homoafetiva e à origem dessa filiação e,
em especial, para esclarecer se bastará duas
pessoas declararem que a criança é fruto de
uma união homoafetiva para que possamos
de pronto lavrar um registro de nascimento,
sem nenhuma necessidade de autorização ju-
dicial”, conclui.
Segundo Maria do Rosário, atualmente, o
PL5423/20 tem parecer favorável do então
relator, deputado Alexandre Padilha, na Co-
missão de Saúde, e ainda passará pela Comis-
são de Direitos Humanos, Minorias e Igualda-
de Racial, além da Comissão de Constituição
e Justiça. Aprovado nestas comissões, ele não
precisará passar pelo plenário e deve seguir
direto ao Senado Federal.
Cartórios com Você 11
Registro Civil

População homotransafetiva esbarra

em desafios pela falta de legislação
Entende-se por unidades familiares homotransafetivas aquelas compostas por
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, ou pessoas intersexo. Casos de auto-
inseminação caseira não estão previstos pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

12
Hoje, no Brasil, casais homoafetivos encon-
tram respaldo apenas no âmbito jurídico para
registrarem seus filhos com a dupla materni-
dade ou paternidade, garantido pelo Provi-
mento nº 63/2017, publicado pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre
o registro civil de nascimento dos filhos ha-
vidos por reprodução assistida – revogados
pelo Provimento 149, de 30 de agosto de
2023, que institui o Código de Normas da
Corregedoria Nacional de Justiça – foro ex-
trajudicial, que regulamenta os serviços no-
tariais e de registro.
A normativa garante que o assento de
nascimento de filho havido por técnicas de
reprodução assistida será inscrito no Livro
A, independentemente de prévia autorização
judicial e observada a legislação em vigor no
que for pertinente, mediante o compareci-
mento de ambos os pais, munidos de docu-
mentação exigida. No entanto, em razão do
custo elevado do procedimento particular,
muitos casais acabam recorrendo a técnicas
de autoinseminação caseira, que não é pre-
vista pelo Provimento.
A oficial de registro civil Márcia Fidélis ex-
plica que as dificuldades financeiras, como
não poderia deixar de ser, não são obstá-
culos ao sonho de se ter um filho, sendo, a
reprodução caseira, uma saída viável aos ca-
sais homoafetivos, ou seja, a fecundação com
uso de gameta de doador, sem se assegurar o
anonimato, sem a observância dos cuidados
sanitários e sem que se possa garantir a não
reivindicação da filiação por doadores e doa-
doras de gametas ou, ainda, por pessoas que
tenham cedido o útero para gestação.
Nesses casos, Fidélis destaca que a filiação
poderia ser reivindicada, por exemplo, pela
parturiente arrependida, que tenha construí-
do vínculo afetivo com o nascituro. Ou, pelo
simples teste de DNA que comprove a des-
cendência genética da criança com eventual
doador ou doadora de gameta. “Esses fatos
podem dificultar a concretização do projeto
parental, o que não ocorreria se houvesse
comprovação desses pactos por intermédio
de profissional credenciado. O desafio, por-
tanto, está no procedimento a ser observado
para o reconhecimento da dupla maternida-
de ou dupla paternidade, que, hoje, exige ain-
da intervenção judicial quando não atendidas
as exigências da assistência médica creden-
ciada”, afirma.
A oficial de registro civil e vice-presidente
da Associação dos Registradores de Pessoas
Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP),
Daniela Mróz, explica que nos casos que se
enquadram dentro dos requisitos previstos
pelo provimento, a criança pode ser registra-
da diretamente no livro de assento de nas-
cimento, no Cartório de Registro Civil, sem
a necessidade de prévia autorização judicial.
“Todavia, caso os pais ou mães não sejam
casados e nem vivam em união estável ou
não cumpram os requisitos do provimento,
deverão, necessariamente, apresentar prévia
autorização judicial para que consigam regis-
trar a criança em nome de ambos”.
Segundo o diretor nacional do Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
o advogado Ricardo Calderón, efetivamente
ainda não há um detalhamento maior em lei
ou até mesmo em dispositivo do Código Civil
referente a esses vínculos socioafetivos da
filiação. “Em outras palavras, a nossa legisla-
ção não prevê, de forma expressa e explícita,
tais vinculações na afiliação e não prevê tam-
bém, em seus dispositivos legais, a forma de
registro desses vínculos”.
No entanto, o advogado ressalta que, no
último mês de agosto, foi aprovada uma co-
A oficial de registro civil e vice-presidente da Arpen/SP,
missão de estudos para a reforma do código Daniela Mróz, explica que nos casos que se enquadram den-
civil. “Um dos objetivos dessa comissão de tro dos requisitos previstos pelo provimento, a criança pode
reforma é justamente alegar o texto legal do ser registrada diretamente no Cartório de Registro Civil
código civil a garantias e conquistas já apro-
vadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e
que ainda não constam no texto codificado.
Portanto é possível que tenhamos, em breve,
uma mudança nesse eventual descompasso “Caso os pais ou mães
entre as garantias aprovadas pelo STF e ain-
da algumas omissões legislativas expressas não sejam casados e nem
no nosso ordenamento”, reforça Calderón. vivam em união estável ou
Para a oficial de registro civil e diretora
de Assuntos Jurídicos da Associação dos Re- não cumpram os requisitos
gistradores de Pessoas Naturais do Paraná do provimento, deverão,
(Arpen/PR), Nara Darliane Dors, um dos pro-
blemas mais comuns, devido à ausência de necessariamente, apresentar
legislação, ocorre no momento de se efetivar prévia autorização judicial
o registro de nascimento do recém-nascido
concebido por autoinseminação. “Diante da para que consigam registrar a
ausência de previsão autorizativa para es-
ses casos, o registro somente pode ser feito
criança em nome de ambos”
em nome da parturiente, cabendo à esposa Daniela Mróz,
ou companheira recorrer a ações judiciais vice-presidente da Arpen/SP
para pleitear a inclusão da dupla parentalida-
de. Num relacionamento heterossexual, por
exemplo, o companheiro pode comparecer
ao Cartório de Registro Civil acompanhado
da mãe da criança, a qualquer tempo, e re- que este reflita sua realidade familiar, será
conhecer espontaneamente a paternidade, privado do direito ao nome, não ostentando
sendo isso o suficiente para a inclusão de seu os sobrenomes familiares de ambas as mães
nome no registro de nascimento. Isso, porém, ou pais, o direito à identidade pessoal, à filia-
não é possível nos casos de uniões homoafe- ção, por vezes não terá acesso a benefícios
tivas”, explica. previdenciários, sucessórios, sociais, plano
A oficial acrescenta ainda que “um recém- de saúde e até mesmo em caso de divórcio
-nascido que fica privado da dupla filiação ou separação do casal homoafetivo, a criança
materna no registro de nascimento e sem pode ser privada de alimentos e da convi-
Cartórios com Você 13
Registro Civil

vência familiar por não ter em seu registro o

nome do outro pai ou mãe”.
Da mesma opinião compartilha Márcia Fi-
délis, que afirma que o estabelecimento da
filiação, de forma simplificada, ainda é o prin-
cipal desafio enfrentado pelas famílias homo-
afetivas, principalmente quando as condi-
ções financeiras dessa família não permitem
a contratação das técnicas de assistência à
reprodução humana por clínicas credencia-
das. “Sem os documentos emitidos por essas
clínicas, comprovando o projeto parental e o
cumprimento aos critérios da medicina, o re-
gistrador civil não poderá constar do registro
de filiação diversa da biológica, sendo a mãe
parturiente a mencionada na DNV”.
A advogada Lucila Lang explica que o
PL prevê, muito brevemente, a questão do
registro e isto abriria a possibilidade de in-
terpretações diversas, mas acredita que as
lacunas relacionadas ao registro de filhos de
casais homoafetivos diminuiriam e resolve-
riam demandas da população antes que es-
tas tivessem de ser submetidas ao Judiciário.
Para ela, atualmente, os principais desafios
enfrentados por essa população passam por
uma dimensão mais social do que propria-
mente jurídica, que é o preconceito enfren-
tado pelas famílias nestes procedimentos
burocráticos.
“Além disto, ainda enfrentamos desco-
nhecimento de profissionais em relação ao
tema e aos procedimentos, requerendo, por
exemplo, documentos além dos que estão
previstos nos provimentos do CNJ. Também
apontaria para os casos de inseminação ca-
seira, em que não há uma clínica fornecendo
parte da documentação exigida para os regis-
tros, impossibilitando, portanto, o trâmite de
modo extrajudicial. Cabe apontar que estes
desafios e esta burocracia não são enfrenta-
dos pelos casais heterossexuais e cisgêneros
- uma vez que há outros desafios para a po-
pulação transsexual para registro de filiação
também”, avalia Lang.

“A aprovação do PL 5423/20
pode representar um marco
significativo para as famílias
homoafetivas no Brasil”
Deputada federal Maria do Rosário (PT-RS),
autora do PL 5423/20, fala sobre o impacto
do projeto na vida da população homoafetiva
Segundo a deputada federal Maria
do Rosário (PT-RS), o projeto busca
promover o respeito à diversidade
familiar, reconhecendo as diferentes
formas de constituição de famílias

14
Segundo o diretor nacional do Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFAM), o advogado Ricardo
Calderón, efetivamente ainda não há um detalhamento
maior em lei ou até mesmo em dispositivo do Código
Civil referente a esses vínculos socioafetivos da filiação
“Em outras palavras, a
nossa legislação não
prevê, de forma expressa
e explícita, tais vinculações
na afiliação e não prevê
também, em seus
dispositivos legais, a forma
de registro desses vínculos”
Ricardo Calderón,
advogado e diretor nacional do IBDFAM
Autora do Projeto de Lei 5423/20, que tra-
mita na Câmara dos Deputados, a deputada
federal Maria do Rosário (PT-RS), conta que
o objetivo da medida é garantir o direito de
registro de dupla maternidade ou paternidade
a casais homoafetivos que tiverem filhos, in-
dependentemente do estado civil.
Atualmente, o tema encontra respaldo no
âmbito do Poder Judiciário, por meio de de-
cisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e
provimentos do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), como o Provimento nº 63/2017, que
dispõe sobre o registro de nascimento de fi-
lhos havidos por meio da prática de insemi-
nação artificial.
No entanto, no âmbito do Poder Legislati-
vo, não há lei que garanta esses direitos. Se
for aprovado, o projeto será o primeiro passo
rumo a muitos que ainda precisam ser dados
para a garantia de direitos à população homo-
transafetiva, evitando que, em muitos casos,
Para a oficial de registro civil e diretora de Assuntos
Jurídicos da Arpen/PR, Nara Darliane Dors, um dos pro-
blemas mais comuns, devido à ausência de legislação,
ocorre no momento de se efetivar o registro de nasci-
mento do recém-nascido concebido por autoinseminação
“Diante da ausência de pre-
visão autorizativa para esses
casos, o registro somente pode
ser feito em nome da partu-
riente, cabendo à esposa ou
companheira recorrer a ações
judiciais para pleitear a inclu-
são da dupla parentalidade”
Nara Darliane Dors,
diretora de assuntos jurídicos da Arpen/PR
os casais tenham que recorrer à Justiça para
garantir o registro do filho com o nome de
ambos os pais ou mães.
Maria do Rosário elegeu-se deputada fede-
ral em 2002, sendo reeleita em 2006, 2010
e 2014 e 2018. A deputada é titular das Co-
missões de Constituição e Justiça, que anali-
sa a constitucionalidade de todos os projetos
da Câmara dos Deputados antes de serem
apreciados definitivamente pelo plenário, e
de Cultura, onde é vice-presidente. Suplente
na Comissão de Educação e na Comissão de
Legislação Participativa, também coordena a
Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente, além de representar
o País no parlamento do Mercosul. O Parlasul
é um espaço de representação política e legis-
lativa do Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina
e Venezuela.
Em entrevista exclusiva à Revista Cartórios
com Você, a legisladora fala sobre a neces-
A advogada Lucila Lang explica que o PL prevê, muito bre-
vemente, a questão do registro, mas acredita que as lacunas
relacionadas ao registro de filhos de casais homoafetivos
diminuiriam e resolveriam demandas da população antes
que estas tivessem de ser submetidas ao Judiciário
“Cabe apontar que estes
desafios e esta burocracia não
são enfrentados pelos casais
heterossexuais e cisgêneros
- uma vez que há outros
desafios para a população
transsexual para registro de
filiação também”
Lucila Lang,
advogada especialista em diversidade e inclusão
“Essa medida só pode trazer
benefícios ao Brasil. Afinal,
trata-se de uma obrigação
legal do Estado brasileiro, que
tem a responsabilidade de
garantir direitos a quem quer
que seja.”
sidade de se assegurar o direito de reconhe-
cimento da parentalidade socioafetiva, per-
mitindo que os casais homoafetivos possam
registrar seus filhos e filhas com os nomes de
ambos os genitores. “Representa um avanço
importante para a igualdade de direitos e o re-
conhecimento das diferentes formas de cons-
tituição familiar”, diz Rosário.
Cartórios com Você 15
Registro Civil
Governo italiano remove nome
de mães não biológicas de certidão
de nascimento em Pádua
Lacuna legislativa pode
dar margem a retrocessos
Em julho deste ano, o município de Pádua, no
Norte da Itália, começou a remover o nome da
mãe não biológica das certidões de nascimen-
to de filhos registrados com o nome de duas
mães. A decisão é do governo de centro-direi-
ta da primeira-ministra Giorgia Meloni, que
tem como lema de governo “Família Tradicio-
nal em primeiro lugar”.
As certidões de nascimento pertencem a 33
crianças de mulheres italianas que se subme-
teram ao procedimento de inseminação arti-
ficial no interior, uma vez que o país europeu
proíbe a prática, e registraram seus filhos du-
rante o governo de centro-esquerda, liderado
por Sergio Giordani, em 2017.
A barriga de aluguel é considerada uma
prática ilegal na Itália e, por isso, muitos ca-
sais recorrem aos métodos de inseminação no
exterior. Além disso, o casamento homoafeti-
vo também não é legalizado. Como relações
entre pessoas do mesmo sexo não são reco-
nhecidas por lei, a adoção por pais ou mães
não biológicos só é permitida por via judicial.
A medida também impede pais em relações
homoafetivas de registrarem o nascimento de
seus filhos com os nomes de ambos os pais.
No caso do registro de filhos, eles têm que
escolher o nome de um para ser legalmente
CcV - Atualmente não existe nenhuma legis-
lação que assegure o direito a casais homo-
afetivos registrarem seus filhos com os dois
pais ou as duas mães. Com a aprovação desse
projeto, o que mudará para essas famílias?
Dep. Maria do Rosário - A aprovação do PL
5423/20 pode representar um marco signifi-
cativo para as famílias homoafetivas no Brasil
ao assegurar o direito de reconhecimento da
parentalidade socioafetiva, permitindo que es-
ses casais possam registrar seus filhos e filhas
com os nomes de ambos os genitores. Trata-se
de uma medida que não apenas enfrenta a ne-
gação de direitos das crianças ao solucionar
problemas como o acesso à retirada de pas-
saportes, programas de benefícios do governo
como o Bolsa Família e programas universitá-
rios, como também o apagamento da materni-
dade ou paternidade. Representa um avanço
importante para a igualdade de direitos e o re-
conhecimento das diferentes formas de cons-
tituição familiar. Vale destacar que o próprio
Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em
16
reconhecido como pai.
O representante local do grupo de campa-
nha LGBT, The Rainbow Family Association,
lançou um protesto oficial. “Essas certidões de
nascimento não violaram nenhuma lei, uma
vez que elas foram assinadas em um vácuo
legislativo, que agora coloca nossas crianças
em um limbo”, disse o grupo em comunicado
quando os primeiros certificados foram anula-
dos em junho.
O Movimento Europeu Internacional, do
qual a Itália também é membro, se juntou ao
2011, o direito a união estável para casais do
mesmo sexo, e o Superior Tribunal de Justiça
já declarou a legalidade da adoção entre ca-
sais homoafetivos.
CcV - A paternidade socioafetiva pode ser
reconhecida extrajudicialmente, em Car-
tório de Registro Civil, ou judicialmente,
de acordo com o Provimento nº 83/2019,
desde que preenchidos os requisitos legais.
O que pode mudar com a aprovação do PL
5423/20?
Dep. Maria do Rosário - O projeto pode simpli-
ficar e agilizar o processo de reconhecimento
da paternidade socioafetiva para esses casais,
que passarão a ter um respaldo legal especí-
fico. Isso evitará que tenham que recorrer ao
sistema judicial em todos os casos, tornando
o processo mais acessível e menos oneroso.
CcV - Quais os impactos dessa medida?
Dep. Maria do Rosário - Essa medida só pode
trazer benefícios ao Brasil. Afinal, trata-se de
Parlamento Europeu e à Comissão Europeia,
assim como a cidadãos italianos e sociedade
civil, em apoio à luta pelo reconhecimento de
direitos iguais para todos desde o nascimento.
De acordo com os Tratados da União Europeia
e da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, todas as crianças têm o mesmo direi-
to, sem discriminação, independentemente da
forma como foram concebidas ou nasceram.
Para o diretor-presidente da Abrafh, Toni
Reis, há uma preocupação com o avanço do
extremismo no âmbito internacional e também
uma obrigação legal do Estado brasileiro, que
tem a responsabilidade de garantir direitos a
quem quer que seja. Para além da segurança
jurídica e redução de judicialização, é impor-
tante ressaltar que o respeito e o reconheci-
mento à diversidade de formas de constitui-
ção familiar presentes na sociedade brasileira
não podem ser tratados como uma alternati-
va. A igualdade de direitos para casais homo-
afetivos representa um avanço no combate à
discriminação e ao preconceito, promovendo
uma cultura de respeito à liberdade de orien-
tação sexual e identidade de gênero.
CcV - Acredita que a aprovação do Proje-
to de Lei 5423/20 trará uma equidade de
direitos que vão além daqueles garantidos
com o reconhecimento da maternidade ou
paternidade socioafetivos?
Dep. Maria do Rosário - Nosso projeto bus-
ca promover o respeito à diversidade familiar,
reconhecendo as diferentes formas de consti-
tuição de famílias, sejam elas homoafetivas ou
no Brasil. “Eu creio que um direito conquistado
não pode ser retirado. Eu e meu esposo esta-
mos casados há 33 anos, adotamos três filhos,
e os filhos têm, no registro de nascimento, pai
Toni Reis e pai David Hard. E se acontecesse
o que aconteceu na Itália, nós recorreríamos
a todas as instâncias do Direito no âmbito na-
cional e internacional para manter esse direito
que lutamos tanto para ter, então é importante
que se tenha legislação para que não haja esse
oportunismo de plantão de setores extremistas
no âmbito nacional e internacional”.
A registradora Daniela Mróz, acredita que
no Brasil pós Constituição de 1988 não há es-
paço para tamanho retrocesso. “A Constituição
brasileira, em seu artigo 227, parágrafo 6º re-
conhece igualdade de direitos entre os filhos,
independentemente da origem e a impossibi-
lidade de discriminação entre eles. Ademais,
as cortes superiores já reconheceram tanto
o casamento homoafetivo (STF ADI – 4277,
de 24/05/2011) como a multiparentalida-
de (Recurso Extraordinário – 898.600, de
23/09/2016). Além disso, apesar da ausência
legislativa, temos a normativa do CNJ (Provi-
mento n.63) e a norma deontológica do Con-
selho Federal de Medicina, que regulamenta
a conduta médica com relação às técnicas de
reprodução médica assistida desde 1992, a
última é de 2022 (Resolução n.2320/2022),
no bojo da qual resta claro que aqui é permi-
tido o acesso a casais homoafetivos, inclusive
à maternidade de substituição - popularmente
conhecida como barriga de aluguel”.
Mróz acrescenta ainda que o que permitiu
ao governo italiano fazer tal remoção, foi um
vácuo na legislação, pois nem o casamento ho-
moafetivo nem as técnicas de reprodução as-
sistida, como a “barriga de aluguel”, são permi-
tidas no país. “De todo modo, é auspicioso que
o Brasil possua uma legislação própria para
regulamentar as situações existentes, como o
casamento homoafetivo e as técnicas de re-
heterossexuais. Dessa forma, estaremos avan-
çando rumo a uma sociedade mais justa e in-
clusiva, onde todos os indivíduos têm seus di-
reitos e dignidade respeitados. Essa é uma das
contribuições mais importantes desta matéria.
CcV - Atualmente, quais os principais desa-
fios enfrentados pelas famílias homoafeti-
vas brasileiras no que concerne ao registro
civil e como o legislativo vem trabalhando
essas lacunas?
Dep. Maria do Rosário - Um dos principais
desafios é este reconhecimento da paternida-
de ou maternidade socioafetiva para casais
homoafetivos. São criados laços de afeto e cui-
dado com os filhos e filhas, mas nem sempre
essas famílias têm seus direitos de parentali-
dade reconhecidos de maneira fácil ou formal.
Isso pode gerar insegurança jurídica, especial-
mente em casos de separação ou falecimento
de um dos genitores, por exemplo. Essa é uma
luta que estamos travando há algum tempo,
e que tem avançado. O nosso PL, por exem-
Primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, assinou lei,
em Pádua, que determinou a retirada do nome de mães
não biológicas da certidão de nascimento de 33 crianças
produção assistida e que, até agora, são tra-
tadas apenas pelas decisões jurisprudenciais;
normativas do CNJ ou deontológicas, e, assim,
trazer mais facilidade ao registro de filhos de
casais que não se enquadram no provimento,
tal como os que se valem de reprodução assis-
tida caseira, os que não são casados ou não vi-
vam em união estável”, explica a registradora.
Segundo a registradora Nara Darliane Dors,
no Brasil, o reconhecimento do direito de re-
gistro de filiação para casais homoafetivos é
fruto de interpretação jurisdicional consolida-
da, que buscou suas bases na Constituição Fe-
deral e nos direitos fundamentais dessas famí-
lias, o que dificulta muito um retrocesso neste
sentido. “Entretanto, nosso sistema jurídico
e legal é complexo e não impede a proposta
ou até mesmo a aprovação de leis que proí-
bam esses registros. Por isso a importância da
aprovação do PL 5423/20, visto que consoli-
daria, em definitivo, o direito tanto na esfera
judicial, quanto na esfera legislativa”.
plo, tem já parecer favorável do então relator,
deputado Alexandre Padilha, na Comissão de
Saúde, e ainda passará pela Comissão de Di-
reitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial,
além da Comissão de Constituição e Justiça.
Aprovado nestas comissões ele não precisa-
rá passar pelo plenário, e deve seguir direto
ao Senado Federal. Versando sobre matéria
similar, a ABGLT deu entrada na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental
899 (ADPF), e o parecer da Procuradoria-Ge-
ral da República aponta o que defendemos,
que a previsão apenas de filiação biológica,
com espaço para registro de apenas uma
mãe e de um pai, desconsidera a pluralidade
de formatações familiares e envolve afrontas
a princípios e direitos fundamentais, como a
dignidade humana, a igualdade, a proteção da
família em todos os seus possíveis arranjos, à
tutela prioritária da criança e do adolescente,
bem como os deveres estatais de organização
e procedimento decorrentes da dimensão ob-
jetiva desses direitos fundamentais.
Garantias
não legislativas
1992 – A norma deontológica do
Conselho Federal de Medicina (CFM),
que regulamenta a conduta médica com
relação às técnicas de reprodução médica
assistida. A última é de 2022 (Resolução
n.2320/2022), no bojo da qual resta
claro que é permitido o acesso a casais
homoafetivos, inclusive à maternidade de
substituição.
2011 - O Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF), de forma unânime, equipa-
rou as relações entre pessoas do mesmo
sexo às uniões estáveis entre homens e
mulheres, reconhecendo, assim, a união
homoafetiva como um núcleo familiar.
A decisão foi tomada no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4277 e da Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
2013 - O Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) editou a Resolução 175/2013, de-
terminando que os Cartórios realizassem
casamentos de casais do mesmo sexo.
2017 - O Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) publicou o Provimento nº 63, que
institui modelos únicos de certidão de
nascimento, de casamento e de óbito, a
serem adotadas pelos ofícios de regis-
tro civil das pessoas naturais, e dispõe
sobre o reconhecimento voluntário e a
averbação da paternidade e materni-
dade socioafetiva no Livro “A” e sobre
o registro de nascimento e emissão da
respectiva certidão dos filhos havidos por
reprodução assistida.
“São criados laços de afeto
e cuidado com os filhos
e filhas, mas nem sempre
essas famílias têm seus
direitos de parentalidade
reconhecidos de maneira
fácil ou formal. Isso pode
gerar insegurança jurídica,
especialmente em casos de
separação ou falecimento
de um dos genitores.”
Cartórios com Você 17
Registro Civil

PEC corrige anomalia em que

brasileiros perdiam nacionalidade
ao adquirir outra cidadania
Registro Civil permanece sendo porta de entrada para mais de quatro
milhões de brasileiros que buscam manter sua nacionalidade originária

Por Frederico Guimarães

18
 Em 2007, em Newton Falls, um vilarejo com
pouco mais de 5 mil habitantes em Ohio, nos
Estados Unidos, foi encontrado o corpo do
major Karl Hoerig, da Força Aérea norte-ame-
ricana. Veterano das guerras do Afeganistão
e do Iraque, Hoerig trabalhava como piloto
comercial na época em que teria sido assas-
sinado pela esposa, a brasileira naturalizada
norte-americana Cláudia Cristina Sobral.
O caso, que causou comoção nos Estados
Unidos, onde Hoerig é frequentemente retra-
tado como herói nacional, marcou a história,
quando Sobral se tornou a primeira brasileira
a ser extraditada para ser julgada no exterior.
Refugiada no Brasil, ela foi extraditada para
os Estados Unidos, apesar de a Constituição
proibir a extradição do brasileiro nato para
Reprodução
Condenada à prisão perpétua, Claudia Sobral se tornou a primeira brasileira a ser extraditada para ser julgada no
exterior após o STF entender que ela deixou de ser brasileira por vontade própria. Ela foi condenada pela morte do
major Karl Hoerig. Na foto, os dois aparecem juntos.
responder por crimes no exterior. Isso só
aconteceu porque o Supremo Tribunal Fede-
ral (STF) entendeu que ela deixou de ser brasi-
leira, por vontade própria, para tornar-se uni-
camente cidadã americana antes da data do
crime. Claudia Sobral foi condenada à prisão
perpétua, com direito à liberdade condicional
após 28 anos.
Para muitos estudiosos, no entanto, o jul-
gamento abriu a possibilidade de que mais
brasileiros que tenham obtido cidadania de
outras nações possam enfrentar processos
semelhantes ao dela. De acordo com dados
do Departamento de Imigração dos Estados
Unidos, 10 mil brasileiros adquirem volunta-
riamente a nacionalidade norte-americana a
cada ano.
Cartórios com Você 19
Registro Civil
No dia 12 de setembro deste ano, a Câmara
dos Deputados aprovou a Proposta de Emen-
da à Constituição (PEC) 16/21, de autoria do
então senador Antonio Anastasia, que acaba
com a perda automática da nacionalidade bra-
sileira de quem obtém outra nacionalidade.
A PEC corrige uma anomalia produzida pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de
1994, no sentido de que a perda da nacionali-
dade brasileira pela mera aquisição voluntária
de uma outra poderá, potencialmente, gerar
uma situação de pessoa apátrida.
De acordo com o texto, a perda da naciona-
lidade brasileira ficará restrita a duas possi-
bilidades: quando for cancelada por sentença
judicial em virtude de fraude relacionada ao
processo de naturalização ou atentado contra
a ordem constitucional e a democracia; ou
quando houver pedido expresso pelo cidadão
ao governo brasileiro, ressalvadas situações
que acarretem apatridia, ou seja, quando a
pessoa não tem sua nacionalidade reconheci-
da por nenhum outro país.
“A decretação da perda da nacionalidade
brasileira de Cláudia Sobral e sua consequen-
te extradição para os Estados Unidos da Amé-
rica trouxeram à discussão o tema da dupla
ou múltiplas cidadanias e sobre o processo
de perda da nacionalidade brasileira, matérias
reguladas pelo art. 12 da Constituição Fede-
ral. Desde a promulgação da Carta Maior, em
1988, não era notória a abertura de ofício de
processo de perda de nacionalidade decorren-
te de naturalização até o precedente de Cláu-
dia Sobral”, declarou na justificativa do proje-
to de lei o então senador Antonio Anastasia.
A relatora da PEC na Comissão Especial,
a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), explica
que a proposta vai favorecer a todos os brasi-
“Em tese, o jogador, que por
Reprodução
anos defendeu a seleção
canarinho, não é mais
brasileiro. E essa condição
é a de milhares e milhares
de brasileiros expatriados
mundo afora, que, por
contingências de uma vida
fora do país por muitos anos,
espontaneamente decidiram
optar por uma naturalização”
Luiz Felipe Costa Santana, mestre em Direito
Processual pela Ufes, pós-graduando em Direito
Internacional e Direitos Humanos pela PUC-MG
Preso na Espanha desde janeiro
deste ano, o ex-lateral da seleção
brasileira Daniel Alves possui um
passaporte do Reino da Espanha, e
pode haver indícios de que ele tenha se
naturalizado espanhol voluntariamente
20
leiros que hoje precisam dessa alteração cons-
titucional para que possam manter a naciona-
lidade brasileira ao adquirirem outra.
“Antes da PEC, o artigo 12, parágrafo 4º da
Constituição determinava que o brasileiro que
adquirir outra nacionalidade perde a naciona-
lidade brasileira, salvo na hipótese do outro
país reconhecer a cidadania originária. Com
essa mudança, o brasileiro só vai perder a na-
cionalidade brasileira ou adquirir outra se ele
renunciar a nacionalidade brasileira ou se ele
de alguma forma fraudar o processo de aquisi-
ção da nova nacionalidade. A boa notícia é que
mesmo aquele brasileiro que renunciar a na-
cionalidade brasileira poderá se arrepender e
voltar atrás. O brasileiro sai do país para tentar
uma vida melhor, para sustentar sua família
que fica, mas o Brasil não sai da gente. Não sai
do coração, da mente. Esse vínculo não deve ser
retirado a força. Com essa iniciativa, a vida dos
brasileiros vai mudar e eles poderão readqui-
rir uma segunda cidadania sem temer perder
a cidadania brasileira”, relata a parlamentar.
Para a relatora da PEC, a proposta vai “cor-
rigir uma situação de perda de nacionalidade
com base no contexto de outra época, benefi-
ciando cerca de quatro milhões de pessoas”.
Segundo o professor titular de Direito Inter-
nacional Privado da Universidade de São Paulo
(USP), Gustavo Ferraz de Campos Monaco, o
Registro Civil brasileiro permanece sendo uma
porta de entrada para aqueles que mesmo
morando em outro país, possam ter direitos
garantidos relacionados a cidadania brasileira.
“Sem a possibilidade de perda da nacio-
nalidade brasileira, brasileiros residentes no
exterior que se naturalizem continuarão a ser
brasileiros e, com isso, os subsequentes atos da
vida civil dos mesmos continuarão a interessar
Saiba em quais
casos a perda de
nacionalidade
brasileira é decretada
atualmente
Quem tiver cancelada a naturalização
por sentença judicial em virtude
de atividade nociva ao interesse
nacional;
Quem adquirir outra nacionalidade,
salvo nos casos de reconhecimento
de nacionalidade originária pela
lei estrangeira e de imposição de
naturalização ao brasileiro residente
em Estado estrangeiro, como
condição para a permanência em
seu território ou para o exercício de
direitos civis.
ao Registro Civil nacional”, argumenta Monaco.
Para o advogado especializado em Direi-
to Internacional, Thiago Felippe de Oliveira
Santos, “o Registro Civil terá que desenvolver
procedimentos para refletir tanto a perda de
cidadania como sua reaquisição”.
“Poderão surgir também situações desafia-
doras, como filhos de brasileiros nascidos no
exterior sem direito à cidadania brasileira por
terem os pais abdicado da cidadania previa-
mente”, analisa o advogado.

O autor da Proposta de Emenda à Constituição 16/21,
o ex-senador Antonio Anastasia, hoje ministro do TCU,
afirmou à época que a PEC levantou o debate da dupla
cidadania
Bruno Spada/ Câmara dos Deputados
Segundo o professor de Direito Internacional Privado da A relatora da PEC na Comissão Especial, a deputada
USP, Gustavo Ferraz de Campos Monaco, o Registro Civil federal Bia Kicis (PL-DF), explica que a proposta vai
brasileiro permanece sendo uma porta de entrada para favorecer cerca de quatro milhões de brasileiros que
aqueles que moram em outro país hoje vivem fora do país

“A decretação da perda da “Sem a possibilidade de perda “Com essa iniciativa, a vida

nacionalidade brasileira da nacionalidade brasileira, dos brasileiros vai mudar
de Cláudia Sobral e sua brasileiros residentes no e eles poderão readquirir
consequente extradição para exterior que se naturalizem uma segunda cidadania
os Estados Unidos da América continuarão a ser brasileiros sem temer perder a
trouxeram à discussão o tema e, com isso, os subsequentes cidadania brasileira”
da dupla ou múltiplas cidadanias atos da vida civil dos mesmos Bia Kicis (PL-DF),
e sobre o processo de perda da continuarão a interessar ao deputada federal e relatora da
nacionalidade brasileira” Registro Civil nacional” PEC na comissão especial

Antonio Anastasia, Gustavo Ferraz de Campos Monaco,

ex-senador da República autor professor titular de Direito
da PEC e atual ministro do TCU Internacional Privado da USP

Ex-mulher do
Reprodução

ex-presidente Jair
Bolsonaro, Ana
Cristina Valle perdeu
a nacionalidade
brasileira em
fevereiro deste
ano depois de ter
adquirido a cidadania
da Noruega

Cartórios com Você 21

Registro Civil
O advogado especializado em Direito Internacional,
Thiago Felippe de Oliveira Santos, diz que poderão surgir
situações desafiadoras para o Registro Civil brasileiro em
relação a promulgação da PEC
“O Registro Civil terá que
desenvolver procedimentos
para refletir tanto a perda
de cidadania como sua
reaquisição”
Thiago Felippe de Oliveira Santos,
advogado especializado
em Direito Internacional
DESDOBRAMENTOS
O caso de Cláudia Sobral, que teria optado
pela naturalização porque não conseguia atuar
como profissional de nível superior, é similar
ao de muitos jogadores de futebol, que costu-
mam se naturalizar por questões profissionais.
Preso na Espanha desde janeiro deste ano,
Daniel Alves não é naturalizado espanhol, mas
responde por uma acusação de estupro. Em
agosto, o ex-lateral da seleção brasileira foi
acusado formalmente pela Justiça espanhola
pelo crime de agressão sexual cometido con-
tra uma mulher em uma boate em Barcelona.
Com a formalização da acusação, o brasileiro
virou réu no caso, que agora irá a julgamento.
Acontece que como ele possui um passaporte
do Reino da Espanha, há indícios de que ele te-
nha se naturalizado espanhol voluntariamente.
“Isso é, em tese, o jogador, que por anos de-
fendeu a seleção canarinho, não é mais bra-
sileiro. E essa condição é a de milhares e mi-
lhares de brasileiros expatriados mundo afora,
que, por contingências de uma vida fora do
país por muitos anos, espontaneamente deci-
diram optar por uma naturalização”, argumen-
ta o mestre em Direito Processual pela Ufes,
pós-graduando em Direito Internacional e Di-
reitos Humanos pela PUC-MG e membro do
Observatório Brasileiro de Direito Internacio-
nal Público e Privado (Obradipp), Luiz Felipe
Costa Santana, em artigo escrito para o Conjur
em março deste ano.
Para o atual ministro do Tribunal de Contas
da União (TCU), e ex-senador da República,
Antonio Anastasia, jogadores de futebol tem
22
A doutora em Direito Internacional pela USP e mestre em
Direito Comparado pela George Washington University,
Nadia de Araujo, explica que o casamento não envolve
caso de perda de nacionalidade
“No momento há uma grande
comunidade de brasileiros no
exterior, que se naturalizou
em outra nacionalidade e
potencialmente poderia
perder a brasileira. Com
a emenda, isso deixa de
acontecer.”
Nadia de Araujo, doutora em Direito
Internacional pela USP e mestre em Direito
Comparado pela George Washington University
um regramento diferente, pois cada país tem
sua limitação a estrangeiros jogando em suas
ligas, inclusive o Brasil.
“Apenas um procedimento específico po-
deria determinar se a naturalização do ex-jo-
gador se enquadra na exceção daqueles que
adquirem nacionalidade derivada para exercer
sua profissão ou se é a hipótese de naturaliza-
ção voluntária”, destaca Anastasia.
Em 2019, o atacante Elkeson, ex-Botafogo
e Vitória, completou o processo de naturaliza-
ção para defender a seleção da China. Como
parte da transição, o jogador até ganhou um
nome novo: Ai Kesen. A legislação chinesa não
permite que um cidadão tenha dupla naciona-
lidade. Assim, Elkeson abdicou do passaporte
brasileiro para poder ter uma chance na sele-
ção nacional.
O jogador, que está no futebol chinês desde
2013, topou a ideia de servir a seleção na ten-
tativa de uma vaga para a Copa do Mundo de
2022, mas a China não se classificou.
Embora a questão profissional seja uma es-
pécie de transição de nacionalidade em alguns
países, os atos da vida civil não ficam prejudi-
cados em outras hipóteses na maioria dos paí-
ses do exterior, como é o caso de uma relação
conjugal. Em relação ao casamento, a maioria
dos países não exigem que o cidadão brasilei-
ro abdique da sua cidadania originária para
manter a outra, sendo muito comum o caso
Para o advogado especializado em Direito Internacional,
Ricardo Koboldt de Araújo, a importância da PEC 16/21 está
em eliminar a perda automática da nacionalidade brasileira
por decorrência de naturalização em outro país
“Dito projeto, já em vias de
promulgação, se mostra neces-
sário para modernizar aquela
obsoleta disposição acerca da
aquisição de outra nacionali-
dade, já que, a prática de des-
locamentos e a ampliação das
comunicações entre as nações
é a característica marcante
deste século”
Ricardo Koboldt de Araújo, advogado
especializado em Direito Internacional
de brasileiros que se casam com americanos
e europeus.
“No momento há uma grande comunidade
de brasileiros no exterior, que se naturalizou
em outra nacionalidade e potencialmente po-
deria perder a brasileira. Com a emenda, isso
deixa de acontecer. O Brasil não dá nacionali-
dade pelo casamento. Se a pessoa adquire a
nacionalidade de outro país para o casamento,
isso não era caso de perda, porque era auto-
mático e não envolvia um pedido do brasileiro
nesse sentido. Mas essa regra tem caído em
desuso em outros países”, relata a doutora em
Direito Internacional pela USP e mestre em
Direito Comparado pela George Washington
University, Nadia de Araujo.
Para o advogado especializado em Direito
Internacional, Ricardo Koboldt de Araújo, a
importância da PEC 16/21 está em eliminar
a perda automática da nacionalidade brasi-
leira por decorrência de naturalização em
outro país.
“Dito projeto, já em vias de promulgação,
se mostra necessário para modernizar aquela
obsoleta disposição acerca da aquisição de ou-
tra nacionalidade, já que, a prática de desloca-
mentos e a ampliação das comunicações entre
as nações é a característica marcante deste
século”, sinaliza o advogado.
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Cartórios com Você 23

Registro Civil

DUPLA CIDADANIA
Ex-mulher do ex-presidente Jair Bolsonaro,
Ana Cristina Valle perdeu a nacionalidade bra-
sileira em fevereiro deste ano. A decisão foi
tomada pelo Ministério da Justiça depois de
ela ter adquirido a cidadania da Noruega. Ana
Cristina morou no país escandinavo de 2009 a
2014, após se separar de Bolsonaro. No enten-
dimento do Ministério da Justiça, Ana Cristina
perdeu a nacionalidade brasileira porque se
tornou cidadã da Noruega ao se naturalizar no
país voluntariamente, o que fere os requisitos
previstos na Constituição.
O autor da Proposta de Emenda à Consti-
tuição (PEC) 16/21, o ex-senador Antonio
Anastasia, hoje ministro do Tribunal de Contas
da União (TCU), afirmou à época que a PEC
levantou o debate da dupla cidadania. Tam- Segundo Hugo Dell Eugênio Andrade, pode A brasileira Arielle Siqueira Lugiannatiello também
bém conhecida como “dupla nacionalidade”, a ser demorado e burocrático o processo possui a cidadania italiana. Ela conta que o processo
dupla cidadania é uma condição específica de de reconhecimento da cidadania italiana de reconhecimento foi conturbado, sendo necessário a
certidão de nascimento italiana do avô, casamento e óbito.
um cidadão que é titular da nacionalidade de
dois estados nacionais concomitantemente. O
caso mais comum é a da dupla cidadania, isto
é, quando uma pessoa é titular da nacionalida-
“O que era pra ser uma “Hoje eu não vivo na Itália,
de de dois países. experiência de alguns meses hoje eu vivo em Portugal. Foi
Esse é o caso do brasileiro e empregado de
uma vinícola que vive em uma comunidade no se tornou minha nova carreira muito fácil vir morar aqui com
norte da Itália, Hugo Dell Eugênio Andrade. profissional e decidimos ficar a cidadania italiana.”
Insatisfeito com a vida de jornalista no Brasil,
ele se mudou com a esposa para a Itália para permanentemente na Itália, Arielle Siqueira Lugiannatiello,
passar por uma experiência em uma fazenda o que só foi possível graças a brasileira com cidadania italiana
italiana. Com o tempo, no entanto, acabou fin-
cando raízes no país italiano. minha cidadania”
“Para aprender um pouco mais sobre a área,
decidimos vir para a Itália fazer trabalho vo- Hugo Dell Eugênio Andrade, rém, mesmo assim, foram seis meses do pedido
luntário em pequenas vinícolas familiares de brasileiro que vive em uma até o reconhecimento da cidadania. Além disso,
produção de vinhos orgânicos. Para viabilizar comunidade no norte da Itália antes de vir para a Itália tive que encontrar to-
nossa estadia mais longa, um dos caminhos das as certidões de nascimento, casamento e
seria pedir a cidadania a qual eu tenho direito óbito de todos os meus antepassados até o meu
por ser descendente de italianos. Depois que minha nova carreira profissional e decidimos trisavô, que nasceu na Itália. Não sou naturali-
chegamos, muita coisa mudou. O Real perdeu ficar permanentemente na Itália, o que só foi zado italiano, possuo a dupla cidadania”, com-
valor em relação ao Euro e ao Dólar, encare- possível graças a minha cidadania”, conta o plementa Hugo Dell Eugênio Andrade.
cendo a importação no Brasil. Além disso, me brasileiro. Quem também possui a dupla cidadania é
apaixonei pelo processo de produção de uvas “O processo de reconhecimento da cidadania a brasileira com cidadania italiana, Arielle Si-
e do vinho e recebi uma proposta de empre- é bastante burocrático e pode ser bastante de- queira Lugiannatiello que morou durante seis
go em uma vinícola. Assim, o que era para ser morado. Eu dei entrada no processo já moran- meses na singela comuna de Nemoli, com
uma experiência de alguns meses se tornou do na Itália o que, geralmente, agiliza tudo. Po- pouco mais de mil habitantes. “Eu precisei de

“A medida é muito importante

Antonio Augusto Junho Anastasia é o atual ministro
do Tribunal de Contas da União (TCU), tendo sido vi-
ce-governador de Minas em 2006 e governador do
para solucionar uma questão prática Estado em 2010, sendo reeleito governador em ou-
tubro de 2010, exercendo o cargo até abril de 2014.

que prejudica muitos brasileiros Anastasia também foi senador por Minas Gerais.
Em 2018, propôs a Proposta de Emenda à Consti-

que residem fora do Brasil”

Segundo o autor da PEC 16/21, o ex-senador
Antonio Anastasia, hoje ministro do TCU,
a Constituição prevê a perda da nacionalidade
brasileira daqueles que optam voluntariamente
pela naturalização
tuição 16/21, que acaba com a perda automática da
nacionalidade brasileira de quem obtém outra nacio-
nalidade.
Em entrevista à Revista Cartórios com Você, Anas-
tasia fala sobre a aprovação da PEC no Congresso Na-
cional, suas peculiaridades e como ela pode ajudar
milhões de brasileiros que vivem fora do país atual-
mente.
Segundo Anastasia, “a medida é muito importante
para solucionar uma questão prática que prejudica
muitos brasileiros que residem fora do Brasil”.

24
pouca documentação. A certidão de nascimen-
to italiana do meu avô, casamento e óbito do
Brasil, nascimento do meu pai, e nascimento
minha. Foi um processo conturbado, mas no
final deu certo”, relembra Arielle.
“Hoje eu não vivo na Itália, hoje eu vivo em
Portugal. Foi muito fácil vir morar aqui com a
cidadania italiana, porque Portugal é um país
muito burocrático. Sei que muitos brasileiros
optam por vir morar aqui por conta da língua
principalmente, mas muitas pessoas vêm como
imigrantes e tentam ficar. A questão de tirar o
CPF, o número da segurança social, toda do-
cumentação, é bem burocrático. Como já vim
com a cidadania italiana foi muito mais fácil
porque como eu sou uma cidadã europeia, só
precisei ir com meu documento até a Câmara
e tirei um certificado”, aponta Arielle. Para o advogado e doutor em Direito pela Universidade Segundo o advogado especializado em Direito
Mesmo com algumas exceções, o processo Panthéon-Assas (Paris II), Iure Pontes Vieira, a PEC é Internacional, Daniel Toledo, uma segunda cidadania
para conseguir a dupla cidadania é conside- bem-vinda, justamente para os casos de países em sempre traz benefícios, mas também gera obrigações
que a nacionalidade de outro país puder afetar a
rado burocrático e oneroso. Cada país possui
suas regras e deve-se atentar à documentação,
nacionalidade brasileira
“Além da maior liberdade de
diferente de acordo com cada caso. De forma
geral, para obter a cidadania nos países da
mobilidade entre os países
Europa, é necessário se enquadrar em opções “Não há perda da nacionali- [dupla cidadania], muitos
como “descendência familiar, casamento e es-
tadia na Europa”. dade brasileira se eu peço a tratados internacionais versam
Para o advogado e doutor em Direito pela Uni- nacionalidade italiana em razão sobre melhores condições
versidade Panthéon-Assas (Paris II), Iure Pontes
Vieira, a PEC é bem-vinda, justamente para os dos meus antepassados por- para determinados cidadãos
casos de países em que a nacionalidade de ou- que é um Direito já descrito de países signatários de seus
tro país puder afetar a nacionalidade brasileira.
“Você pode perder a sua nacionalidade pela lei italiana” tratados internacionais”
brasileira se, por exemplo, você vai morar na
Inglaterra e lá você pede para obter a naciona- Iure Pontes Vieira, Daniel Toledo,
lidade inglesa. Nesses casos, você está pedindo advogado e doutor em Direito pela advogado especializado
a nacionalidade inglesa já que a lei inglesa não Universidade Panthéon-Assas (Paris II) em Direito Internacional
lhe dá de nenhuma forma, nem pelo sangue,
nem pelo nascimento, a cidadania. Não há
perda da nacionalidade brasileira se eu peço “Além da maior liberdade de mobilidade en- Já o advogado Ricardo Koboldt diz que “a
a nacionalidade italiana em razão dos meus tre os países, muitos tratados internacionais possibilidade de obtenção de dupla cidadania
antepassados porque é um Direito já descrito versam sobre melhores condições para de- traz uma série de vantagens e direitos signifi-
pela lei italiana”, explica o advogado. terminados cidadãos de países signatários de cativos, tais como; a liberdade de viagem, aces-
Segundo o advogado especializado em Direi- seus tratados internacionais. Muitos países eu- so aos serviços e benefícios sociais e a amplia-
to Internacional, Daniel Toledo, uma segunda ropeus fazem parte destes tratados e dispen- ção de oportunidades de emprego, oferecendo
cidadania sempre traz benefícios, mas também sam vistos para viajantes temporários”, relata proteção adicional em termos de segurança e
gera obrigações. o advogado. política”.

CcV - A Câmara dos Deputados aprovou a

Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
“Resguardaremos os
16/21, que acaba com a perda automática brasileiros que buscam
da nacionalidade brasileira de quem obtém
outra nacionalidade. Qual a importância
dupla nacionalidade,
dessa medida? mantendo o seu
Antonio Anastasia - A medida é muito im-
portante para solucionar uma questão prática
acolhimento no Brasil,
que prejudica muitos brasileiros que residem salvo situações de
fora do Brasil. É muito comum que essas pes-
soas optem pela naturalização para tornarem-
fraude e de pedido
-se cidadãos do país onde moram. Essa opção da própria pessoa”
costuma ser feita para usufruir de direitos e
participar de sua comunidade local. Contudo,
isso não significa um abandono da naciona- O autor da Proposta de Emenda à Constituição
lidade brasileira. Ocorre que a Constituição 16/21, o ex-senador Antonio Anastasia, hoje
hoje prevê a perda da nacionalidade brasilei- ministro do TCU, diz que a PEC auxilia a muitos
ra daqueles que optam voluntariamente pela brasileiros que vivem fora do país

Cartórios com Você 25

Registro Civil

Mais de 13 milhões de documentos

já foram apostilados pelos Cartórios brasileiros
Com o apostilamento, um documento emitido por um país passa a ser considerado
válido em mais de 120 países que integram a Convenção da Apostila da Haia

Oito anos após entrar em vigor no Brasil a

Convenção da Apostila da Haia, números do
Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal
(CNB/CF) e do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) indicam que foram apostilados mais
de 13 milhões de documentos, sendo mais
de 1,9 milhão somente em 2023, além de 31
mil apostilamentos eletrônicos. Desde 2016,
os serviços de notas e de registro de todas as
capitais brasileiras e do Distrito Federal são
obrigados a oferecer o serviço, conforme dis-
põe a Resolução n. 228/2016, do CNJ.
Com o apostilamento, um documento emi-
tido por um país, como por exemplo, uma
certidão de nascimento ou um diploma, pas-
sa a ser considerado válido em mais de 120
países que integram a Convenção da Apostila
da Haia.
Segundo matéria publicada no site do CNJ
em janeiro de 2022, “o apostilamento certifi-
ca, perante autoridades de países signatários
da Convenção da Haia, a autenticidade dos
documentos públicos. Desde 2016, houve a
‘legalização única’ por meio do Sistema Ele-
trônico de Informação e Apostilamento (SEI
Apostila).
Em agosto de 2020, ele foi substituído pelo
Sistema Eletrônico de Apostilamento (Apostil),
por meio do Provimento n. 106 da Corregedo- nascimento, de casamento, diplomas escola- tificado da apostila, basta levá-lo a um dos
ria Nacional de Justiça, e passou a ser usado res e outros documentos públicos nacionais Cartórios autorizados, sendo esse instrumen-
para a confecção, consulta e gestão de aposti- no formato eletrônico, com um QR Code que talizado por uma via física e outra eletrônica.
lamentos em documentos públicos realizados permite a verificação da autenticidade por au- Podem ser apostilados: escrituras públicas,
em todas as serventias extrajudiciais do país. toridades estrangeiras. certidões de registro civil, documentos em-
Em novembro de 2021, a ferramenta passou a Segundo o advogado especializado em Di- presariais, diploma universitário (histórico es-
ser gerenciada pelo Colégio Notarial do Brasil reito Internacional, Ricardo Koboldt de Araú- colar), traduções juramentadas etc. O rol dos
– Conselho Federal (CNB/CF)”. jo, o processo de apostilamento pode ser feito Cartórios cadastrados e autorizados para tais
O novo serviço permite o recebimento on- em um dos Cartórios autorizados no Brasil. atos é divulgado pelo Conselho Nacional de
line, por e-mail ou celular, de certidões de “Para que um documento receba o cer- Justiça (CNJ)”, comenta o advogado.

naturalização. Isso nunca nos pareceu justo.
Em regra, essas pessoas seguem tendo víncu-
lo com o Brasil, seja por familiares, seja por
negócios. Além disso, a qualquer momento a
naturalização dessas pessoas pode ser can-
celada pelo outro país e isto, pela sistemáti-
ca atual, as tornaria apátridas. Essa situação
tem que ser evitada, por isso propusemos a
PEC em 2018.
CcV - O caso de Cláudia Sobral é similar ao
de muitos jogadores de futebol, que costu-
mam se naturalizar por questões profissio-
nais. O caso Daniel Alves também pode ser
enquadrado na questão da perda de nacio-
nalidade? Como ele possui um passaporte
do Reino da Espanha, há indícios de que
ele tenha se naturalizado espanhol volun-
tariamente?
Antonio Anastasia - Jogadores de futebol
tem um regramento diferente, pois cada país
tem sua limitação a estrangeiros jogando em
suas ligas, inclusive o Brasil. A concessão por
parte da Espanha de passaporte àquele atleta
não significa necessariamente que ele se na-
turalizou. Todavia, se for o caso, apenas um
procedimento específico poderia determinar
se a naturalização do ex-jogador se enquadra
na exceção daqueles que adquirem nacionali-
dade derivada para exercer sua profissão ou
se é a hipótese de naturalização voluntária.
CcV - Com a aprovação desse projeto,
quais as vantagens para os brasileiros que
pretendem ter dupla cidadania? Eles não
correm o risco de perder a nacionalidade
originária?
Antonio Anastasia - Exatamente isso. Res-
guardaremos os brasileiros que buscam du-
pla nacionalidade, mantendo o seu acolhi-
mento no Brasil, salvo situações de fraude e
de pedido da própria pessoa.
CcV - O brasileiro poderá readquirir sua
nacionalidade originária segundo procedi-

26
Conheça os números relacionados ao apostilamento
nos Cartórios brasileiros nos últimos dois anos
Apostilamentos Total Apostilamentos no ano Digitais Cartórios Credenciados Cartórios com Apostilas

5.871.473 1.911.455 31.652 2.102 1.987

Evolutivo de Apostilamentos 238.505
247.924

Total Digitais 231.317 227.320 226.087 228.401 2.599

219.406
213.517 2.488 2.650 2.613 2.510
206.566 204.386
195.927 196.415
186.145 186.392 2.389
181.789 184.543 183.212
179.133 179.048
170.006 2.249
165.169 2.173
158.028 159.524
147.398

1.751
1.705 1.675

1.616
1.446 1.545

1.344

908
out 21 nov 21 dez 21 jan 22 fev 22 mar 22 abr 22 mai 22 jun 22 jul 22 ago 22 set 22 out 22 nov 22 dez 22 jan 23 fev 23 mar 23 abr 23 mai 23 jun 23 jul 23 ago 23 set 23
Fonte: CNB/CF

Conheça o total de
documentos apostilados antes
da plataforma ser gerenciada
pelo Colégio Notarial do Brasil
Total:

8,1
milhões
414,9
mil
2016
1,3
milhão
2017
1,8
milhão
2018
1,8
milhão
2019
1,2
milhão
2020
1,6
milhão
2021
Fonte: CNJ

mentos mais simplificados previstos na Lei
13.445/17? Qual a importância dessa Lei?
Antonio Anastasia - Se forem brasileiros que
perderam a nacionalidade brasileira e a na-
cionalidade estrangeira, sim. A Lei de Migra-
ção prevê procedimento simplificado para os
apátridas. Essa Lei foi aprovada quando esta-
va no Senado e eu a considero muito relevan-
te por consolidar as regras sobre migração e
conferir maior segurança jurídica a um tema
tão sensível como este.
CcV - Mesmo com a aprovação do proje-
to, ainda há casos em que a Constituição
brasileira prevê a perda da nacionalidade.
Quais casos são esses?
Antonio Anastasia - Os brasileiros natura-
lizados perdem a nacionalidade quando a
naturalização for cancelada por sentença ju-
dicial, em razão de atividade nociva ao inte-
resse nacional.
CcV - Em relação ao casamento, a nacio-
nalidade adquirida não faz perder a nacio-
nalidade brasileira? Como funciona a lei
neste caso?
Antonio Anastasia - Nesse caso a Constitui-
ção excepciona a regra da perda automática,
pois a naturalização se deu com o objetivo de
exercer um direito civil: no exemplo citado, o
direito ao casamento.
CcV - A nacionalidade se manifesta em duas
espécies: a originária e a adquirida. A se-
gunda opção reflete a condição de milhares
de brasileiros expatriados mundo afora,
que, por contingências de uma vida fora do
país por muitos anos, espontaneamente de-
cidiram optar por uma naturalização?
Antonio Anastasia - Precisamente. A nacio-
nalidade derivada ou adquirida é aquela que
a pessoa obteve por outras razões que não
sejam o seu nascimento. Geralmente ocorre
a pedido do indivíduo após viver durante um
período em outro país.

Cartórios com Você 27

Registro de Imóveis

Semana de Regularização Fundiária:

Solo Seguro entrega títulos
nos Estados da Amazônia Legal
Instaurada pelo Provimento 144 do CNJ, Semana conta com o apoio dos
Cartórios de Registro de Imóveis para promover o acesso regular à terra

Por Danielle Campez

28
A Corregedoria Nacional de Justiça do Con-
selho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu,
em 25 de abril, o Provimento 144/2023, que
instalou, no âmbito do Poder Judiciário a Se-
mana Nacional de Regularização Fundiária. A
semana faz parte do Programa Permanente
de Regularização Fundiária, que visa ao esta-
belecimento e à manutenção de diálogo per-
manente entre a administração pública e a
sociedade para o enfrentamento da grilagem
de terras.
O programa também tem como objetivo
fortalecer a governança fundiária, a promo-
ção da Justiça, o acesso regular à terra, a se-
gurança jurídica e a proteção ambiental.
Ainda, por meio do Provimento 145/2023,
a Corregedoria Nacional de Justiça criou
o Prêmio Solo Seguro, uma iniciativa para,
anualmente, distinguir práticas inovadoras e
de sucesso que contribuam para o aprimo-
ramento do combate às ocupações clandes-
tinas e para titulação dos proprietários de
áreas urbanas e rurais.
Neste ano, a Semana de Regularização
Fundiária abrangeu a Amazônia Legal, da
qual fazem parte os Estados do Amazonas,
Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão,
Amapá, Tocantins e Mato Grosso. A semana
aconteceu de 28 de agosto a 1 de setembro.
O corregedor nacional de Justiça, ministro
Luis Felipe Salomão, ressaltou no evento de
inauguração em Manaus que a ação era “um
quadro à espera de um pintor” e que na Ama-
zônia Legal era preciso agir com ainda mais
pujança, levando em consideração atividades
ilícitas como o garimpo ilegal.
Segundo estimativas do Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra),
nas terras públicas da Amazônia Legal exis-
tem quase 300 mil ocupações irregulares,
áreas com demanda para regularização fun-
diária. Para a juíza auxiliar da Corregedoria
Nacional de Justiça, Daniela Madeira, a irre-
gularidade registral traz prejuízos de ordem
social, financeira e ambiental, além dos já
conhecidos conflitos pela terra.

Cartórios com Você 29

Registro de Imóveis
“A regularização e a entrega do título, além
de garantir o direito à moradia, promove a
cidadania e qualidade de vida à população
beneficiada, permitindo o acesso a diversos
serviços públicos. Regiões que antes eram
apenas um espaço, passarão a ser áreas re-
gularizadas e inseridas à cidade formal, con-
tribuindo para o desenvolvimento local”, des-
tacou a juíza auxiliar.
A juíza ressaltou que os conflitos fundiários
são conhecidos há longa data e, mesmo assim,
a regularização fundiária rural no Brasil ainda
enfrenta desafios, como a burocracia, a falta
de recursos, os conflitos de interesses e a fal-
ta de clareza na legislação. “Por essa razão, é
fundamental a implementação de uma políti-
ca de incentivo à regularização fundiária, uma
vez que esta desempenha um papel crucial no
desenvolvimento nacional”, explicou.
Para ela, a regularização fundiária não
pode ser vista apenas como um mero ins-
trumento garantidor de acesso à moradia e
à propriedade, mas deve ser encarada de for-
Vice-presidente do Instituto de Registro Imobiliário do
Brasil (IRIB), José de Arimatéia Barbosa destaca o papel
dos Cartórios na regularização fundiária
“É no Registro de Imóveis
que o Estado determina
que áreas degradadas
sejam colocadas em
indisponibilidade até
o cumprimento das
penalidades aplicadas nos
casos de embargos”
José de Arimatéia Barbosa,
vice-presidente do Instituto de
Registro Imobiliário do Brasil (IRIB)
30
ma mais abrangente, como um instrumento
de combate à pobreza e propulsor do desen-
volvimento econômico e social do país.
A juíza acredita que a regularização tam-
bém pode ser uma ferramenta importante
para promover a preservação ambiental:
através da demarcação e titulação de áreas
de proteção ambiental ou reservas legais, é
possível conciliar o desenvolvimento econô-
mico com a conservação dos recursos natu-
rais, incentivando práticas sustentáveis de
uso da terra.
A Semana de Regularização Fundiária
contou com apoio das Associações dos No-
tários e Registradores do Estado do Amazo-
nas (Anoreg/AM), do Pará (Anoreg/PA) e do
Brasil (Anoreg/BR), por meio dos Cartórios
extrajudiciais do Amazonas e demais Estados
que compõem a Amazônia Legal.
Segundo Daniela Madeira, os Cartórios de
Registro de Imóveis são atores essenciais
na regularização fundiária. “Ao realizar es-
sas tarefas de forma eficiente e precisa, os
Desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes,
corregedor-geral de Justiça do Amazonas, ressalta que é
crucial adotar medidas rigorosas de proteção ambiental
durante a regularização fundiária
“A importância dos Cartórios
de Registro de Imóveis
transcende a simples
burocracia, desempenhando
um papel vital na governança
fundiária, justiça, acesso à
terra, segurança jurídica e
proteção ambiental”
Desembargador Jomar Ricardo
Saunders Fernandes, corregedor-geral
de Justiça do Amazonas
Cartórios garantem a validade e a proteção
dos direitos de propriedade. Assim, contri-
buem para promover a segurança jurídica,
estimular o investimento, a inclusão social, o
ordenamento territorial e a preservação am-
biental. É fundamental reconhecer e apoiar
o trabalho desses atores para construir uma
nação mais justa, próspera e sustentável”,
ressaltou.
De acordo com a diretora executiva da
Associação dos Notários e Registradores do
Brasil (Anoreg-BR), e presidente da entidade
no Estado do Pará, Moema Belluzzo, “o dife-
rencial do programa permanente de regula-
rização fundiária e da semana Solo Seguro é
justamente a entrega do título emitido pelo
Poder Executivo já registrado no Cartório de
Registro de Imóveis competente, o que ga-
rante a regularização fundiária efetivamente”.
“Os registradores possuem papel-chave
no processo de regularização fundiária, uma
vez que são eles que dão garantia de que as
transações imobiliárias estão baseadas na lei,
Segundo a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de
Justiça, Daniela Madeira, os Cartórios de Registro de
Imóveis são atores essenciais na regularização fundiária
“Ao realizar essas tarefas de
forma eficiente e precisa,
os Cartórios garantem a
validade e a proteção dos
direitos de propriedade. Assim,
contribuem para promover a
segurança jurídica, estimular o
investimento, a inclusão social,
o ordenamento territorial e a
preservação ambiental.”
Daniela Madeira, juíza auxiliar
da Corregedoria Nacional de Justiça
proporcionando, assim, segurança jurídica
tanto para o comprador quanto para o ven-
dedor, além de colocar aquele imóvel no ra-
dar do Poder Público”, pontuou o presidente
da Anoreg/AM, David Gomes David.
Para o vice-presidente do Instituto de Re-
gistro Imobiliário do Brasil (IRIB), José de
Arimatéia Barbosa, uma boa governança
fundiária depende de informações confiáveis
sobre o território de um Estado, destacan-
do-se os Registros de Imóveis que possuem
informações seguras para que esse território
possa ser conhecido, o fazendo através das
averbações de certificações de georrefencia-
mento de imóveis rurais pelo Incra, culmi-
nando pela abertura de matrículas atualiza-
das, das glebas e/ou áreas arrecadadas em
nome do Estado.
“É no Registro de Imóveis que o Estado de-
termina que áreas degradadas sejam coloca-
das em indisponibilidade até o cumprimento
das penalidades aplicadas nos casos de em-
bargos”, ressaltou Arimatéia.

A registradora de imóveis Tais Batista Fernandes

destacou a importância dos Cartórios no processo de
governança fundiária, promoção da Justiça, acesso
regular à terra, segurança jurídica e proteção ambiental

“O registrador é o guardião
desse repositório de
informações que caracterizará
o histórico patrimonial da
cidade”
Taís Batista Fernandes, registradora
de Imóveis da Comarca de Coari/AM

Cartórios com Você 31

Registro de Imóveis
Amazonas
No Amazonas, a iniciativa reuniu represen-
tantes dos Cartórios de Registro de Imóveis,
além de membros do Poder Executivo dos
municípios com o intuito de capacitar todos
os envolvidos em relação à temática, para a
efetivação do direito à moradia e à proteção
ambiental. Foram entregues mais de 2.700
títulos para famílias amazonenses em todo o
estado.
O desembargador Jomar Ricardo Saunders
Fernandes, corregedor-geral de Justiça do
Amazonas explicou que a Semana Nacional
de Regularização Fundiária tem um alcance
muito grande porque a questão fundiária no
Brasil remete a uma série de situações com-
plexas, sobretudo de ordem social, econômi-
ca e ambiental. “É preciso um alinhamento
de ações institucionais envolvendo todos os
órgãos que estão ligados à temática”, ressal-
tou Jomar.
Segundo ele, desde abril a Corregedoria do
Amazonas está trabalhando incansavelmente
para que os objetivos do Provimento 144 do
CNJ se cumpram e já resultou: na instituição
do Núcleo de Governança Fundiária e Susten-
tabilidade no âmbito do Judiciário do Amazo-
nas; um termo de cooperação técnica com o
Corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou no evento de inauguração em Manaus que na Amazônia Legal é preciso agir com ainda mais pujança,
levando em consideração atividades ilícitas como o garimpo ilegal
32
Governo do Estado; encontros institucionais
com representantes de órgãos públicos (es-
tadual, municipal e federal) e de entidades;
cursos, em parceria com a Escola Judicial do
TJAM, sobre governança de terras, regulari-
zação fundiária, Direito Agrário e Registral
Imobiliário, para os titulares das serventias
extrajudiciais, servidores e magistrados; visi-
tas técnicas às comarcas de Apuí e Coari para
verificar a preparação de títulos de terras e
outras ações relacionadas à regularização
fundiária nos dois municípios; audiências
públicas nas comarcas, em parceria com os
titulares dos Cartórios extrajudiciais e autori-
dades locais para ampliar o debate a respeito
desse assunto.
Durante a Semana Solo Seguro, ainda, a
Corregedoria assinou termos de responsa-
bilidade com a associação amazonense dos
municípios para ampliar a participação das
prefeituras em iniciativas voltadas à regu-
larização fundiária nas suas localidades. Os
termos têm como objetivo dar prioridade à
temática nos municípios e à observância de
direitos das comunidades, bem como a pro-
teção ambiental.
O corregedor do Amazonas ressalta que a
regularização fundiária é uma questão crucial
para garantir a segurança jurídica e o de-
senvolvimento sustentável das comunidades
isoladas. “No entanto, ao lidar com territórios
indígenas, é fundamental adotar uma abor-
dagem mais sensível que respeite os direitos
desses povos, conforme previsto em nossa
legislação e em acordos internacionais”, ex-
plica.
“Isso implica em consultar e envolver ativa-
mente as comunidades indígenas em todo o
processo de regularização, além de conside-
rar suas práticas tradicionais de manejo sus-
tentável do meio ambiente”, contou o corre-
gedor. “É crucial adotar medidas rigorosas de
proteção ambiental durante a regularização
fundiária, a fim de preservar ecossistemas
frágeis e promover o equilíbrio entre as ne-
cessidades das comunidades e a conservação
da natureza.”
A região Amazônica abriga uma rica bio-
diversidade e desempenha um papel funda-
mental no equilíbrio climático global. Portan-
to, para o corregedor, debater e incentivar a
regularização fundiária nessa área não ape-
nas garante a segurança jurídica das comu-
nidades locais, mas também é decisiva para
Conheça os municípios e
a quantidade de famílias
beneficiadas pela iniciativa
do Solo Seguro no Amazonas
Benjamin Constant (17)
Itamarati (09)
Envira (01)
Boca do Acre (05)
evitar o desmatamento ilegal e a exploração
predatória dos recursos naturais.
“Ao estabelecer mecanismos eficazes de
regularização, pode-se criar incentivos para
que as terras sejam utilizadas de maneira sus-
tentável, contribuindo para a preservação do
meio ambiente e a manutenção das condições
que tornam a região um patrimônio global”,
analisou o corregedor.
Além disso, Jomar analisa que a regulariza-
ção fundiária no Norte do país desempenha
um papel essencial no combate à grilagem de
terras, uma prática que prejudica a posse le-
gítima de terras e muitas vezes está associada
a atividades ilegais. “Ao estabelecer processos
transparentes e eficazes de regularização, po-
demos reduzir significativamente a incidência
de grilagem, protegendo os direitos das co-
munidades locais e garantindo que as terras
sejam usadas de acordo com as leis ambien-
tais e de propriedade”, explica.
O corregedor também analisa os benefícios
aos municípios. Segundo ele, ao regularizar
áreas informais e irregulares, os municípios
podem expandir sua base tributária, aumen-
tando a arrecadação de impostos e, assim,
obter mais recursos para financiar serviços
São Gabriel da Cachoeira (546)
Novo Airão (15)
Manacapuru (35)
Caapiranga (01)
Codajás (10)
Canutama (09)
Humaitá (140)
Pauini (03)
públicos essenciais, como educação, saúde e
infraestrutura. “Isso fortalece a capacidade do
governo local de atender às demandas da po-
pulação, melhorando a qualidade de vida dos
residentes”, reflete.
Ao falar dos Cartórios, Jomar destaca que
desempenham um papel essencial na ga-
rantia da segurança jurídica das transações
imobiliárias, pois registram oficialmente a
propriedade e os direitos sobre a terra. “Isso
é elementar para prevenir conflitos e garantir
ao cidadão o título legalmente reconhecido e
imprescindível para o desenvolvimento eco-
nômico e para a estabilidade social”, salien-
tou.
“Os Cartórios de Registro de Imóveis tam-
bém são importantes no apoio à promoção
da justiça ao fornecer o registro público. Isso
significa que as informações sobre proprieda-
des e transações estão disponíveis de forma
transparente, o que ajuda a prevenir a grila-
gem e outras práticas ilegais. Também facilita
o acesso regular à terra, permitindo que as
pessoas adquiram propriedades de maneira
legal e regulamentada, promovendo a inclu-
são social”, diz Jomar.
Por fim, o corregedor do Amazonas desta-
Presidente Figueiredo (07)
Nhamundá (03)
São Sebastião do Uatumã (02) Parintins (348)
Rio Preto da Eva (30) Barreirinha (02)
Silves (10) Itapiranga (01)
Manaus (1765)
Itacoatiara (16)
Autazes (26)
Anori (01) Careiro (04) Nova Olinda
do Norte (05)
Novo Aripuanã (03)
Apuí (87)
ca que os Cartórios têm um papel relevante
na proteção ambiental, pois o registro de
propriedades pode incluir informações sobre
restrições ambientais, áreas de preservação
e outros detalhes importantes para a gestão
sustentável da terra.
“Ao garantir que essas informações sejam
de conhecimento público e estejam vincula-
das a propriedades específicas, os Cartórios
contribuem para a conscientização e o cum-
primento das regulamentações ambientais,
promovendo a conservação e a sustentabili-
dade. Portanto, a importância dos Cartórios
de Registro de Imóveis transcende a simples
burocracia, desempenhando um papel vital
na governança fundiária, justiça, acesso à ter-
ra, segurança jurídica e proteção ambiental”,
afirma o corregedor.
A Registradora de Imóveis da Comarca de
Coari/AM, Taís Batista Fernandes, acredita
que a Semana chamou atenção para mais um
fator de desigualdade que permeia o Brasil: a
violação do direito à moradia. “São milhões de
pessoas espalhadas pelo Brasil, sem a garan-
tia do direito à propriedade. Ocupam espaços
em caráter precário, investem na construção
e aprimoramento de moradias, que por lei,
Cartórios com Você 33
Registro de Imóveis
ainda não estão incorporadas ao seu patrimô-
nio”, ressaltou.
Para ela, o CNJ, ao instituir a Semana do
Solo Seguro, reafirma o compromisso do Ju-
diciário em efetivar os direitos fundamentais,
notadamente o direito social à moradia. Ain-
da, segundo Taís, o Provimento 144, além de
ratificar a posição de vanguarda do Judiciário
na gestão de políticas públicas, ocupou-se
em assegurar aos vulneráveis prioridade na
efetivação das medidas de regularização fun-
diária.
No que tange aos quilombolas e indíge-
nas, Taís ressaltou que se trata de situação
historicamente delicada. Ela lembrou que o
STF julgou pedido na ação que tratava sobre
o reconhecimento do Marco Temporal das
terras indígenas. “A regularização fundiária,
nos moldes propostos pelo CNJ, servirá como
meio idôneo para assegurar os direitos dessas
minorias”, afirmou.
A registradora, que atuou durante a Sema-
na no Amazonas, destacou a importância dos
Cartórios no processo de governança fundiá-
ria, promoção da Justiça, acesso regular à ter-
ra, segurança jurídica e proteção ambiental.
“O registrador é o guardião desse reposi-
tório de informações que caracterizará o his-
tórico patrimonial da cidade. Ao realizar as
identificações subjetivas e objetivas do imó-
vel, não apenas indicará o nome do proprie-
tário e as características do imóvel, mas tam-
bém fornecerá à sociedade segurança jurídica
para identificar responsabilidades pela degra-
dação do meio ambiente e a salvaguarda do
patrimônio nacional, em especial o relativo ao
meio ambiente”, finalizou.
Para a registradora, nas áreas de projeto de
intervenção urbanístico ambiental e em áre-
as de exploração ambiental, a Reurb tem por
escopo mapear as riquezas naturais presen-
tes na área e auxiliar na fiscalização do uso
racional e autorizado constitucionalmente. “A
ausência de dados específicos impede que se
efetivem políticas públicas necessárias tanto
à preservação do meio ambiente, como ao de-
senvolvimento econômico”, ressaltou.
Segundo Taís, a regularização fundiária ur-
bana é um importante instrumento de orde-
nação territorial e gestão pública municipal.
Ela explicou que o déficit de matrículas e a
proliferação de ocupações irregulares contri-
buem para o atraso no desenvolvimento eco-
nômico e social.
“O município deixa de arrecadar os tribu-
tos relativos à propriedade, pela ausência de
matrícula. A compra e venda, nesses casos,
dar-se-á de forma inoficiosa, por meio da prá-
tica de recibo de compra e venda, sem reco-
lhimento de imposto de transmissão. O IPTU
não é instituído por ausência de identificação
do proprietário. É uma espécie de ciclo vicio-
so, onde todos saem perdendo. O município
deixa de arrecadar - o que implica ainda em
renúncia fiscal - os munícipes deixam de re-
ceber os serviços necessários à vida social”,
destacou.
34
Pará e Amapá
O Judiciário paraense participou da Semana
Nacional de Regularização Fundiária Solo Se-
guro através do programa Regularizar, criado
pelo Núcleo de Regularização Fundiária Urba-
na, Rural e de Terras Públicas da Corregedo-
ria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do
Pará (TJPA), que tem à frente o corregedor-
-geral de Justiça, desembargador José Rober-
to Pinheiro Maia Bezerra Júnior.
A Semana Nacional de Regularização Fun-
diária Solo Seguro previu a realização de es-
forços concentrados de atos de regularização
fundiária em âmbito nacional entre 28 de
agosto e 1º de setembro. Famílias de diversos
municípios do Pará foram beneficiadas com
a entrega de aproximadamente 4.000 títulos
registrados, durante a programação.
O programa Regularizar visa ao planeja- Para o corregedor-geral de Justiça do Pará, desembarga-
mento, desenvolvimento e monitoramento dor José Roberto Pinheiro Maia Bezerra Júnior, a inicia-
de ações voltadas à regularização fundiária tiva do Conselho Nacional de Justiça visa incentivar os
urbana e rural no estado do Pará com ênfa- diversos integrantes da Governança Fundiária Nacional
se à identificação das titulações de interesse em apresentar resultados dos projetos que já vinham há
algum tempo sendo implementados
social, populações tradicionais (quilombolas e
indígenas) e agricultura familiar, viabilizando
o compartilhamento de experiências exitosas,
construção de soluções compartilhadas para “A participação não apenas
o aumento da segurança jurídica e pacificação
social no território paraense.
dos Cartórios individualmente,
De acordo com a diretora executiva da As- mas também das entidades
sociação dos Notários e Registradores do Bra-
sil (Anoreg-BR), e presidente da entidade no
representativas da classe foi
Estado do Pará, Moema Belluzzo, “a Semana de primordial importância”
de Regularização Fundiária e o prêmio Solo
Seguro promovem o diálogo entre a admi- Desembargador José Roberto
nistração pública e a sociedade, criando um Pinheiro Maia Bezerra Júnior,
ambiente propício para a implementação de corregedor-geral de Justiça do Pará
políticas que visam o ordenamento territo-
rial sustentável e o desenvolvimento social
e econômico das regiões afetadas. Portanto,
Conheça os municípios e
a quantidade de famílias
beneficiadas pela iniciativa do
Solo Seguro no Amapá
Tartarugalzinho (110)
Porto Grande (28)
elas desempenham um papel crucial na cons- Conheça os municípios e
trução de um sistema fundiário mais justo e a quantidade de famílias
equitativo”.
beneficiadas pela iniciativa do
Para o corregedor-geral de Justiça do Pará,
desembargador José Roberto Pinheiro Maia Solo Seguro no Pará
Bezerra Júnior, “a iniciativa do Conselho Na- Mais 8 títulos quilombolas
cional de Justiça em instituir a Semana Na-
cional do Solo Seguro, com a premiação aos
destaques de iniciativas, teve condão de incen-
tivar aos diversos integrantes da Governança
Fundiária Nacional em apresentar resultados
Ananindeua (884) Marituba (98)
dos projetos que já vinham há algum tempo Belém (1010)
sendo implementados nas mais diversas áreas
ligadas à regularização fundiária”.
“A participação não apenas dos Cartórios
individualmente, mas também das entidades
Altamira (184)
representativas da classe, tais como Asso-
ciação de Notários e de Registradores e do Breu Branco (600)
Colégio de Registradores de Imóveis, foi de
primordial importância, em razão da parceria
firmada, e que possibilitou que as entregas
dos títulos ocorridos por ocasião da Semana
Nacional do Solo Seguro pudessem ser en-
tregues devidamente registrados, conferindo
Parauapebas (507) Curionópolis (500)
além da propriedade, também a segurança ju-
rídica decorrente do ato de registro”, garante Canaã (209)
o corregedor.
O Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) pro-
moveu no dia 01 de setembro, no Centro Co-
munitário de Porto Grande, a entrega de títu-
los de propriedade de terra aos moradores do
município, como ação do programa Moradia
Legal na programação da Semana Nacional
de Regularização Fundiária. Foram entregues
138 títulos para famílias amapaenses em todo
o estado.

Cartórios com Você 35

Registro de Imóveis

Maranhão Serrano do Maranhão (723 famílias)

São Luís (100) Paço do Lumiar (481)

São José de Ribamar (258)
A Semana de Regularização Fundiária – Solo Conheça os
Seguro no Maranhão - contou com a realiza- Alto Turiaçu (1.042)
municípios e
ção de workshop, assinatura de 31 acordos de
a quantidade Viana (130)
cooperação técnica com prefeituras municiais
e entrega de 6.550 títulos e registros de ter- de famílias
Pindaré-Mirim (195)
ras. beneficiadas Santa Inês (100)
Cantanhede (100)
Segundo o corregedor-geral da Justiça do pela iniciativa do
São Mateus (800)
Maranhão, José de Ribamar Froz Sobrinho, Solo Seguro no
a Semana foi de extrema importância para Maranhão
incentivar, potencializar e dar visibilidade às
ações desenvolvidas pelas Corregedorias es-
taduais e órgãos fundiários parceiros no que Caxias (85)
se refere à política de governança fundiária,
especialmente às ações destinadas a titulação Tuntum (100)
de propriedades urbanas, de caráter social e Imperatriz (18) Barra do Corda (2.230)
também as rurais, concretizando direitos e Montes Altos (108)
garantindo segurança jurídica às posses pelo
Brasil afora.
Na Semana, foram registrados dois territó-
rios quilombolas, beneficiando mais de 723
famílias e também efetivado o registro do ter-
ritório originário de Alto Turiaçu, com mais de
4.168 indígenas beneficiados. Feira Nova do Maranhão (80)
“A garantia da cidadania e do acesso a di-
reitos de comunidades e povos tradicionais
faz parte da consolidação da democracia em
nosso país, razão pela qual as medidas que in-
cluem o registro de seus territórios faz parte
do conjunto deste esforço de todos os órgãos,
liderados pelo Conselho Nacional de Justiça,
para preservar a cultura, a ancestralidade e
assegurar gerações futuras em ambiente sus-
tentável”, ressaltou.
Froz Sobrinho ressaltou que a integração e a
cooperação interinstitucional entre governos,
Cartórios, Poder Judiciário, órgãos fundiários
e sociedade civil precisa ser cada vez mais fo-
mentada e estimulada para poder alcançar os
objetivos da política pública.

Para o corregedor, a Reurb em áreas de

Divulgação/ TJMA

projetos de intervenção urbanístico ambiental

e em áreas submetidas à exploração mineral
pode se revestir de um caráter positivo, pois
permitirá que se leve melhoria das condições
de habitabilidade, ambientais e de segurança
jurídica ao maior número possível de cida-
dãos, sem que isso importe um incentivo às
novas ocupações.
“Só administra bem seu território, quem o co-
nhece”, frisou Froz Sobrinho ao destacar que a
regularização de imóveis rurais e urbanos traz
para o gestor público informações relevantes
para elaboração e execução de outras ações
e políticas públicas, a exemplo das de caráter
social, e também elementos ao desenvolvimen-
to econômico da região, com a possibilidade
de melhor distribuição de carga tributária.
Para além disso, o corregedor ressaltou que
a segurança jurídica trazida com o registro
destas áreas inibe o surgimento de novos con-
flitos pela terra e pacífica a sociedade, promo-
vendo paz e favorecendo ambiente de cresci-
Comunidades quilombolas de Serrano do Maranhão conquistaram o registro de terras a partir de evento que integrou mento socioeconômico e sustentável.
a programação da Semana Nacional de Regularização Fundiária Froz Sobrinho ainda destacou que os Car-

36

Corregedor-geral da Justiça do Maranhão,
desembargador Froz Sobrinho destacou que os Cartórios
de Imóveis são o grande repositório da segurança
jurídica dos títulos de propriedade e o “coração” da
regularização fundiária
“Por meio de uma atuação
proativa dos registradores
e também da efetiva
colaboração destes com o
Poder Judiciário, do qual são
delegatários, construímos
soluções adequadas e
específicas para cada
realidade territorial”
Desembargador Froz Sobrinho,
corregedor-geral da Justiça do Maranhão
tórios de Imóveis são o grande repositório da
segurança jurídica dos títulos de propriedade,
e o “coração” da regularização fundiária.
“Por meio de uma atuação proativa dos re-
gistradores e também da efetiva colaboração
destes com o Poder Judiciário, do qual são de-
legatários, construímos soluções adequadas
e específicas para cada realidade territorial,
conferindo a solidez e também aproximando
a população e os órgãos envolvidos deste im-
portante órgão de garantias de direitos, pro-
movendo justiça e acesso responsável à terra,
com certeza da proteção do ambiente e res-
peito aos normativos legais”, finalizou.
Durante a Semana do Solo no Maranhão,
foram beneficiados com a legitimação fundi-
ária famílias dos municípios de Alto Turiaçu
(1.042), Serrano do Maranhão (723 famí-
lias), Viana (130), Imperatriz (18), Pindaré-
-Mirim (195), Santa Inês (100), Caxias (85),
São José de Ribamar (258), Tuntum (100),
Barra do Corda (2.230), Cantanhede (100),
Feira Nova do Maranhão (80), Montes Altos
(108), Paço do Lumiar (481) São Mateus
(800) e São Luís (100).
Acre
Conheça os municípios e
a quantidade de famílias
beneficiadas pela iniciativa do
Solo Seguro no Acre
Cruzeiro do Sul (876)
Feijó (1.000)
Rio Branco (706)
Senador Guiomard (525)
Xapuri (520)
A Semana Nacional de Regularização Fundiária
Solo Seguro iniciou-se no Estado do Acre com
entrega de 706 títulos na capital Rio Branco,
1000 títulos em Feijó, 876 títulos em Cruzeiro
do Sul, 520 títulos de regularização de terra na
cidade de Xapuri e 525 títulos no município
de Senador Guiomard. Ao todo foram, 3.700
títulos entregues em todo o Estado do Acre.
O corregedor-geral da Justiça do Acre, de-
sembargador Samoel Evangelista, ressaltou
que é necessário um trabalho conjunto de vá-
rios atores para sanar uma situação de irregu-
laridade presente no cenário brasileiro, espe-
cialmente, naqueles que integram a Amazônia
Legal brasileira.
Para ele, com a emissão dos títulos é possí-
vel gerar benefícios como segurança jurídica,
possibilidade de investimentos, inclusão social, Corregedor-geral da Justiça do Acre, desembargador
possibilidade de arrecadação de impostos, orde- Samoel Evangelista, ressalta que a entrega dos
namento territorial e a preservação ambiental. documentos definitivos representa a concretização de
direitos básicos e essenciais
“Há um dado do IBGE noticiando que exis-
tem 5 milhões de domicílios em situação ir-
regular, isso somente em referência a área
urbana. Essa situação fez com que o Conselho “A regularização fundiária
Nacional de Justiça, por meio da sua Corre- envolve vários atores, não
gedoria Nacional de Justiça, colocasse na
sua pauta a regularização fundiária. A regu- fazemos regularização sozinhos.
larização fundiária envolve vários atores, não
fazemos regularização sozinhos. O governo é
O Governo é o protagonista
o protagonista maior nesse processo, os insti- maior nesse processo, os
tutos de terras, os Cartórios completam a lista
desses atores”, destacou.
institutos de terras e os
Segundo o corregedor, o que deve ficar Cartórios completam a lista
muito claro é que não é um recibo ou contrato
de compra e venda, o que interessa para o ci-
desses atores.”
dadão é o título registrado em Cartório.
Desembargador Samoel Evangelista,
“A serventia extrajudicial, que é onde nós
corregedor-geral da Justiça do Acre
temos hoje nossos Cartórios, é um serviço
do Poder Judiciário que, por delegação, nós
concedemos à iniciativa privada. Mas não entrega dos documentos definitivos repre-
deixa de ser um serviço prestado pelo Poder senta a concretização de direitos básicos e
Judiciário através dos nossos delegatários ou essenciais. “Ao regularizar as terras também
através dos nossos interinos, sem descurar é possível promover o desenvolvimento eco-
que continuamos com o controle e com a fis- nômico e social das regiões. Famílias antes
calização desse serviço. Então, um registro de excluídas do sistema legal passam agora a ter
imóveis é um trabalho ou um serviço do Poder o acesso a benefícios essenciais, como acesso
Judiciário”, analisou. à créditos, serviços básicos e programas so-
Samoel Evangelista ainda destacou que a ciais”, concluiu.
Cartórios com Você 37
Registro de Imóveis
Mato Grosso
A Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Gros-
so entregou 8.134 títulos de propriedades
rurais e imóveis urbanos em 36 municípios
durante a Semana de Regularização Fundiária
– Solo Seguro.
As cidades em que foram realizadas as en-
tregas de títulos foram: Alto Araguaia (1.200),
Apiacás (31), Brasnorte (135), Cáceres (267),
Campo Novo dos Parecis (73), Campo Verde
(34), Canarana (6), Castanheira (312), Chapa-
da dos Guimarães (1.117), Colíder (50), Cotri-
guaçu (261), Cuiabá (2.353), Dom Aquino (23),
Itiquira (40), Jaciara (30), Juína (47), Lucas do
Rio Verde (445), Mirassol D’Oeste (60), Nobres
(214), Nortelândia (107), Nova Ubiratã (65),
Nova Xavantina (48), Poconé (125), Pontes e
Lacerda (42), Porto Esperidião (32), Poxoréu
(70), Primavera (31), Ribeirão Cascalheira (32),
Rio Branco (23), Rondonópolis (200), Rosário
Oeste (60), Santo Afonso (98), São Pedro da
CIPA (11), Sinop (122), Várzea Grande (320)
e Vila Bela (50).
O desembargador Juvenal Pereira da Silva,
corregedor-geral da Justiça de Mato Grosso,
ressaltou que a Semana é importante na me-
dida em que se divulga com grande visibilida-
de o tema da regularização fundiária plena e
promove ações coordenadas no território bra-
sileiro, destinadas a promover, definir, coorde-
nar e dar celeridade às medidas relativas à Lei
13.465/2017, a Reurb e à regularização rural,
além de identificar áreas públicas e de prote-
ção ambiental.
Para Juvenal, conquistar o direito à titulação
das terras significa devolver às comunidades
a possibilidade da permanência definitiva em
seus territórios tradicionais, o que acarretará
maior autonomia e conscientização de seus di-
reitos garantidos por lei e a forma como podem
reivindicá-los diante de órgãos competentes.
Ainda, o corregedor destaca que debater e
incentivar a regularização fundiária nos Es-
tados do Norte e Nordeste do Brasil é crucial
para promover o desenvolvimento socioeco-
nômico, garantir os direitos fundamentais dos
cidadãos e contribuir para um ambiente mais
Adilson Cunha/ CGJ-MT
Mato Grosso encerrou a Semana Solo Seguro
beneficiando mais de 8 mil famílias
38
Conheça os municípios e a quantidade
de famílias beneficiadas pela iniciativa
do Solo Seguro no Mato Grosso
Apiacás (31)
Cotriguaçu (261)
Castanheira (312)
Juína (47)
Colíder (50)
Sinop (122)
Brasnorte (135)
Lucas do Rio Verde (445) Nova Ribeirão Cascalheira (32)
Ubiratã (65)
Canarana (6)
Campo Novo dos Parecis (73)
Nortelândia (107)
Santo Afonso (98)
Nobres (214) Nova Xavantina (48)
Rosário Oeste (60)
Vila Bela (50)
Pontes e Rio Branco (23) Primavera (31)
Lacerda (42) Chapada dos Guimarães (1.117)
Várzea Grande (320) Cuiabá Campo Verde (34)
Mirassol D’Oeste (60) (2.353) Dom Aquino (23)
Porto Esperidião (32) Jaciara (30) Poxoréu (70)
Cáceres (267) São Pedro da CIPA (11)
Poconé (125)
Rondonópolis (200)
Itiquira (40)
Alto Araguaia (1.200)
“Essa é uma pauta
[regularização fundiária]
que deve ser abraçada por
governos, sociedade civil
e instituições judiciais para
promover o bem-estar e o
progresso nessas regiões”
Desembargador Juvenal Pereira da Silva,
corregedor-geral da Justiça de Mato Grosso
justo e equitativo. “Essa é uma pauta que deve
ser abraçada por governos, sociedade civil e
instituições judiciais para promover o bem-es- Para o corregedor de Mato Grosso, desembargador
tar e o progresso nessas regiões”, alertou. Juvenal Pereira da Silva, é fundamental o papel do Re-
Juvenal aponta que a regularização fundiária gistro de Imóveis na elaboração e na implementação da
regularização fundiária, proporcionando mais cidadania,
urbana pode, ainda, melhorar a gestão muni-
dignidade, segurança jurídica, social e econômica
cipal, prevenir conflitos e promover um am-
biente mais seguro e organizado para os mo-
radores. “Com a prevenção de conflitos, gera firmam convênios, garantem a agilização dos
melhores condições de vida para população processos de regularização e cumprem a gra-
que pode obter recursos por meios dos seus tuidade legal”, ressaltou Juvenal.
imóveis regulares, considerados ativos finan- O corregedor ainda destacou que a seguran-
ceiros, e para o município gerando renda por ça jurídica conferida pelo registro imobiliário
meio dos impostos que incidem na movimenta- precedido do procedimento de regularização
ção imobiliária”, destacou. fundiária, além de colaborar para a consolida-
Para o corregedor de Mato Grosso, é fun- ção de um sistema cadastral rural sólido, possi-
damental o papel do Registro de Imóveis na bilita uma evidente redução de riscos, facilitan-
elaboração e implementação da regularização do o acesso ao fomento e, especialmente aos
fundiária, proporcionando mais cidadania, dig- financiamentos rurais concedidos mediante
nidade, segurança jurídica, social e econômica. garantia real.
“Os Cartórios estão diretamente envolvidos “A regularização fundiária plena e susten-
no processo de regularização muito além do tável não acontece sem o registro. O Registro
registro dos títulos em si, que hoje são entre- imobiliário atua diretamente no fortalecimento
gues pelos entes da regularização já registra- da governança fundiária, na promoção da Jus-
dos. Seus titulares e equipes participam das tiça, no acesso regular à terra, na garantia da
Comissões de Assuntos Fundiários, auxiliam segurança jurídica que decorre da oponibilida-
nos estudos para a escolha da melhor solu- de do direito e, por conseguinte, na proteção
ção jurídica aplicável aos casos em concreto, ambiental”, finalizou.
Rondônia
Rondônia realizou a entrega de mais de 1.500 Conheça os municípios e
títulos urbanos de regularização fundiária de- a quantidade de famílias
vidamente registrados durante a Semana Na-
beneficiadas pela iniciativa
cional de Regularização Fundiária. O primeiro
dia de solenidade ocorreu no município de do Solo Seguro em Rondônia Porto Velho (450)
Guajará-Mirim, com a entrega de 678 títulos.
Já em Porto Velho, foram entregues 450 tí-
tulos definitivos urbanos e nos municípios de Jaci-Paraná (258)
Machadinho do Oeste, Parecis e Vilhena, fo- Machadinho do Oeste (92)
ram contempladas, respectivamente, a entre-
ga de 92, 171 e 146 instrumentos titulatórios.
No distrito de Jaci-Paraná, foram entregues
258 títulos registrados.
Marcelo Tramontini, juiz auxiliar da Corre-
gedoria-Geral de Justiça de Rondônia, desta-
cou que o balanço final da Semana é positivo, Guajará-Mirim (678)
pois se conseguiu avançar muito e começa
a surgir no Estado uma “cultura da regulari-
zação fundiária”. Para ele, o evento também
serviu para demonstrar que a política pública
deve sim fazer parte de um Programa Perma-
nente de Regularização Fundiária, como pre-
tendido pelo CNJ, pois só com muito esforço Parecis (171)
e no longo prazo é que se conseguirá atingir
100% de regularização dos imóveis, sejam ru-
rais ou urbanos, no Estado. Vilhena (146)
“Não se trata de algo fácil e rápido, por isso
se faz necessária a integração de todas as ins-
tituições públicas ligadas ao tema, sendo o
Poder Judiciário e os Cartórios de Registro de
Imóveis atores com credibilidade para liderar
tal movimento”, destacou.
Para Marcelo, o programa é de fundamental
importância para integrar ainda mais o Poder
Judiciário como fomentador da política pú-
blica da regularização fundiária e, iniciativas “Não se trata de algo fácil
como essa conferem maior legitimidade para
as Corregedorias-gerais da Justiça atuarem
e rápido, por isso se faz
ativamente junto aos órgãos e entidades pú- necessária a integração de
blicos ou privados para desenvolver os temas
da política fundiária urbana.
todas as instituições públicas
“Dessa forma, as políticas sociais de habi- ligadas ao tema, sendo o
tação, de promoção da justiça, de segurança
jurídica, de acesso à terra, de meio ambiente
Poder Judiciário e os Cartórios
e desenvolvimento sustentável, de sustenta- do Registro de Imóveis atores
bilidade, de saneamento básico, de mobilida-
de urbana etc. ganham maior força, uma vez
com credibilidade para liderar
que contam com a interlocução do Judiciário tal movimento”
para chegar do imóvel/moradia irregular até o
efetivo registro nas serventias extrajudiciais”, Marcelo Tramontini,
destacou. juiz auxiliar da Corregedoria-Geral
Segundo o juiz auxiliar, não é possível falar Para Marcelo Tramontini, juiz auxiliar da Corregedoria-Ge- de Justiça de Rondônia
em governança da terra sem os Cartórios de ral de Justiça de Rondônia, não é possível falar em gover-
Registro de Imóveis. “Os Cartórios de Registro nança da terra sem os Cartórios de Registro de Imóveis
de Imóveis são de fundamental importância,
pois somente é possível considerar que um
imóvel está efetivamente regularizado quan- culas respectivas em nome do município e já de documentos instrutórios, é que os proce-
do ele não só possui uma matrícula aberta se passa a considerar a regularização fundiá- dimentos de regularizações fundiárias serão
individualizando-o, como também quando em ria como concluída. “No entanto, esta somente concluídos satisfatoriamente”, disse Marcelo.
referida matrícula há um registro de algum atingirá seu desiderato quando em todas es- Por fim, o juiz auxiliar lembrou que só se
título aquisitivo da propriedade em nome do sas matrículas se fizer o registro dos títulos adquire segurança jurídica em relação a imó-
seu ocupante, o qual passa, então, a ser efe- de aquisição de propriedade em nome dos veis quando eles se encontram registrados
tivamente considerado proprietário”, refletiu. ocupantes”, alertou. de forma regular no Cartório de Registro de
Marcelo ainda lamentou que se depara fre- “Com a ajuda dos Cartórios de Registro de Imóvel, “o que contribui, inclusive, para evitar
quentemente com a situação de que muitos Imóveis na promoção da regularização fundiá- os conflitos fundiários e a judicialização de-
municípios realizam o georreferenciamento ria, sobretudo por meio da orientação jurídica corrente da precariedade da mera posse de
de sua área urbana, abrem-se todas as matrí- dos entes legitimados e facilitação do fluxo imóveis”.

Cartórios com Você 39

Registro de Imóveis

Roraima Alto Alegre (45)

Boa Vista (333)

Em Roraima, a Semana de Regularização Fundi- Conheça os

ária entregou 1.024 pessoas títulos definitivos municípios e
nos municípios do interior do Estado e na capi-
a quantidade
tal. Segundo o TJRR, a ação teve início no muni-
cípio de São Luiz com a entrega imediata de 68 de famílias
títulos e mais 2.332 a serem entregues em breve. beneficiadas Rorainópolis (373) São Luiz (68)
Após, seguiu para o município de Rorainópo- pela iniciativa do
lis com a entrega de 373 títulos, havendo ainda Solo Seguro em
a previsão de mais 1.827 títulos para entrega. Roraima
Por fim, os moradores do município de Alto
Alegre receberam 45 títulos, com mais 1.759
prontos para serem recebidos no Cartório de
Registro de Imóveis de Alto Alegre, totalizando
1.804 títulos registrados.
Na capital Boa Vista foram entregues 33 tí-
tulos pelo Incra e 300 títulos entregues pelo
Instituto de Terras de Roraima – Iteraima. De
acordo com o Tribunal de Justiça de Roraima,
ainda devem ser entregues mais de 15 mil títu-
los definitivos no decorrer do ano.
Juíza auxiliar da Corregedoria-Geral de Justi-
ça de Roraima, Rafaella Holanda, ressaltou que “A população de menor poder
iniciativas como a Semana de Regularização aquisitivo merece um olhar dife-
Fundiária fazem os magistrados despertarem
para “problemas” muito próximos, que muitas renciado do Poder Público, pois
vezes passam despercebidos, devido ao universo a falta de recursos é um dos
de ações judiciais com que se lida todos os dias.
“Muitas pessoas, principalmente as de baixa principais fatores que dificultam
renda enfrentam sérias dificuldades por não te- o exercício da cidadania plena,
rem o documento de seu imóvel. Ao vivenciar
a felicidade de quem recebe o seu título defini- ao dificultar a obtenção de do-
tivo registrado no Cartório de Imóveis temos
a certeza de ter valido a pena todo o esforço Juíza auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça de Rorai- cumentos dos seus imóveis”
ma, Rafaella Holanda, ressaltou que iniciativas como a
despendido para a obtenção dos resultados”, Rafaella Holanda, juíza auxiliar da
Semana de Regularização Fundiária fazem os magistra-
destacou a juíza auxiliar. dos despertarem para “problemas muito próximos” Corregedoria-geral de Justiça de Roraima
A juíza reflete, ainda, que as regiões da Ama-
zônia Legal são regiões nas quais boa parte da Quanto ao papel do Registro de Imóveis na meio de documentos de propriedade registra-
população é de baixa renda, e não teria como ob- regularização fundiária, Rafaella salienta que a dos e reconhecidos judicialmente. “Em resumo,
ter o registro de seus imóveis, seja pelos custos, atuação garante a transparência e a legalidade os Cartórios de Registro de Imóveis desempe-
seja pelo total desconhecimento de como fazê-lo. nas transações de propriedade, assegurando nham um papel crucial na organização da pro-
Assim, para Rafaella, a população de menor que todas as partes envolvidas estejam cientes priedade fundiária, na promoção da justiça, na
poder aquisitivo merece um olhar diferenciado dos termos e condições e, ainda, contribuem regularização fundiária, na segurança jurídica
do Poder Público, pois a falta de recursos é um para a prevenção de conflitos fundiários, uma e na proteção ambiental. Eles são um compo-
dos principais fatores que dificultam o exercí- vez que fornecem evidências legais claras de pro- nente essencial da infraestrutura legal e insti-
cio da cidadania plena, ao dificultar a obtenção priedade, reduzindo a possibilidade de litígios. tucional que sustenta a governança fundiária e
de documentos dos seus imóveis. A juíza finaliza dizendo que os Cartórios fa- contribui para o desenvolvimento sustentável e
É crucial a colaboração entre diferentes ór- cilitam a resolução de disputas fundiárias por a estabilidade social.”
gãos governamentais, como prefeituras, órgãos
ambientais, agências de mineração e outros,
para garantir que a regularização fundiária
seja realizada de maneira coordenada e em
Nucri/TJRR

conformidade com as leis e regulamentos per- TJ/RR entregou mais de

tinentes, destaca a juíza auxiliar. “Além disso, é mil títulos definitivos
importante considerar os direitos das comuni- para moradores do
dades locais e buscar soluções que promovam interior e da capital
o desenvolvimento sustentável e a melhoria da
qualidade de vida nas áreas em questão.”
Segundo Rafaella, a regularização fundiária
urbana é uma estratégia importante para o
aprimoramento da gestão municipal e a pre-
venção de conflitos em áreas urbanas, pois
oferece vários benefícios e oportunidades. De
acordo com ela, quando bem implementada, a
regularização fundiária urbana pode ser uma
ferramenta eficaz para o desenvolvimento sus-
tentável das cidades e a promoção do bem-es-
tar de seus habitantes.

40
Tocantins Araguaina: 673

O Estado do Tocantins fechou a Semana Na- Conheça os municípios

cional de Regularização Fundiária com mais e a quantidade de
de 2,5 mil documentos entregues. O Tribunal
famílias beneficiadas
de Justiça do Estado do Tocantins foi o ga-
nhador do prêmio Solo Seguro, com o projeto pela iniciativa do Solo Presidente Kennedy: 55

Núcleo de Prevenção e Regularização Fundi- Seguro em Tocantins

ária – Nupref, unidade da CGJUS-TO, criado Santa Maria
Tabocão: 109 do Tocantins: 68
em 2018.
A corregedora-geral da Justiça do Tocan-
tins, desembargadora Maysa Vendramini
Rosal, disse estar muito feliz de o Estado do
Tocantins ter se destacado com as melhores
Lizarda: 104
práticas na Semana do Solo Seguro.
“O trabalho do Nupref atrai a responsabili- Paraiso: 50
Palmas: 1.822
dade para todos os atores da governança fun-
diária e gestores públicos que, através de um
trabalho conjunto, apresentam soluções para Porto Nacional: 82
o equilíbrio territorial, especialmente garan-
tindo o bem-estar para as pessoas mais vulne-
ráveis e meio ambiente sustentável”, explicou
a corregedora.
A corregedora ainda enfatizou que o prêmio Dianopolis: 316
do Conselho Nacional de Justiça é bastante
representativo para o judiciário do Tocantins,
pois é o reconhecimento do trabalho do Nú-
cleo de Prevenção e Regularização Fundiária.
“Desde 2018, o Nupref vem atuando de for-
ma efetiva na regularização fundiária em todo
o estado do Tocantins, contando com 116 mu- Arraias: 181
nicípios parceiros dos 139 presentes em todo
o Estado. Durante esse período, realizamos a
entrega de mais de 10 mil títulos. Portanto, o
prêmio é de grande importância para o Poder
Judiciário do Estado do Tocantins”, vibrou.
Ela ressaltou que, durante toda a Semana
Nacional de Regularização Fundiária, diversas
ações foram realizadas. Além da entrega dos
2,5 mil títulos em vários municípios, o Tribu-
“O Tribunal precisa contar
nal promoveu audiências públicas em vários com o apoio dos Cartórios
outros municípios, oficinas de apoio aos servi-
dores dos municípios envolvidos na regulari-
de Registro de Imóveis,
zação fundiária, e palestras em universidades. pois sem a sua participação
O Tribunal ainda realizou protocolo de inten-
ções com a superintendência do patrimônio
efetiva, não seria possível
da União. a concretização do sonho
A corregedora destacou a importância da
atuação dos Cartórios. “O Tribunal precisa de muitos cidadãos que
contar com o apoio dos Cartórios de Regis- há anos aguardam esse
tro de Imóveis, pois sem a sua participação
efetiva, não seria possível a concretização do momento, ou seja, ter em
sonho de muitos cidadãos que há anos aguar- mãos o documento do seu
dam esse momento, ou seja, ter em mãos o
documento do seu imóvel regularizado”, sa- imóvel regularizado”
lientou. Corregedora-geral da Justiça do Tocantins,
Para a corregedora, o avanço da regulari- desembargadora Maysa Vendramini comemora o Prêmio Desembargadora Maysa Vendramini Rosal,
zação fundiária urbana trará aos gestores dos Solo Seguro: “é de grande importância para o Poder corregedora-geral da Justiça do Tocantins
Judiciário do Estado do Tocantins”.
municípios mais oportunidades de oferecer
melhorias, trazendo benefícios aos cidadãos
como luz, água, asfalto, espaço de lazer, estru-
turando melhor bairros, valorizando os imó- Ainda de acordo com Maysa, as medidas em “Eles utilizam a terra como produto de or-
veis, evitando conflitos e contribuindo para o benefício de comunidades isoladas, em espe- ganização social, cultural, econômica e refú-
desenvolvimento do município. cial comunidades quilombolas e ciganas, são gio dos povos não brancos. As comunidades
“A regularização fundiária em áreas de pro- de extrema importância, considerando que o quilombolas foram e são essenciais para a
jetos de intervenção urbanístico ambiental passado brasileiro é marcado por dominação, formação cultural e racial do Brasil, como a
tem o objetivo de provocar mudanças socio- exploração e colonialismo, e o direito à terra mais pura representação dos demais povos
ambientais e desenvolvimento social e econô- desses povos tradicionais sempre foi alvo de tradicionais, retratando a vinculação e uso da
mico”, explicou Maysa. discussão. terra”, disse.

Cartórios com Você 41

Registro de Imóveis

Cartórios de Registro de Imóveis

ganham notoriedade nas premiações
relacionadas ao Solo Seguro
Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais e Registro de Imóveis
do Brasil foram contemplados no Prêmio Solo Seguro

Com o “Projeto de Reurb do CORI-MG”, o Co-

légio Registral Imobiliário de Minas Gerais foi
um dos contemplados no Prêmio Solo Segu-
ro. A iniciativa foi iniciada sob a liderança do
então presidente Fernando Pereira do Nasci-
mento e do primeiro diretor do Departamento
de Regularização Fundiária, José Celso Vilela
de Oliveira, mantido pela atual presidente Ana
Cristina Maia e pela diretora Michely Freire
Fonseca Cunha, com apoio de todos os regis-
tradores e diretores regionais.
Segundo a diretora Michely Freire Fonseca
Cunha, iniciativas como a Semana do Solo Se-
guro fortalece a conscientização sobre a im-
portância da regularização fundiária e, quando
é garantida a titulação adequada e quebrado o
ciclo histórico de irregularidade, não é assegu-
rado apenas direitos individuais, mas também
um desenvolvimento mais justo e equilibrado
tanto no campo quanto na cidade. Além disso,
“a disseminação de boas práticas e inovações
sobre o tema acelera os processos e aumenta
sua eficiência no Brasil”, apontou.
Segundo o presidente da ARIRJ e oficial do 12º Registro Diretora do CORI-MG, Michely Cunha ressaltou que é
Segundo Michely Cunha, composto por Re- de Imóveis do Rio de Janeiro, Sérgio Ávila Doria Martins, vital o papel dos Cartórios de Registro de Imóveis no
gistradores de todo o Estado, empenhados em “um Sistema de Informações Geográficas (SIG) pode ser combate às práticas ilegais de ocupação
promover o desenvolvimento de suas comar- entendido como um sistema capaz de coletar, armazenar,
cas, o Colégio estabeleceu a regularização fun- gerenciar e analisar dados espacialmente referenciados”
diária como um de seus pilares estratégicos
de atuação.
“A irregularidade fundiária é
“Os registradores mineiros têm trabalhado “O Registro de Imóveis sistêmica, então o Registro
de forma incessante para tornar essa uma rea-
lidade prática e tangível em todo o estado, re- do Brasil desenvolveu de Imóveis garante que as
conhecendo o papel vital que a regularização metodologias proprietárias propriedades irregulares
desempenha para a economia local e atuando
em cooperação com as demais instituições para balizar os resultados sejam oficialmente registradas,
responsáveis”, ressaltou. apresentados pela inteligência evitando conflitos e
Michely Cunha ainda destacou que o papel
do Registro de Imóveis no combate às práticas artificial e aprimorar a facilitando a identificação
ilegais de ocupação é vital. Segundo ela, a ir- precisão da inserção das das vias legislativas para
regularidade fundiária é sistêmica, então o Re-
gistro de Imóveis garante que as propriedades informações no Mapa do regularização”
irregulares sejam oficialmente registradas,
evitando conflitos e facilitando a identificação
Registro de Imóveis do Brasil” Michely Freire Fonseca Cunha,
das vias legislativas para regularização. diretora de Reurb do CORI-MG
Sérgio Ávila Doria Martins,
“Embora as ações concentrem-se no âmbito
presidente da ARIRJ e oficial do
do Poder Executivo, o resultado sempre passa
12º Registro de Imóveis do Rio de Janeiro
pelo Cartório. Afinal, ninguém tem mais in-
formações e capacidade de colaborar para o
registro do título do que o oficial de imóveis”, mas também pavimentado o caminho para
acrescentou. um futuro mais sustentável e ambientalmente
Para ela, o Registro de Imóveis vai muito cumento emitido pelo Cartório traz a seguran- protegido. “O título é mais do que um papel, é
além de uma simples formalidade, e é um mar- ça da posse, tornando-se um escudo contra um símbolo de conquista, esperança e perten-
co na vida das pessoas. “Imagine a emoção e a violência patrimonial que muitas mulheres cimento”, afirmou.
o alívio de finalmente ter em mãos o título de enfrentam”, refletiu. A diretora do CORI-MG explicou que, no
sua propriedade, saber que aquele pedaço de Michely Cunha ainda salientou que por Brasil, mesmo com diversos sistemas disponí-
terra, casa ou comércio é genuinamente seu. meio do reconhecimento do direito patrimo- veis, só o Registro de Imóveis fornece infor-
Além de valorizar o imóvel regularizado, o do- nial, não só é garantido direitos sociais vastos, mações abrangentes e confiáveis sobre uma

42
 Conheça os projetos vencedores
do Prêmio Solo Seguro
“Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária – NUPREF” - CGJ/TO
“Programa ‘Imóvel Legal’” - Município de Itagimirim-BA
“Programa: “Registro para todos”” - TJ/MA
“Projeto de Reurb do CORI-MG” - Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais
“Sistema de Informação Geográfica do Registro de Imóveis (SIG-RI) - Mapa do
Registro de Imóveis do Brasil” - Registro de Imóveis do Brasil
Registro de Imóveis do Brasil”, ressalta Ávila.
Ainda de acordo com ele, “é possível lo-
calizar a matrícula e o Cartório competente
através da navegação direta no mapa, para os
imóveis urbanos e rurais. São possíveis tam-
Saiba quais são os projetos que bém buscas pelo endereço ou números dos

receberam menções honrosas em

diversos cadastros. Foram realizadas estatís-
ticas importantes sobre o estatuto jurídico do

relação ao Prêmio Solo Seguro território nacional e dos estados brasileiros,

podendo-se saber qual a área exata do país e
de cada unidade federativa sujeita a regimes
“Convalidar” - Anoreg/TO especiais e visualizá-las graficamente. Desen-
volveu-se metodologia proprietária para ela-
“Morar Legal” - Município de Barreiras - BA borar automaticamente o polígono de compe-
“Mosaico Registral” - Anoreg/TO tência registral de todos os Cartórios do país,
inclusive criando polígonos que correspon-
“Núcleo de Regularização Fundiária (NUREF) da Corregedoria-Geral da Justiça dam às circunscrições que abrangem vários
da Bahia” - CGJ/BA municípios, de forma a se determinar em todo
o território nacional qual é a serventia compe-
“Programa Ananindeua Legal – PA” - Prefeitura Municipal de Ananindeua
tente”, conclui o registrador.
“Programa Moradia Legal Pernambuco” - TJ/PE
PRÊMIO SOLO SEGURO
“Programa Municipal de Regularização Fundiária “Canaã, Meu Lugar”” - O Prêmio Solo Seguro visa reconhecer e dis-
Instituto de Desenvolvimento Urbano de Canaã dos Carajás - IDURB / PA seminar ações, projetos ou programas ino-
“Programa Terra a limpo (BNDES/FUNDO AMAZÔNIA) - Modernização vadores e práticas de sucesso que visem ao
da Gestão e Fortalecimento da Regularização Fundiária do Estado de MT” - aperfeiçoamento da Regularização Fundiária
INTERMAT - Instituto de Terras de Mato Grosso Urbana – Reurb e rural, bem como à identifi-
cação de áreas públicas e de proteção ambien-
“Projeto Regulariza Belém” - Jannice Amóras Monteiro tal, à simplificação de procedimentos, à gestão
compartilhada de informações e à redução da
“Regularizar – Projeto Permanente de Regularização Fundiária da Corregedoria quantidade de tempo e de recursos necessá-
Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Pará” - CGJ/PA rios à conclusão de processos de regulariza-
“Reurb Vale - Vale do Jequitinhonha” - Consórcio Intermunicipal Multifinalitário ção fundiária.
do Baixo Jequitinhonha CIMBAJE Esta é a primeira edição do prêmio e foi
aberta à participação dos Tribunais, magis-
trados(as), servidores(as), registradores(as) de
imóveis, associações representativas dos ofi-
ciais de registro de imóveis em âmbito nacio-
propriedade. “Contudo, é irônico que haja tema capaz de coletar, armazenar, gerenciar nal e estadual e órgãos ou entidades federais,
mais imóveis irregulares do que regulares. e analisar dados espacialmente referenciados estaduais e municipais, bem como entidades
Precisamos reconhecer que a regularização é e associar a cada objeto uma lista de atribu- da sociedade civil e demais parceiros aderen-
essencial para melhorar a qualidade de vida tos alfanuméricos, organizada em banco de tes das ações de regularização fundiária.
das pessoas e para planejar o desenvolvimento dados, bem como agrupar em uma mesma As práticas foram avaliadas por critérios
de forma sustentável. Se não abordarmos essa camada objetos de um mesmo tipo, permitin- como impacto territorial e/ou social; eficiên-
questão, estaremos apenas agravando os pro- do que se faça uma análise geográfica ao se cia e celeridade; inovação e criatividade; avan-
blemas e ocultando os impactos reais no meio observar a disposição espacial dos diferentes ço no georreferenciamento de áreas urbanas
ambiente e na estrutura urbana”, finalizou. objetos, presentes nos diferentes planos de in- e rurais; articulação com órgãos e entidades
Outro projeto vencedor da premiação Solo formação de cada mapa”. encarregados da regularização fundiária urba-
Seguro foi o Sistema de Informação Geográfi- “Nesse sentido, foram georreferenciados os na e rural; e replicabilidade.
ca do Registro de Imóveis (SIG-RI) - Mapa do registros do Registro de Imóveis de parcela ex- O prêmio será entregue em 18 de outubro,
Registro de Imóveis do Brasil. pressiva do território nacional e sobreposto em em Brasília. Ao todo, cinco projetos realizados
Segundo o presidente da Associação dos um mapa que contém atualmente 77 camadas em todo o país foram premiados, sendo que
Registradores de Imóveis do Estado do Rio de registrais e cadastrais. O Registro de Imóveis também foram realizadas 11 menções honro-
Janeiro (ARIRJ) e oficial do 12º Registro de do Brasil desenvolveu metodologias proprie- sas e duas iniciativas importantes.
Imóveis do Rio de Janeiro, Sérgio Ávila Doria tárias para balizar os resultados apresentados Segundo o Provimento 145, o Prêmio
Martins, “um Sistema de Informações Geográ- pela inteligência artificial e aprimorar a preci- Solo Seguro será concedido, no mínimo,
ficas (SIG) pode ser entendido como um sis- são da inserção das informações no Mapa do anualmente.

Cartórios com Você 43

Registro de Imóveis
TJ/PE teve menção honrosa no Prêmio Solo Seguro
com o “Programa Moradia Legal Pernambuco”
Iniciativa entregou gratuitamente mais de 15 mil títulos de propriedade, beneficiando
de forma direta aproximadamente 60 mil pessoas nos últimos cinco anos
O presidente do Tribunal de Justiça do Es-
tado de Pernambuco (TJPE), desembargador
Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, ressaltou
que a iniciativa da Semana e do Prêmio Solo
Seguro, bem como a do Programa Permanente
de Regularização Fundiária na Amazônia Le-
gal, é uma clara demonstração do papel estra-
tégico do CNJ para fomentar políticas judiciá-
rias de inclusão social e resolução de conflitos
fundiários.
Segundo Figueirêdo, a Semana Nacional de
Regularização Fundiária permitiu a divulgação
e avaliação das ações do Judiciário brasileiro
nessa área e o prêmio permitiu a avaliação e
divulgação de centenas de experiências de di-
versas instituições que trabalham com a temá-
tica, tornando-as indutoras para o aprimora-
“Os Cartórios de Registro de Imóveis são
atores essenciais na regularização fundiária”
Para a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Daniela Madeira,
os Cartórios garantem a validade e a proteção dos direitos de propriedade
Os Cartórios contribuem para promover a
segurança jurídica, estimular o investimento,
a inclusão social, o ordenamento territorial
e a preservação ambiental. É o que ressalta,
em entrevista à Revista Cartórios com Você,
a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de
Justiça, Daniela Madeira.
A magistrada compartilhou sua visão sobre
o papel crucial dos Cartórios na governança
fundiária, na promoção da justiça e na preser-
vação ambiental. Sua experiência e dedicação
nesse campo a tornam uma referência incon-
tornável nesse processo de construção de
uma nação mais justa, próspera e sustentável.
CcV - Qual a importância de iniciativas
como a Semana Nacional “Solo Seguro”?
Daniela Madeira - Segundo estimativas do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), nas terras públicas da Ama-
zônia Legal existem quase 300 mil ocupações
irregulares, áreas com demanda para regula-
rização fundiária. A irregularidade registral
traz prejuízos de ordem social, financeira e
ambiental, além dos já conhecidos conflitos
pela terra. A regularização e a entrega do tí-
tulo, além de garantir o direito à moradia,
promove a cidadania e qualidade de vida à
44
mento das ações existentes e referências para
as que serão implementadas a partir de agora.
O TJPE teve menção honrosa no Prêmio
Solo Seguro com o “Programa Moradia Legal
Pernambuco (PMLPE)”. Coordenado pela pre-
sidência do TJPE e pela Corregedoria Geral
da Justiça, a iniciativa é executada por uma
comissão executiva formada pelos órgãos do
Judiciário com a Associação dos Notários e
Registradores (Anoreg/PE) e a Associação dos
Registradores de Imóveis (Aripe).
Figueirêdo conta que a iniciativa orienta e
atua junto aos Cartórios e aos governos mu-
nicipais e estadual sobre os procedimentos de
regularização fundiária de núcleos urbanos in-
formais e rurais, com foco em cidadania e Di-
reitos Humanos e Sociais, e faz a interlocução
população beneficiada, permitindo o acesso a
diversos serviços públicos. Regiões que antes
eram apenas um espaço, passarão a ser áreas
regularizadas e inseridas à cidade formal, con-
tribuindo para o desenvolvimento local.
CcV - Como as premiações podem incenti-
var os participantes a intensificarem seus
programas?
Daniela Madeira - A premiação é uma impor-
tante ferramenta para valorizar e divulgar tan-
to ações reconhecidamente exitosas pratica-
das nos Estados quanto ações vanguardistas
que geraram bons resultados. Assim abre-se
a possibilidade de manter o que é eficiente,
mas ao mesmo tempo avançar com medidas
transformadoras. Dessa forma, a Corregedoria
Nacional de Justiça instituiu, por meio do Pro-
vimento n. 145/2023, o Prêmio “Solo Seguro”.
Por um lado, os vencedores têm a confiança de
continuarem e intensificarem seus programas.
Por outro, a divulgação e o diálogo mostram-
-se um ponto de partida para que as medidas
reconhecidas sejam adotadas pelos demais.
CcV - Como avalia medidas em benefício de
comunidades isoladas como quilombolas, in-
dígenas, e até de baixa renda, por exemplo?
Daniela Madeira - Trata-se de respeito e re-
com outras entidades.
Criado em 2018 e com adesão de 164 dos
184 municípios pernambucanos, onde se con-
centram 96% dos 9.058.155 habitantes do
Estado – segundo dados do Censo 2022 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –,
o Moradia Legal Pernambuco entregou gratui-
tamente mais de 15 mil títulos de propriedade,
beneficiando de forma direta, aproximada-
mente 60 mil pessoas nos últimos cinco anos.
De acordo com as informações, do total de
documentos entregues, 70% foram em nome
de mulheres. Em Cartório, neste momento, há
cerca de três mil títulos para registro e entrega
às famílias.
Para o presidente do TJPE, a menção honro-
sa do CNJ fortalece o trabalho que vem sendo
conhecimento da cultura e direitos de povos
indígenas, quilombolas e demais comunida-
des tradicionais. Além disso, a regularização
fundiária traz segurança para essas pesso-
as, com um título legalmente reconhecido e
protegido pelo Estado; estimula a economia,
podendo acessar crédito bancário e obter fi-
nanciamentos; reduz a pobreza, permitindo
acesso a serviços básicos como água, energia,
saneamento e transporte, além de programas
sociais e políticas públicas; organiza o espaço,
direcionando o crescimento de forma susten-
tável e garantindo infraestrutura adequada;
além de preservar o meio ambiente, concilian-
do o desenvolvimento com a conservação dos
recursos naturais, incentivando práticas sus-
tentáveis de uso da terra.
CcV - Há também a promoção da regulariza-
ção fundiária urbana e rural nos Estados do
Norte e Nordeste. Pode falar sobre a impor-
tância de debater e incentivar a questão?
Daniela Madeira - Os conflitos fundiários são
conhecidos há longa data. Mesmo assim, a re-
gularização fundiária rural no Brasil ainda en-
frenta desafios, como a burocracia, a falta de
recursos, os conflitos de interesses e a falta de
clareza na legislação. Por essa razão, é funda-
realizado em Pernambuco, como estratégia de
promoção de cidadania e justiça social que re-
flete diretamente na prevenção e resolução de
litígios fundiários.
Figueirêdo destaca ainda que os Cartórios
de Registros de Imóveis exercem um papel
estratégico na segurança jurídica das relações
sociais, contribuindo diretamente com a inclu-
são e paz social.
“Na regularização fundiária, os Cartórios
de Imóveis exercem um papel de controle da
legalidade do procedimento administrativo,
atentando-se para os aspectos formais, dentre
eles a apresentação do Projeto de Regulariza-
ção Fundiária e o Termo de Compromisso com
a realização de obras de infraestrutura. Estes
instrumentos dão publicidade às medidas do
poder público asseguradoras de uma boa ges-
tão fundiária. Além do mais, o georreferencia-
mento descrito na própria matrícula assegura
a correta individualização e localização do
imóvel”, destacou.
O acesso a direitos por toda população
brasileira passa necessariamente pela garan-
tia de que os grupos minoritários, invisibili-
zados historicamente, sejam alcançados com
políticas de eliminação das desigualdades e
do respeito à diferença, acredita o presiden-
mental a implementação de uma política de in-
centivo à regularização fundiária, uma vez que
esta desempenha um papel crucial no desen-
volvimento nacional. Deste modo, a regulariza-
ção fundiária não pode ser vista apenas como
um mero instrumento garantidor de acesso à
moradia e à propriedade, mas deve ser enca-
rada de forma mais abrangente, como um ins-
trumento de combate à pobreza e propulsor do
desenvolvimento econômico e social do país.
CcV - Como avalia o Reurb em áreas de pro-
jetos de intervenção urbanístico ambiental e
em áreas submetidas à exploração mineral?
Daniela Madeira - Nos casos de núcleos urba-
nos situados em áreas de riscos geotécnicos,
estudos técnicos devem ser realizados, a fim
de examinar a possibilidade de eliminação,
de correção ou de administração de riscos na
parcela por eles afetada. Caso os riscos não
comportem eliminação, correção ou adminis-
tração, os municípios devem proceder à realo-
cação dos ocupantes do núcleo urbano infor-
mal a ser regularizado. Isso é importante para
garantir a segurança da população, promoven-
do qualidade de vida e assegurando a dignida-
de da pessoa humana, especialmente de quem
vive nessas áreas. Para mais, a regularização
também pode ser uma ferramenta importante
para promover a preservação ambiental. Atra-
vés da demarcação e titulação de áreas de pro-
teção ambiental ou reservas legais, é possível
conciliar o desenvolvimento econômico com
a conservação dos recursos naturais, incenti-
vando práticas sustentáveis de uso da terra.
CcV - Como avalia a regularização fundiária
urbana e seus potenciais para o aprimora-
mento da gestão municipal e prevenção de
conflitos?
Presidente do TJPE, desembargador Luiz Carlos de Barros
Figueirêdo ressalta que os Cartórios de Registros de
Imóveis exercem um papel estratégico na segurança
jurídica das relações sociais, contribuindo diretamente
com a inclusão e paz social
te do TJPE. Assim, para ele, as ações do Ju-
diciário na promoção e efetividade das ações
desses grupos é fundamental na constru-
ção de uma sociedade mais justa e humana.
A garantia do direito à moradia, no campo e
na cidade, tem impacto direto no acesso aos di-
reitos sociais e econômicos, destacou Figueirê-
do. “Com a regularização fundiária, a posse se
transforma em propriedade e quem ocupa pas-
sa a ter o imóvel de fato e de direito. A área do
imóvel fica delimitada e reduz a possibilidade
de conflito porque o que prevalece é a matrícu-
la e sua descrição”, acrescentou o presidente.
Juíza auxiliar do CNJ, Daniela Madeira destaca que é funda-
mental reconhecer e apoiar o trabalho dos Cartórios para
construir uma nação mais justa, próspera e sustentável
Daniela Madeira - A regularização fundiária
permite o ordenamento e a organização do
território, evitando o crescimento desordena-
do das cidades e a ocupação irregular de áreas
de risco, preservação ambiental ou de interes-
se público. Com um planejamento adequado,
é possível direcionar o crescimento urbano de
forma sustentável, evitando conflitos, garan-
tindo o acesso a serviços e infraestrutura ade-
quados para a população. A regularização tam-
bém contribui para o aumento da arrecadação
de impostos pelo Estado. Com a titulação das
terras, o governo pode cobrar impostos sobre
a propriedade (IPTU), transferências de pro-
priedade (ITBI), atividades econômicas realiza-
das nas terras (ISS/ICMS), entre outros. Esses
recursos financeiros adicionais podem ser di-
recionados para investimentos públicos, como
infraestrutura, educação, saúde e segurança.
“O acesso a direitos por toda
população brasileira passa
necessariamente pela garantia
de que os grupos minoritários,
invisibilizados historicamente,
sejam alcançados com políticas
de eliminação das desigualda-
des e do respeito à diferença”
Desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo,
presidente do TJ/PE
Figueirêdo ainda ressalta que cada imóvel
regularizado é uma demanda a menos no Ju-
diciário e qualquer litígio sobre aquele imóvel
será mais facilmente resolvido a partir dos
dados registrados em Cartórios. “Em Pernam-
buco, já se busca identificar nas áreas em pro-
cedimento de regularização fundiária, os pro-
cessos judiciais fundiários em andamento para
que se possa realizar arquivamento provisório
e posteriormente definitivo que se dará com o
registro do imóvel”, finaliza.
“Os Cartórios de Registro
de Imóveis são atores
essenciais na regularização
fundiária. Eles têm a
responsabilidade de
verificar a documentação
apresentada, certificar
a legalidade da posse e
registrar o título no nome
do novo proprietário.”
CcV - Qual a importância dos Cartórios de
Registro de Imóveis nesse processo de go-
vernança fundiária, promoção da Justiça,
acesso regular à terra, segurança jurídica e
proteção ambiental?
Daniela Madeira - Os Cartórios de Registro de
Imóveis são atores essenciais na regularização
fundiária. Eles têm a responsabilidade de ve-
rificar a documentação apresentada, certificar
a legalidade da posse e registrar o título no
nome do novo proprietário. Ao realizar essas
tarefas de forma eficiente e precisa, os Car-
tórios garantem a validade e a proteção dos
direitos de propriedade. Assim, contribuem
para promover a segurança jurídica, estimular
o investimento, a inclusão social, o ordena-
mento territorial e a preservação ambiental. É
fundamental reconhecer e apoiar o trabalho
desses atores para construir uma nação mais
justa, próspera e sustentável.
Cartórios com Você 45
Especial

Com 20 anos de vigência,

Código Civil será atualizado em busca
de segurança jurídica nas relações civis
Responsáveis por atos que englobam fatos existenciais dos indivíduos e ocorrências patrimoniais,
Cartórios utilizam Código como um dos principais instrumentos no seu dia a dia

Por Danielle Campez

46
No dia 26 de agosto, o presidente do Senado
Federal, Rodrigo Pacheco, assinou o ato de
criação da Comissão de Juristas que vai pro-
por a atualização do Código Civil. Sancionada
em 10 de janeiro de 2002, a Lei 10.406 en-
trou em vigência um ano depois, substituin-
do o Código anterior, de 1916.
Antes da sanção, no entanto, tramitou du-
rante décadas no Congresso. O projeto origi-
nal começou a ser elaborado em 1969, por
uma também Comissão de Juristas, à época
encabeçada por Miguel Reale. O texto foi dis-
cutido de 1969 até 1975, e só depois de 28
anos que o novo Código entrou em vigência,
em 11 de janeiro de 2003.
A Comissão que agora está responsável
pela atualização deste Código Civil será pre-
sidida por Luis Felipe Salomão, ministro do
Superior Tribunal de Justiça e corregedor-na-
cional da Justiça. Ao todo, será composta por
36 membros, incluindo o presidente, um vice-
-presidente e dois relatores. Ao final de 180
dias, a Comissão vai apresentar uma proposta
de lei com a atualização da legislação.
Na cerimônia de instalação, o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco, destacou o de-
safio de desenvolver um trabalho condizente
com a evolução da sociedade brasileira em
temas tão diversos e numerosos como os que
estão presentes no Código.
“Trata-se de um projeto muito importan-
te e de grande impacto na vida de todos os
brasileiros. Desejo boa sorte aos integrantes,
e saibam que podem contar com o apoio da
Casa, especialmente de nossa consultoria le-
gislativa”, afirmou o senador.
O ministro Salomão também falou na ceri-
mônia ressaltando que acompanha de perto a
evolução da jurisprudência sobre as diversas
matérias do Direito Civil desde que ingressou
no STJ, há 15 anos. Para o ministro, muitos as-
suntos do atual Código estão desatualizados.
“Na última década, principalmente, ti-
vemos avanços em muitas áreas, como na
comunicação instantânea, na internet, nos
negócios, nos contratos e nas sucessões. O
Código Civil é, literalmente, o diploma legal
que cuida da nossa vida desde o nascimento
até a morte. Pude perceber que ele carecia
de uma atualização, de forma acentuada, nos
últimos anos”, refletiu o ministro.
De acordo com Salomão, apesar de a Co-
missão ser composta integralmente por es-
pecialistas do Direito, foi criado um canal de
comunicação aberto para receber sugestões
de qualquer cidadão. “Queremos ouvir não
só juristas, mas toda a sociedade. Essas su-
gestões serão analisadas e incorporadas”,
ressaltou.
Integrante da Comissão, Carlos Eduardo
Elias de Oliveira, professor de Direito Civil e
Registros Públicos, diz que as atualizações
serão muito benéficas, porque darão maior
previsibilidade das regras ao mercado e aos
cidadãos e, sem regras claras, muitas relações
sociais são inibidas ou apresentam altos custos.
“O Código Civil é o centro da vida da pes-
soa comum e do mercado. É ele que disci-
plina as relações básicas dos indivíduos no
quotidiano e das empresas. As demais nor-
mas do nosso ordenamento que tratam de as-
pectos especiais bebem do Código Civil. Por
isso, é fundamental que o Código Civil esteja
atualizado diante das transformações sociais.
Esse é o objetivo da Comissão”, destacou o
professor.
Cartórios com Você 47
Especial

IMPACTO NOS CARTÓRIOS Sob a perspectiva de Rolf, a atualização é

Conheça a
Comissão de Juristas
responsável pela
revisão e atualização
do Código Civil
Presidente
Luis Felipe Salomão
Vice-presidente
Marco Aurélio Belizze
Relator
Flavio Tartuce
Relatora
Rosa Maria de Andrade Nery
Titulares
Marco Buzzi
Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues
Cesar Asfor Rocha
João Otávio de Noronha
Angelica Lucia Carlini
Carlos Eduardo Elias de Oliveira
Claudia Lima Marques
Daniel Carnio
Edvaldo Brito
Flavio Galdino
Giselda Maria Fernandes
Novaes Hironaka
Gustavo José Mendes Tepedino
José Fernando Simão
Judith Martins-Costa
Laura Porto
Marcelo de Oliveira Milagres
Marco Aurélio Bezerra de Melo
Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Mario Luiz Delgado Régis
Maria Berenice Dias
Moacyr Lobato de Campos Filho
Nelson Rosenvald
Pablo Stolze Gagliano
Patrícia Carrijo
Paula Andrea Forgioni
Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch
Ricardo Campos
Rolf Madaleno
Rogério Marrone Castro Sampaio
Carlos Antônio Vieira Fernandes Filho
Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk
Laura Schertel Mendes
Segundo Carlos Elias, em princípio, o papel
da Comissão é difícil, porque envolve traduzir
o que a comunidade jurídica vem consolidan-
do ao longo do tempo. Isso passa por exami-
nar os precedentes dos Tribunais, os escritos
da doutrina, os projetos de lei em trâmite e as
experiências estrangeiras.
O professor explicou que o Código Civil
possui institutos milenares, que foram sen-
do aprimorados ao longo da história. Assim,
para ele, com as transformações vertiginosas
dos últimos tempos, é dever da Comissão dar
seguimento a esse processo contínuo de atu-
alização.
“Não se pretende promover uma revolução,
e sim uma evolução. Não se busca fazer uma
curva violenta de 180 graus, mas apenas uma
movimentação serena e paulatina qual a de
um transatlântico”, explicou Carlos Elias.
Como exemplo, o professor destacou o tes-
tamento. Segundo ele, ainda segue apegado a
formalismos exagerados que justificavam na
época antiga de uma sociedade não tecnoló-
gica. “Temos de lançar mão das novas formas
de tecnologia para afastar formalidades va-
zias, tudo na linha do que os Tribunais já vêm
fazendo mesmo sem lei expressa.”
Ainda para Carlos Elias, a mudança impac-
tará os Cartórios, pois os tabeliães e os regis-
tradores encontram, no Código Civil, o seu
principal instrumento de trabalho.
“Nas mesas dos Cartórios, é que fluem os
principais fenômenos da sociedade. É lá que
se formalizam os fatos existenciais dos in-
divíduos, como o nascimento e o óbito, e as
ocorrências patrimoniais, como a compra da
casa própria. A mudança de uma vírgula nesse
diploma impacta na atividade quotidiana dos
Cartórios. Logo, a reforma será de alto impac-
to em um dos maiores fortes da fé pública”,
alertou o professor.
Rolf Madaleno, advogado e professor de
Direito de Família e Sucessões, também inte-
grante da Comissão de Juristas que atualizará
o Código, explicou que o objetivo é contex-
tualizar a lei com a realidade social vivencia-
da, lembrando que o vigente foi pensado na
década de 1970, quando sequer existia, por
exemplo, a vida digital e tampouco a igualda-
de entre pessoas havidas como diferentes e
discriminadas.
Saiba onde e quando serão as primeiras
audiências públicas do novo Código Civil
23/10/2023 às 10h30
São Paulo/SP – sede da OAB/SP – Rua Maria Paula, 35
Bela Vista, 01319-903, São Paulo - SP;
20/11/2023 às 14h
Porto Alegre/RS – local a ser definido;
07/12/2023 às 14h
Salvador/BA – Auditório do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA)
5ª Avenida do Centro Administrativo da Bahia, 560, 41745-004, Salvador - BA.
necessária e relevante. “Basta lembrar que seu
aperfeiçoamento já estava prometido 21 anos
atrás, e basta constatar que estamos somando
uma defasagem social e tecnológica de quase
cinco décadas, se somarmos os 37 anos de
tramitação do CC em vigor e seus 20 anos de
promulgação”, destacou o advogado.
“O Código Civil cuida da cidadania desde a
concepção da pessoa até o fim de sua existên-
cia, não sendo errado dizer que até transcen-
de o indivíduo quando executa sua derradeira
vontade”, refletiu Rolf Madaleno. O advogado
destaca que buscar atualizar e consequente-
mente melhorar estes caminhos só pode tra-
zer melhores benefícios, maior segurança ju-
rídica e estabilidade às pessoas cobertas pelo
Código brasileiro.
“A Comissão passará em revista para análi-
se de todos os projetos de lei em tramitação,
como confrontará a jurisprudência consolida-
da pelas decisões dos Tribunais em harmonia
com a doutrina de consenso, haja vista serem
estas as fontes iniciais de construção de uma
reforma madura e segura de uma codificação”,
explicou Rolf.
Para o advogado, o impacto nos Cartórios
será enorme, diante do crescente protagonis-
mo que exercem no papel de extrajudiciali-
zação das relações jurídicas, desafogando o
Poder Judiciário e agilizando a efetivação das
relações jurídicas que caminham na direção
da autonomia privada.
Também membro da equipe, o professor
José Fernando Simão descreveu que fazer
parte de uma Comissão implica reunir pen-
samentos dispares, complementares e nem
sempre consensuais. Ele será relator da teoria
geral das obrigações, responsabilidade civil,
atos unilaterais e títulos de crédito. Sua par-
ticipação em família e sucessões será em um
momento posterior.
De acordo com Simão, as mudanças mais
urgentes são de duas ordens: adaptar o Có-
digo às decisões do STJ, como, por exemplo,
admitir a família homoafetiva e o afeto para
fins de filiação, e desburocratizar como, por
exemplo, permitir a mudança de regime de
bens por escritura pública.
Para ele, há ainda temas relevantes nos re-
gimes de bens, como, por exemplo, a supres-
são ou alteração do regime da participação

48
 Raul Spinassé

Waldemir Barreto/ Agência Senado

“Nas mesas dos Cartórios é que fluem os principais Ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-nacional O senador Rodrigo Pacheco destacou o desafio de
fenômenos da sociedade”, diz Carlos Eduardo Elias de de Justiça, diz ter percebido que o Código carecia de desenvolver um trabalho condizente com a evolução da
Oliveira, membro da Comissão de Juristas que atualizará atualização, de forma acentuada, nos últimos anos sociedade brasileira
o Código Civil

“O Código Civil é o centro “O Código Civil é, “Trata-se de um projeto muito

da vida da pessoa comum literalmente, o diploma legal importante e de grande
e do mercado. É ele que que cuida da nossa vida desde impacto na vida de todos os
disciplina as relações básicas o nascimento até a morte” brasileiros”
dos indivíduos no quotidiano Luis Felipe Salomão Rodrigo Pacheco,
e das empresas.” corregedor-nacional de Justiça e presidente presidente do Senado Federal
da Comissão que atualizará o Código Civil
Carlos Eduardo Elias de Oliveira, professor
de Direito Civil e Registros Públicos e membro da
Comissão de Juristas que atualizará o Código Civil

final nos aquestos; a supressão ou alteração
do regime da separação obrigatória; ajuste
das regras relativas aos frutos do trabalho e
assim por diante.
“As regras de anulação de casamento não
mais se justificam pela dimensão atual do
divórcio. A regra ou instituto da separação
obrigatória também fere a lógica constitu-
cional e não deve ser mantida no sistema.
Depois, há ainda necessidade de atualiza-
ção para as novas tecnologias de institutos
como testamento e regras para a celebração
do casamento. Temos que pensar ainda, por
exemplo, se o testamento por vídeo deve ser
admitido como uma nova forma de testar ou
apenas como uma variação do testamento
público”, refletiu Simão.
“Qualquer atualização gera grandes deba-
tes doutrinários e necessidade de tempo para
acomodação e, portanto, o grande problema
é que por algum período há uma sensação
de insegurança”, explicou o professor. “Con-
tudo, há um consenso que leis posteriores a
2000 e, principalmente, após a pandemia e a
chegada de novas tecnologias para celebra-
ção de negócios jurídicos, exige uma adap-
tação do Código que servirá para melhorar
o sistema e beneficiar o cidadão em geral”,
ressaltou Simão.
Ainda na visão do professor, há temas que
são próprios da bioética, como técnicas de re-
produção humana assistida, descarte de em-
briões, questões como eutanásia, ortotanásia
que deveriam estar em lei própria, porque mu-
dam com rapidez de acordo com os avanços
científicos e com a mudança de pensamento
da sociedade.
“Para mim, não são regras que deveriam es-
tar na codificação. Contudo, um Código Civil
vai além e cuida de relações caras a sociedade,
como a moradia (direito das coisas), os con-
tratos, regras sobre o tempo e a extinção de
direitos, sobre o que se pode ou não contratar
e assim por diante. Há, no fundo, uma limita-
ção da autonomia privada e ao mesmo tempo
delimitação de seu alcance”, salientou Simão.
Quanto ao divórcio, o professor ressaltou
que a construção da emenda constitucional
66 já deixou sedimentado que se trata de di-
reito potestativo e incondicionado, “o que se
deve analisar é se a lei (Código Civil e Código
de Processo Civil) devem ou não manter em
seu texto o instituto da velha e desatualizada
separação judicial, ainda que consensual”.
Simão destaca que há coisas que precisam
ser repensadas e este é o momento, dando
como exemplo a possibilidade de retroativida-
de do contrato de união estável, que hoje é im-
possível por força das regras constitucionais
de direito adquirido. Ainda como exemplo, ci-
tou a possibilidade de no pacto antenupcial ou
no contrato de união estável ocorrer renúncia
a sucessão, o que hoje é impossível por força
do artigo 426 do Código Civil. “A alteração le-
gislativa pode permitir que anseios sociais se
transformem em texto de lei, evitando que a
doutrina crie distorções e quebras sistêmicas
para resolver anseios sociais”, refletiu.
DESJUDICIALIZAÇÃO
Recentemente se regulamentou, no âmbito
do CNJ, a adjudicação compulsória extrajudi-
cial e também a questão da união estável e a
escolha do regime de bens. O professor José
Simão disse que é hora de o Código Civil se
adaptar a estas realidades que até o momento
ficaram a cargo do CNJ e das próprias corre-
gedorias do Tribunais de Justiça.
“Os benefícios sociais da extensão da ex-
trajudicialização se comprovou ao longo do
tempo com as separações, divórcios, dissolu-
ções de união estável, restabelecimentos da
sociedade conjugal, inventários e partilhas e
a usucapião, pela via dos Cartórios extrajudi-
ciais”, analisa Rodrigo Reis Cyrino, tabelião de
notas do 2º Ofício de Vitória (ES), em Jardim
Camburi.
Assim, para o tabelião, na atualização do
Código Civil é importante pensar em um
avanço ainda maior na desjudicialização de
procedimentos atribuindo essa competência
para os Cartórios extrajudiciais.
Como principais temas do Direitos Civil,
Cyrino aponta a tomada de decisão apoiada;
curatela; mandato de proteção futura; altera-
ção do regime de bens do casamento ou da
união estável; inventário com menor; separa-
ção, divórcio, dissolução de união estável mes-
mo se tiver filhos menores; usucapião de bem
móvel; cumprimento de testamento; contrato
de namoro, regulamentação das heranças digi-
tais e ata notarial como meio de prova também
para depoimentos e oitiva de testemunhas.

Cartórios com Você 49

Especial
Cyrino ressalta que há temas que nos úl-
timos 20 anos tiveram profundas alterações,
como o meio digital, a tecnologia, inteligência
artificial, moedas digitais, o direito animal, a
tokenização, novas formas de se estabelecer
a propriedade, alterações nos conceitos de
família, relações comerciais e empresariais.
Assim, necessitam de revisão, acréscimos e
atualizações do texto, “até mesmo para dar
maior segurança jurídica nas relações civis”.
Para o tabelião, a atualização será muito be-
néfica para toda a sociedade, por gerar maior
clareza e segurança jurídica nas relações civis,
com a existência de normas específicas sobre
os mais variados temas da sociedade atual.
“Com a aceleração da informação, a globa-
lização e o avanço da tecnologia, novos cená-
rios precisam ser regulamentados pela lei de
modo a dar melhor aplicabilidade ao direito,
com maior segurança jurídica e dinamização
de procedimentos, pois tem sido criada uma
cultura cada vez mais do consenso e da cele-
ridade na resolução de questões jurídicas, o
que pode se efetivar através das serventias
extrajudiciais e sem custo para o Estado”, res-
saltou Cyrino.
A lei civil deve também estar em conso-
nância com a teoria do diálogo das fontes,
pois para ser efetivar o direito material dos
direitos civis é preciso um direito instrumen-
tal procedimental célere e com mais de uma
opção, apontou o tabelião. “Nesse cenário, a
extrajudicialização se apresenta como impor-
tante vetor de dinamização da efetivação da
lei civil no Brasil”, alertou Rodrigo Cyrino.
Hércules Alexandre da Costa Benício, pre-
sidente do Conselho Notarial do Brasil – Dis-
trito Federal (CNB/DF), tabelião e oficial de
Registro do 1º Ofício de Notas, Registro Civil,
Protesto, Registro de Títulos e Documentos e
Pessoas Jurídicas do Distrito Federal, ressalta
que alguns pontos que podem ser analisados
pela Comissão são: a autorização de procedi-
mento extrajudicial para alteração de regime
de bens do casamento, a explicitação da ad-
missão de união estável de pessoas do mes-
mo sexo e a definição de companheiro como
herdeiro necessário.
O oficial destaca, como exemplo, o art.
“A reforma será de alto impacto em
um dos maiores fortes da fé pública”
Membro de Comissão de Juristas que atualizará
o Código Civil, o professor fala sobre como os
Cartórios são diretamente influenciados pela reforma
50
1.723 do Código Civil, no qual está expresso
que: “É reconhecida como entidade familiar
a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família”. Para ele, a referên-
cia à diversidade de sexos para configuração
da união estável está ultrapassada e, hoje,
ninguém mais duvida de que a união estável
pode decorrer de vínculos homoafetivos.
Ainda, Hércules aponta que vale a pena,
também, corrigir alguns equívocos redacio-
nais, ainda hoje, existentes na Lei 10.406/02,
como, por exemplo, no art. 53, no qual consta
que “constituem-se as associações pela união
de pessoas que se organizem para fins não
econômicos”. Na percepção do tabelião, o
certo seria ter sido utilizado a expressão “fins
não lucrativos”, e não propriamente “fins não
econômicos”.
Hércules ainda aponta que no inc. I do art.
1.829, o legislador fez remissão ao suposto
art. 1.640 do Código Civil, mas o correto teria
sido fazer referência ao art. 1.641.
No entanto, o tabelião aponta que é preciso
ter cautela quando se alega a obsolescência
do Código Civil, uma vez que sua moderni-
zação vem sendo operada por várias leis que
promoveram importantes alterações. “O Có-
digo Civil brasileiro é lei que disciplina, de
forma sistematizada, as relações privadas,
funcionando como grande centro de referên-
cia para toda a legislação brasileira de direito
privado”, destacou.
Na avaliação de Hércules, o Código Civil
deve veicular princípios e regras mais es-
tabilizados no seio social, e não é ambiente
para experimentação. “Nestes termos, muito
embora o Código Civil não seja – por óbvio –
lei perene, é diploma legislativo que deve ter
uma permanência mais estável, já que refle-
te o sistema brasileiro de relações privadas”,
completou.
Assim sendo, para o tabelião, temas que
ainda demandem maior debate no seio social
não devem ser levados para dentro de um
Código e assuntos como os efeitos jurídicos
de relações poliafetivas; reconhecimento de
personalidade jurídica de robôs; engenharia
Carlos Eduardo Elias de Oliveira,
professor de Direito Civil e Registros
Públicos, enfatiza a necessidade de
aprimoramento no Código Civil
genética e clonagem humana são temas que
estão em fase experimental e não devem ser
regulados no Código Civil.
“Ademais, mostra-se superado o estilo de
regulamentação casuística, em que o legis-
lador tentava indicar todas as situações-tipo,
de forma pormenorizada e detalhada. Há que
se conciliar a segurança jurídica advinda da
clareza redacional das normas, com a técnica
legislativa de estabelecimento de cláusulas
gerais e conceitos indeterminados, decor-
rente da própria incapacidade do legislador
em minudenciar o objeto regulado, em face
da velocidade das transformações sociais e
das multifacetadas situações vivenciadas em
período de frenética evolução tecnológica”,
analisou Hércules.
Por fim, o tabelião acredita que será opor-
tuna a atualização de certas regras como a
retirada da referência de pluralidade de sexos
para a caracterização de uma união estável.
Contudo, segundo ele, deve-se ter cuidado
para que o Código Civil não se preste para
experimentações legislativas de temas ainda
não consolidados nas relações privadas dos
brasileiros.
OUTRAS MUDANÇAS
A reforma do Código Civil permitirá a incor-
poração ao texto legal de inúmeros conceitos
firmados pela doutrina e jurisprudência, acre-
dita Reinaldo Velloso dos Santos, tabelião de
Protesto de Letras e Títulos de Campinas – SP
e integrante do Conselho Fiscal do IEPTB-BR.
Um exemplo apontado pelo tabelião seria
o inciso III do art. 202, com a substituição
da expressão “protesto cambial” por “protes-
to notarial”, especialmente tendo-se em vista
a ampliação do âmbito de aplicação do ins-
tituto. Outro dispositivo relevante ressaltado
por Reinaldo e que deve ser alterado é o art.
406, que trata dos juros legais. Para ele, uma
definição mais precisa trará maior segurança
jurídica.
Reinaldo aponta também que o Código vi-
gente decorreu de um anteprojeto da década
de 1970 e, de fato, encontra-se defasado em
alguns pontos, especialmente na parte de Di-
reito de Família.
Rolf Madaleno, advogado e professor de Direito de
Família e Sucessões, explica que o Código vigente foi
pensado na década de 1970, quando sequer existia
a vida digital e tampouco a igualdade entre pessoas
havidas como diferentes e discriminadas
José Fernando Simão, advogado e professor, ressalta que Para o tabelião Rodrigo Cyrino, a extrajudicialização se
qualquer atualização gera grandes debates doutrinários apresenta como importante vetor de dinamização da
e necessidade de tempo para acomodação efetivação da lei civil no Brasil

“A alteração legislativa pode “Na atualização do Código

“O impacto nos Cartórios será permitir que anseios sociais Civil é importante pensar
enorme, diante do crescente se transformem em texto de em um avanço ainda maior
protagonismo que exercem no lei, evitando que a doutrina na desjudicialização de
papel de extrajudicialização crie distorções e quebras procedimentos, atribuindo
das relações jurídicas, sistêmicas para resolver essa competência para os
desafogando o Poder anseios sociais” Cartórios extrajudiciais”
Judiciário e agilizando a José Fernando Simão, Rodrigo Reis Cyrino, tabelião de notas
efetivação destas relações advogado e professor do 2º Ofício de Vitória (ES)

jurídicas que caminham na

direção da autonomia privada”
Rolf Madaleno, advogado e professor
de Direito de Família e Sucessões
“Uma boa atualização deve evitar discus-
sões na doutrina e jurisprudência. Quando o
texto legal é claro e adequado à realidade, os
operadores do Direito têm maior certeza em
relação à sua aplicação prática. Com isso, a
tendência é a diminuição dos litígios e pro-
cessos judiciais. Por outro lado, a atualização
traz o risco de aumentar a insegurança jurídi-
ca caso não seja feita da forma mais adequa-
da”, salienta o tabelião.
Como o Código Civil trata de temas rele-
vantes nas relações privadas, suas regras
devem acompanhar a evolução da sociedade
para que a lei reflita o momento histórico,
acredita Reinaldo. Ele ressalta que a discus-
são da lei permitirá a evolução de alguns
institutos, propiciando aos agentes priva-
dos a construção do direito, especialmente
quando adotado o princípio da operabilida-
de que foi adotado em diversos pontos do
Código de 2002. Ou seja, regras dotadas
de caráter de permanência, com conteúdo

No coração da vida cotidiana e das relações

comerciais, encontra-se o Código Civil, um pi-
lar essencial do nosso ordenamento jurídico.
Responsável por reger as bases das interações
entre indivíduos e empresas, sua relevância é
incontestável.
Em entrevista à Revista Cartórios com
Você, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, pro-
fessor de Direito Civil e membro da Comissão
encarregada da atualização do Código Civil,
compartilhou a importância desse processo
dinâmico de adaptação às transformações
sociais.
Carlos Eduardo enfatizou ainda a necessi-
dade de evolução no Código Civil. O objetivo,
segundo ele, é refletir as rápidas mudanças
dos tempos atuais, sem desconsiderar a rica
história dos institutos jurídicos. O professor
“Os tabeliães e os
advoga pela integração de tecnologias moder- registradores encontram,
nas para tornar o processo mais acessível e
condizente com a realidade contemporânea.
no Código Civil, o seu
Em um diálogo enriquecedor, Carlos Edu- principal instrumento
ardo elucida ainda como os Cartórios, verda-
deiros observatórios da vida da sociedade, são
de trabalho. A mudança
diretamente influenciados pela reforma. “Para de uma vírgula nesse
tabeliães e registradores, o Código Civil é o
instrumento central de trabalho, e qualquer
diploma impacta na
alteração repercute diretamente em suas ati- atividade cotidiana
vidades diárias. A entrevista lança luz sobre
a magnitude da reforma e seu profundo im- dos Cartórios.”
pacto em um dos pilares mais sólidos da fé
pública”, disse.

Cartórios com Você 51

Especial
aberto, que mantêm a atualidade do texto.
Para Reinaldo, como o Código Civil é uma
norma de caráter geral, a disciplina de alguns
temas mais específicos deve permanecer no
âmbito da legislação complementar.
CcV - O senhor faz parte da Comissão de
Juristas para a reforma do Código Civil.
Na sua percepção, quais mudanças são
mais urgentes?
Carlos Eduardo - O Código Civil é o centro
da vida da pessoa comum e do mercado. É
ele que disciplina as relações básicas dos in-
divíduos no quotidiano e das empresas. As
demais normas do nosso ordenamento que
tratam de aspectos especiais bebem do Códi-
go Civil. Por isso, é fundamental que o Código
Civil esteja atualizado diante das transforma-
ções sociais. Esse é o objetivo da Comissão.
CcV - Há um argumento de que muitos
temas do atual Código já apresentam de-
52
“De qualquer forma, muitos pontos que
vêm sendo discutidos em projetos de lei es-
parsos, como a determinação do domicílio
em caso de teletrabalho, o aperfeiçoamento
do instituto do divórcio ou do testamento,
fasagem, o que o senhor acha que se en-
quadra nisso?
Carlos Eduardo - Sob uma ótica panorâmica,
o Código Civil possui institutos milenares, que
foram sendo aprimorados ao longo da histó-
ria. Com as transformações vertiginosas dos
últimos tempos, é nosso dever dar seguimen-
to a esse processo contínuo de atualização.
Não se pretende promover uma revolução, e
sim uma evolução. Não se busca fazer uma
curva violenta de 180 graus, mas apenas uma
movimentação serena e paulatina qual a de
um transatlântico. Um exemplo é o testamen-
to, que ainda segue apegado a formalismos
exagerados que justificavam na época antiga
de uma sociedade não tecnológica. Temos de
devem ser avaliados pela Comissão revisora,
pois trazem propostas que podem ser incor-
poradas de forma harmônica com o texto.
A grande vantagem de uma revisão de um
diploma legal é sua amplitude: a Comissão
avalia uma série de propostas e compatibili-
za com o texto de forma sistemática”, finaliza
Reinaldo.
Gustavo Fiscarelli, presidente da Arpen-
-Brasil, acredita que, no Registro Civil, espe-
cialmente no que circunda o Direito de Famí-
lia, a atualização será no direito de sucessões
e que é importante que a lei seja atualizada
naquilo que já foi conquistado, seja por de-
terminação judicial, seja por avanços nor-
mativos. “São realidades que, infelizmente, o
processo legislativo acaba não conseguindo
acompanhar com a mesma velocidade e que
precisam ser supridas por decisões judiciais e
até por uma atuação normativa mais incisiva”,
explicou.
O presidente da Arpen-Brasil ressaltou que
a sociedade muda muito rapidamente e as
demandas são constantes e os debates são
intensos. Assim, os institutos, os temas e as
novas figuras jurídicas são readaptadas e sur-
gem, e a atividade legislativa não consegue
acompanhar essa evolução.
“Portanto, é natural que, de tempos em
tempos, o legislador deva repaginar ou revisi-
tar as suas codificações para que elas possam
refletir o que está acontecendo na sociedade.
Parece-me até óbvia essa situação. A defa-
sagem é fruto exatamente dessa evolução.
Acredito que faz parte dessa própria ativi-
dade legislativa essa revisitação para que as
suas legislações sejam atualizadas e atendam
à população”, destacou Fiscarelli.
Ainda, segundo Fiscarelli, deve-se ter cui-
dado para não retroceder nos avanços que
já foram obtidos e ser simples, desburocra-
tizados e palatáveis. “São normas que devem
ser de fácil acesso, permitindo que o cidadão
realmente alcance o direito de forma plena.
Esses são alguns princípios que acredito que
devem nortear a atividade. Sempre menos,
nunca mais, e assim por diante.”
Para o presidente da Arpen-Brasil, há uma
importância para o Registro Civil da atualiza-
lançar mão das novas formas de tecnologia
para afastar formalidades vazias, tudo na li-
nha do que os Tribunais já vêm fazendo mes-
mo sem lei expressa.
CcV - Como avalia essa atualização? Quais
os benefícios e consequências?
Carlos Eduardo - As atualizações serão mui-
to benéficas, porque darão maior previsibili-
dade das regras ao mercado e aos cidadãos.
A verdade é que, sem regras claras, muitas
relações sociais são inibidas ou apresentam
altos custos.
CcV - O Código Civil é o diploma legal que
cuida da vida desde o nascimento até a mor-
Presidente do CNB/DF, Hércules Alexandre da Costa
Benício acredita que se deve ter cuidado para que
o Código Civil não se preste para experimentações
legislativas de temas ainda não consolidados nas
relações privadas dos brasileiros
“A referência à diversidade
de sexos para configuração
da união estável está
ultrapassada e, hoje, ninguém
mais duvida de que a união
estável pode decorrer de
vínculos homoafetivos”
Hércules Alexandre da Costa Benício,
presidente do Colégio Notarial do Brasil –
Distrito Federal (CNB/DF), tabelião e oficial
de Registro do 1º Ofício de Notas, Registro Civil,
Protesto, Registro de Títulos e Documentos
e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal
ção no Código Civil que permita uma sintonia
entre os atos e aquilo que hoje já faz, o que
pode vir a fazer.
“O Código Civil é a nossa grande fonte de
norma, especialmente nas questões afetas às
te. Qual a importância de discutir esta lei?
Carlos Eduardo - O Código Civil é, depois da
Constituição Federal, a norma mais impor-
tante do nosso ordenamento. Ele é quem dá
a base de todos os demais ramos do Direito.
Conceitos como o de obrigações, o de con-
tratos, o de personalidade jurídica e outros
estão por detrás de todos os demais ramos do
Direito. Por exemplo, para definir se um tribu-
to é devido ou não, o Direito Tributário leva
em conta as definições de Direito Civil. Isso
ocorre em todos os ramos do Direito. Por essa
razão, a reforma do Código Civil impactará in-
diretamente todo o ordenamento jurídico.
CcV - Foi divulgado que a Comissão deve
Segundo o tabelião Reinaldo Velloso dos Santos, a
grande vantagem de uma revisão de um diploma
legal é sua amplitude: a Comissão avalia uma série
de propostas e compatibiliza com o texto de forma
sistemática
“Quando o texto legal é claro
e adequado à realidade, os
operadores do Direito têm
maior certeza em relação à
sua aplicação prática”
Reinaldo Velloso dos Santos, tabelião
de Protesto de Letras e Títulos de Campinas – SP
e integrante do Conselho Fiscal do IEPTB-BR
pessoas, aos bens e dessa relação entre pes-
soa e bens e de normas gerais de comporta-
mento. Não seria diferente no caso do Regis-
tro Civil. Ele trata do nascimento e também
da morte, passando por todas essas caracte-
rísticas e direitos nesse percurso de vida. O
Registro Civil está pontuado praticamente em
todo esse percurso”, salientou.
Por fim, Fiscarelli refletiu que as alterações
têm que tender a tornar o Código uma codifi-
cação simples, mas cheia de reconhecimentos
e plural, de forma que as mudanças impactem
incluir nos debates propostas que atual-
mente tramitam no Congresso Nacional,
como o PL 3.612/2021, que regula o tele-
trabalho; o PL 2.569/2021, que apresenta
novas hipóteses de divórcio consensual; e,
ainda, o Marco Legal das Garantias de Em-
préstimos (PL 4.188/2021), que possibilita
a realização de testamentos digitais. Como
avalia isto?
Carlos Eduardo - Em princípio, o papel da
Comissão é difícil, porque envolve traduzir
o que a comunidade jurídica vem consoli-
dando ao longo do tempo. Isso passa por
examinar os precedentes dos Tribunais, os
escritos da doutrina, os projetos de lei em
trâmite e as experiências estrangeiras. Con-
Presidente da Arpen-Brasil, Gustavo Fiscarelli acredita
que a atualização do Código Civil deve ser de fácil
acesso, permitindo que o cidadão realmente alcance o
direito de forma plena
“É natural que, de tempos
em tempos, o legislador deva
repaginar ou revisitar as suas
codificações para que elas
possam refletir o que está
acontecendo na sociedade”
Gustavo Fiscarelli,
presidente da Arpen-Brasil
positivamente na sociedade. Segundo ele, isso
ocorre com desburocratização e digitalização,
mas sem se esquecer do centro que é o Di-
reito Civil.
“Portanto, acho que esse olhar humanitário
do Código é muito importante e tem instru-
mentos que viabilizam a prestação dos servi-
ços, no nosso caso, de Registro Civil, de for-
ma segura e digital. Com outras atribuições,
isso vai conferir um novo status ao Código, e
é isso que esperamos, inclusive com alguma
forma de contribuição”, finalizou.
sidero positivo esse debate.
CcV - De que forma essa reforma pode im-
pactar nos Cartórios?
Carlos Eduardo - Nas mesas dos Cartórios,
é que fluem os principais fenômenos da so-
ciedade. É lá que se formalizam os fatos exis-
tenciais dos indivíduos, como o nascimento e
o óbito, e as ocorrências patrimoniais, como
a compra da casa própria. Por isso, os tabeli-
ães e os registradores encontram, no Código
Civil, o seu principal instrumento de trabalho.
A mudança de uma vírgula nesse diploma
impacta na atividade cotidiana dos Cartórios.
Logo, a reforma será de alto impacto em um
dos maiores fortes da fé pública.
Cartórios com Você 53
Especial
Após décadas de tramitação no
Congresso, novo Código Civil
foi sancionado já em defasagem
Elaborado entre 1969 e 1975
e sancionado só em 2002, a lei
alterou um texto já considerado
obsoleto, que estava em vigor
desde 1916
Conheça as principais alterações que o Código Civil de 2003 sofreu ao longo dos anos
Lei nº 10.677 de 22/05/2003
Revoga artigo que diz que a matéria da
compensação, no que concerne às dívidas
fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto
neste capítulo.
Lei nº 10.825 de 22/12/2003
Nova redação a artigo que dispõe sobre
organizações religiosas e os partidos políticos
como pessoas jurídicas de direito privado
Lei nº 10.838 de 30/01/2004 (Revogada)
Instituiu regime especial para alteração
estatutária das associações.
Lei nº 11.127 de 28/06/2005
Altera os arts. 54, 57, 59, 60 e 2.031.
Lei nº 11.280 de 16/02/2006
Altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305,
322, 338, 489 e 555.
Lei nº 11.481 de 31/05/2007
Altera arts. que versam sobre a executar
ações de identificação, demarcação,
cadastramento, registro e fiscalização dos
bens imóveis da União.
Lei nº 11.698 de 13/06/2008
Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para
instituir e disciplinar a guarda compartilhada.
Lei nº 12.010 de 03/08/2009
Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069,
de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança
e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro
de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT
Lei nº 12.036 de 01/10/2009
Altera o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de
setembro de 1942 - Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro, para adequá-lo à
Constituição Federal em vigor.
54
Sancionado há 20 anos, o texto do então novo
Código Civil já buscava aspectos importantes
como a igualdade de gênero. No artigo 1º,
por exemplo, que diz que “toda pessoa é ca-
paz de direitos e deveres na ordem civil” a
palavra “pessoa” substituiu “homem”.
Desde sua entrada em vigor, a Lei 10.406
foi alterada por outras 42 normas. Ainda em
2003, pouco mais de quatro meses da entra-
Lei nº 12.133 de 17/12/2009
Dá nova redação ao art. 1.526 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Có-
digo Civil), para determinar que a habilitação
para o casamento seja feita pessoalmente
perante o oficial do Registro Civil.
Lei nº 12.236 de 19/05/2010
Altera o art. 723 da Lei no 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil, para adequá-
lo às exigências da Lei Complementar no
95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe
sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis.
Lei nº 12.344 de 09/12/2010
Altera a redação do inciso II do art. 1.641
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), para aumentar para 70
(setenta) anos a idade a partir da qual se
torna obrigatório o regime da separação de
bens no casamento.
Lei nº 12.398 de 28/03/2011
Acrescenta parágrafo único ao art. 1.589
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
- Código Civil, e dá nova redação ao inciso
VII do art. 888 da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,
para estender aos avós o direito de visita aos
netos.
Lei nº 12.399 de 01/04/2011
Acresce o § 3º ao art. 974 da Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, que institui o
Código Civil, para dispor sobre o registro
de contratos e alterações contratuais de
sociedade que seja integrada por sócio
incapaz.
Lei nº 12.424 de 16/06/2011
Altera a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009,
que dispõe sobre o Programa Minha Casa,
Minha Vida - PMCMV e a regularização
fundiária de assentamentos localizados em
áreas urbanas.
da em vigor, a Lei nº 10.677 revogou o artigo
374, que tratava sobre matéria de compen-
sação. Ainda no mesmo ano, a Lei nº 10.825
deu nova redação aos arts. 44 e 2.031.
A Lei nº 11.698, de 2008, chamada de Lei
da Guarda Compartilhada, alterou o Código
para instituir e disciplinar a guarda compar-
tilhada. Em 2011, a Lei nº 12.441 permitiu
a constituição de empresa individual de res-
Lei nº 12.441 de 11/07/2011
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), para permitir a
constituição de empresa individual de
responsabilidade limitada.
Lei nº 12.470 de 31/08/2011
Altera os arts. 21 e 24 da Lei nº 8.212, de 24
de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano
de Custeio da Previdência Social.
Lei nº 12.607 de 04/04/2012
Altera o § 1º do art. 1.331 da Lei nº 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, no
que tange ao critério de fixação da fração
ideal e às disposições sobre alienação
e locação de abrigos para veículos em
condomínios edilícios.
Lei nº 12.873 de 24/10/2013
Autoriza a Companhia Nacional
de Abastecimento a utilizar o
Regime Diferenciado de Contratações
Públicas – RDC.
Lei nº 12.879 de 05/11/2013
Dispõe sobre a gratuidade dos atos de
registro, pelas associações de moradores,
necessários à adaptação estatutária à
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil.
Lei nº 13.058 de 22/12/2014
Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634
da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), para estabelecer o significado
da expressão “guarda compartilhada” e
dispor sobre sua aplicação.
Lei nº 13.151 de 28/07/2015
Dispõe sobre a finalidade das fundações,
o prazo para manifestação do Ministério
Público sobre suas alterações estatutárias
e a remuneração dos seus dirigentes; e dá
outras providências.
ponsabilidade limitada.
Alterando a redação do art. 1.815, em 2017,
a Lei nº 13.532 promoveu ação visando à decla-
ração de indignidade de herdeiro ou legatário.
Em 2018, foi a vez da Lei da Multiproprie-
dade Imobiliária. A Lei nº 13.777 alterou o
Código Civil para dispor sobre o regime jurí-
dico da multipropriedade e seu registro. Se-
gundo o tabelião Rodrigo Reis Cyrino, a mu-
dança facilitou muito a utilização do instituto.
“Muitos entendem que essas atualiza-
ções deveriam constar em leis próprias e
esparsas ou até mesmo ter uma atuação
da jurisprudência ou dos intérpretes do
Direito com a construção atualizada das
cláusulas gerais, mas penso que conden-
sar esses acréscimos diretamente no Có-
digo Civil seja mais útil para a acessibili-
dade e compreensão das normas em sua
Lei nº 13.176 de 21/10/2015
Acrescenta inciso IX ao art. 964 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
- Código Civil, para outorgar privilégio
especial, sobre os produtos do abate, ao
credor por animais.
Lei nº 13.777 de 20/12/2018
Altera as Leis n º 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), e 6.015, de 31
de dezembro de 1973 (Lei dos Registros
Públicos), para dispor sobre o regime jurídico
da multipropriedade e seu registro.
Lei nº 13.425 de 30/03/2017
Estabelece diretrizes gerais sobre medidas
de prevenção e combate a incêndio e a
desastres em estabelecimentos, edificações
e áreas de reunião de público.
Lei nº 13.465 de 11/07/2017
Dispõe sobre a regularização fundiária rural
e urbana, sobre a liquidação de créditos
concedidos aos assentados da reforma
agrária e sobre a regularização fundiária no
âmbito da Amazônia Legal.
Lei nº 13.509 de 22/11/2017
Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT).
Lei nº 13.532 de 07/12/2017
Altera a redação do art. 1.815 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, para promover ação visando
à declaração de indignidade de herdeiro ou
legatário.
Lei nº 13.715 de 24/09/2018
Dispõe sobre hipóteses de perda do poder
familiar pelo autor de determinados crimes
contra outrem igualmente titular do mesmo
poder familiar ou contra filho, filha ou outro
descendente.
completude pelo cidadão”, ressaltou o tabelião.
Para suprimir as exceções legais permis-
sivas do casamento infantil, a Lei nº 13.811
conferiu nova redação ao art. 1.520, em
2019.
As últimas alterações, ocorridas neste ano,
foram feitas por meio da Lei nº 14.405 que
alterou o Código Civil, para tornar exigível,
em condomínios edilícios, a aprovação de 2/3
dos votos dos condôminos para a mudança da
destinação do edifício ou da unidade imobili-
ária. Recente alteração, ainda, dispôs sobre o
novo Programa “Minha Casa, Minha Vida”.
Por fim, a mais recente alteração foi a Lei
nº 14.661, que acrescenta o art. 1.815-A,
para determinar, nos casos de indignidade,
que o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória acarretará a exclusão imediata
do herdeiro ou legatário indigno.
Lei nº 13.792 de 03/01/2019
Altera dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil), para modificar
o quórum de deliberação no âmbito das
sociedades limitadas.
Lei nº 13.811 de 12/03/2019
Confere nova redação ao art. 1.520 da
Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
(Código Civil), para suprimir as exceções
legais permissivas do casamento infantil.
Lei nº 13.874 de 20/09/2019
Institui a Declaração de Direitos de Liberdade
Econômica; estabelece garantias de livre
mercado.
Lei nº 14.030 de 28/07/2020
Dispõe sobre as assembleias e as reuniões
de sociedades anônimas, de sociedades
limitadas, de sociedades cooperativas
e de entidades de representação do
cooperativismo durante o exercício de 2020.
Lei nº 14.179 de 30/06/2021
Estabelece normas para facilitação de acesso
a crédito e para mitigação dos impactos
econômicos decorrentes da pandemia da
Covid-19.
Lei nº 14.193 de 06/08/2021
Institui a Sociedade Anônima do Futebol
e dispõe sobre normas de constituição,
governança, controle e transparência, meios
de financiamento da atividade futebolística,
tratamento dos passivos das entidades de
práticas desportivas e regime tributário
específico.
Lei nº 14.195 de 26/08/2021
Dispõe sobre a facilitação para abertura de
empresas, sobre a proteção de acionistas
minoritários, sobre a facilitação do comércio
exterior, sobre o Sistema Integrado de
Recuperação de Ativos (Sira), sobre as
cobranças realizadas pelos conselhos
“Penso que condensar esses
acréscimos diretamente
no Código Civil seja mais
útil para a acessibilidade e
compreensão das normas
em sua completude
pelo cidadão”
Rodrigo Reis Cyrino,
tabelião de notas do
2º Ofício de Vitória (ES)
profissionais, sobre a profissão de tradutor
e intérprete público, sobre a obtenção de
eletricidade, sobre a desburocratização
societária e de atos processuais e a prescrição
intercorrente na Lei nº 10.406.
Lei nº 14.309 de 08/03/2022
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), e a Lei nº 13.019,
de 31 de julho de 2014, para permitir a
realização de reuniões e deliberações virtuais
pelas organizações da sociedade civil,
assim como pelos condomínios edilícios, e
para possibilitar a sessão permanente das
assembleias condominiais.
Lei nº 14.382 de 27/06/2022
Dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos
Registros Públicos (Serp).
Lei nº 14.405 de 12/07/2022
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil), para tornar exigível, em
condomínios edilícios, a aprovação de 2/3
(dois terços) dos votos dos condôminos para
a mudança da destinação do edifício ou da
unidade imobiliária.
Lei nº 14.451 de 21/09/2022
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro
de 2002 (Código Civil), para modificar
os quóruns de deliberação dos sócios da
sociedade limitada previstos nos arts. 1.061
e 1.076.
Lei nº 14.620 de 13/07/2023
Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha
Vida.
Lei nº 14.661 de 23/08/2023
Acrescenta art. 1.815-A à Lei nº 10.406, de
10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para
determinar, nos casos de indignidade, que
o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória acarretará a exclusão imediata
do herdeiro ou legatário indigno.
Cartórios com Você 55
Capa

“Os Cartórios têm papel

decisivo na criação de um
ambiente de segurança jurídica”
Recém-empossado presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso diz que na estrutura
jurídica brasileira as unidades extrajudiciais têm uma atuação importante a desempenhar

No dia 28 de setembro, numa quinta-feira

Nelson Jr./SCO/STF

à tarde, o Supremo Tribunal Federal (STF)

empossou um novo presidente. Dessa vez, o “A trajetória de um ministro
ministro Luís Roberto Barroso, há 10 anos mi- do Supremo é um pouco a
nistro da Corte mais alta do país, tomou posse
como presidente do STF e do Conselho Nacio- trajetória do Brasil, com seus
nal de Justiça (CNJ).
Barroso, que também já foi presidente do
altos e baixos”
Tribunal Superior Eleitoral (2020-2022), co-
leciona uma série de feitos importantes na
Suprema Corte. Em seu discurso de posse
como presidente do STF, o ministro falou em
aumentar a eficiência da justiça, contribuindo
para o desenvolvimento econômico, social e
sustentável do Brasil. Além disso, ele enfati-
zou a importância da segurança jurídica, cujo
papel, segundo ele, é de proporcionar um bom
ambiente para o desenvolvimento econômico.
O novo presidente do STF ainda enfatizou que
“o Brasil venceu a ameaça golpista, mas que
agora é momento de pacificação nacional”.
Estiveram presentes na solenidade autori-
dades dos três poderes. Compuseram a mesa
da solenidade o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva; os presidentes do Senado, Rodrigo
Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira; a procuradora-geral da República interi-
na, Elizeta Ramos; e o presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti.
Professor titular da Universidade do Esta-
do do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela
Yale Law School e Senior Fellow na Harvard
Kennedy School, Barroso conversou com a Re-
vista Cartórios com Você durante o XI Fórum
Jurídico de Lisboa, realizado em Portugal, e
falou sobre sua trajetória como ministro, além
de abordar assuntos importantes relacionados
aos Cartórios brasileiros.
Segundo ele, “os Cartórios têm papel deci-
sivo na criação de um ambiente de segurança
jurídica”.

“Os Cartórios são essenciais

na promoção de segurança
jurídica, tanto para
documentar atos como
escrituras de compra e venda,
como o Registro de Imóveis
para evitar dualidade de
Para o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, os Cartórios colaboram para um dos grandes
propriedades” elementos que justificam a existência do Estado: a segurança jurídica

56
CcV - Desde 2013 como ministro do Supre-
mo Tribunal Federal, e agora como presi-
dente, como avalia sua atuação nesse perío-
do na maior Corte do país?
Luís Roberto Barroso - A trajetória de um mi-
nistro do Supremo é um pouco a trajetória do
Brasil, com seus altos e baixos. Nós tivemos
momentos delicados de enfrentamento a cor-
rupção, tivemos momentos delicados de defe-
sa da democracia, tivemos momento delicado
na invasão do Supremo. Fui advogado há 30
anos e estou ministro do Supremo há 10 anos.
A gente na vida deve cumprir com alegria as
lições que o universo nos dá. De modo que
sou muito feliz e realizado em estar lá e servir
o Brasil sem nenhum outro interesse que não
seja de fazer um país melhor e maior.
CcV - Quais são as metas que ainda pretende
alcançar como ministro e presidente do STF?
Há novos desafios num futuro próximo?
Luís Roberto Barroso - As de curto e médio
prazo são de continuar vivo. As de longo pra-
zo, pensando inclusive no meu mandato de
presidente do Supremo, se eu tiver vida e saú-
de, é em primeiro lugar melhorar a eficiência
da justiça. Essa é a principal missão de um
chefe do Poder Judiciário. Eu estou olhando
os números, mapeando os gargalos, vendo as
dificuldades e tentar pensar soluções. Tan-
to as que dependem de mudança legislativa
quanto as que podem ser feitas por encami-
nhamento do CNJ. Tanto que minha grande
meta é melhorar a eficiência da justiça com
digitalização, com informatização, com inteli-
gência artificial, prestigiando os juízes de pri-
meiro grau, e enfrentando gargalos, o maior
deles talvez seja a de execução fiscal.
CcV – Atualmente, os serviços dos Cartórios
já podem ser feitos de forma eletrônica e
agora estarão interligados por meio do
Sistema Eletrônico dos Registros Públicos
(Serp). Como avalia esse processo de digita-
lização dos Cartórios brasileiros?
Luís Roberto Barroso - Eu acho que as ser-
ventias, tanto judiciais como extrajudiciais te-
rão um grande papel nesse projeto de maior
eficiência da Justiça. Até porque algumas das
medidas envolvem uma possível desjudiciali-
zação. E, portanto, eu penso que na desjudi-
cialização muitas coisas podem ser resolvidas
diretamente nos Cartórios. E a questão dos
registros públicos e da sua uniformização e da
“Eu acho que as serventias,
tanto judiciais como
extrajudiciais, terão um grande
papel nesse projeto de maior
eficiência da Justiça”
unificação, evidentemente é muito importan-
te. Para que nós tenhamos bases de dados na-
cionais, uniformizadas que facilitem os aces-
sos diversos para diversos tipos de interesses
legítimos. Desde a busca de bens para serem
executados até a proteção contra grilagem de
terras. De modo que na estrutura jurídica bra-
sileira os Cartórios têm um papel importante
a desempenhar.
CcV - Os Cartórios têm sido um importan-
te braço do Poder Judiciário no crescente
movimento de desjudicialização de atos,
agilizando, desburocratizando e tornando
mais baratos serviços como inventários,
usucapião, divórcios, retificações e etc. Isso
tem ajudado a desafogar o Judiciário, que
pode se concentrar em ações que envolvem
litígios. Como avalia os benefícios destes
avanços para a população?
Luís Roberto Barroso - Existem 76 milhões
de processos em curso no Judiciário, um nú-
mero muito expressivo certamente. Nós já
tivemos uma desjudicialização importante re-
lativo aos processos de inventário com grande
sucesso. Talvez se consiga desjudicializar ou-
tras matérias também.
CcV - Como o Supremo Tribunal Federal en-
xerga o trabalho dos Cartórios brasileiros?
Acredita que o serviço extrajudicial presta
um trabalho importante para a sociedade?
Luís Roberto Barroso - Os Cartórios cola-
boram para um dos grandes elementos que
justificam a existência do Estado. O Estado
existe sobretudo para realizar justiça e pro-
mover segurança jurídica. E os Cartórios são
essenciais na promoção de segurança jurídica,
tanto para documentar atos como escrituras
de compra e venda, como o Registro de Imó-
veis para evitar dualidade de propriedades. Os
Cartórios, na estrutura jurídica brasileira, têm
papel decisivo na criação de um ambiente de
segurança jurídica.
Cartórios com Você 57
Tabelionato de Notas

Ressureição Digital: Inteligência

Artificial acende debates sobre
a preservação da memória
Novas Fronteiras da Tecnologia trazem
desafios ao respeito da vontade das pessoas

Por Vinicius Oka

58
Ao som de “Como Nossos Pais”, do cantor e
compositor Belchior, a cantora Elis Regina
aparece ao volante de uma Kombi ao lado de
sua filha, Maria Rita, que dirige um modelo
atualizado do veículo que fazia sucesso na se-
gunda metade do século passado. Morta em
janeiro de 1982, a “façanha” só foi possível
graças às mais novas tecnologias de geração
de imagens por inteligência artificial. A ima-
gem de Elis, eternizada aos seus 36 anos, não
foi diretamente autorizada pela cantora, que
hoje teria 78 anos, para ser utilizada pela
Volkswagen em um comercial com visibilida-
de nacional.
A permissão do uso de imagem veio por
parte da família, que recebeu o resultado
com “muita alegria e com a sensação de uma
homenagem bem-feita”, disse João Marcello
Bôscoli, produtor musical e filho mais velho
de Elis Regina, que ressalta estar emocionado
por ver a mãe cantando ao lado da filha que
ela não viu crescer. O comercial, porém, sus-
citou um debate em nível nacional e acendeu
o furor das redes sociais com internautas que
questionaram o uso de alguém que não pode
expressar sua vontade em uma campanha pu-
blicitária justamente de uma montadora que
teve relações históricas comprovadas com a
ditadura militar brasileira, a qual Elis foi críti-
ca e notória opositora.
Aberto pela Comissão Nacional da Verdade
(CNV), um inquérito investigou a Volkswagen
após ser mencionada como colaboradora da
ditadura por ex-funcionários e familiares. Se-
gundo os relatos, a montadora gerou um cli-
ma tenso de trabalho ao expor possíveis críti-
cos e opositores do regime na época, além de
possibilitar prisões no próprio chão de fábrica
de empregados que foram detidos e tortura-
dos. Esta colaboração foi confirmada por um
relatório independente solicitado pela empre-
sa em 2016.
“Foi tudo feito com carinho
e respeito. Emocionou
profundamente a Maria Rita
e me emocionou também.”
João Marcello Bôscoli,
filho mais velho de Elis Regina
Volkswagen e ex-funcionários que rela-
taram abusos e torturas em seus ambientes
de trabalho finalizaram o inquérito após um
acordo realizado em 2020. A empresa aceitou
pagar 36 milhões após comprovadamente co-
laborar com o Departamento de Ordem Políti-
ca e Social (Dops).
A Volks, porém, não terá ganhos financei-
ros diretos com a campanha, mesmo com o
resultado com grande influência nos debates
cotidianos dos brasileiros, pois apenas um
lote limitado de setenta “novas Kombis” será
vendido no País. Em entrevista para a revista
Veja, o executivo publicitário responsável pela
campanha disse que o comercial não foi feito
para “vender carros”, mas para homenagear
os brasileiros “celebrando o passado e proje-
tando o futuro”.
O cenário posto em debate nas redes, que
relaciona a colaboração da Volks com a dita-
dura militar e o uso da imagem de Elis Regina,
traz em si um tema denso, que recai invaria-
velmente com a permissão do uso e recriação
de imagem de alguém que já morreu. Sem
direta expressão e coleta de suas vontades,
juristas do Brasil e do mundo debatem sobre
os limites do uso da tecnologia e da chamada
técnica de deep fake em uma infinidade de
usos que podem variar para os mais diversos
propósitos.
Cartórios com Você 59
Tabelionato de Notas

“Em quais circunstâncias a chamada ‘res-
surreição digital’ pode infringir direitos da
personalidade?”, indaga Pablo Stolze Gaglia-
no, juiz de Direito e professor de Direito Civil
da Universidade Federal da Bahia, que cita
uma recente preocupação do sindicato de
atores de Hollywood, onde novos contratos
com produtoras já preveem cláusulas para o
uso e recriação da imagem de astros, mesmo
após a morte.
Em tom de denúncia, o sindicato citou a
intenção de estúdios em utilizar técnicas
avançadas de escaneamento corporal para
aplicar postumamente o rosto e corpo de um
ator famoso sobre dublês, já treinados para
atuar com os trejeitos do astro. A tecnologia
permitiria que, com o valor de apenas uma
diária, fosse possível utilizar um caro ator de
Hollywood em toda uma produção, sem ter
que arcar com demais custos e demandas.
“A lei autoral brasileira prevê o prazo de
duração apenas dos direitos patrimoniais.
Omitiu-se sobre qual seria aquele dos direi-
tos morais. No Brasil, compete ao Estado a
defesa da integridade e autoria da obra ca-
ída em domínio público. Portanto, os direi-
tos morais à integridade e à paternidade de
tais obras serão exercidos pelo Estado (Lei
9.610/1998, art. 24, § 2º). Tais direitos ex-
trapatrimoniais, portanto, são perpétuos. O
exercício deles é ilimitado no tempo”, explica
Pablo Gagliano. O jurista ressalta, porém, que
o debate começa a criar ramificações mais
complexas e “até então impensáveis” com o
desenvolvimento da tecnologia, que exigirão
do jurista uma “cuidadosa reflexão, impondo,
em algum momento, a necessária atuação le-
gislativa”.
Membro da Academia Brasileira do Direito
Civil, Gagliano sucita reflexões quanto aos Di-
reitos Autorais e a impossibilidade de serem
transmitidos a terceiros. “Nem por livre e

Bastidores
do comercial
A Elis Regina vista no
anúncio surgiu após
combinar inteligência
artificial para reconhecer
o rosto e os movimentos
da dublê. A principal
tecnologia utilizada foi o
deepfake, recurso que utiliza
inteligência artificial para
editar ou sobrepor um rosto
digital a uma imagem real.
O sistema é alimentado por
diversas imagens de uma
mesma pessoa e produz um
resultado muito próximo do
realismo.

Depois de gravado, foi

possível combinar os
movimentos de Elis Regina
e sobrepor a versão digital
à performance de uma
dublê, criando um aspecto
de realismo. O projeto total
durou 108 dias com 2.454
horas de produção.

60
espontânea vontade podem sofrer mudança
de titularidade, seja a título gratuito, seja a
título oneroso. É preciso, contudo, uma análi-
se mais atenta da intransmissibilidade, tendo
em vista que os direitos morais do autor se
projetam além da vida do seu titular”, explica
ao destacar o inciso 1.º do art. 24 da LDA-
98, que dispõe: “§ 1.º Por morte do autor,
transmitem-se a seus sucessores os direitos a
que se referem os incisos I a IV”.
“A Lei de Direitos Autorais (LDA), de ma-
neira atécnica, afirma que, por morte do
autor, algumas de suas prerrogativas ‘trans-
mitem-se’ aos sucessores, que conservam a
faculdade de se opor à violação de autoria, à
publicação desautorizada de obra inédita e às
modificações e mutilações contra a obra do
de cujus. Na verdade, houve uma atecnia do
legislador autoral pátrio”, ressalta o jurista.
Doutoranda e mestre em Direito Comer-
cial, com foco em Propriedade Intelectual,
Fernanda Galera Soler, ressalta a previsão do
Código Civil para que herdeiros possam agir
a fim de evitar riscos ou atos prejudiciais aos
direitos pessoais do falecido. O texto, porém,
não examina com profundidade quais seriam
tais direitos. “É importante ter em mente que
esse ponto de administrar tais direitos aos
herdeiros é discutível porque o Direito de
Imagem, como direito pessoal, é intransferí-
vel e não pode ser renunciado, diz a profes-
sora da FGV.
“De acordo com o Código Civil, com a au-
torização do herdeiro, como foi o caso da Elis
Regina, não haveria problema jurídico para o
uso indevido da imagem do falecido, porque
o uso da imagem é permitido por lei ao her-
deiro”, diz a pesquisadora do Núcleo Legalite
de Direito e Tecnologia da PUC-RJ e pesqui-
sadora de regulação de IA na Associação
Data Privacy Brasil de Pesquisa, Fernanda
Galera Soler.

Técnica de
deepfake é
amplamente
utilizada em
estúdios de
Hollywood
Cada vez mais comum em
produções de Hollywood,
a técnica de deepfake
utilizada no comercial da
Volks recebe melhorias
diárias e ocupa as telas de
estudo de muitos estúdios
que buscam a solução para
rejuvenescer astros ou até
mesmo “ressucitá-los”.

A tecnologia já se encontra
disponível, aberta de
modo democrático em
redes sociais, onde filtros
utilizam-se da técnica de
sobreposição para integrar
o rosto de um internauta a
uma nova perspectiva.

Já em produções
multimilionárias a
tecnologia permite
verdadeiros “flashbacks”
de atores que já
envelheceram, mas que
ainda estão atrelados a
franquias de sucesso, como
Carry Fischer, a Princesa
Leia de Star Wars, que foi
rejuvenescida para o filme
Rogue One, e Harrison
Ford, novamente com seu
semblante de algumas
décadas atrás para uma
inserção no mais novo
filme de Indiana Jones.

Cartórios com Você 61

Tabelionato de Notas
Segundo o juiz de Direito e professor de Direito Civil da
Universidade Federal da Bahia, Pablo Stolze Gagliano,
o debate dos direitos morais de determinadas obras
começa a criar ramificações mais complexas e “até então
impensáveis” com o desenvolvimento da tecnologia
“A sucessão hereditária
deve ser capaz de regular
não apenas situações
jurídicas patrimoniais,
mas também situações
existenciais”
Pablo Stolze Gagliano,
juiz de Direito e professor de Direito Civil
da Universidade Federal da Bahia
“Portanto, questiona-se se os herdeiros po-
deriam agir apenas para impedir o uso inde-
vido da imagem do falecido, ou se poderiam
usar os direitos de personalidade do familiar
falecido, como aconteceu no caso da publici-
dade”, diz ao ressaltar que um Projeto de Lei
sobre o uso de Inteligência Artificial já trami-
ta no Brasil.
Ainda que não seja o primeiro sobre o tema,
o PL 2338/2023 reúne uma comissão de ju-
ristas e profissionais do mercado e da própria
ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de
Dados) a fim de consultá-los sobre a regula-
ção do tema. Apresentado pelo presidente do
Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, o
projeto destaca a importância dos “direitos
fundamentais e a garantia da implementação
de sistemas seguros e confiáveis em benefício
da pessoa humana, do regime democrático e
do desenvolvimento científico e tecnológico”,
como dispõe a publicação.
Assim como a Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD), o PL 2338 tem como base a
proposta da União Europeia (AI Act) ao pre-
ver o detalhamento de obrigações e respon-
62
Segundo o professor doutor da Escola de Negócios
da Universidade de Munique, Stefan Koos, o
assessoramento jurídico que acompanha o tabelião
nunca poderá ser substituído por inteligência artificial
“A inteligência artificial
nunca terá a capacidade de
substituir um notário, pois
o mesmo age muito além
do que a formatação de
blocos de pensamentos em
texto ou imagem”
Stefan Koos, professor doutor da Escola
de Negócios da Universidade de Munique
sabilidades aos fornecedores e operadores de
IA no próprio texto da lei, o que o difere da
abordagem trazida pelo Projeto de Lei 21 de
2020, que surgiu na Câmara dos Deputados
com ênfase na regulação setorial e forte in-
vestimento privado, dos EUA.
“Há muitas interrogações em torno dessa
problemática. E ainda poucas respostas”, ex-
plica Rodrigo Moraes, advogado e professor
de Direito Civil, Direito Autoral e Propriedade
Industrial da Faculdade de Direito da Univer-
sidade Federal da Bahia. Segundo Moraes, as
dúvidas são compreensíveis, “tendo em vista
que ainda estamos sob o impacto do avanço
da inteligência artificial, especialmente após o
lançamento do ChatGPT, levando-nos a senti-
mentos aparentemente antagônicos, do entu-
siasmo ao medo”.
“Com o avanço da inteligência artificial, é
fundamental que exista uma regulamenta-
ção jurídica adequada para lidar com os no-
vos desafios trazidos por essa tecnologia. A
regulamentação poderá estabelecer os limi-
tes éticos e jurídicos para o uso da inteligên-
cia artificial, garantindo assim a proteção
De acordo com a pesquisadora do Núcleo Legalite de
Direito e Tecnologia da PUC-RJ e de regulação de IA na As-
sociação Data Privacy Brasil de Pesquisa, Fernanda Galera
Soler, o uso da imagem é permitido por lei ao herdeiro
“Questiona-se se os herdeiros
poderiam agir apenas para
impedir o uso indevido da
imagem do falecido ou se
poderiam usar os direitos
de personalidade do familiar
falecido, como aconteceu no
caso da publicidade
[Elis Regina]”
Fernanda Galera Soler,
pesquisadora do Núcleo Legalite de Direito
e Tecnologia da PUC-RJ e pesquisadora
de regulação de IA na Associação
Data Privacy Brasil de Pesquisa
dos direitos individuais e coletivos”, avalia.
“A ética é um aspecto fundamental na
utilização da inteligência artificial. É impor-
tante que as empresas e os profissionais
que trabalham com essa tecnologia estejam
comprometidos com a ética e com a prote-
ção dos direitos individuais. A utilização da
inteligência artificial deve ser pautada pelo
respeito à dignidade humana e pela garantia
dos direitos fundamentais”, complementa Ro-
drigo Moraes.
CONVERGÊNCIAS E HUMANIZAÇÃO
Em constante evolução, a inteligência arti-
ficial é o centro da transformação de diver-
sos setores da sociedade. A preservação da
memória inclui-se como um dos temas mais
impactados pelas tecnologias que emergem
dia a dia dos centros de pesquisas de todo o
mundo ou até mesmo das mãos habilidosas
de entusiastas.
A criação de ferramentas tão poderosas,
porém, ainda tropeça sobre responsabilida-
des éticas e morais que não estão incluídas na
programação destas inteligências artificiais.
 Conheça algumas
das possíveis aplicações
de Inteligência Artificial
Automatização de tarefas:
A IA pode automatizar tarefas repetitivas e manuais, liberando
tempo para que os profissionais de preservação se concentrem
em atividades mais estratégicas.

Para o advogado especializado em propriedade

intelectual, Rodrigo Moraes, a utilização da inteligência
artificial deve ser pautada pelo respeito à dignidade
humana e pela garantia dos direitos fundamentais
Análise de dados:
A IA pode ser usada para analisar grandes quantidades de
dados de forma rápida e eficiente, identificando padrões e
tendências que podem ser úteis para a preservação.

“A ética é um aspecto
fundamental na utilização Digitalização de documentos:
da inteligência artificial. A IA pode ser usada para digitalizar documentos de forma
É importante que as rápida e precisa, preservando-os em formato digital.

empresas e os profissionais
que trabalham com
Recuperação de documentos:
essa tecnologia estejam A IA pode ser usada para recuperar documentos perdidos ou
comprometidos com a ética danificados, aumentando a eficiência do processo de busca.
e com a proteção dos
direitos individuais.”
Verificação de autenticidade:
Rodrigo Moraes, A IA pode ser usada para verificar a autenticidade
advogado especializado em de documentos, assim como buscar indicativos
propriedade intelectual de plágio em um documento, auxiliando na garantia
da segurança jurídica dos registros.

“Os notários, como instituições responsáveis
pela guarda e registro de documentos oficiais,
terão que se adaptar à nova realidade para
garantir a segurança e a confiabilidade dos
registros”, diz Stefan Koos, professor doutor
da Escola de Negócios da Universidade de
Munique. Segundo o especialista na transfor-
mação digital que novas tecnologias trazem à
economia e ao Direito, a proteção dos direitos
digitais tem se tornado cada vez mais impor-
tante com o avanço da inteligência artificial e
por isso é fundamental que existam mecanis-
mos legais que garantam a proteção desses
direitos.
“Vejo a Inteligência Artificial envolver-se
de duas formas com os trabalhos do Notaria-
do. De certo a tecnologia proverá relevantes
e úteis ferramentas que agilizarão e propor-
cionarão ainda mais segurança aos tabeliães,
pois automatizarão processos, serão utiliza-
das para organizar banco de dados colossais
e proporcionarão soluções de atendimentos
pontuais. Por outro lado, os notários terão
destaque em seus papeis de guardiões da fé
pública, já que serão cada vez mais deman-
dados a coletar e documentar a vontade das
pessoas acima dos poderes de recriação de
imagens das Inteligências Artificiais”, disse o
especialista.
Em estudo realizado para o Jornal de Es-
tudos Sociais e Jurídicos da Indonésia, Koos
cita que o conteúdo de uma escritura de
compra e venda, por exemplo, pode até ser
redigida com as especificações dadas por um
tabelião, mas o assessoramento jurídico que
o acompanha nunca poderá ser substituído.
“Em minhas pesquisas mostro que questões
testamentárias, de mediação ou que envol-
vem a coleta de vontade demandam obriga-
toriamente um certo senso humanizado que
é impossível de se obter por uma máquina”.
“Claro, qualquer programa bem constru-
ído pode redigir uma minuta e seguir parâ-
metros jurídicos, mas para captar a essência
de uma solicitação, as angústias, as dificul-
dades, as necessidades e as reais intenções
de um cliente é preciso o bom olhar de um
notário, sua experiência e sua capacidade de
bem assessorar a parte”, diz ao ressaltar que
na Alemanha já se realiza projetos pilotos de
“Escrituras Inteligentes” (Smart Contracts),
redigidas por um software, mas revisadas e
construídas a parte das especificações de um
notário que já realizou uma entrevista prévia
com seu cliente.
“A inteligência artificial nunca terá a capa-
cidade de substituir um notário, pois o mes-
mo age muito além do que a formatação de
blocos de pensamentos em texto ou imagem.
É necessário humanidade para prover asses-
soramento a famílias e profissionais em atos
tão importante para suas vidas pessoais”, ex-
plica Stefan Koos.
O pesquisador alerta ser fundamental que a
sociedade também esteja consciente dos seus
direitos digitais e das possibilidades trazidas
pela inteligência artificial. “A conscientização
sobre o tema pode ajudar as pessoas a toma-
rem decisões mais assertivas em relação ao
uso de sua imagem e voz, garantindo assim
a proteção dos seus direitos por meio dos
Cartórios”, explica ao citar especificamente
um documento de garantia de respeito à von-
tade da pessoa em caso de incapacidade de
expressão consciente.

Cartórios com Você 63

Tabelionato de Notas

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

Em tour por Hong Kong após uma tempora-
da completa em Las Vegas, Whitney Houston
canta seus sucessos para uma plateia muito
mais jovem do que a de costume. A notícia não
causaria estranheza se não fosse pela data: se-
tembro de 2023.
Nos últimos meses a imagem da falecida
cantora toma os palcos de grandes centros de
entretenimento mundial em forma de hologra-
ma, que ao custo de 2 milhões de dólares, foi
feito especificamente para recriar um concerto
da artista, com sessões que reuniram não ape-
nas fãs ávidos, mas curiosos e entusiastas da
nova tecnologia que permite dar continuidade
às apresentações de Whitney.
A cantora, porém, nunca consentiu com este
uso, autorizado por sua cunhada (e produtora
do show), Pat Houston, que ressalta o tom de
homenagem das apresentações que rendem
milhões de dólares à família da estrela.
Diante desses novos desafios, os Cartórios
de Notas têm sido procurados por pessoas que A imagem da falecida cantora Whitney Houston toma os palcos de grandes centros de entretenimento mundial em
desejam proteger sua imagem e voz. Um dos forma de holograma
atos mais solicitados são as Diretivas Antecipa-
das de Vontade (DAVs), que têm como objetivo
estabelecer as condições para o uso da ima- determinar, por exemplo, que não deseja se imagem será utilizada caso a parte esteja in-
gem e da voz da pessoa, mesmo após sua mor- submeter a tratamento para prolongamento capacitada?”, indaga a diretora do Colégio No-
te. O ato, que é uma escritura declaratória, é da vida de modo artificial, às custas de sofri- tarial do Brasil – Conselho Federal, Ana Paula
muito conhecido por conter a manifestação da mento, ou ainda, deixar claro que se recusa a Frontini. A tabeliã paulista explica que o ato
vontade do cliente quanto às diretrizes de um receber transfusão de sangue em caso de aci- surge de um movimento estadunidense em
tratamento médico futuro, caso fique impossi- dente ou cirurgia. reconhecer a validade jurídica em território
bilitado de comunicar-se de forma consciente “Se estamos tratando da expressão e livre nacional das chamadas “advance directives”,
em virtude de acidente ou doença grave. manifestação de vontade das partes, porque ato que desenrolou-se em um erro de tradução
Por meio deste documento, a pessoa pode não seria possível incluir também como sua para o conhecido “Testamento Vital”.

Metalinguagem: IA fala de IA
Os parágrafos ao
A IA tem o potencial de transformar a forma como a memória é preservada. Os Cartórios, como
lado foram 100%
instituições responsáveis pela guarda e registro de documentos oficiais, estão se adaptando à nova
criados por meio
realidade para garantir a segurança e a confiabilidade dos registros.
do ChatGPT,
uma inteligência
A Inteligência Artificial (IA) é um campo da computação que busca desenvolver sistemas capazes de realizar
artificial de uso
tarefas que normalmente requerem inteligência humana, como reconhecimento de fala, processamento de
livre, disponível
linguagem natural, visão computacional, tomada de decisões e aprendizado de máquina. A IA é uma tecnolo-
online. Dentre
gia em constante evolução e possui diversas aplicações em diferentes áreas, desde a saúde até a indústria.
inúmeras
capacidades, está
A IA é baseada em algoritmos e modelos matemáticos que permitem que os sistemas aprendam a
a de criar um texto
partir de dados e experiências anteriores, melhorando continuamente suas habilidades e desempenho.
a partir de um
Existem diferentes abordagens e técnicas de IA, como redes neurais, algoritmos genéticos, lógica fuzzy,
simples comando.
entre outras.
Caso alimentado
com fontes de
A IA tem o potencial de revolucionar muitos setores, incluindo o dos Cartórios. Com a digitalização dos
pesquisa, artigos e
serviços e a adoção de tecnologias avançadas, é possível melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços
direcionado a um
prestados pelos Cartórios, além de garantir a segurança e a integridade dos dados e documentos.
assunto de forma
mais específica, é
A IA pode ser usada para automatizar muitas tarefas rotineiras e repetitivas, como a validação de
possível utilizá-
documentos, a análise de dados e a verificação de informações. Além disso, a IA pode ajudar a identificar
lo com maior
padrões e tendências nos dados, permitindo que os Cartórios tomem decisões mais informadas e precisas.
assertividade e
profundidade em
No entanto, é importante lembrar que a IA não é uma solução mágica para todos os problemas. É
textos acadêmicos,
necessário ter cuidado ao implementar a IA e garantir que ela seja usada de forma ética e responsável,
resenhas e até
levando em consideração questões como privacidade, segurança e transparência.
mesmo roteiros e
histórias ficcionais.
Em resumo, a IA é uma tecnologia poderosa que pode trazer muitos benefícios para os Cartórios e outras
áreas, mas também é preciso ter cautela e considerar os possíveis impactos e desafios.

64
 Diretivas Antecipadas de Vontade
A importância dos realizadas nos Tabelionatos de Notas
Cartórios de Notas na sociedade 2007 151
Os Cartórios de notas desempenham um 2008 117
papel fundamental na sociedade brasileira.
2009 120
São responsáveis por realizar diversos
serviços, como a lavratura de escrituras 2010 182
públicas, reconhecimento de firmas,
2011 393
autenticação de documentos, entre outros.
Além disso, também atuam na área de 2012 669
direitos autorais e registros de propriedade
2013 806
intelectual.
2014 950
2015 886

A atuação dos Cartórios de Notas 2016 831

na proteção dos Direitos Digitais 2017 770

2018 752
Os Cartórios de notas têm um papel 2019 573
importante na proteção dos direitos digitais.
Através do registro das diretivas antecipadas 2020 768
de vontade, eles garantem que a vontade 2021 509
da pessoa seja respeitada no que diz
respeito ao uso de sua imagem e voz. Além 2022 338
disso, os Cartórios também podem atuar 2023 177
na orientação jurídica e na elaboração de
contratos relacionados aos direitos digitais. TOTAL 8992
Fonte: CNB/CF

“A inteligência artificial está se tornando
cada vez mais presente em diversas áreas da
sociedade e a preservação da memória não é
exceção. Embora ainda haja muito a ser ex-
plorado, podemos esperar que a IA continue
a revolucionar como as pessoas planejam a
forma que desejam que suas imagens sejam
utilizadas”, diz Ana Paula Frontini, diretora do
CNB/CF.
“A DAV é uma escritura declaratória e não
pode ser confundida com um testamento, prin-
cipalmente porque sua efetividade inicia-se
com a impossibilidade da parte em expressar
sua vontade, e não devido sua morte”, explica
Frontini. No Brasil não há lei específica sobre o
instituto, cuja validade tem sido defendida com
base na Constituição Federal que dispõe sobre
a dignidade da pessoa humana, a liberdade e
a autodeterminação dela decorrentes, além da
privacidade e da impossibilidade de submissão
do paciente a tratamento sem seu consenti-
mento previstos pelo artigo 15 do Código Civil.
Frontini explica que o ato envolve ques-
tões íntimas das pessoas que “mesmo os mais
próximos não saberiam como resolver se não
houvesse uma orientação do próprio titular do
direito, além de incluir o acesso às senhas e
códigos de redes sociais, muitas vezes de ca-
nais de influenciadores monetizados por pla-
taformas digitais, até pessoas que desejam
preservar os direitos de voz ou imagem em
caso de algum acontecimento inesperado”, diz
ao lembrar que a inclusão de diretivas para o
tratamento e preservação da imagem da parte
tornou-se um passo natural nos pedidos devi-
do o crescimento do debate sobre o tema.
Dados do CNB/CF mostram que nos últimos
15 anos foram realizados mais de 8 mil atos
desta natureza no Brasil e mais de 100 nos
primeiros sete meses de 2023.
Ana Paula alerta, porém, que os efeitos de
uma escritura declaratória se encerram após
a morte do solicitante, sendo assim mais pru-
dente também inserir informações específicas
sobre a preservação e tratamento das imagens
pessoais de alguém por meio de um testamen-
to. “É recomendado oficializar a permissão ou
não do uso de imagem em comerciais, novas
edições ou seja qual for o cenário previsto, em
testamento, documento pensado para ter efei-
to após a morte do testador”, destaca.
UM TRABALHO EM DESENVOLVIMENTO
Tão nova e com evoluções quase efêmeras, a
Inteligência Artificial deixa um vácuo normati- A tabeliã paulista Ana Paula Frontini, diretora do CNB/
vo no Brasil. As escassas reflexões doutrinárias CF, explica que a DAV é uma escritura declaratória e não
sobre a matéria dissolvem-se num oceano de pode ser confundida com um testamento, principalmente
porque sua efetividade inicia-se com a impossibilidade da
possibilidades que duelam com o avanço da parte em expressar sua vontade, e não devido sua morte
tecnologia.
No meio deste universo em franca expansão
e com espaço para longos debates, os Cartó-
rios de Notas emergem como antros de garan- “Embora ainda haja muito
tias de manifestação de vontade. É na humani- a ser explorado, podemos
zação do atendimento e da orientação jurídica
que as preocupações de quem reflete sobre o esperar que a IA continue a
uso de sua imagem recaem, à procura da fé
pública para resguardar a vontade da parte
revolucionar como as pes-
mesmo se estiver inconsciente, incapaz ou até soas planejam a forma que
mesmo após sua morte.
Ana Paula Frontini ressalta que “à medida
desejam que suas imagens
que a tecnologia evolui, novas demandas sur- sejam utilizadas”
gem e é fundamental que os Cartórios estejam
preparados para lidar com essas demandas de Ana Paula Frontini,
forma ética e juridicamente adequada”. diretora do CNB/CF

Cartórios com Você 65

Tabelionato de Notas
“O CyberNotário é também aquele que
entende como as inovações criam novas
demandas jurídicas aos seus usuários”
Professor da Universidade de Munique, Stefan Koos fala sobre as complexas
relações entre fé pública e realidade sob as perspectivas da Inteligência Artificial
Professor da Universidade de
Munique, Stefan Koos fala
sobre o crescente debate do
notário no mundo virtual e as
questões relacionadas aos meios
eletrônicos online integrados à
vida moderna do cidadão
A digitalização da atividade notarial em nível
mundial passou a ser matéria de destaque ain-
da maior após a pandemia. A prática notarial
tomou forma e estrutura jurídica em diversos
países do mundo e em diferentes níveis, com
destaque à digitalização completa dos servi-
ços notariais brasileiros com o advento da
plataforma e-Notariado, regulamentada pelo
Provimento nº 100/2020.
Ao lado do crescente debate sobre o papel
do notário no mundo virtual, cresce também
as questões relacionadas aos meios eletrôni-
cos online integrados à vida moderna do cida-
dão, que depende cada vez mais da habilidade
do tabelião em garantir segurança jurídica
nos novos processos digitais. Esta relação
entre o exercício da fé pública que assimila
o meio virtual é tema de pesquisa do acadê-
mico alemão Stefan Koos, professor da Escola
de Negócios da Universidade de Munique, que
conversa com a Revista Cartórios com Você
em entrevista exclusiva.
Professor convidado da Universidade Islam
Riau, na Indonésia, a relação de Koos com a
66
digitalização das atividades notariais e sua in-
tegração com a Inteligência Artificial começou
há pouco mais de um ano, quando soube da
movimentação em torno de um projeto que
visa integrar o translado de atos notariais em
toda a Europa.
“Acompanho com muita atenção a digitali-
zação dos serviços notariais alemães, pois tais
soluções interferem ativamente com efetivida-
de da segurança jurídica dos negócios e, com
isso, a economia do País”, diz o professor que
relembra que em uma de suas aulas no curso
de verão de Altos Estudos em Economia da
Universidade Islam Riau, seria necessário não
apenas entender a presença do tabelião em
ambiente virtual, mas como a virtualização de
tarefas poderiam também modificar as rela-
ções da fé pública. “Pois foi necessário o olhar
mais antenado dos meus alunos para perce-
ber que não só basta o tabelião estar inserido
na internet, mas também entender como a
inteligência artificial, o metaverso e todas as
novidades tecnológicas interferem na vida do
cidadão”, explica.
CcV – Em recentes artigos e publicações o
senhor cita o nascimento do “CyberNotá-
rio”. Como esta figura se relaciona com a
Inteligência Artificial?
Stefan Koos - Em meus trabalhos sustento
que o CyberNotário, um termo muito utilizado
em artigos na Alemanha, seja muito mais do
que um notário que exerce suas funções ou
autoridade com base na tecnologia da infor-
mação, como vejo na literatura especializada.
Com a pandemia a prática notarial à distância
tomou proporções e relevância em nível mun-
dial, já que todos buscavam soluções que po-
deriam manter o notariado ativo mesmo com
as restrições de mobilidade da quarentena,
mas também cresce o debate acerca do papel
do notário em relação ao impacto da tecnolo-
gia na vida das pessoas. Cada vez mais, com
a integração de novas tecnologias na rotina
do cidadão, o CyberNotário é também aquele
que entende como as inovações criam novas
demandas jurídicas aos seus usuários. Vemos
emergir todos os dias novidades que modifi-
cam profundamente as relações entre indi-
víduos, como as redes sociais ou até mesmo
o metaverso, vemos também a mudança das
concepções de patrimônio, com o surgimento
de NFTs e a lucratividade de canais de influen-
cers e, por fim, vemos toda uma mudança de
paradigmas entre realidade e possibilidades
com a popularização da Inteligência Artificial.
CcV – Como a Inteligência Artificial pode
transformar essa relação entre indivíduos,
segurança jurídica e notário?
Stefan Koos – A inteligência artificial traz
questões éticas muito complexas. Em um dia
usamos vídeos como provas cabais de algum
acontecimento, no outro já não podemos
confiar em nossos sentidos, pois a tecnologia
está num estado tão avançado que é possível
recriar um comunicado do presidente dos
Estados Unidos declarando guerra à Rússia
ou uma foto do papa com uma jaqueta des-
colada. A minúcia de detalhes com que as
chamadas “deepfakes” conseguem atingir em
vídeos falsos fazem com que até os melhores
dos observadores questionem o que é “real”
ou não. Assim chegamos ao tema principal da
conversa: Como proteger nossa imagem des-
tas novas tecnologias? Devemos já pensar em
como utilizar da segurança jurídica do nota-
riado para garantir o respeito à vontade e ao
direito do esquecimento, que é muitas vezes
ignorado em exemplos famosos e midiáticos.
Torna-se cotidiano os casos de artistas que
são digitalmente recriados após a morte, em
turnês eternas e outros tantos aspectos polê-
micos e com entraves jurídicos tão delicados
que ainda pouquíssimas legislações dão conta
de prever situações semelhantes. A coleta da
vontade é uma constante nos países de Direi-
to Latino. Eis uma solução já conhecida para
um problema novo. Claro que as figuras “de
outros tempos” não tinham tais preocupações
e agora a utilização de suas imagens estão nas
mãos de familiares, sem que haja conhecimen-
to direto sobre a permissão direta da pessoa
em questão. Uma simples escritura declarató-
ria, coletada por um agente portador de fé pú-
blica e arquivada de forma segura já resolve-
ria tal caso que hoje envolve shows e direitos
autorais que movimentam milhões de dólares.
CcV – De que forma o Notariado Latino
responde de forma mais célere a estas
novas demandas que surgem com novas
tecnologias?
Stefan Koos - É importante considerar as dife-
renças fundamentais entre os notários do sis-
tema jurídico anglo-saxão e os notários do sis-
tema jurídico continental, ou latino. Nos EUA,
por exemplo, a digitalização e a automatização
das tarefas notariais são geralmente mais fá-
ceis porque se limitam principalmente a atos
formais e não incluem funções de aconselha-
mento jurídico e de alerta. Isso influi também
em como questões de coleta de vontade são
tratadas, pois a proteção jurídica e garantia
ao respeito da vontade em caso de invalidez
ou morte são pobres. Em contrapartida, os
notários alemães, por exemplo, prestam acon-
selhamento jurídico às partes e representam-
-nas perante tribunais e autoridades. Atribui-
ções semelhantes estão presentes em outros
91 países do mundo, segundo informações da
União Internacional do Notariado. Os requisi-
tos formais da lei alemã que prescrevem uma
“atitude de notário” servem ao propósito de
alertar as partes contra decisões precipitadas
ou mal ponderadas em transações significati-
vas e não se esgotam numa mera função pro-
batória. Segue-se assim ao aconselhamento
de atos que podem prevenir futuros litígios.
Logo, é possível concluir que a partir do No-
tariado é possível extrair soluções muito mais
efetivas às demandas oriundas das novas tec-
nologias, já que as mesmas se relacionam com
o cotidiano dos cidadãos assim sem atrelar-se
necessariamente à uma legislação própria.
Nesta lógica, a prudência notarial e a liberda-
“Sabemos que um dos pilares
da coleta de vontade do
CyberNotário é a realização
da videoconferência, logo,
com a popularização das
deepfakes, em qual ponto
deixaremos de sermos
capazes de discernir uma
videoconferência real de um
avatar criado digitalmente?”
Midjourney,
inteligência
artificial criada
por um laboratório
independente, causou
debates na internet
em março deste ano
ao publicar uma foto
“deepfake” do Papa
Francisco com uma
jaqueta moderna
e Donald Trump
sendo preso. Devido
a qualidade, ambas
geraram confusão
entre internautas
que desconheciam
o poder das
inteligências
artificiais.
de do profissional do mesmo criam um cená-
rio que adapta-se às novas realidades numa
“Uma simples escritura
velocidade muito maior do que os sistemas declaratória, coletada por um
que não se baseiam na prevenção do litígio.
agente portador de fé pública
CcV – Tendo em vista como o Notariado La- e arquivada de forma segura
tino traz soluções aos usos da Inteligência
Artificial, pode nos dizer um pouco mais
já resolveria tal caso que hoje
sobre os desafios que a mesma traz para o envolve shows e direitos
Notariado Latino?
Stefan Koos – Assim como podemos usar de
autorais que movimentam
escrituras declaratórias e testamentos para milhões de dólares”
nos proteger dos usos indiscriminados da
Inteligência Artificial, a mesma pode impor
novos desafios aos notários. Sabemos que um
dos pilares da coleta de vontade do Cyber- uma videoconferência continua sendo assus-
Notário é a realização da videoconferência, tadora. Do mesmo jeito que um daqueles tes-
logo, com a popularização das deepfakes, em tes “mostre que você não é um robô” funciona,
qual ponto deixaremos de sermos capazes soluções semelhantes podem ser aplicadas às
de discernir uma videoconferência real de plataformas utilizadas pelos notários para vi-
um avatar criado digitalmente? O cliente do deoconferência. Por enquanto, recaímos so-
outro lado da câmera estará mesmo doando bre a prudência do notário em notar os peque-
seus bens ou incluindo um primo distante em
testamento, ou será apenas uma criação de
nos detalhes que podem denunciar um rosto
recriado por IA. Além de contarmos, também,
algoritmos alimentados com fotos da vítima? com aquela costumeira estranheza que ainda
Claro que reforçamos a segurança do ato com sentimos com movimentos e a profundidade
a assinatura eletrônica por certificado digital, dos olhos quando assistimos rostos recriados
mas a possibilidade de sermos enganados por digitalmente.
Cartórios com Você 67
Tabelionato de Notas

O Direito ao fim:
o respeito à vontade
da morte digna
Promulgada em Portugal, a Lei da Eutanásia traz aos holofotes
jurídicos a coleta da vontade perante o desejo de morte

Por Vinicius Oka

68
 “No Brasil, a eutanásia é
uma conduta omissiva ou
comissiva de um terceiro que,
por compaixão, interrompe
a vida de um paciente
acometido de grave doença,
física ou psíquica, mas
que ainda não entrou em
processo de morte”
Mérces da Silva Nunes,
advogada especialista em
Direito Médico e Bioética
Marcar horário para solicitar a sua própria
certidão de óbito parece ser uma suposição
deslocada da realidade. O caso, porém, ilus-
tra a ideia da escolha da data, hora e local de
morte que acompanha a eutanásia, prática de
permitir a morte de um indivíduo com doença
terminal ou sofrimento insuportável.
O assunto tem sido objeto de discussão in-
tensa em todo o mundo e ganhou ainda mais
os holofotes da mídia em maio deste ano,
quando o presidente de Portugal, Marcelo Ra-
belo de Souza, promulgou a lei que descrimi-
naliza a eutanásia no país. Abertamente oposi-
tor da ideia, Rabelo já havia vetado o projeto,
mas se viu constitucionalmente obrigado a
promulgar o texto após confirmação da As-
sembleia da República de que a aprovação do
projeto era de interesse da Casa.
Nos últimos três anos, o Parlamento Por-
tuguês aprovou o projeto de lei quatro vezes,
mas, devido à oposição do presidente, foi de-
volvido para uma revisão constitucional. O
Partido dos Socialistas então votou pela se-
gunda vez o mesmo projeto para evitar o veto
final do chefe de Estado. A lei foi modificada
várias vezes para levar em consideração as
observações do presidente e foi alterada pela
Corte Constitucional.
A Lei n.º 22 de 25 de maio de 2023 alterou
o Código Penal Português e regulou as condi-
ções em que a morte medicamente assistida
não é punível no país. Mérces da Silva Nunes,
advogada especialista em Direito Médico e
Bioética pela Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo explica que a nova
legislação portuguesa estabelece rigorosos
critérios e salvaguardas para garantir que a
eutanásia seja realizada apenas em circuns-
tâncias muito específicas. “Ela exige que o
paciente esteja em sofrimento insuportável
e tenha uma doença incurável. Além disso, o
pedido de eutanásia deve ser feito de forma
livre, voluntária e consciente pelo paciente. A
participação de vários profissionais de saúde
e uma comissão de avaliação também são
necessárias para garantir que todas as salva-
guardas sejam respeitadas”, explica.
Membro da Comissão de Direito Médico da
Segundo a advogada especialista em Direito Médico e Bioé-
tica, Mérces da Silva Nunes, a legislação brasileira não con-
templa exceção para a prática da eutanásia: apenas autoriza
o juiz a diminuir a penalidade que será aplicada ao agente
OAB/SP, Mérces ressalta que, no Brasil, a eu-
tanásia é uma conduta “omissiva ou comissiva
de um terceiro que, por compaixão, interrom-
pe a vida de um paciente acometido de grave
doença, física ou psíquica, mas que ainda não
entrou em processo de morte”, diz e acres-
centa que a prática é considerada “homicídio
privilegiado, tipificado no artigo 121, §1º, do
Código Penal brasileiro”.
Mais recente, a eutanásia em Portugal des-
taca-se por aproximar o assunto cada vez mais
ao Brasil, onde o assunto ainda não parece
interligar médicos e juristas em prol de uma
solução ou decisão única. Ao redor do mundo,
multiplicam-se os exemplos de legisladores
do assunto. Na Europa, permitem a eutanásia
de forma semelhante a de Portugal: Bélgica e
Países Baixos desde 2002, Luxemburgo, em
2009 e, mais recentemente, Alemanha e Es-
panha, ambos em 2020.
CENÁRIO
INTERNACIONAL
Outros países, como Áustria e Noruega, per-
mitem a eutanásia em circunstâncias muito
específicas, como doenças incuráveis, nas
quais a pessoa pode escolher interromper os
tratamentos para prolongar sua vida, assim
como no caso de alimentação e hidratação
artificiais.
A Áustria também mudou sua abordagem
devido a uma decisão do Tribunal Constitu-
cional. Em dezembro de 2021, o parlamento
aprovou a legalização da eutanásia para pes-
soas com doenças graves ou incuráveis, em
resposta a uma decisão judicial que conside-
rou que a proibição existente violava os direi-
tos fundamentais. A lei entrou em vigor já em
janeiro do ano seguinte.
Em relação à Itália, o Tribunal Constitu-
cional também desempenhou um papel im-
portante. Em 2019, o suicídio assistido foi
despenalizado, mas sob rigorosas condições,
como patologia irreversível, sofrimento insu-
portável e capacidade de tomar decisões livres
e conscientes. Foi introduzida uma exceção no
Código Penal que pune o ato de instigar ou
ajudar o suicídio.
Cartórios com Você 69
Tabelionato de Notas
Eutanásia x
Morte Assistida
Na morte assistida a criação
do risco é gerada pelo próprio
paciente. Um terceiro, nesse caso,
apenas auxilia, não originando
o ato criador do risco. Assim, a
morte assistida difere da eutanásia,
que consiste causar a morte de
um paciente terminal, a pedido
dele, respeitando-se uma série de
condições.
Quanto à França e à Irlanda, a situação atu-
almente se assemelha à de Portugal, embora
Portugal esteja mais avançado, pois já está
trabalhando na legislação. Na França e na Ir-
landa, o tema ainda está em discussão. Des-
taque-se também a situação na Suíça, onde o
suicídio assistido é legal desde 1942, enquan-
to a eutanásia permanece proibida.
Além disso, existem outras situações na Eu-
ropa a serem consideradas. Por exemplo, na
Hungria, os doentes terminais têm o direito de
recusar tratamento. O mesmo ocorre na Lituâ-
nia e Eslovênia, desde que o paciente tenha
manifestado conscientemente esse desejo. Na
Letónia, os médicos não enfrentam processos
legais se decidirem “desligar a máquina”, e na
Dinamarca, desde 1992, qualquer cidadão
pode declarar por escrito sua recusa em pro-
longar qualquer tratamento.
Na Austrália, no Estado de Victoria, a euta-
násia também é possível e, mais recentemen-
te, em novembro de 2019, foi sancionada na
Nova Zelândia por referendum.
Em continente americano, nos Estados Uni-
dos, a legalização da eutanásia ocorre direta-
mente pelos estados, onde 5 decisões autôno-
mas já regulamentaram o tema. Já no vizinho
Canadá a eutanásia é legal desde 2006. Na
América do Sul o assunto é discutido pelos
congressos do México e Argentina enquanto
Chile, Uruguai e Colômbia já possuem proje-
tos aprovados.
Em comum, todos os países que permitem o
processo de eutanásia destacam o princípio da
vontade do solicitante como ponto base do pe-
dido. Além de uma comissão avaliadora de fa-
tores sociais, econômicos e médicos, é neces-
sário que o indivíduo se mostre certo de sua
escolha. Assim, o papel do agente de fé-públi-
ca entra neste cenário extremamente delicado
entre autonomia, respeito da vontade e vida.
O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL
O respeito à autonomia individual é um dos
pilares fundamentais da ética médica e dos di-
reitos humanos. “Cada indivíduo deve ter o di-
reito de tomar decisões importantes sobre sua
própria vida, incluindo decisões relacionadas
à saúde e ao fim da vida. A regulamentação
da eutanásia em Portugal reflete o reconhe-
cimento desse princípio fundamental”, explica
Filipa Maria Marques de Azevedo Maia, no-
tária em Portugal e membro da Comissão de
70
Cooperação Notarial Internacional (CCNI) da
União Internacional do Notariado.
A tabeliã portuguesa explica que para rea-
lizar a solicitação de Eutanásia é preciso que
o interessado submeta sua decisão por escri-
to a um médico de sua escolha, que expedirá
uma avaliação técnica sobre as condições do
doente no prazo de 20 dias. O procedimento,
porém, confronta um cenário específico onde
a vontade da parte não pode ser expressa caso
sua condição se agrave e deteriore consciên-
cia e comunicação.
É importante notar que a regulamentação
da eutanásia em Portugal não permite a morte
assistida a qualquer momento e sob qualquer
circunstância. As salvaguardas rigorosas fo-
ram estabelecidas para proteger a integridade
do processo e garantir que a decisão seja to-
mada com absoluta seriedade.
A consulta com médicos e especialistas é
obrigatória, e é necessário um período de re-
flexão entre o pedido inicial e a execução do
procedimento. Além disso, a regulamentação
exige que o paciente seja adulto e capaz de to-
mar uma decisão informada. Essas salvaguar-
das destinam-se a evitar abusos e garantir que
a eutanásia seja uma opção apenas para aque-
les que realmente desejam e precisam dela.
“O procedimento de eutanásia em Portugal
necessita das considerações do médico quan-
to à capacidade do paciente em expressar
sua vontade e seu estado psicológico para tal
solicitação, porém, caso o mesmo esteja in-
capacitado a vontade prévia do doente pode
não surtir efeito caso não esteja declarada por
documento público”, diz Filipa, ao lembrar das
escrituras declaratórias que podem conter tais
informações.
Quem pode solicitar a
Eutanásia em Portugal?
Sofrimento de grande intensidade
Aquele que decorre de doença grave
e incurável ou de lesão definitiva
de gravidade extrema (com grande
intensidade, persistente, continuado ou
permanente e considerado intolerável
pela própria pessoa);
Lesão definitiva de gravidade extrema
Trata-se de uma lesão grave, definitiva
e amplamente incapacitante que coloca
a pessoa em situação de dependência
de terceiro ou de apoio tecnológico
para a realização das atividades
elementares da vida diária, existindo
certeza (ou elevada probabilidade) de
que essas limitações venham a persistir
no tempo sem possibilidade de cura ou
de uma melhoria significativa;
Doença grave e incurável
Doença que ameaça a vida, em fase
avançada e progressiva, incurável e
irreversível, que provoca sofrimento de
grande intensidade.
De acordo com a notária em Portugal, Filipa Maria
Marques de Azevedo Maia, o tabelião português
não está diretamente integrado ao procedimento de
solicitação da Eutanásia, já que é necessária a avaliação
médica para coleta da vontade, porém as escrituras
declaratórias podem prover uma orientação mais precisa
em caso do paciente ficar incapacitado
“Cada indivíduo deve ter o
direito de tomar decisões
importantes sobre sua própria
vida, incluindo decisões
relacionadas à saúde e ao fim
da vida. A regulamentação da
eutanásia em Portugal reflete
o reconhecimento desse
princípio fundamental.”
Filipa Maria Marques de Azevedo Maia,
notária em Portugal e membro da Comissão
de Cooperação Notarial Internacional (CCNI)
da União Internacional do Notariado
“Uma das principais razões para a regula-
mentação da eutanásia é garantir que a vonta-
de do paciente seja respeitada. Muitas vezes,
pessoas com doenças terminais enfrentam
um sofrimento intenso e prolongado. Muitos
defensores da eutanásia argumentam que per-
mitir que as pessoas escolham o momento de
sua morte é um ato de compaixão e respei-
to pelos valores e desejos individuais. Porém
muitas vezes tais pessoas perdem a capacida-
de de expressar a vontade, necessitando de
um documento produzido previamente, en-
quanto ainda há consciência sobre seu estado
físico e mental”, diz.
No Brasil, o debate sobre a eutanásia não
chegou de fato ao Congresso com alguma pro-
posta que tenha avançado nos últimos anos.
Embora o respeito à vontade do paciente seja
considerado fundamental para preservar a
dignidade humana por especialistas da área
médica e jurídica, a Resolução do Conselho
Federal de Medicina (CFM) nº. 1.805/2006
prevê a possibilidade de abreviamento do
sofrimento de um paciente de morte certa e
sem qualquer condição de cura ou melhora,
o que para alguns estudiosos pode ser enten-
dido como uma regulação da prática de Or-
totanásia, apenas, quando tratamentos que
prolonguem a vida são interrompidos perante
o sofrimento do paciente.
Para tal questão, as escrituras declaratórias
brasileiras, conhecidas como Diretivas Ante-
cipadas de Vontade (DAVs), já atuam como
documento amplamente reconhecido para ga-
Para a doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade
de Medicina da UFMG e mestre em Direito Privado pela
PUC Minas, Luciana Dadalto, “o Testamento Vital é uma
manifestação de vontade e, como toda manifestação de
vontade pode ser alterada a qualquer tempo desde que
o outorgante tenha capacidade decisória”

A regulamentação da eutanásia em Portugal representa um avanço significativo na proteção do direito à autonomia

“O fundamento jurídico do individual e ao respeito à vontade das pessoas em questões de fim de vida

chamado Testamento Vital são

os princípios constitucionais
ESCOLHA E DIGNIDADE quando os familiares discordam da vontade
da dignidade humana e da A regulamentação da eutanásia em Portugal do outorgante; por isso, eu digo sempre para
autodeterminação. Há poucas representa um avanço significativo na prote- pessoas que querem fazer seu testamento vi-
ção do direito à autonomia individual e ao tal: mais importante do que um documento, é
decisões sobre o tema no Brasil respeito à vontade das pessoas em questões você conversar com seus familiares e sensibi-
e a maior parte delas confunde de fim de vida. Ela oferece uma opção com- lizá-los à cumprir suas vontades”, diz.
passiva para indivíduos que enfrentam um A experiência europeia alimenta o deba-
o que chamo de Testamento sofrimento insuportável devido a doenças te no Brasil de dispositivos que garantam o
Vital com outras espécies de terminais. No entanto, é essencial lembrar respeito à dignidade das pessoas, seja para
que a eutanásia é uma decisão complexa e a eutanásia ou ortotanásia. Com a existência
documentos declaratórios.” delicada que deve ser cercada por salvaguar- de ferramentas jurídicas no País para a coleta
das rigorosas para garantir que seja tomada da vontade, o tema toma novos rumos ao en-
Luciana Dadalto, de maneira ética e responsável. A regula- tender que soluções como o Testamento Vital
doutora em Ciências da Saúde pela mentação em Portugal busca alcançar esse podem ser integradas de forma mais espe-
Faculdade de Medicina da UFMG e equilíbrio entre respeitar a autonomia do pa- cífica como uma escritura declaratória com
mestre em Direito Privado pela PUC Minas ciente e proteger os valores fundamentais da conceitos e regulamentação própria.
sociedade. Dadalto ressalta que “o Testamento Vital é
Dadalto também explica que o Testamento uma importante ferramenta de autodetermi-
Vital pode e “deve” ser modificado ao longo nação para o fim da vida”, já que é um produ-
rantir o respeito à vontade da pessoa. Luciana
do tempo, acompanhando os diferentes mo- to de uma cultura que prioriza a vida biográ-
Dadalto, doutora em Ciências da Saúde pela
mentos da vida de alguém, que amadurece fica em detrimento da vida biológica e que
Faculdade de Medicina da UFMG e mestre
e muda seus conceitos e desejos. “Todo ne- compreende que não há dignidade no morrer
em Direito Privado pela PUC Minas, defen-
gócio jurídico pode ser contestado quando se o paciente não é ouvido.
de que uma declaratória específica quanto à
houver violação aos requisitos de validade “Contudo, é preciso avançar na perspecti-
eutanásia, a não-ressuscitação ou ortotanásia
e eficácia, por isso, as precauções são evitar va dos demais documentos de DAV, para que
deve ser criada e conecta o termo “Testamen-
que tais requisitos sejam violados”, explica ao possamos compreender que há autodetermi-
to Vital” ao tema. “O fundamento jurídico do
lembrar que o ato também pode ser contesta- nação em outras situações de saúde e que
chamado Testamento Vital são os princípios
do. “Além disso, pela minha experiência, um para cada uma das situações há um docu-
constitucionais da dignidade humana e da au-
testamento vital é contestado/descumprido mento de DAV em específico”, conclui.
todeterminação. Há poucas decisões sobre o
tema no Brasil e a maior parte delas confunde
o que chamo de Testamento Vital com outras
espécies de documentos declaratórios”, expli-
ca a advogada que enxerga a necessidade da
criação de uma lei própria no Brasil para pôr
fim à confusão terminológica e regulamentar Testamento Vital
de forma direta tal assunto.
“Há o projeto de lei do Senado 2986/2022
(antigo PL 149/2018). É preciso, em primeiro
Elementos que Elementos
lugar, compreender que a aprovação de uma devem estar presentes facultativos
lei, sozinha, não tem o condão de mudar a re-
alidade. A aprovação do PL 2986 daria mais • Valores pessoais • Pedidos de eutanásia, desde que fique
segurança jurídica para pacientes, na medida claro que o outorgante sabe que este
em que deixaria claro qual o conteúdo válido, • A quais estados clínicos o documento pedido só produzirá efeito se e quando
a legalidade do documento, as possíveis for- se refere a eutanásia for legalizada no país.
mas e, essencialmente, o caráter vinculante”,
diz ao ressaltar que tanto as Diretivas Ante- • A quais cuidados, tratamentos e pro- • Nomeação de um médico de confiança
cipadas como a jurisdição brasileira conhece,
cedimentos o paciente aceita e quais
como o possível “Testamento Vital” são docu-
ele recusa • Preferência de local de cuidado
mentos lavrados em Cartórios de Notas pois
baseiam-se diretamente à coleta de vontade
das partes e a fé pública que verifica capaci- • Procuração para cuidados de saúde • Doação de órgãos e ritos fúnebres
dade do interessado.

Cartórios com Você 71

Tabelionato de Notas
“O mundo se viu obrigado
a debater assuntos que
todos queríamos esquecer”
A juíza da 1ª Vara de Registros Públicos de
São Paulo, Luciana Carone Nucci Eugenio
Mahuad, fala sobre o papel vital dos tabeliães
de notas na aferição da vontade das partes,
alimenta o debate sobre o tema das Diretivas
Antecipadas de Vontade no âmbito da bioética
e propõe sua regulamentação em lei
A juíza da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Luciana Carone Nucci Eugenio Mahuad, analisa o Direito à Vida e o Direito à Morte sob a ótica do respeito à dignidade e
Autonomia Privada do paciente e suas implicações jurídicas
Ao longo dos três primeiros anos da pandemia
de coronavírus no Brasil, registrou-se um re-
corde histórico na realização de testamentos
e testamentos vitais em Cartórios de Notas do
País. O trabalho de assegurar a vontade das
pessoas em tempos em que o tema morte é
amplamente debatido nunca ganhou tanto
destaque da mídia e a atenção pública quanto
nos últimos meses.
Para entender melhor o fenômeno, a Revis-
ta Cartórios com Você conversou com a juíza
da 1ª Vara de Registros Públicos de São Pau-
lo, Luciana Carone Nucci Eugenio Mahuad,
autora do livro “Morte Digna?”, publicado em
2018 pela editora Lumen Juris.
A obra é fruto da tese de mestrado em Di-
reito Civil da autora para a Universidade de
São Paulo (USP) e analisa o Direito à Vida e o
Direito à Morte sob a ótica do respeito à digni-
dade e Autonomia Privada do paciente e suas
implicações jurídicas, com um estudo sobre a
viabilidade das Diretivas Antecipadas de Von-
tade e sua aplicação dentro de uma proposta
de regulamentação da matéria por lei.
O ato, que somente no 1º semestre de 2021
somou mais de 360 solicitações pelo País, um
aumento de 65% em relação ao mesmo perío-
do de 2020, ainda não possui uma legislação
específica no Brasil, sendo contempladas ape-
nas pela Resolução nº 1.995/2012 do Conse-
lho Federal de Medicina, que reconhece o Tes-
tamento Vital e permite ao paciente registrá-lo
em sua ficha médica ou prontuário, documento
que cresce cada vez mais no país. “Os tabeliães
auxiliam na prevenção de conflitos e na cons-
trução de uma sociedade mais harmônica!”.
72
CcV - O que a motivou escrever o livro “Mor-
te Digna”? Como foi o processo de pesquisa
realizado durante o seu mestrado?
Luciana C.N.E. Mahuad - O livro foi o resulta-
do de meus estudos de mestrado na USP em
Direito Civil (2015-2017). A escolha do tema
aconteceu após uma aula muito especial de
meu orientador, professor Claudio Luiz Bueno
de Godoy, sobre os Direitos da Personalida-
de. Definido o tema, iniciei a pesquisa com o
apoio dele, elaborando minha dissertação de
mestrado. Após aprovação pela banca, houve
recomendação de publicação.
CcV - Por quais motivos o livro revisita os
Direitos da Personalidade antes de debater
mais a fundo a expressão de vontade das
pessoas?
Luciana C.N.E. Mahuad - O trabalho com as
formas de interferência no processo morte
exigiu compreensão dos Direitos da Personali-
dade, notadamente de seu conceito, para que
se pudesse construir a ideia de um direito à
morte digna. Na nossa concepção, são direitos
subjetivos outorgados, regulados e limitados
pelo direito objetivo com uma finalidade espe-
cial (de tutela da dignidade humana), os quais
impõem deveres jurídicos de respeito à igual-
dade e à solidariedade. Impõem, ainda, dever
de proteção pelo Estado, mesmo para casos
em que o próprio titular do direito não a de-
seje. Existe grande relevância, para o Direito,
de todo tipo de ação ou intervenção destinada
a alterar as condições normais de existência,
notadamente no que diz respeito aos trata-
mentos médicos e à discussão em torno da
eutanásia e da ortotanásia, porque eles im-
plicam relativização na proteção do direito à
vida. Um dos pontos centrais do trabalho está
na seguinte questão: haveria sustento social e
jurídico para ampliação da autonomia privada
em tais áreas, com enfraquecimento da con-
cepção absolutista da tutela do direito à vida
(que é o mais importante Direito da Personali-
dade na medida em que pressuposto lógico de
todos os demais)?
CcV - Como o livro desenvolve a dinâmica
de escolhas médicas e o respeito à autono-
mia privada do paciente, levando em consi-
deração o respeito à vida junto da dignida-
de da “pessoa humana”?
Luciana C.N.E. Mahuad - O médico é a pri-
meira pessoa que se relaciona com o direito
do paciente a uma morte digna, ainda que não
haja regulação da matéria pelo Direito. Encon-
tramos duas posições opostas a respeito da
“O trabalho com as
formas de interferência
no processo morte exigiu
compreensão dos Direitos da
Personalidade, notadamente
de seu conceito, para que se
pudesse construir a ideia de
um direito à morte digna”
 “O médico é a primeira
pessoa que se relaciona com
o direito do paciente a uma
morte digna, ainda que não
haja regulação da matéria
pelo Direito”
questão: a primeira delas no sentido de que se
mantenham os cuidados médicos até o limite
das possibilidades técnicas, sendo conside-
rada a interrupção do tratamento, ainda que
se pudesse presumir como tal a vontade do
paciente, um homicídio a pedido, punível na
forma da lei. A segunda, concordando com a
interrupção da assistência médica, sob o fun-
damento de que não seria razoável supor que
o paciente desejasse continuar a sofrer. Com
as pessoas vivendo mais e ganhando maior
acesso à assistência médica, a decisão sobre
questões envolvendo a vida ou a morte de um
doente deixou de ser de incumbência exclu-
siva dos médicos e passou também a perten-
cer ao próprio paciente e à sua família, assim
como a toda a sociedade.
CcV - Qual a importância do estudo para o
entendimento dos conceitos de “morte dig-
na” pelos profissionais do Direito que se re-
lacionam com o assunto?
Luciana C.N.E. Mahuad - O estudo reuniu ele-
mentos para o debate em torno da matéria no
âmbito jurídico, com sugestão para sua regu-
lamentação por lei.
CcV - Uma das novidades relacionadas ao
Direito nos últimos anos são os chamados
Testamentos Vitais, ou Diretivas Antecipa-
das de Vontade. Como este instrumento ju-
rídico pode se relacionar com o conceito de
morte digna em relação a pacientes incapa-
zes de expressarem sua vontade?
Luciana C.N.E. Mahuad - Em nosso ordena-
mento, muitos são os fundamentos que justifi-
cam o reconhecimento da possibilidade de se
exercerem as Diretivas Antecipadas de Vonta-
de. O primeiro deles estaria na configuração
atual de um direito à boa morte enquanto Di-
reito da Personalidade, estruturado nos prin-
cípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana e da autonomia privada. Serviriam de
apoio, ainda, os princípios constitucionais da
liberdade de expressão de pensamento e da li-
berdade de crença e religião, bem como a tute-
la constitucional do direito à integridade física.
A legislação civil, por sua vez, por apenas exi-
gir, para a validade do negócio jurídico, agente
capaz, objeto lícito, possível, determinado ou
determinável, e forma prescrita ou não defe-
sa em lei, possibilitando a feitura de contra-
tos atípicos, desde que observadas as normas
gerais do ordenamento, e contemplando a
ampla liberdade de estrutura, ao reconhecer
que a validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, salvo quando a
lei expressamente a exigir, também não apre-
sentaria obstáculos maiores. O próprio contex-
to normativo no Brasil – que muito se asse-
melha ao de outros grupos sociais, mostrando
até mesmo menos avanço do que o de outras
sociedades, em que a matéria já está regula-
mentada por lei em sentido técnico – autoriza
defender a possibilidade e a validade de negó-
cio jurídico que assuma a forma e o conteúdo
de Diretivas Antecipadas de Vontade.
CcV - A obra aborda em diversos momentos
a vida prolongada pela tecnologia. Como o
livro analisa a sobrevida que os aparelhos
atuais oferecem e o papel dos documentos
que garantem as vontades previamente ex-
pressadas pelo paciente?
Luciana C.N.E. Mahuad - As diretivas se
traduzem justamente como declaração ante-
cipada de vontade para permitir ou proibir
tratamento médico no momento em que esta
vontade não puder ser mais expressada em
virtude da incapacidade do declarante. São
garantias de que a vontade do paciente seja
observada quando ele não puder mais mani-
festá-la. Existem duas formas para o exercício
das diretivas antecipadas de vontade. De fato,
podem ser executadas por meio de declaração
escrita do próprio interessado. Nesta hipóte-
se, são conhecidas como “testamento vital” ou
“testamento biológico”, testamento em vida,
testament de vie ou living will. Preferimos
nomeá-las como diretivas antecipadas escri-
tas, para evitar confusão com o instituto do
testamento do Direito das Sucessões. Quando
exercidas por meio da constituição de um pro-
curador, também encontram diferentes deno-
minações, como durable power of attorney for
health care ou procuração para cuidados de
saúde, sendo esta última, obviamente, a mais
adequada para o nosso vernáculo.
CcV - O primeiro semestre de 2021 regis-
trou um recorde histórico de testamentos
e de testamentos vitais realizados. Em sua
análise, o que levou as pessoas a se preocu-
parem mais com a morte e o planejamento
sucessório?
Luciana C.N.E. Mahuad - A maior proximida-
de da internação e da morte trazida pela pan-
demia da Covid-19. O mundo se viu obrigado
a parar e a debater sobre assuntos que todos
queríamos esquecer na correria da vida “nor-
mal” que levávamos antes! Como registrei no
livro: “Em um mundo cada vez mais evoluído
tecnologicamente e interconectado, o tempo
e sua passagem não são mais elementos tão
facilmente percebidos. A velocidade frenética
dos fatos, a agitação do dia a dia, o conside-
rável número de atividades e a grande gama
de informações e descobertas disponíveis, po-
rém, não nos tornam - ainda - imunes às do-
“Em nosso ordenamento,
muitos são os fundamentos
que justificam o
reconhecimento da
possibilidade de se
exercerem as Diretivas
Antecipadas de Vontade”
“Bem assessorando as
partes e garantindo a
segurança necessária,
os tabeliães auxiliam na
prevenção de conflitos
e na construção de uma
sociedade mais harmônica”
enças ou ao advento da morte. Reflexão sobre
tais temas, portanto, é necessária, assim como
coragem para regulamentação da matéria na
medida do necessário, de forma que cada um
de nós possa ter garantido o pleno desenvol-
vimento de nossa personalidade em todos os
âmbitos de nossa existência”.
CcV - De que forma o planejamento suces-
sório cria efeitos imediatos na vida de quem
o faz?
Luciana C.N.E. Mahuad - O planejamento
sucessório é instituto clássico do Direito de
Família (testamento em sentido clássico). No
livro, trabalhamos com o direito à morte digna
e o seu exercício por meio de diretivas anteci-
padas de vontade (âmbito da Bioética).
CcV - Com a chegada da pandemia os atos
notariais migraram para o ambiente eletrô-
nico e hoje, testamentos, testamentos vitais
entre outros atos podem ser realizados de
forma digital pela plataforma e-Notariado.
Como avalia esta evolução e quais seus im-
pactos na aferição de vontade das pessoas?
Luciana C.N.E. Mahuad - Sou uma entusiasta
da tecnologia pela democratização de acesso
que ela possibilita. Em outros termos, todas
as ferramentas trazidas com a tecnologia são
bem-vindas, mas há sempre que se garantir
respeito às normas em vigor e à vontade dos
interessados. Há meios para tanto. Basta coor-
denar o novo com os requisitos dos sistemas
já estruturados em nosso país, como os Tabe-
lionatos e o próprio Poder Judiciário.
CcV - Ao longo dos anos, os Cartórios de No-
tas vêm contribuindo para o chamado mo-
vimento de desjudicialização, como nos ser-
viços de inventários, divórcios, usucapião,
entre outros. Como vê este movimento e a
importância deste trabalho?
Luciana C.N.E. Mahuad - Com bons olhos.
Todos nós, enquanto operadores do Direito,
desejamos bem servir. Como dito acima, todos
os avanços, inclusive tecnológicos, são muito
bem-vindos para a prestação de serviços mais
céleres e eficientes, uma vez resguardada a
segurança jurídica necessária e cumpridos os
requisitos legais.
CcV - Como avalia a importância da ativi-
dade notarial para a segurança jurídica e
prevenção de litígios na sociedade?
Luciana C.N.E. Mahuad - A importância é cen-
tral. Bem assessorando as partes e garantindo
a segurança necessária, os tabeliães auxiliam
na prevenção de conflitos e na construção de
uma sociedade mais harmônica.
Cartórios com Você 73
Especial

Sinal Vermelho: Cartórios mobilizam

todo o Brasil em campanha de
combate à violência contra a mulher
Provimento 147 da Corregedoria Nacional de Justiça insere notários e
registradores na política permanente de enfrentamento a este tipo de violência

Por Frederico Guimarães

74
Era quase véspera de Natal. Na madrugada do
dia 23 de dezembro de 2015, a advogada Ma-
riana Serrano voltava de uma festa da firma
em que seu companheiro trabalhava na cidade
de São Paulo. Depois de uma discussão, já sob
o efeito de álcool, o companheiro de Mariana
avançou sobre ela e lhe desferiu um tapa no
rosto com a toda a força que podia. Em segui-
da, lhe segurou os braços e começou a ofen-
dê-la repetitivamente, sem deixar que a vítima
esboçasse reação. Mariana então conseguiu
pegar o celular e começou a gravar a atitude
do então companheiro com quem tinha uma
união estável. Depois de muita gritaria, ame-
aças e confusão, Mariana conseguiu colocá-lo
para fora de casa e chamou uma amiga para
lhe socorrer. A partir daí, começou um outro
problema: as três delegacias em que foi zom-
baram do ocorrido e com muito custo conse-
guiu registrar um boletim de ocorrência.
“Fui em uma terceira delegacia e foi onde o
delegado falou o clássico ‘mas você está me
mostrando um recorte do que aconteceu. O
que você fez para chegar a este ponto?’, como
se eu tivesse sido responsável por isso”, relem-
bra Mariana.
Para combater essa e outras formas de vio-
lência contra a mulher, o Provimento nº 147,
de julho de 2023, publicado pela Corregedo-
ria Nacional de Justiça, dispõe sobre a política
permanente de enfrentamento a todas as for-
mas de violência contra a mulher, no âmbito
das atribuições da Corregedoria Nacional de
Justiça; adota protocolo específico para o aten-
dimento a vítimas e recebimento de denúncias
de violência contra a mulher envolvendo ma-
gistrados, servidores do Poder Judiciário, no-
tários e registradores; cria canal simplificado
de acesso a vítimas de violência contra a mu-
lher na Corregedoria Nacional de Justiça e dá
outras providências.
Em 2021, a campanha “Sinal Vermelho Con-
tra a Violência Doméstica”, já havia ampliado a
rede de suporte às mulheres que sofrem com
as agressões vindas de quem divide o mes-
mo teto, quando os Cartórios de todo o Brasil
passaram a integrar a lista de estabelecimen-
tos aptos a receber as vítimas e acionar a po-
lícia para registrar a ocorrência. A iniciativa,
inclusive, foi transformada em Lei Federal -
14.188/2021. Desde então, até o fechamento
desta reportagem, 451 Cartórios aderiram à
campanha, em 22 estados brasileiros, sendo
72 somente no Rio Grande do Sul, e 48 no es-
tado de São Paulo.
“Acho que teria feito muita diferença na
minha vida se eu tivesse tido um acesso mais
tranquilo ao meu direito de lavrar um boletim
de ocorrência. Acho um tipo de iniciativa mui-
to importante. Em todos os lugares se devem
falar sobre isso. Em Cartórios, no Judiciário, no
Ministério Público, nas delegacias mesmo. Em
todos os lugares, o acesso a essa informação é
bastante importante”, opina Mariana, que de-
pois do ocorrido fundou a rede Feministas de
Juristas (deFEMde), onde começou a atender
mulheres vítimas de violência.
“A iniciativa foi idealizada no período de iso-
lamento social provocado pela pandemia do
coronavírus para possibilitar que mulheres, ví-
timas de violência familiar e doméstica pudes-
sem pedir ajuda em farmácias, órgãos públicos
e agências bancárias com um sinal vermelho
desenhado na palma da mão, em razão do au-
mento dos casos de agressão, motivados pelo
maior tempo de contato da vítima com o agres-
sor e as dificuldades de buscar socorro durante
o regime de lockdown”, explica a tabeliã do 21º
Ofício de Notas do Rio de Janeiro e ex-juíza de
Direito, Vanele Falcão, ao se referir a campanha
“Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”.
Coube a Anoreg-Mulher, no Rio de Janei-
ro – criada após o cruel assassinato da juíza
Viviane do Amaral, brutalmente assassinada à
facadas por seu ex-marido na frente das duas
filhas do casal - dar visibilidade à importância
dos Cartórios no cenário nacional, transfor-
mando o projeto e dando um alcance nacional
que culminou com a celebração do convênio
entre a Associação dos Notários e Registrado-
res do Brasil (Anoreg-BR), o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistra-
dos Brasileiros (AMB).
A Corregedoria Nacional de Justiça também
editou uma recomendação aos Cartórios para
a implementação das ações da campanha “Si-
nal Vermelho de combate à violência contra
a mulher”. A Recomendação CJN n. 49/2022
Cartórios com Você 75
Especial

Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil

VIOLÊNCIA AO LONGO DA VIDA
Epidemia de violência Principais formas de violência
provocadas por parceiro íntimo ou ex
33,4%
das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram 32,6% 24,5% 21,1% 12,9% 9,8%
violência e/ou abuso por parte de parceiro íntimo ou ex
Maior do que a média global, de 27% (OMS)
21,5 milhões de mulheres

Psicológica Física Sexual Forçada a ficar Teve acesso

sozinha ou negado a recursos
Percepção da população 21 15,8 13,6
impedida de se
comunicar com amigos
básicos, como
assistência médica
e familiares ou dinheiro
65,2% 52% milhões milhões milhões
dos brasileiros acham que
a violência contra a mulher
relatam ter visto
alguma situação de violência
8,3 6,3
aumentou no último ano nos últimos 12 meses milhões milhões

VIOLÊNCIAS SOFRIDAS PELAS BRASILEIRAS NO ÚLTIMO ANO

50.962 sofreram violência
diariamente em 2022. O equiva-
28,9% Sofreram algum tipo
de violência ou agressão 18,6 milhões de mulheres lente a um estádio lotado

Quem era o agressor?

23,1% 13,5% 11,6% 5,4% 5,1%
Pela primeira vez, o ex-parceiro
aparece como principal agressor

31,3% 26,7%
ex-cônjuge cônjuge
ex-companheiro companheiro
ex-namorado namorado
Ofensas verbais Perseguição Chutes e socos Espancamento Ameaça com

8,4%
ou tentativa de aca ou arma
14,9 8,7 7,6 estrangulamento de fogo

milhões milhões milhões 3,5 3,3 pai/mãe

14 MULHERES AGREDIDAS POR MINUTO milhões milhões

EPISÓDIOS DE QUEM SÃO ESSAS MULHERES?

VIOLÊNCIA
65,6% Negras 16 a 24 30,3% Onde ocorreu?
4 VEZES é o 51,9%
número médio de 25 a 34 22,8%
residem em cidade
do interior 53,8% casa espaço de maior violência
agressões sofridas 29,0% Brancas 57,4%
no último ano. tinham
Entre mulheres filhos
35 a 44 20,69%
17,6% na rua
divorciadas, a 2,3% Amarelas
média foi de 9
45 a 59 17,1%
48,1% 4,7% no trabalho
em capitais e RM
agressões
3,0% Indígenas 60 e + 9,2%

está alinhada à Lei n. 14.188, que permite que
todos os órgãos públicos da administração di-
reta e indireta implantem a campanha. Várias
farmácias, agências bancárias e salões de bele-
za já aderiram e são pontos de referência.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, corre-
gedor-nacional de Justiça, “os Cartórios têm
sido valiosíssimos aliados no combate à violên-
cia contra a mulher”.
“A parceria com os Cartórios permitiu que
alcançássemos os municípios do Brasil, propor-
cionando às vítimas um local discreto e eficaz
para denunciar seus agressores. Esse aspecto
é especialmente relevante em contextos inte-
rioranos, onde a ida a uma delegacia poderia
implicar em uma identificação pública das víti-
mas”, ressalta Salomão.
“O Provimento CNJ n. 147/2023 estabelece
a adoção de protocolo específico para o atendi-
mento de vítimas e recebimento de representa-
ções por violência contra a mulher envolvendo
magistrados, servidores do Poder Judiciário e
prestadores de serviços notariais e de registro
que atuem por delegação do poder público”,
complementa o corregedor.
CENÁRIO NACIONAL
A violência contra a mulher cresceu em 2022.
Essa foi a conclusão do relatório “Visível e In-
visível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”,
divulgado pelo Fórum Brasileiro de Seguran-
ça Pública em março deste ano, cujos dados
são baseados em pesquisa de vitimização. Na
ocasião, foram apontados os maiores níveis de
vitimização por agressão e assédio desde a pri-
meira edição da pesquisa, realizada em 2017.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, os feminicídios cresceram 6,1% em
2022, resultando em 1.437 mulheres mortas
simplesmente por serem mulheres. Os homicí-
dios dolosos de mulheres também cresceram
(1,2% em relação ao ano anterior), o que im-
possibilita falar apenas em melhora da notifica-
ção como causa explicativa para o aumento da
violência letal.
No dia 16 de agosto deste ano, o presidente
Lula anunciou o lançamento do Pacto Nacio-
nal de Prevenção aos Feminicídios - Decreto
nº 11.640 -, com o objetivo de prevenir dis-
criminação, misoginia e violências de gênero
contra as mulheres.
De acordo com a advogada e cofundadora
da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) e só-
cia da Gema Consultoria em Equidade, Isabela
Guimarães Del Monde, o Decreto estabeleceu a
criação de um Comitê-Gestor do pacto de pre-
venção nacional ao feminicídio, sendo que esse

76
 Razões para não procurar a polícia
O que fez após o episódio
mais grave de violência 38,0% 21,3% 14,4%
resolveram nãoacreditavam que não tinham
sozinhas a polícia pudesse provas suficientes
oferecer soluçãos

Não fez nada Procurou ajuda Procurou ajuda Denunciou em uma Ligou para a PM Denunciou à polícia Ligou para a Central
da Família dos Amigos Delegacia da Mulher no 190 através de um de Atendimento à
registro eletrônico Mulher (180)

Crescimento de todas as formas de violências Ações consideradas muito importantes pelas

sofridas pelas brasileiras no último ano mulheres para enfrentar a violência doméstica
Espancamento ou tentativa de estrangulamento 2,4%

Ameaça com faca ou arma de fogo

5,4% 76,5% 72,4% 69,4%
3,1%
Punir de forma mais Alguém para conversar, oferecer suporte legal e
5,1%
severa aqueles que como psicólogo ou serviçõs que orientem
Ofensa sexual 5,4% cometem violência outro especialista em a mulher
9,0% doméstica saúde mental
Batida, empurrão ou chute 6,3%
11,6%
Amedrontamento ou perseguição 7,9%
13,5% 67,9% 67,2%
Insulto, humilhação ou xingamento (Ofensa verbal) 18,6% Ampliar a divulgação Garantir acesso a
23,1% de campanhas sobre necessidades básicas para
SOFREU ALGUM TIPODE VIOLÊNCIA OU AGRESSÃO 24,4% conscientização e denúncia mulheres em situação de
28,9% de violência doméstica para violência
2021 2023 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% homens e mulheres

Assédio
46,7% das brasileiras afirma
ter sofrido alguma forma
30 milhões de mulheres
de assédio em 2022
Maior índice já registrado
+ frequentes Quantas mulheres? Sofreu algum tipo de assédio no último ano

Cantadas e comentários
41,0% desrespeitosos na rua 26,3 milhões 60 40,2
46,7
37,1 37,9
Cantadas e comentários desrespei- 40
18,6% tosos no ambiente de trabalho 11,9 milhões
20
Assediadas fisicamente no
12,8% transporte público 8,2 milhões 0
2017 2019 2021 2023
Abordadas de maneira
11,2% agressiva em uma festa 7,2 milhões

Comitê é interministerial, também composto
pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conse-
lho Nacional do Ministério Público, e terá como
competência o desenvolvimento dos três eixos
estruturantes.
“São ações para evitar que a violência aconte-
ça e que visem a mudança de atitude, crenças e
comportamentos para eliminar estereótipos de
gênero e promover a cultura de respeito e não
tolerância a violência e a misoginia. Precisamos
de ações de prevenção. Ações de educação, de-
senvolvimento do trabalho, geração de renda.
Depois vamos pensar em ações para prevenir
um escalonamento da violência, um agravamen-
to e a reincidência, e depois ações para mitigar
os efeitos dessa violência”, relata a advogada.
Além dos crimes contra a vida, as agressões
em contexto de violência doméstica tiveram
aumento de 2,9%, totalizando 245.713 casos.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Seguran-
ça Pública, as ameaças cresceram 7,2%, resul-
tando em 613.529 casos; e os acionamentos ao
190, número de emergência da Polícia Militar,
chegaram a 899.485 ligações, o que significa
uma média de 102 acionamentos por hora.
A Rede de Observatórios da Segurança é uma
das organizações que trabalha para diagnosti-
car os principais motivos que levam a violência
contra a mulher a partir do monitoramento diá-
rio das redes informacionais, jornais de grande
circulação e suas publicações nas mídias.
De acordo com a Rede, “o monitoramen-
to tem qualificadoras que permitem iden-
tificar tanto o perfil da vítima como as cir-
cunstâncias dos crimes e violências sofridas.
Então, conseguimos mapear os principais
motivos, que são: ciúmes, término de re-
lacionamento, supostas traições e brigas”.
O aumento no número de crimes como
agressões e ameaças em contexto de violência
doméstica tem relação também com o maior
número de registros desses crimes.
“O movimento esperado é que mais informa-
ção chegue às mulheres, seja pela internet até
outras formas de campanhas de conscientiza-
ção encabeças pelos governos e movimentos
sociais. Ao mesmo tempo, é compreensível
quando mulheres não superam o medo, afinal,
acabam convivendo com o agressor depois da
denúncia e se sentem fragilizadas diante da si-
tuação. É importante que uma rede de proteção
seja consolidada nas comunidades, nos bairros
de forma regionalizada, para que as mulheres
sejam incentivadas à denunciar e tenham am-
paro após a realização desta”, explica a pesqui-
sadora da Rede de Observatórios da Segurança,
Francine Ribeiro.

Cartórios com Você 77

Especial
A advogada Mariana Serrano foi agredida pelo
companheiro com quem tinha uma união estável: as três
delegacias em que foi registrar o boletim de ocorrência
zombaram do ocorrido
“Fui em uma terceira
delegacia e foi onde
o delegado falou o clássico
‘o que você fez para chegar
a este ponto?”
Mariana Serrano,
advogada agredida pelo então
companheiro com quem tinha
uma união estável
SINAL VERMELHO
O número de casos de violência doméstica é
alarmante e cresce a cada dia. O Brasil ocu-
pa a incômoda 5ª posição no ranking global
de assassinatos de mulheres, segundo o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Di-
reitos Humanos (ACNUDH). Essa taxa só é
maior em El Salvador, Colômbia, Guatemala
e Rússia. O isolamento social, imposto pela
pandemia da covid-19, agravou a situação,
já que as mulheres passaram mais tempo ao
lado do agressor.
Durante o isolamento social, em meio à
pandemia da Covid-19, a violência doméstica
contra as mulheres aumentou consideravel-
mente. Muitas vítimas tiveram dificuldade
de denunciar o agressor ou de buscar ajuda,
porque estavam o tempo todo em sua com-
panhia.
Idealizada pela Associação dos Magistra-
dos Brasileiros (AMB) em parceria com o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com
apoio da Associação dos Notários e Registra-
78
Raul Spinassé
A tabeliã do 21º Ofício de Notas do Rio de Janeiro e
ex-juíza de Direito, Vanele Falcão, aderiu à campanha
“Sinal Vermelho” após o caso da juíza Viviane do Amaral,
brutalmente assassinada à facadas por seu ex-marido
“As mulheres ainda
têm muita resistência
para denunciar os
casos de abusos e
agressões sofridas”
Vanele Falcão, tabeliã do 21º Ofício de Notas no
Rio de Janeiro, ex-juíza de Direito que aderiu à
campanha “Sinal Vermelho Contra a Violência
Doméstica” nos Cartórios brasileiros
dores do Brasil (Anoreg/BR), a campanha “Si-
nal Vermelho” tem integrado os Poderes e a
sociedade na luta para tirar o país do estigma
de ser o quinto mais perigoso do mundo para
a mulher viver.
Atualmente, a “Sinal Vermelho” conta com
o apoio de mais de dez mil farmácias e droga-
rias, bancos, shoppings, Cartórios eleitorais
e extrajudiciais, além de estabelecimentos
comerciais.
“Antes de ser notária, fui juíza de Direito
no Estado do Rio de Janeiro, inclusive com
competência para processar e julgar causas
envolvendo violência doméstica e familiar
contra a mulher e acompanhei no campo,
não só a edição da Lei Maria da Penha, como
a banalização da violência contra a mulher
e contra a família, já que o agressor mata e
agride não só a mulher, mas todo o núcleo
familiar. Por ser ex-juíza acompanhei todos
os bastidores da notícia da morte da juíza
Viviane do Amaral, antes mesmo de saber
quem era a juíza e da notícia vir à público.
Para o ministro Luis Felipe Salomão,
corregedor-nacional de Justiça, “os Cartórios
têm sido valiosíssimos aliados no combate
à violência contra a mulher”
“O Provimento CNJ
n. 147/2023 estabelece
a adoção de protocolo
específico para o atendimento
de vítimas e recebimento
de representações por
violência contra a mulher”
Ministro Luis Felipe Salomão,
corregedor-nacional de Justiça
Eu estava em casa, doente, com Covid-19 e
fiquei extremamente abalada com a tragédia
que se abatera sobre aquela família e senti a
necessidade de fazer algo que pudesse mu-
dar a história de outras mulheres e famílias”,
ressalta a tabeliã do 21º Ofício de Notas no
Rio de Janeiro e ex-juíza de Direito, Vanele
Falcão.
Vanele conta que “apesar do 21º Ofício de
Notas da Capital do Rio de Janeiro ter sido
o primeiro Cartório do Rio de Janeiro e do
Brasil a aderir à campanha ‘Sinal Vermelho’,
ainda é muito grande o número de subnotifi-
cações e as mulheres ainda têm muita resis-
tência para denunciar os casos de abusos e
agressões sofridas”.
“No mesmo dia do lançamento da campa-
nha no Rio de Janeiro, recebi uma mensagem
anônima de uma escrevente de outro Cartó-
rio relatando que sua avó fora vítima de vio-
lência ao longo de toda a sua vida por um
homem que sequer abria a boca para chamar
de avô e, talvez se essa iniciativa existisse no
De acordo com a advogada e cofundadora da Rede Femi-
nista de Juristas (deFEMde), Isabela Guimarães Del Monde,
o Decreto nº 11.640 estabeleceu a criação de um Comitê-
-Gestor do pacto de prevenção nacional ao feminicídio
“Precisamos de ações
de prevenção. Ações de
educação, desenvolvimento
do trabalho, geração de
renda. Depois vamos pensar
em ações para prevenir um
escalonamento da violência.”
Isabela Guimarães Del Monde, advogada e
cofundadora da Rede Feminista de Juristas
passado esse cenário de violência não teria
ocorrido em sua família”, revela Falcão.
“No Cartório em que sou titular, existem
cartazes afixados ao longo de toda a serven-
tia, desde a entrada aos banheiros de acesso
ao público, além dos descansos de tela da
campanha ‘Sinal Vermelho’ nos computado-
res e os monitores de chamamento ao pú-
blico no balcão de firmas, sendo 100% do
material produzido e disponibilizado gratui-
tamente pela Anoreg-BR através da internet”,
pontua a tabeliã.
Ainda de acordo com a ex-juíza de Direi-
to, “os Cartórios podem ajudar no combate à
violência de gênero, a começar pelo espaço
interno da serventia, com a construção de
boas práticas que incentivem o compromis-
so e engajamento dos colaboradores em um
ambiente mais seguro, acolhedor e que valo-
rize a contribuição das mulheres para aten-
der aos compromissos assumidos na Agenda
2030 de Desenvolvimento Sustentável da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU), a qual
O 21º Ofício de Notas do Rio de Janeiro foi o primeiro Cartório do Brasil
que aderiu à campanha “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”
“A adesão à campanha
reflete, além dos valores
que o Notariado cultiva,
orientação natural das
nossas instituições
e da sociedade civil”
Giovani Gianellini,
presidente do CNB/BA e Tabelião de Notas
e de Protesto de Títulos em Santaluz-BA
elenca entre seus objetivos globais a elimina-
ção de todas as formas de violência contra a
mulher, o asseguramento ao acesso universal
à saúde sexual e reprodutiva e a garantia de
igualdade de oportunidades de liderança na
vida política”.
“A implementação de ações de valorização
da mulher e do enfrentamento da desigual-
dade de gênero pode ser feita por serventias
de qualquer porte – da menor a maior – que
podem englobar desde a simples criação de
um canal de reclamações e recebimento de
denúncias para mulheres vítimas de assédio
sexual e moral, a igualdade salarial entre
homens e mulheres que ocupem cargos ou
funções iguais ou semelhantes à disponibili-
zação de creche, fraldário ou brinquedoteca
para filhos de funcionárias, por exemplo”,
conclui a tabeliã.
Em julho deste ano, o Colégio Notarial do
Brasil – Seção Bahia (CNB/BA) participou do
lançamento da campanha “Sinal Vermelho”,
em parceria com o Governo da Bahia através
“É importante que uma rede de
proteção seja consolidada nas
comunidades, nos bairros de
forma regionalizada, para que
as mulheres sejam incentivadas
à denunciar e tenham amparo
após a realização desta”
Francine Ribeiro, pesquisadora da
Rede de Observatórios da Segurança
da Secretaria de Políticas Públicas para as
Mulheres (SPM).
“Apesar de avanços na legislação brasi-
leira no século passado e no presente, com
o paulatino reconhecimento de direitos às
mulheres, nosso Estado ainda falta com as
necessidades jurídicas, políticas e culturais
da população feminina. A adesão à campa-
nha reflete, além dos valores que o Notariado
cultiva, orientação natural das nossas insti-
tuições e da sociedade civil, que, apesar da
aparente letargia sobre questões de conside-
rável envergadura, evolui e amadurece. As-
sim, contribuir com a comunidade, especial-
mente nos rincões deste país, representando
o Estado brasileiro como sua porta de entra-
da, e, não raro, única instituição acessível à
população, representa, além de compromisso
ético, verdadeiro dever profissional”, escla-
rece o presidente do CNB/BA, Giovani Guitti
Gianellini, que também é Tabelião de Notas e
de Protesto de Títulos em Santaluz, no estado
da Bahia.
Cartórios com Você 79
Especial

Saiba quantos Cartórios

aderiram à campanha
Conheça os tipos de violência contra
Sinal Vermelho nos a mulher mais comuns atualmente
estados brasileiros A violência doméstica e familiar consiste em qualquer ação
ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
Quantidade
UF de Cartórios
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
(art. 5º da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/06).
Rio Grande do Sul 72
Pará 54 Física: qualquer conduta que ofenda
Mato Grosso 52 sua integridade ou saúde corporal;
São Paulo 48
Paraná 44 Psicológica: qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
Minas Gerais 42 diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o
Santa Catarina 28 pleno dessenvolvimento ou que vise a degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça,
Goiás 21
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
Amazonas 14
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violção de
Amapá 12
sua intimidade etc;
Espírito Santo 11
Rio de Janeiro 9 Sexual: qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
Bahia 9 manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
Rio Grande do Norte 8 intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
Paraíba 7 comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade,
Ceará 4 que a impeça de usar qualquer método contraceptivo etc;
Maranhão 4
Patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração,
Pernambuco 4
destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
Mato Grosso do Sul 3 trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
Distrito Federal 2 econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Sergipe 2
Piauí 1 Moral: qualquer conduta que configure
Total 451 calúnia, difamação ou injúria.

Fonte: Anoreg-BR Fonte: Cartilha Sinal Vermelho

CNB/BA aderiu a LEI MARIA DA PENHA

campanha “Sinal As Medidas Protetivas de Urgência (MPUs)
Vermelho Contra a
regulamentadas pela Lei Maria da Penha -
Violência Doméstica” em
parceria com o Governo
Lei 11.340 de 2006 - traduzem juridicamen-
da Bahia em julho deste te o mecanismo hábil a proteger a integrida-
ano de física, psicológica, sexual, patrimonial ou
moral da mulher em situação de violência ou
de seus dependentes.
Ao completar 17 anos em 2023, a Lei Ma-
ria da Penha dá ênfase na prevenção e prote-
ção às vítimas. Essa abordagem transformou
a Lei Maria da Penha em referência no com-
bate à violência contra as mulheres até para
outros países.
Para a advogada Isabela Guimarães Del
Monde, a Lei Maria da Penha pode ser
considerada uma das três melhores leis do
mundo no enfrentamento a violência, tendo
sido construída de forma extremamente de-
mocrática, a partir de audiências públicas
com a participação da sociedade civil na sua
construção.
“Entretanto, precisamos ter um olhar críti-
co com relação a aplicação da Lei. A aplica-
ção da Lei é muito judicial e policial. Muitas
vezes isso não garante a segurança, ou a pro-
teção de mulheres negras, na medida em que

80
Segundo a vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice
Dias, a Lei Maria da Penha foi aperfeiçoada ao longo dos
anos, mas ainda falta qualificação para os profissionais
aplicarem a legislação corretamente
“Há uma enorme falta
de vontade política, por
exemplo, para criar Juizados
Especiais de Violência
Doméstica no âmbito do
Poder Judiciário”
Maria Berenice Dias,
vice-presidente Nacional
do IBDFAM
a gente sabe que as delegacias, as polícias
civil e militar, não são aliadas da população
negra, pelo contrário. Há uma chance muito
grande quando uma mulher negra precisa
procurar a polícia, que essa seja uma fonte
de piora da situação de violência, do que de
melhora, do que de acolhimento. Essa é uma
crítica que tem sido formulada muito por
mulheres negras, mas novamente não é uma
crítica a lei, mas uma crítica a aplicação da
lei”, relata a advogada.
Segundo a vice-presidente Nacional do Ins-
tituto Brasileiro de Direito de Família (IBD-
FAM), Maria Berenice Dias, a Lei Maria da Pe-
nha foi aperfeiçoada ao longo dos anos, mas
ainda falta qualificação para os profissionais
aplicarem a legislação corretamente.
“Há uma enorme falta de vontade política,
por exemplo, para criar Juizados Especiais
de Violência Doméstica no âmbito do Poder
Judiciário. Também se vê isso no pequeno
número de delegacias especializadas na pro-
teção da mulher. E sequer a qualificação de
alguém ou criação das chamadas salas ‘mar-
garida’ em que mesmo as delegacias comuns,
as vítimas têm o direito de serem ouvidas,
de preferência por uma profissional mulher
Para a presidente da Comissão de Violência Doméstica
e gênero do IBDFAM, Adelia Moreira Pessoa, é urgente
desconstruir mitos e estereótipos que ainda permeiam a
nossa sociedade
“Não será a mera
existência de lei que
determinará a mudança
de padrões culturais
sexistas que imperam ainda
em nossa sociedade”
Adelia Moreira Pessoa,
presidente da Comissão de Violência
Doméstica e gênero do IBDFAM
em sala reservada. Mas não é isso que se vê
na realidade. Ainda temos números muito pe-
quenos destes espaços e falta de qualificação
desses profissionais. E não estou falando só
da Polícia Militar, da Polícia Civil, mas tam-
bém no âmbito do Poder Judiciário. Até no
âmbito dos próprios juizados especiais se vê
algum tipo de postura não acolhedora”, escla-
rece Berenice.
No Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas,
existe a Delegacia Especializada no Atendi-
mento à Mulher (DEAM), que atende mulheres
vítimas de violência doméstica. O trabalho da
DEAM consiste em dar suporte às mulheres
em casos de violência que acontecem dentro
de algum tipo de relacionamento, seja ele de
casamento, namoro, ou até dentro da família
com alguma relação de parentesco.
“Atuamos basicamente nos crimes de le-
são corporal, ameaça e descumprimento de
medida protetiva, que são os crimes que te-
mos mais incidência de registro. Feminicídios
tivemos três em 2023. Os crimes que mais
investigamos é lesão corporal, ameaça e des-
cumprimento de medida protetiva, e crimes
contra a honra”, conta a delegada Márcia Chi-
viacowsky.
De acordo com a advogada criminalista
especialista em crimes de gênero, Fayda Belo,
as mulheres negras continuam sendo as
maiores vítimas de violência
“É importante acrescentar
que a ausência de recorte
racial na mesa que cria
programas e políticas públicas
de enfrentamento à violência
contra mulher também
colabora e muito para que as
mulheres negras continuem
sendo as maiores vítimas de
violência”
Fayda Belo,
advogada criminalista
especialista em crimes de gênero,
Direito Antidiscriminatório
e Feminicídios
Antes do fechamento desta reportagem, a
DEAM registrou um feminicídio na cidade de
Pelotas, que aconteceu no dia 22 de agosto
quando Leandra Vitória Rossales, de 25 anos,
foi morta com um tiro pelo companheiro, Lu-
cas Potenza, de 27 anos. Ele foi preso em fla-
grante após o filho da vítima, de seis anos, re-
latar que o padrasto havia atirado contra sua
mãe. O crime ocorreu durante a madrugada,
no 4º distrito regional de Pelotas, na colônia
Triunfo, na zona rural do município.
Ao chegarem ao local do crime, os policiais
foram informados pelos familiares do suspeito
sobre a localização do corpo. Anteriormente o
suspeito havia informado que a mulher estava
desaparecida. O casal estava junto há pouco
tempo, e a mulher havia se mudado para a
residência dele há três semanas. O homem já
tinha sido denunciado anteriormente por sua
ex-companheira por violência doméstica.
Cartórios com Você 81
Especial

Conheça os números relacionados aos feminicídios no Brasil

Homicídios Proporção de feminicídios
Feminicídios em relação aos homicídios
Vítimas Mulheres
de mulheres
Brasil e Unidades
da Federação
Ns. Absolutos Taxa* Ns. Absolutos Taxa* Em Percentual (%)
Variação Variação
(%) (%)
2021 2022 2021 2022 2021 2022 2021 2022 2021 2022

Brasil 3.965 4.034 3,8 3,9 1,2 1.347 1.437 1,3 1,4 6,1 34,0 35,6

Acre 29 22 7,1 5,3 -24,9 12 11 2,9 2,6 -9,3 41,4 50,0

Alagoas 73 73 4,5 4,5 -0,1 25 31 1,5 1,9 23,9 34,2 42,5

Amapá 26 22 7,1 6,0 -16,0 4 8 1,1 2,2 98,5 15,4 36,4

Amazonas 109 83 5,6 4,5 -20,1 23 21 1,2 1,1 -9,6 21,1 23,9

Bahia 424 405 5,8 5,6 -4,4 93 107 1,3 1,5 14,9 21,9 26,4

Ceará 339 264 7,5 5,8 -22,4 31 28 0,7 0,6 -10,0 9,1 10,6

Distrito Federal 43 32 3,0 2,2 -26,1 25 19 1,7 1,3 -24,5 53,1 59,4

Espírito Santo 103 95 5,6 4,9 -12,7 33 33 2,0 1,7 -13,8 35,2 34,7

Goiás 131 137 3,7 3,8 3,3 54 56 1,5 1,6 2,4 41,2 40,9

Maranhão 134 127 3,9 3,7 -5,5 53 69 1,7 2,0 18,6 43,3 54,3

Mato Grosso 85 101 4,8 5,6 15,1 43 47 2,4 2,6 7,7 50,6 46,5

Mato Grosso do Sul 70 75 5,1 5,4 6,1 33 40 2,4 2,9 20,0 47,1 53,3

Minas Gerais 293 309 2,9 3,0 3,3 155 171 1,5 1,6 9,9 52,0 55,3

Pará 200 200 5,0 4,9 -0,6 67 49 1,7 1,2 -27,3 33,5 24,5

Paraíba 83 86 4,1 4,2 3,1 32 26 1,6 1,3 -19,1 38,6 30,2

Paraná 208 256 3,6 4,4 22,1 75 77 1,3 1,3 1,9 36,1 30,1

Pernambuco 230 219 4,9 4,6 -5,0 87 72 1,9 1,5 -17,5 37,8 32,9

Piauí 73 70 4,3 4,1 -4,6 37 24 2,2 1,4 -35,5 50,7 34,3

Rio de Janeiro 247 283 3,0 3,4 14,6 85 111 1,0 1,3 30,6 34,4 39,2

Rio Grande do Norte 75 60 4,4 3,5 -20,3 20 16 1,2 0,9 -20,3 26,7 26,7

Rio Grande do Sul 331 391 5,9 1,0 18,0 96 110 1,7 2,0 14,4 29,0 28,1

Rondônia 64 88 8,2 11,2 37,3 16 24 2,0 3,1 49,7 25,0 27,3

Roraima 31 33 10,4 10,8 4,0 5 3 1,7 1,0 -41,4 16,1 9,1

Santa Catarina 107 101 2,9 2,6 -7,0 55 56 1,5 1,5 0,3 51,4 55,4

São Paulo 366 423 1,6 1,9 14,9 136 195 0,6 0,9 42,6 37,2 46,1

Sergipe 42 37 3,7 3,2 -12,4 20 19 1,8 1,7 -5,6 47,6 51,4

Tocantins 39 36 5,2 4,8 -8,4 22 14 2,9 1,9 -35,9 56,4 38,9

*Taxa por 100 mil mulheres Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

82
OUTROS FATORES
Criado pela Unidade Politécnica de Gestão
com Perspectiva de Gênero, no México, o “Vio-
lentômetro” é uma ferramenta desenvolvida
para identificar abusos contra a mulher, antes
que culminem em agressão física ou mesmo
morte. Ele já foi replicado por instituições em
todo o mundo para promover a conscientiza-
ção e a defesa da mulher.
O Violentômetro é importante não só para
as vítimas, mas também para familiares e
amigos, os quais podem prevenir situações
de risco, denunciar agressores e/ou apoiar as
mulheres para que saiam de relacionamentos
abusivos.
Segundo a presidente da Comissão de vio-
lência doméstica e gênero do Instituto Brasi-
leiro de Direito de Família (IBDFAM), Adelia
Moreira Pessoa, a violência contra a mulher
é qualquer conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano ou sofrimento físico, se-
xual, moral ou psicológico à mulher, tanto no
âmbito público como no privado.
“É o que se definiu em 1994, na Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erra-
dicar a Violência contra a Mulher, ratificada
pelo Brasil, e, portanto, parte do Direito Brasi-
leiro. A Constituição de 1988 estabelece que
o Estado deve criar mecanismos para coibir a
violência no âmbito das relações familiares”,
aponta Pessoa.
No entanto, Pessoa afirma que “não será a
mera existência de lei que determinará a mu-
dança de padrões culturais sexistas que impe-
ram ainda em nossa sociedade”.
“Há necessidade de políticas públicas con-
sistentes, inclusive ações educativas em todos
os níveis de ensino, mas, não apenas na edu-
cação formal, mas também através de todos
meios de divulgação, especialmente a mídia.
É urgente desconstruir mitos e estereótipos
que ainda permeiam a nossa sociedade ge-
rando distorções, silêncios e preconceitos.
Vale observar que negligências e omissões de
pessoas ou de instituições, muitas vezes, são
justificadas com base nesses mitos. Ressalte-
-se que ainda está muito presente entre nós, a
legitimação das agressões e a ‘culpabilização’
da mulher”, sinaliza a presidente do IBDFAM.
Além disso, a violência de gênero também
tem cor. As mulheres negras são as mulheres
que mais sofrem violência no Brasil. Segundo
a pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização
de Mulheres no Brasil”, de 2023, o perfil étni-
co racial indica maior prevalência de violência
entre mulheres negras (29,9%) do que entre
brancas (26,3%). Ademais, mulheres negras
apresentaram níveis de vitimização muito
mais elevados do que de mulheres brancas
nos casos de violência física severa, como es-
pancamento (negras com 6,3% e brancas com
3,6%) e ameaça com faca ou arma de fogo (ne-
gras com 6,2% e brancas com 3,8%).
“Isso é reflexo da dupla vulnerabilidade da
mulher negra, que sofre o machismo como
toda mulher, mas também o racismo por se
tratar de um corpo negro. É importante acres-
centar que a ausência de recorte racial na
mesa que cria programas e políticas públicas
de enfrentamento à violência contra mulher
também colabora e muito para que as mu-
lheres negras continuem sendo as maiores
vítimas de violência”, corrobora a advogada
criminalista especialista em crimes de gêne-
ro, Direito Antidiscriminatório e Feminicídios,
Fayda Belo.
Criado pela Unidade Politécnica de Gestão com Perspectiva
de Gênero, no México, o “Violentômetro” é uma ferramen-
ta desenvolvida para identificar abusos contra a mulher,
antes que culminem em agressão física ou mesmo morte
A luta da mulher contra a violência, de
acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, também pode ser evidenciada no que
a instituição denomina como a teoria do “ba-
cklash”, que significa retaliação. “Na medida
em que avançamos em ações e intenções que
promovam a igualdade de gênero em diferen-
tes espaços, as violências contra as mulheres
aumentam”, aponta o Fórum.
“O presidente da Câmara, Artur Lira, está
propondo um grupo de trabalho e estudo
para eliminar as cotas de 30% para mulheres
nas eleições e a destinação do fundo partidá-
rio da mesma proporção. Isso é um backlash
porque as mulheres estão falando em entrar
na política, denunciando os baixos índices de
mulheres na política, mas você começa a ter
uma ascensão e você vê um backlash”, explica
a advogada Isabela Guimarães Del Monde.

Saiba quais são os dados relacionados a

vitimização de mulheres por raça/cor no Brasil
Raça/cor

Negra
Branca Preta Parda Outras
(Preta +Parda)

Foi vítima de violência ou agressão nos últimos 12 meses 26,3 29,9 30,0 29,8 22,1
Insulto, humilhação ou xingamento (Ofensa verbal) 21,7 23,7 26,0 22,8 12,8
Amedrontamento ou perseguição 12,8 13,9 15,0 13,5 13,0
Ameaça de apanhar, empurrar ou chutar 11,4 13,0 10,8 13,8 9,8
Batida, empurrão ou chute 8,2 13,1 12,4 13,3 4,6
Ofensa sexual ou tentativa forçada de manter relação sexual
(algumas vezes as pessoas agarram, tocam ou agridem 9,2 8,4 9,0 8,2 9,6
Fisicamente e verbalmente outras pessoas por motivos sexuais)
espancamento ou tentativa de estrangulamento 3,6 6,3 4,2 7,1
Ameaça com faca ou arma de fogo 3,8 6,2 4,9 6,7 4,8
Lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado 2,9 4,6 2,1 5,6 3,1
Esfaqueamento ou tiro 0,8 2,0 1,3 2,2
Outro tipo 0,6 0,5 0,6 0,5
Não foi vítima de violência ou agressão 72,3 69,6 69,2 69,7 77,9
Recusa 1,4 0,5 0,8 0,4

Cartórios com Você 83

Especial

“Os Cartórios têm sido

valiosíssimos aliados no combate
à violência contra a mulher”
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-nacional de Justiça,
a parceria com os Cartórios permitiu que “alcançássemos os municípios do Brasil,
proporcionando às vítimas um local discreto e eficaz para denunciar seus agressores”
Raul Spinassé

De acordo com a pesquisa “Perfil das Magis-

tradas Brasileiras e Perspectivas rumo à equi-
dade de gênero nos Tribunais” da Associação
de Magistrados Brasileiros (AMB), as magis-
tradas atualmente somam apenas 38,8% do
quadro total em atividade.
O recorte apresentado pelo ministro Luis
Felipe Salomão, corregedor-nacional de Justi-
ça, nessa entrevista à Revista Cartórios com
Você, reflete a disparidade com que mulheres
ocupam cargos importantes em instituições
relevantes do cenário brasileiro.
Salomão afirma, no entanto, que o Judiciá-
rio vem trabalhando com seriedade para redu-
zir estes índices e principalmente para mitigar
a violência contra a mulher.
De acordo com ele, “os Cartórios têm sido
valiosíssimos aliados no combate à violência
contra a mulher”.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-nacional de Justiça, a pauta da violência contra a mulher tem estado
no foco de atuação do Poder Judiciário

84
CcV - Como o Conselho Nacional de Justiça
trabalha para mitigar os crimes de violên-
cia contra a mulher?
Ministro Salomão - Ao longo dos seus 18
anos de história, o CNJ desempenhou um pa-
pel fundamental no combate à violência con-
tra a mulher, contribuindo tanto para aumen-
tar a atenção estatal em torno dessa mazela
social quanto para aprimorar a prestação
jurisdicional nos casos dessa natureza. Um
exemplo notável disso foi a edição do Provi-
mento CNJ n. 147/2023, de minha lavra na
condição de Corregedor Nacional de Justiça.
O Provimento define, entre outros pontos, o
protocolo de atendimento a vítimas e recebi-
mento de queixas de violência que envolvam
magistrados, servidores do Poder Judiciário,
notários e registradores. Nesse sentido, a me-
dida estabelece uma política permanente de
enfrentamento a todas as formas de violência
contra a mulher, no âmbito das atribuições
da Corregedoria Nacional de Justiça. Entre
outros aspectos, o Provimento n. 147/2023
prevê que seja criado um portal específico do
CNJ a respeito do tema, com disponibiliza-
ção de formulário para encaminhamento de
representações à Corregedoria Nacional de
Justiça. As representações recebidas serão
tratadas conforme o protocolo de julgamento
com perspectiva de gênero, incluindo a dis-
pensabilidade de prova pré-constituída dos
fatos alegados como requisito de procedibili-
dade da representação. Além disso, a mulher
deverá ser sempre indagada se deseja ser ou-
vida de forma prévia, preferencialmente, por
uma juíza auxiliar da Corregedoria Nacional
de Justiça, para reportar os fatos com maior
detalhamento. Caso se faça necessário — e
se a vítima estiver de acordo —, ela poderá
ser encaminhada a atendimento psicossocial
ofertado por órgão judicial de sua preferên-
cia. Essa é uma medida que representa o
compromisso irrenunciável da Corregedoria
Nacional de Justiça do CNJ no enfrentamen-
to à violência contra a mulher.
CcV - A violência contra a mulher cresceu
em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Por que acha que hou-
ve um aumento desse número?
Ministro Salomão - O Brasil sempre enfren-
tou um grande desafio: o da subnotificação.
O medo e a insegurança das mulheres em de-
nunciarem suas agressões faz com que não
enfrentemos, com total precisão, os números
de violência no país. Nos últimos tempos,
houve um grande esforço para construir um
ambiente mais profícuo às denúncias, o qual
permita que a mulher se sinta mais encora-
jada a denunciar — e que, após a denúncia,
se sinta amparada, a partir do acolhimento
especializado e da luta contra a revitimi-
zação. Por isso, é possível que os números
tenham subido porque as mulheres vêm se
sentindo mais seguras para denunciar. Nis-
so é importante frisar: é responsabilidade do
Estado oferecer políticas de acolhimento às
vítimas de violência doméstica, empoderan-
do-as para que possam denunciar seus agres-
sores. O foco deve estar em proporcionar às
vítimas o suporte necessário para romper o
ciclo de violência e retomar o controle sobre
suas vidas. Além disso, não podemos des-
considerar que a violência contra a mulher
é uma mazela estrutural, que demanda uma
atenção contínua e progressiva dos órgãos
públicos, privados e da sociedade civil. Esta-
mos avançando, mas ainda há muito chão a
se percorrer nessa luta. Por fim, outro fator
determinante para o aumento da violência
contra a mulher nesse período foi a pande-
mia de Covid-19 e suas consequências. A
pandemia não apenas exacerbou problemas
preexistentes, como também trouxe à tona
novos desafios para a segurança e bem-es-
tar das mulheres. Uma das principais razões
para o aumento da violência contra a mulher
durante a pandemia foi o isolamento social e
o confinamento domiciliar. Com a imposição
de medidas de distanciamento social e lock-
downs, muitas mulheres se viram presas em
casa com seus agressores, tornando-se víti-
mas de abusos físicos, sexuais e psicológicos.
A crise econômica resultante da pandemia
levou a um aumento do estresse financeiro
nas famílias, o que, por sua vez, aumentou as
tensões nos relacionamentos, fazendo com
que os agressores descontassem suas frus-
trações em suas parceiras.
CcV - O presidente Lula anunciou recente-
mente o lançamento do Pacto Nacional de
Prevenção aos Feminicídios, com o objeti-
vo de prevenir discriminação, misoginia e
violências de gênero contra as mulheres.
Como o decreto nº 11.640, de 16 de agosto
de 2023, pode ajudar no combate à violên-
cia contra a mulher?
Cartórios com Você 85
Especial
Ministro Salomão - Acredito que o Pacto
Nacional de Prevenção aos Feminicídios, ins-
tituído pelo Decreto 11.640/2023, será uma
ferramenta normativa importante no com-
bate à violência contra a mulher no Brasil.
Vale ressaltar que a implementação de uma
política pública em um país de proporções
continentais e com um complexo arcabouço
normativo institucional demanda atenção es-
pecial. Nesse contexto, o Pacto instituído pelo
presidente Lula enfatiza a importância de um
Comitê Gestor dedicado ao tema, composto
por diversas autoridades do Governo Federal,
com a capacidade e competência necessárias
para desenvolver ações de combate ao femi-
nicídio. Além disso, esse Comitê terá o papel
de articular a implementação das ações com
os demais Poderes, com entidades repre-
sentativas das funções essenciais à justiça,
com órgãos dos estados e municípios, bem
como com organismos internacionais. Tendo
isso em vista, acredito que o Pacto Nacional
de Prevenção aos Feminicídios oferece uma
perspectiva positiva e essencial ao propor a
criação de um Comitê específico para coor-
denar ações de combate à violência contra
a mulher. Isso permite uma abordagem mais
coordenada e eficaz no enfrentamento desse
grave problema que afeta a sociedade.
CcV - Em 2021, o Conselho Nacional de
Justiça lançou um protocolo chamado de
“Protocolo para Julgamentos com Pers-
pectiva de Gênero”, um documento para
orientação de magistrados de todo o Brasil
entenderem e colocarem a perspectiva de
gênero quando ela estiver presente. Como
avalia o trabalho do Judiciário brasileiro
em relação à violência contra a mulher?
Ministro Salomão - A pauta da violência
contra a mulher tem estado no foco de atua-
ção do Poder Judiciário. Nesse espírito, pos-
so afirmar com convicção que todos os tri-
bunais empreendem esforços significativos
no combate à violência de gênero e na pro-
teção dos direitos das mulheres, em um país
que ocupa a triste quinta posição global em
termos de casos de feminicídio. O Protocolo
para Julgamentos com Perspectiva de Gênero
exemplifica as ações do Poder Judiciário para
combater qualquer forma de violência de gê-
nero no nosso sistema judicial. Essa iniciativa
é uma salvaguarda que evita a perpetuação
“A medida [Provimento
147] estabelece uma
política permanente de
enfrentamento a todas
as formas de violência
contra a mulher”
86
“O Pacto instituído pelo
presidente Lula enfatiza a
importância de um Comitê
Gestor dedicado ao tema,
composto por diversas
autoridades do Governo
Federal, com a capacidade
e competência necessárias
para desenvolver ações de
combate ao feminicídio”
de pensamentos discriminatórios. Em confor-
midade com a decisão do STF que declarou a
inconstitucionalidade do argumento de legí-
tima defesa da honra em casos de violência
contra a mulher, o Poder Judiciário brasileiro
envia uma mensagem clara sobre a imperio-
sa necessidade de interromper qualquer con-
descendência social em relação à violência
contra as mulheres. Dessa maneira, por meio
de suas ações e decisões, o Poder Judiciário
desqualifica e torna inaceitáveis os discursos
e pensamentos que minimizam situações de
violência doméstica, como o ditado “em briga
de homem e mulher, não se mete a colher”,
ou ainda narrativas que culpabilizam a vítima
pela violência sofrida, seja com base em sua
vestimenta ou comportamento.
CcV - Para combater a violência contra a
mulher, o Conselho Nacional de Justiça pu-
blicou o Provimento nº 147, de julho de
2023, que dispõe sobre a política perma-
nente de enfrentamento a todas as formas
de violência contra a mulher, contando
com a colaboração de notários e registra-
dores. Como os Cartórios podem ajudar no
combate a essa violência de gênero?
Ministro Salomão - Os Cartórios têm sido
valiosíssimos aliados no combate à violência
contra a mulher. Foram grandes parceiros
em ações importantíssimas, com destaque
para a Campanha Sinal Vermelho, que co-
mentei anteriormente. No âmbito dessa cam-
panha, a parceria com os Cartórios permitiu
que alcançássemos os municípios do Brasil,
proporcionando às vítimas um local discre-
to e eficaz para denunciar seus agressores.
Esse aspecto é especialmente relevante em
contextos interioranos, onde a ida a uma
delegacia poderia implicar em uma identifi-
cação pública das vítimas. Tendo em mente
o Provimento CNJ n. 147/2023, tem-se que
esse normativo, tal qual indicado no início da
entrevista, estabelece a adoção de protocolo
específico para o atendimento de vítimas e
recebimento de representações por violência
contra a mulher envolvendo magistrados,
servidores do Poder Judiciário e prestadores
de serviços notariais e de registro que atuem
por delegação do poder público. Nesse es-
pírito, criando um mecanismo facilitado de
denúncia, a medida ressalta o nobre com-
promisso dos servidores do Poder Judiciário
e dos prestadores de serviços notariais e de
registro no enfrentamento da violência de
gênero no país.
CcV - Atualmente uma campanha idealiza-
da com a ajuda dos Cartórios brasileiros
permite que um “x” escrito com batom
(ou outro material) na palma da mão da
mulher vítima de violência, pode ser mos-
trado no Cartório, e quando a vítima apre-
sentar o “x”, o atendente deve ligar para
o número 190 e acionar a Polícia Militar.
Como avalia a campanha “Sinal Vermelho”
promovida pelos Cartórios brasileiros,
pela Associação dos Magistrados Brasilei-
ros (AMB) em parceria com o Conselho Na-
cional de Justiça (CNJ)?
Ministro Salomão - Diante do aumento alar-
mante dos casos de violência durante a pan-
demia, a Campanha Sinal Vermelho foi cria-
da e, em pouco mais de um ano desde sua
criação em junho de 2020, foi convertida em
lei pelo Congresso Nacional (com tempo re-
corde de tramitação, apenas 4 meses), sendo
atualmente uma lei em vigor em 21 Estados
e no Distrito Federal. Eu acredito firmemente
que ela se tornou um modelo exemplar de
política pública eficiente e discreta para de-
nunciar casos de violência contra a mulher.
Por meio dessa inciativa, as vítimas podem
denunciar seus agressores em locais comuns
do cotidiano social, como farmácias, Cartó-
rios, shoppings centers, repartições públi-
cas e agências bancárias. Além disso, é im-
portante destacar que a campanha chamou
a atenção de Organizações Internacionais,
como a ONU e a OEA, assim como de Estados
Estrangeiros, incluindo Espanha, Itália, Es-
tados Unidos e Suécia, que estão estudando
e buscando implementar essa ação em seus
respectivos territórios.
“As Medidas Protetivas
de Urgência (MPUs)
desempenham um papel
fundamental na proteção
das vítimas e, sobretudo, na
interrupção imediata do ciclo
de violência, bem como do
contexto de convivência e
relação socioafetiva entre a
vítima e o agressor”
 “Concordo plenamente
com a observação de
que a falta de paridade
de gênero em sua
composição pode afetar
a representatividade e a
elaboração de políticas
eficientes”
CcV - As Medidas Protetivas de Urgência
(MPUs) regulamentadas pela Lei Maria da
Penha - Lei 11.340 de 2006 - traduzem ju-
ridicamente o mecanismo hábil a proteger
a integridade física, psicológica, sexual,
patrimonial ou moral da mulher em situ-
ação de violência ou de seus dependentes.
Como avalia essas medidas? Elas são sufi-
cientes para proteger as mulheres vítimas
de algum tipo de violência?
Ministro Salomão - As Medidas Protetivas
de Urgência (MPUs) desempenham um pa-
pel fundamental na proteção das vítimas e,
sobretudo, na interrupção imediata do ciclo
de violência, bem como do contexto de con-
vivência e relação socioafetiva entre a vítima
e o agressor. Dentre as medidas que o juiz
pode determinar estão: o afastamento do
agressor do lar ou local de convivência com
a vítima; proibição de aproximação da vítima,
seus familiares e testemunhas, estabelecendo
uma distância mínima entre eles e o agres-
sor; e a proibição de qualquer tipo de contato
do agressor com a vítima, seus familiares e
testemunhas, por meio de qualquer forma de
comunicação. É importante destacar que, em
prol da máxima proteção da vítima nos casos
de violência, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) já decidiu que é possível dispensar a
citação do agressor para decretar as medidas
protetivas de urgência previstas na Lei Maria
da Penha. Isso reforça a agilidade e eficácia
dessas medidas na garantia da segurança da
vítima. Em 2014, em julgamento sob a minha
relatoria, a 4ª Turma definiu que as MPUs,
se atendidos os seus requisitos, podem ser
pleiteadas de forma autônoma para efeito de
proteção à mulher da violência doméstica,
independentemente da existência, potencial
ou presente, de processo-crime ou ação prin-
cipal em face do suposto agressor (vide Resp
1419421/GO). Vale destacar, ademais, que
a nossa Lei Maria da Penha (11.340/2006I,
que dispõe sobre as Medidas Protetivas de
Urgência (MPU) já nasceu muito completa,
tendo sido considerada a terceira melhor
lei de combate à violência contra a mulher
pela ONU. Entretanto, de lá para cá, nesses
17 anos de existência da lei, essa legislação
já sofreu diversas alterações em termos de
melhoria — o que me faz crer que já possu-
ímos a melhor legislação do mundo. Temos,
permanentemente, que trabalhar pela aplica-
bilidade dessa lei tão completa.
CcV - Há muitas mulheres que precisam
da Justiça e se sentem desamparadas. O
Judiciário é em sua maioria formado por
homens. Como vê esse desamparo perante
a Justiça e a instituição?
Ministro Salomão - Lamento profundamente
qualquer percepção negativa em relação ao
nosso sistema de justiça. Quero reforçar que
o Poder Judiciário, assim como todas as ins-
tituições, enfrenta desafios em seu caminho
de aprimoramento contínuo. Concordo ple-
namente com a observação de que a falta de
paridade de gênero em sua composição pode
afetar a representatividade e a elaboração de
políticas eficientes. De fato, de acordo com a
pesquisa “Perfil das Magistradas Brasileiras e
Perspectivas rumo à equidade de gênero nos
Tribunais” apresentada em março de 2023
pela AMB, as magistradas atualmente somam
apenas 38,8% do quadro total em atividade.
No recorte pelo cargo, surgem como 45,7%
dos juízes substitutos, 39,3% dos juízes titu-
lares, 25,7% dos desembargadores e 19,6%
dos ministros dos Tribunais Superiores.
Em cargos diretivos dos Tribunais de 2ª ins-
tância, entre os anos de 2011 e 2015,
somente cerca de 29% das presidências, vice-
-presidências e corregedorias eram ocupadas
por desembargadoras. Portanto, passados
mais de 80 anos desde o ingresso da primei-
ra mulher na magistratura, ainda há no Brasil
uma inequívoca sub-representação feminina
em todos os níveis da carreira, mas especial-
mente dispare nas instâncias mais altas e nos
cargos de direção. Nesse contexto, é admi-
rável o trabalho incansável do Judiciário em
buscar medidas que promovam a diversidade
e a igualdade de gênero. Além de todos os
exemplos que dei anteriormente, a iniciativa
de estabelecer paridade de gênero nas co-
missões examinadoras e bancas de concurso
da magistratura é um exemplo notável disso.
A Resolução nº 496/2023 é uma conquista
importante nesse aspecto e acredito que, ao
promover um ambiente mais equitativo e in-
clusivo, ela contribuirá para uma magistratu-
ra mais representativa e comprometida com
a justiça. Reafirmo também que o comprome-
timento do Poder Judiciário com a proteção
dos direitos dos cidadãos, a promoção da
“O combate à violência
contra a mulher exige
uma abordagem ampla
e integrada, envolvendo
toda a sociedade”
“Ressalto a importância
de uma abordagem
holística e colaborativa
no enfrentamento da
violência de gênero, com a
participação ativa de todos
os setores da sociedade
na promoção da igualdade
e no repúdio à violência:
setor público, privado e
sociedade civil”
igualdade de gênero e o combate à violência
contra a mulher é crucial para construir uma
sociedade mais justa e igualitária. Estou certo
de que os esforços contínuos nessa direção
trarão resultados positivos para todos os ci-
dadãos do Brasil.
CcV - O que as instituições, Governos e
sociedade podem fazer para ajudar as mu-
lheres na luta contra a violência? Como
melhorar o cenário da violência contra a
mulher no Brasil?
Ministro Salomão - Esse é um ponto funda-
mental: o combate à violência contra a mu-
lher exige uma abordagem ampla e integrada,
envolvendo toda a sociedade. A transforma-
ção da cultura que historicamente perpetuou
a discriminação de gênero é uma tarefa que
demanda esforços contínuos e coordenados
de conscientização e educação.
A implementação de programas de educação
e espaços de debates é uma excelente estra-
tégia para promover o respeito, a igualdade
de gênero e a desconstrução de estereótipos
prejudiciais. Ao oferecer oportunidades para
que as pessoas se informem, discutam e re-
flitam sobre essas questões, é possível criar
uma consciência coletiva mais sensível e
responsável em relação aos direitos das mu-
lheres. Além disso, campanhas de conscien-
tização são uma ferramenta poderosa para
disseminar informações sobre a igualdade
de gênero, medidas de combate à violência
contra a mulher e recursos disponíveis para
apoiar as vítimas. Ao envolver toda a socie-
dade nessas campanhas, é possível fortalecer
o comprometimento com a proteção das mu-
lheres e com a construção de uma sociedade
mais justa e igualitária. Portanto, ressalto a
importância de uma abordagem holística e
colaborativa no enfrentamento da violência
de gênero, com a participação ativa de to-
dos os setores da sociedade na promoção da
igualdade e no repúdio à violência: setor pú-
blico, privado e sociedade civil.
Cartórios com Você 87
Especial

Judiciário tenta aprimorar sua forma

de atuação na política que envolve
mulheres vítimas de violência
Lei Mariana Ferrer veio especificamente para proteger a vítima
de crime sexual após jovem ser humilhada durante audiência

Síndrome do pânico, estresse pós-traumático,

Reprodução

fobia social e depressão. Essas são algumas

das sequelas com que atualmente a jovem
Mariana Ferrer tem que lidar no seu dia a dia
após supostamente ter sido vítima de um es-
tupro em um Beach Club badalado da ilha de
Florianópolis em 2018.
Aos 21 anos, Mariana foi convidada para
ser embaixadora do “Café De La Musique”,
mas alega ter sofrido abuso sexual no esta-
belecimento. O provável estuprador, André de
Camargo Aranha, de 45 anos, um empresário
do ramo esportivo que negocia passes de jo-
gadores de futebol, ficou livre da pena de 8 a
15 anos de reclusão pelo crime de estupro de
vulnerável.
Como se não bastasse ter sido vítima de um
suposto estupro, Ferrer foi literalmente achin-
calhada durante uma audiência em 2020,
quando o advogado de defesa de André, Cláu-
dio Gastão da Rosa Filho humilhou Ferrer na
presença do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara
Criminal de Florianópolis, e do promotor Thia-
go Carriço de Oliveira, do Ministério Público.
“Eu não tenho uma filha do teu nível, graças
a Deus. E também peço a Deus que meu filho
não encontre uma mulher que nem você. E
não dá para dar o teu showzinho. Teu show-
zinho tu vai lá dar no Instagram depois, pra
ganhar mais seguidores”, disparou o advoga-
do na audiência.
Sem ser contido, ele continuou. “Essa foto
aqui foi extraída do site de um fotógrafo, onde
a única foto chupando o dedinho é essa aqui.
E com posições ginecológicas é só dela. Não
tem nada de mais essa foto”, emendou Gastão.
Depois do caso ficar nacionalmente conhe-
cido, foi aprovada e sancionada pelo presiden-
te da República a Lei Mari Ferrer, que pune
advogados, promotores e juízes que deixem
de zelar pela integridade física e psicológica
das mulheres durante audiências e julgamen-
“A Lei Mari Ferrer veio
especificamente para proteger
a vítima de crime sexual. Nada
contra o advogado fazer as
perguntas, o que não pode
mais é ofender a vítima”
Júlio Cesar Ferreira da Fonseca,
advogado de Mariana Ferrer
A jovem Mariana Ferrer teria sido vítima de um estupro em um Beach Club badalado da ilha de Florianópolis em 2018;
advogado zombou do ocorrido
tos. O advogado de defesa de Ferrer, Júlio
Cesar Ferreira da Fonseca, conversou com a
Cartórios com Você e contou que ainda aguar-
da apelação para que os recursos subam aos
tribunais superiores.
“Estou aguardando a subida de dois recur-
sos, um para o STJ e outro para o STF. Ele [o
processo] ainda está no TJ de Santa Catarina.
Todas as fases recursais já foram feitas então
é importante que o processo suba. Não tem
como o tribunal impedir que ele siga para o
STF e para o STJ, mas nós estamos aguardan-
do”, conta o advogado.
“A Lei Mari Ferrer veio especificamente
para proteger a vítima de crime sexual. Nada
contra o advogado fazer as perguntas, o que
não pode mais é ofender a vítima, produzir
qualquer tipo de pergunta que não tenha mais
relação com os fatos. Ela veio para proibir isso
e inibir aquele constrangimento, aquele hor-
ror que ela passou naquela audiência”, com-
plementa Júlio Cesar Ferreira da Fonseca.
O descaso do Judiciário com vítimas mulhe-
res que sofrem algum tipo de violência não
é novidade. Em 2021, o Conselho Nacional
de Justiça lançou um protocolo chamado de
“Protocolo para Julgamentos com Perspectiva
de Gênero”, um documento para orientação
de magistrados de todo o Brasil, entenderem
e colocarem a perspectiva de gênero quando
ela estiver presente.
“Se você ignora
o elemento central
de caracterização
das vítimas, o seu
trabalho de prevenção
necessariamente
vai falhar”
Isabela Guimarães Del Monde, advogada
e cofundadora da Rede Feminista de Juristas
De acordo com a pesquisa “Perfil das Magis-
tradas Brasileiras e Perspectivas rumo à equi-
dade de gênero nos Tribunais” da Associação
de Magistrados Brasileiros (AMB), as magis-
tradas atualmente somam apenas 38,8% do
quadro total em atividade.
“Se você ignora o elemento central de ca-
racterização das vítimas, o seu trabalho de
prevenção para as vítimas necessariamente
vai falhar. E aí teríamos mais vítimas nesse
sentido. É muito importante que este docu-
mento seja cada vez mais utilizado porque ele
lembra os magistrados do Brasil que há uma
perspectiva de gênero ali. Isso aconteceu por
conta da pessoa ser uma mulher, dessa vítima
ser uma mulher. Acho que esse documento é

88
Mulheres ocupavam um quinto das vagas
de desembargadores nos TJs do país em 2020
20%
Média do
Brasil
Maior TJ do país, SP tem mais desembargadores chamados Luiz que mulheres
% de mulheres
magistradas em
todo o Judiciário
um documento legal para constar dentro des-
se protocolo que faz parte dessa política, que
é um documento muito interessante, muito
avançado e é legal divulgar para toda popula-
ção brasileira”, comenta a advogada e cofun-
dadora da Rede Feminista de Juristas (deFEM-
de) e sócia da Gema Consultoria em Equidade,
Isabela Guimarães Del Monde.
Antes, em 2018, por meio da Resolução
CNJ n. 254, o Conselho Nacional de Justiça já
havia instituído a Política Judiciária Nacional
de Enfrentamento à Violência contra as Mu-
lheres, definindo diretrizes e ações de preven-
ção e combate à violência contra as mulheres
e garantindo a adequada solução de conflitos
que envolvam mulheres em situação de vio-
lência física, psicológica, moral, patrimonial
e institucional, nos termos da legislação na-
cional vigente e das normas internacionais de
direitos humanos sobre a matéria.
Além das questões voltadas para o combate
à violência doméstica contra a mulher, há uma
preocupação do CNJ em assegurar atendimen-
% de desembargadoras
em relação ao total de vagas
em cada Tribunal de Justiça
Fonte: Folha de S. Paulo
tos mais humanizados às vítimas. Foi por isso
que o artigo 9º da Política Judiciária Nacional
ressaltou que configura violência institucional
a ação ou omissão de qualquer órgão ou agen-
te público que fragilize, de alguma forma, a
preservação dos direitos das mulheres.
Segundo matéria publicada pela “Folha de
S. Paulo”, dados do CNJ, de 2018, revelam
que apenas 37,5% da magistratura estadual
é composta por mulheres. No entanto, infor-
mações disponíveis nos sites dos Tribunais de
Justiça em fevereiro de 2020 apontam que
elas são cerca de 20% do total de desembar-
gadores — magistrados que julgam processos
de segunda instância.
Ainda de acordo com a “Folha”, o Tribunal
de Justiça de São Paulo, maior do Brasil, é um
dos responsáveis por puxar esse percentual
para baixo. São 31 mulheres entre os seus
360 desembargadores, menos de 9% do total.
Há, em São Paulo, mais desembargadores cha-
mados Luiz (32), como primeiro nome ou com
nome composto, do que mulheres (31).
Conheça as principais
ações envolvendo
o CNJ para mitigar a
violência contra a mulher
• Colaboração do CNJ com a Asso-
ciação de Magistrados Brasileiros
no lançamento da Campanha Sinal
Vermelho contra a Violência Domés-
tica, uma iniciativa transformada em
lei federal — Lei 14.188/2021 — que
oferece um método eficaz e discreto
para denunciar casos de violência
doméstica.
• Edição da Recomendação n. 9/2007,
que orienta o Judiciário a criar Varas
Especializadas e Juizados de Violên-
cia Doméstica e Familiar nas capitais
e no interior dos estados;
• Criação do Fórum Nacional de Juízas
e Juízes de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher (Fonavid),
realizado em sua 15ª edição, que
proporciona um espaço permanente
para discussões e debates entre a
magistratura sobre o tema, incenti-
vando também a uniformização de
procedimentos das Varas Especia-
lizadas em Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher;
• Edição do Manual de Rotinas e
Estruturação dos Juizados de Vio-
lência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, criado em 2010 e atualizado
em 2018;
• A Resolução CNJ nº 254/2018, que
instituiu a Política Judiciária Nacional
de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres pelo Poder Judiciário,
definindo diretrizes e ações de pre-
venção e combate à violência contra
as mulheres, garantindo a adequada
solução de conflitos que envolvam
mulheres em situação de violência
física, psicológica, moral, patrimonial
e institucional, de acordo com a le-
gislação nacional vigente e as normas
internacionais de direitos humanos
sobre a matéria;
• Resolução CNJ nº 386/2021, que
estabelece a obrigatoriedade dos
tribunais brasileiros em implementar
centros especializados de atendimen-
to às vítimas de violência; e
• A Portaria Conjunta n. 5/2020, reali-
zada em parceria com o CNMP, que
instituiu o Formulário Nacional de
Avaliação de Risco, com o objetivo de
prevenir a reincidência da violência
contra a mulher, auxiliando as insti-
tuições a gerenciar o risco do aumen-
to das agressões, com o propósito de
evitar futuros casos de feminicídio.
Fonte: CNJ
Cartórios com Você 89
Especial

“Todos que cometem violência contra

a mulher devem ser responsabilizados”
Para a pesquisadora da Rede de Observatórios Segurança, Francine Ribeiro, há muito o
que se fazer no Judiciário em termos de sensibilização das minorias, incluindo as mulheres

A pesquisadora da Rede de Observatórios da

Segurança, Francine Ribeiro, investigou em
sua tese de mestrado os movimentos sociais e
coletivos, suas formas de resistência e dinâmi-
cas em relação ao modus operandi do sistema
de Segurança Pública em São Paulo.
Em entrevista à Revista Cartórios com
Você, a pesquisadora fala sobre a violência
contra a mulher, suas especificidades e o tra-
balho dos Cartórios e do Judiciário para miti-
gar os efeitos da violência.
De acordo com ela, “todos que cometem
violência contra a mulher devem ser respon-
sabilizados”.

“A cultura enraizada em
nosso país é tangenciada pelo
machismo e nele a violência
é intrínseca. Reverter isso
requer acima de tudo uma
mudança de mentalidade
através da educação.”

Segundo a pesquisadora da Rede de Observatórios

da Segurança, Francine Ribeiro, movimentos
que vem de fora para mudar as mentalidades
conservadoras são relevantes para gerar empatia e
trazer um novo olhar para os processos

90
CcV - Como a Rede de Observatórios da Se-
gurança trabalha para diagnosticar os prin-
cipais motivos que levam a violência contra
mulher?
Francine Ribeiro - A partir do monitoramen-
to diário das redes informacionais, jornais
de grande circulação e suas publicações nas
mídias. O nosso monitoramento tem qualifica-
doras que permitem identificar tanto o perfil
da vítima como as circunstâncias dos crimes
e violências sofridas. Então, conseguimos ma-
pear os principais motivos, que são: ciúmes,
término de relacionamento, supostas traições
e brigas.
CcV - A violência contra a mulher cresceu
em 2022, segundo o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Os feminicídios cresce-
ram 6,1% no ano passado, resultando em
1.437 mulheres mortas simplesmente por
serem mulheres. Por que houve um aumen-
to desse número?
Francine Ribeiro - A razão do aumento é a
mesma da existência dessas violências há dé-
cadas: as relações de poder e submissão as
quais as mulheres estão submetidas. Ainda
que os números possam variar, sempre são
alarmantes a cada novo relatório. Hoje a jus-
tificativa não é mais a pandemia, fato é que
se o Estado não fortalece políticas de preven-
ção, proteção e denúncia de violências – di-
ficilmente o quadro vai melhorar. A cultura
enraizada em nosso país é tangenciada pelo
machismo e nele a violência é intrínseca. Re-
verter isso requer acima de tudo uma mudan-
ça de mentalidade através da educação.
CcV - O presidente Lula anunciou recente-
mente o lançamento do Pacto Nacional de
Prevenção aos Feminicídios, com o objetivo
prevenir discriminação, misoginia e violên-
cias de gênero contra as mulheres. Como
o decreto nº 11.640, de 16 de agosto de
2023, pode ajudar no combate à violência
contra a mulher?
Francine Ribeiro - Todo o esforço do governo
no âmbito do executivo, bem como no legis-
lativo, pode agregar no cuidado e proteção
das mulheres – que projetos, decretos e leis se
materializem em políticas de prevenção, na ex-
pansão das delegacias da mulher 24h na prá-
tica, disque denúncia, entre outras formas de
acesso à proteção, além claro, do reforço à res-
ponsabilização dos abusadores e criminosos.
CcV - O aumento no número de crimes, por
exemplo, agressões e ameaças em contexto
de violência doméstica tem relação com o
maior número de registros desses crimes?
As mulheres estão denunciando mais as
agressões e as ameaças?
Francine Ribeiro - O movimento esperado é
que mais informação chegue às mulheres, seja
pela internet até outras formas de campanhas
de conscientização encabeças pelos governos
e movimentos sociais. Ao mesmo tempo, é
compreensível quando mulheres não supe-
ram o medo, afinal, acabam convivendo com
o agressor depois da denúncia e se sentem
fragilizadas diante da situação. É importante
que uma rede de proteção seja consolidada
nas comunidades, nos bairros de forma regio-
nalizada, para que as mulheres sejam incen-
tivadas à denunciar e tenham amparo após a
realização desta.
CcV - E quais são outros fatores que indicam
o aumento da violência contra a mulher? O
confinamento provocado pela Covid-19 e a
falta de políticas públicas na gestão de Jair
Bolsonaro também são fatores que devem
ser levados em consideração?
Francine Ribeiro - Como já disse, mesmo
após o período crítico de confinamento, os
números - relacionados à violência contra mu-
lher - permaneceram expressivos. A pandemia
acirrou as relações e tornou a rotina das mu-
lheres mais difícil na convivência mais intensa
com os agressores. O corte de investimentos
que o governo Bolsonaro liderou nessa pasta,
influenciou no esgarçamento e no pioramen-
to do que tínhamos de referência, há estados
em que o problema da falta de verba foi ain-
da pior que SP. Esse desmonte é proposital e
segue uma lógica patriarcal – característica
no governo anterior. Resta termos esperança
que toda essa pauta que tem sido levantada
no âmbito federal realmente alcance os mu-
nicípios e cidades mais vulneráveis. Que não
fiquemos nas promessas, mas sim que virem
realidade e transformem esse atual cenário –
ainda - adverso. As mulheres elegeram o Lula
e esperam ação desse governo.
CcV - Em 2021, o Conselho Nacional de Jus-
tiça lançou um protocolo chamado de “Pro-
tocolo para Julgamentos com Perspectiva
de Gênero”, um documento para orientação
de magistrados de todo o Brasil, entende-
rem e colocarem a perspectiva de gênero
quando ela estiver presente. Como avalia o
trabalho do Judiciário brasileiro em relação
a violência contra a mulher?
Francine Ribeiro - Há muito o que se fazer
no nosso judiciário em termos de sensibiliza-
ção sobre minorias, as mulheres, é evidente,
são parte disso. É complexo pensar em todo o
sistema de justiça criminal e os gargalos exis-
tentes até que o caso chegue ao judiciário. Há
pouco incentivo para a continuidade da de-
núncia, até que se exerça a responsabilização
dos agressores, por vezes, não são efetivas a
ponto de corrigir os comportamentos de for-
ma definitiva. Por isso, esses movimentos que
vem de fora para mudar as mentalidades con-
servadoras – que compõe a maioria do nosso
judiciário – são relevantes para gerar empatia
e trazer um novo olhar para os processos.
CcV - Para combater a violência contra a
mulher, o Conselho Nacional de Justiça
publicou o Provimento nº 147, de julho de
2023, que dispõe sobre a política perma-
nente de enfrentamento a todas as formas
de violência contra a mulher, contando com
a colaboração de notários e registradores.
Como os Cartórios podem ajudar no com-
bate a essa violência de gênero?
Francine Ribeiro - Pelo que entendo, ele visa
um trabalho em rede para o atendimento às
vítimas. Acredito que sim, a adoção de pro-
tocolos específicos contribui para a precisão
das denúncias e a construção de canais que
façam valer o processo de expor um caso
“As mulheres precisam
se sentir 100% seguras
e amparadas e que suas
denúncias sejam levadas a
sério a partir de exemplos
de responsabilização de
agressores e criminosos”
pode garantir - ainda mais – o exercício da
justiça. Independente do cargo público que
ocupe, do alto ao baixo escalão de servidores
do Poder Judiciário – todos que cometem vio-
lência contra a mulher devem ser responsabi-
lizados. É importante que a construção desse
canal de denúncia do CNJ seja feita de forma
sólida para que não se percam lá na ponta o
modus operandi ideal para o acolhimento das
mulheres.
CcV - Atualmente uma campanha idealiza-
da com a ajuda dos Cartórios brasileiros
permite que um “x” escrito com batom
(ou outro material) na palma da mão da
mulher vítima de violência, pode ser mos-
trado no cartório, e quando a vítima apre-
sentar o “x”, o atendente deve ligar para
o número 190 e acionar a Polícia Militar.
Como avalia a campanha “Sinal Vermelho”
promovida pelos Cartórios brasileiros,
pela Associação dos Magistrados Brasilei-
ros (AMB) em parceria com o Conselho Na-
cional de Justiça (CNJ)?
Francine Ribeiro - Toda e qualquer política
pública deve ser pensada em todas as suas
fases, no presente caso, desde antes até a rea-
lização da denúncia – isto é, como essa mulher
será amparada após denunciar seu agressor?;
Ele será, de fato, responsabilizado?; As mulhe-
res se sentem seguras para realizar esse tipo
de denúncia? Essas e outras questões preci-
sam ser respondidas e pensadas. Porque em
teoria, parece ser um avanço na ampliação de
canais de denúncia e isso é importante, mas
precisamos refletir sobre a prática e seus efei-
tos. Acima de tudo, as mulheres precisam se
sentir 100% seguras e amparadas e que suas
denúncias sejam levadas a sério a partir de
exemplos de responsabilização de agressores
e criminosos.
CcV - Como melhorar o cenário da violência
contra a mulher no Brasil?
Francine Ribeiro - É sempre importante
pensar em redes de proteção, porque tão im-
portante quanto a responsabilização de um
agressor, é a possibilidade de se sentir segura
e amparada, é a certeza de ser uma mulher li-
vre e que em cenários adversos tenha a quem
e onde recorrer. Grupos e movimentos sociais
que atuam no micro são fundamentais e deve-
riam ter incentivos para ampliar seus traba-
lhos, além é claro, do Estado prover iniciativas
mais orgânicas de proteção às mulheres de
modo que elas sejam protagonistas de suas
trajetórias e venham a superar histórias de
violências através dos cuidados: psicológico,
econômico, jurídico e do afeto.
Cartórios com Você 91
Especial
Provimento 147 do CNJ dispõe sobre
a política permanente de enfrentamento a
todas as formas de violência contra a mulher
Norma, publicada no dia 4 de julho, orienta notários e registradores sobre suas formas de atuação
PROVIMENTO N. 147,
DE 4 DE JULHO DE 2023
Dispõe sobre a política permanente de enfren-
tamento a todas as formas de violência contra a
mulher, no âmbito das atribuições da Corregedo-
ria Nacional de Justiça; adota protocolo específi-
co para o atendimento a vítimas e recebimento
de denúncias de violência contra a mulher envol-
vendo magistrados, servidores do Poder Judici-
ário, notários e registradores; cria canal simpli-
ficado de acesso a vítimas de violência contra a
mulher na Corregedoria Nacional de Justiça e dá
outras providências.
O CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, no
uso de suas atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO que compete ao Conselho
Nacional de Justiça - CNJ zelar pelo cumpri-
mento dos deveres funcionais dos membros do
Poder Judiciário e pela observância do Estatuto
da Magistratura e, para tanto, expedir atos regu-
lamentares, bem como receber e conhecer as re-
clamações contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário, inclusive contra seus serviços auxilia-
res, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação
do poder público ou oficializados, nos termos do
art. 103-B da Constituição Federal;
CONSIDERANDO o disposto na Lei Orgânica
da Magistratura Nacional, no Código de Ética
da Magistratura Nacional, na Resolução CNJ n.
135/2011, nos Princípios de Bangalore de Con-
duta Judicial, no Código Ibero-Americano de Éti-
ca Judicial e na Lei Federal n. 8.112/1990;
CONSIDERANDO ser dever do Estado assegu-
rar a assistência a todos os integrantes da família,
bem como criar mecanismos voltados à harmoni-
zação e pacificação em casos de litígio, nos ter-
mos do art. 226, § 8º, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO ser atribuição do poder pú-
blico desenvolver políticas para garantia dos di-
reitos fundamentais das mulheres nas relações
domésticas e familiares, resguardando-as contra
práticas de discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, nos termos do art. 3º, § 1º,
da Lei nº 11.340/2006;
CONSIDERANDO que o Brasil é signatário da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Conven-
ção de Belém do Pará” (promulgada pelo Decreto
n. 1.973, de 1º de agosto de 1996), por meio do
qual se comprometeu a incorporar, na legislação
interna, normas penais, civis, administrativas e de
outra natureza que sejam necessárias para preve-
nir, punir e erradicar a violência
contra a mulher, bem como a adotar as medidas
administrativas adequadas que forem aplicáveis;
CONSIDERANDO que o art. 4º, alínea “g”, da
Convenção de Belém do Pará assegura à mulher
o “direito a recurso simples e rápido perante tri-
92
bunal competente que a proteja contra atos que
violem seus direitos”;
CONSIDERANDO o que dispõe a Recomenda-
ção Geral n. 33 sobre o acesso das mulheres à
Justiça, do Comitê sobre a Eliminação da Discri-
minação contra as Mulheres (CEDAW), no âm-
bito da Convenção das Nações Unidas sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres;
CONSIDERANDO a Diretriz Estratégica 8 para o
ano de 2023, da Corregedoria Nacional de Justi-
ça, aprovada no XI Encontro Nacional do Poder
Judiciário, que dispõe: “Informar à Corregedoria
Nacional as medidas adotadas para o cumpri-
mento da Recomendação n. 102/2021 (adoção
do protocolo integrado de prevenção e medidas
de segurança voltado ao enfrentamento à vio-
lência doméstica praticada contra magistradas e
servidoras)”;
CONSIDERANDO, por fim, a necessidade de
adequação do recebimento de denúncias de
violência contra a mulher, pela Corregedoria Na-
cional de Justiça, à Política Judiciária Nacional de
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
(Resolução CNJ n. 254/2018) e às diretrizes ado-
tadas pelo Protocolo para Julgamento com Pers-
pectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492/2023),
RESOLVE:
Art. 1º Estabelecer a política permanente de
enfrentamento a todas as formas de violência
contra a mulher, no âmbito das atribuições da
Corregedoria Nacional de Justiça, com a adoção
de protocolo específico para o atendimento de
vítimas e recebimento de representações por
violência contra a mulher envolvendo magistra-
dos, servidores do Poder Judiciário e prestadores
de serviços notariais e de registro que atuem por
delegação do poder público.
Art. 2º A política permanente de enfrentamento
a todas as formas de violência contra a mulher
será guiada pelos seguintes princípios:
I – respeito aos direitos fundamentais da vítima,
em especial à sua privacidade, o que impõe o si-
gilo das informações constantes em procedimen-
tos que versem sobre violência contra a mulher;
II – consentimento livre e esclarecido da mulher
vítima de qualquer forma de violência;
III – eliminação de todas as noções preconcebi-
das e estereotipadas sobre as respostas espera-
das da mulher à violência sofrida e sobre o pa-
drão de prova exigido para sustentar a ocorrência
da agressão;
IV – acesso desburocratizado da vítima aos pro-
cedimentos de competência da Corregedoria
Nacional de Justiça e atendimento humanizado
condizente com as condições peculiares da mu-
lher em situação de violência;
V – não revitimização da ofendida, evitando-se
sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, bem
como questionamentos desnecessários sobre
sua vida privada;
VI – enfrentamento da subnotificação dos casos
de violência contra a mulher quando a apuração
se inserir na competência da Corregedoria Na-
cional de Justiça, o que impõe ampla publicidade
dos canais de acesso disponíveis à vítima e das
diversas redes de proteção à mulher;
VII – capacitação de magistrados e servidores da
Corregedoria Nacional de Justiça com vistas ao
enfrentamento de todas as formas de violência
contra a mulher e à atuação segundo o protocolo
de julgamento com perspectiva de gênero; e
VIII – interlocução permanente com ouvidorias,
fóruns, núcleos e comitês correlatos do CNJ e
dos tribunais da Federação.
Art. 3º Sem prejuízo da atuação dos respectivos
Tribunais e Corregedorias locais, poderão ser re-
portadas à Corregedoria Nacional de Justiça, na
forma estabelecida por este Provimento, situa-
ções de violência contra a mulher praticadas por:
I – magistrados, relacionadas ou não com o exer-
cício do cargo;
II – servidores do Poder Judiciário, quando vio-
ladoras de deveres e proibições funcionais (arts.
116 e 117 da Lei n. 8.112/1990);
III – prestadores de serviços notariais e de regis-
tro, quando relacionadas ao exercício do serviço
delegado.
Parágrafo único. Aplicam-se as disposições deste
artigo a outras situações de violência quando:
a) embora não tenham sido praticadas diretamen-
te por magistrados, haja indicativo de omissão
quanto aos deveres de cuidado pela integridade
física e psicológica da vítima, na forma da Lei n.
14.245/2021 e da Lei n. 14.321/2022 (violência
institucional); e
b) de alguma forma, possam repercutir no pleno
exercício das atribuições de magistradas e servi-
doras do Poder Judiciário, observado o previsto
no § 3º do artigo 4º.
Art. 4º Será criado, no sítio eletrônico do CNJ
(no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça),
portal específico da política permanente de en-
frentamento a todas as formas de violência con-
tra a mulher, o qual deverá conter, no mínimo:
I – formulário simplificado para encaminhamento
de representações à Corregedoria Nacional de
Justiça por violência contra a mulher, nos limites
estabelecidos no art. 3º deste Provimento; e
II – conteúdo informativo acerca das atribuições
da Corregedoria Nacional de Justiça no enfren-
tamento a todas as formas de violência contra a
mulher.
§ 1º A possibilidade de formulação de represen-
tações prevista no inciso I não exclui outras for-
mas tradicionais de peticionamento no âmbito da
Corregedoria Nacional de Justiça.
§ 2º O formulário de que trata o inciso I deverá
conter, além de linguagem simplificada e huma-
nizada, dados que permitam a formulação de es-
tudos estatísticos acerca do perfil das demandas,
observado o sigilo previsto no inciso I do art. 2º.
 Medidas para mitigar a violência contra
§ 3º Caso a apuração dos fatos reportados não seja
de competência da Corregedoria Nacional de Jus-
tiça, a vítima receberá orientação acerca das vias
adequadas para a formulação de sua demanda.
§ 4º Será disponibilizado link para acesso dire-
a mulher vão além da penalização
to ao formulário de que trata o art. 4º, inciso I,
à Ouvidoria Nacional da Mulher e ao Comitê de e identificação de agressores
Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e
do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder
Judiciário, bem como aos demais comitês e co- Ações de prevenção podem evitar que mais
missões que tratem do tema da violência contra
a mulher no âmbito do CNJ, visando à adoção das mulheres sejam vítimas de violência na sociedade
medidas previstas neste Provimento
de forma célere e eficaz.
Art. 5º As representações por violência contra a
mulher recebidas pela Corregedoria Nacional de Mais do que penalizar
os agressores, são
Justiça, por quaisquer vias, receberão tratamen-
necessárias ações de
to específico conforme protocolo de julgamento
prevenção para evitar
com perspectiva de gênero (Resolução CNJ n. que mais mulheres sejam
492/2023), com a adoção, entre outras, das se- vítimas de violência
guintes diretrizes:
I – não será exigida prova pré-constituída dos fa-
tos alegados como requisito de procedibilidade
da representação;
II – o procedimento poderá ser integralmente
instruído no âmbito da Corregedoria Nacional de
Justiça, com colheita de documentos, arquivos e
oitiva de testemunhas indicadas pela represen-
tante e demais interessados;
III – a representante será sempre indagada se
deseja ser ouvida previamente, de preferência,
por uma juíza auxiliar da Corregedoria Nacional
de Justiça, para reportar os fatos com maior de-
talhamento;
IV – em caso de necessidade e concordância da
vítima, esta poderá ser encaminhada a atendi-
mento de apoio psicossocial oferecido por um
órgão judicial de sua preferência, que poderá
elaborar estudo a respeito da dinâmica de violên-
cia a que estiver exposta, dos riscos porventura A presidente da comissão de violência domés- venção para evitar que mais mulheres sejam
ainda existentes e de quaisquer outros aspectos tica e gênero do Instituto Brasileiro de Direito vítimas de violência na sociedade.
relevantes à compreensão dos fatos alegados; de Família (IBDFAM), Adelia Moreira Pessoa, “É importante que as organizações tenham
V – instaurado procedimento a partir do formulário citou uma série de medidas que podem ser políticas de prevenção e tratamento de casos
de que trata o art. 4º, inciso I, constará na autuação tomadas não só para mitigar a violência, mas de assédio. Políticas também de paridade de
a Corregedoria Nacional de Justiça como reque- também para desobstruir caminhos até então mulheres e homens em espaços de liderança.
rente, com imputação de sigilo em todos os casos. pavimentados apenas pela cultura machista Sempre em uma perspectiva interseccional.
§ 1º Na oitiva de que trata o inciso III, o(a) magis- que permeia o Brasil e o mundo. Segundo Também garantindo que entre essas mulhe-
trado(a) que conduzir o ato auxiliará a vítima, se ela, “os Conselhos de Direitos da Mulher têm res haja mulheres negras, haja mulheres com
for o caso, a preencher o Formulário de Avaliação
papel relevante na concretização dos direitos deficiência, haja mulheres pobres, para a gen-
de Risco aplicável, conforme as diretrizes da Re-
da mulher, através da fixação de diretrizes e te pensar também nessa interseccionalidade.
solução Conjunta CNJ/CNMP n. 5/2020 e da Lei
n. 14.149/2021.
fiscalização de políticas públicas”. Outro trabalho que tem um efeito muito gran-
§ 2º A oitiva da vítima, das testemunhas e do “O IBDFAM vem buscando participação nos de é da indústria cultural. A indústria cultural
agressor será registrada em meio eletrônico, de- Conselhos Estaduais e Municipais e já ocu- passar a mostrar estereótipos positivos das
vendo a mídia integrar os autos do procedimento. pando atualmente a titularidade no Conselho mulheres, mostrar homens aliados das mu-
Nacional dos Direitos das Mulheres, somando- lheres, mostrar outra forma de ser homem”,
Art. 6º Sem prejuízo do poder de requisição pre- -se à construção de estratégias para concreti- declara a advogada.
visto no art. 8º, inciso VII, do Regimento Inter-
zação dos direitos das mulheres, através das Para a pesquisadora da Rede de Observató-
no do Conselho Nacional de Justiça - RICNJ, a
políticas públicas - há necessidade de políticas rios da Segurança, Francine Ribeiro, é impor-
Corregedoria Nacional de Justiça poderá celebrar
termos de cooperação com os tribunais ou ou-
públicas diversas: ações educativas em todos tante pensar em redes de proteção, “porque
tros órgãos públicos para o compartilhamento de os níveis de ensino, não apenas na educação tão importante quanto a responsabilização de
pessoal e de serviço psicossocial ou multidiscipli- formal, mas também através de todos meios um agressor, é a possibilidade de se sentir se-
nar especializados em violência contra a mulher, de divulgação, especialmente a mídia; políti- gura e amparada, é a certeza de ser uma mu-
para fins do que dispõe o inciso IV do art. 5º des- cas assistenciais e de saúde; políticas culturais lher livre e que em cenários adversos tenha a
te Provimento. e de esportes, enfim ações efetivas para a mu- quem e onde recorrer”.
lher em todos os aspectos, buscando-se trans- “Grupos e movimentos sociais que atuam
Art. 7º Recebida a representação e analisados os
formar os padrões culturais do patriarcado no micro são fundamentais e deveriam ter
elementos colhidos pela Corregedoria Nacional
de Justiça, não sendo caso de arquivamento, o
que ainda permanecem em muitos segmentos incentivos para ampliar seus trabalhos, além
procedimento tramitará conforme a Resolução e fomenta a violência contra a mulher”, escla- é claro, do Estado prover iniciativas mais or-
CNJ n. 135/2011 e o RICNJ. rece Pessoa. gânicas de proteção às mulheres de modo que
De acordo com a advogada e cofundadora elas sejam protagonistas de suas trajetórias
Art. 8º Este provimento entra em vigor na data da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) e só- e venham a superar histórias de violências
de sua publicação. cia da Gema Consultoria em Equidade, Isabela através dos cuidados: psicológico, econômico,
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Guimarães Del Monde, mais do que penalizar jurídico e do afeto”, complementa a pesquisa-
Corregedor Nacional de Justiça os agressores, são necessárias ações de pre- dora Francine Ribeiro.

Cartórios com Você 93

RTDPJ

Cartórios de RTDPJ
participam de evento para
discutir aspectos da Redesim
Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de
Empresas e Negócios foi tema de encontro realizado pela Receita Federal

Por Frederico Guimarães

94
A Receita Federal do Brasil realizou em me-
ados de agosto em Belo Horizonte o evento
“Colabora - Conectando experiências com o
Portal de Negócios da Redesim”, que reuniu
representantes dos diversos segmentos que
utilizam a Rede Nacional para a Simplificação
do Registro e da Legalização de Empresas e
Negócios.
Criada pela Lei nº 11.598/07, a Rede Na-
cional para a Simplificação do Registro e da
Legalização de Empresas e Negócios (Rede-
sim) permite que o cidadão abra ou regula-
rize seu negócio de forma simplificada e sem
burocracia. Em 2015, foi iniciada a integração
da Redesim com os Cartórios de Registro de
Pessoas Jurídicas. O objetivo da integração é
permitir a realização de todo o processo de
criação de um CNPJ por meio de uma entra-
da única de dados. Assim, as solicitações de
cadastro nos Cartórios podem ser concluídas
sem necessidade de comparecimento à Recei-
ta Federal para a realização dos deferimentos
e indeferimentos de solicitações.
Participaram do evento diversos atores,
juntamente com quem utiliza os sistemas, que
são os usuários, contadores e empresários de
pequeno, médio e grande porte. Além deles,
estiveram presentes no evento profissionais
advogados e contabilistas; órgãos licenciado-
res – Vigilância Sanitária, Meio Ambiente e
Corpo de Bombeiros; Juntas Comerciais; OAB
nacional; prefeituras; secretarias Estaduais
de Fazenda e municipais de finanças; Serviço
Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empre-
sa (Sebrae), além dos Cartórios de Registro
de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas
(RTDPJ).
“O objetivo do Colabora foi aperfeiçoar o
processo de registro e legalização de empre-
sas e negócios, de forma a torná-lo mais flui-
do, simples e transparente do ponto de vista
do cidadão. Então foi um marco para nós da
Receita Federal elaborar este evento que foi
primordialmente de escuta de problemas, di-
ficuldades para que possamos evoluir neste
próximo ciclo”, ressalta o auditor-fiscal da Re-
ceita Federal e gerente nacional do Projeto de
Integração Nacional Redesim, Carlos Vinicio
Lacerda Nacif.
O Instituto de Registro de Títulos e Docu-
mentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IR-
TDPJBrasil) esteve presente no evento repre-
sentado pelo presidente da entidade, Rainey
Barbosa Alves Marinho.
“Nossa função foi levantar problemas e
sugerir soluções, participando de forma de-
mocrática para a construção de novas ferra-
mentas para a melhoria da Redesim. A Recei-
ta nos ouviu e nos convidou ao debate, em
um evento em que a tônica, como bem diz
o nome, foi a colaboração de todos para o
aperfeiçoamento deste grande sistema”, pon-
dera Marinho.
PAPEL DOS CARTÓRIOS
Além do presidente do IRTDPJBrasil, Rai-
ney Marinho, participaram das atividades
do “Colabora” membros da Diretoria e dos
Conselhos do Instituto, entre eles Carlos Al-
berto Chermont, Gloria Alice Bertoli, Rodolfo
Pinheiro de Moraes, Vanuza Arruda e Marco
Antônio Domingues.
De acordo com o gerente nacional do Pro-
jeto de Integração Nacional Redesim, Carlos
Vinicio Lacerda Nacif, “os Cartórios de RT-
DPJ são entidades importantes do processo
de registro e de legalização na Redesim”.
“Esta integração precisa continuar crescen-
do pois é bom para os Cartórios de RTDPJ e
bom para o Brasil. A integração é fundamen-
tal para o engrandecimento do cartorário de
registro de pessoa jurídica participar efeti-
vamente da Redesim e colaborar com nosso
país a termos um ambiente de negócios cada
vez melhor para se empreender. Outro ponto
é propiciar ao cidadão empreendedor brasi-
leiro uma escolha isenta entre uma natureza
simples e uma natureza empresária e apenas
um sistema nacional poderá garantir este es-
paço de isenção”, declara Nacif.
Segundo o 2°vice-presidente do IRTDPJ-
-Brasil, Carlos Alberto do Valle e Silva Cher-
mont, desde 2015, quando os Cartórios ade-
riram ao convênio da Redesim com a Receita
Federal, as atenções estavam concentradas
nas sociedades empresárias, deixando de in-
tegrar as demais pessoas jurídicas de direito
privado, “o que causou um atraso para que
Cartórios com Você 95
RTDPJ
essa integração se efetuasse de forma ade-
quada atendendo todas as espécies de pes-
soas jurídicas de direito privado, e todos os
órgãos que tem a competência para registro
e constituição de cada uma dessas espécies”.
“Somente agora que estão conversando
com os demais órgãos registrais, exatamen-
te para tentar adaptar. E nessa adaptação
obviamente que tem uma série de situações
próprias que são situações totalmente dife-
rentes daquelas que são adotadas pelas jun-
tas comerciais nas sociedades empresárias”,
argumenta Chermont.
“É preciso ao efetuar o registro observar a
segurança jurídica, protegendo o cidadão de
enveredar por um caminho de uma consti-
tuição mal orientada que precise ser refeita
ali na frente. De uma maneira geral, o que
nós tratamos nesses três dias de debate em
Minas Gerais, principalmente para uma ini-
ciativa da Receita Federal, foi de mostrar os
lapsos que tinham ocorrido e adotar uma
postura mais isonômica, tratando de forma
igualitária todos os registros públicos, e dis-
ponibilizando um programa dos integradores
que foram organizados pelas juntas comer-
ciais”, complementa o registrador.
Assim como ele, a vice-presidente do IRT-
DPJ-Brasil para a região Centro-Oeste, Glo-
ria Alice Bertoli, esteve presente no evento
e destacou que “a Redesim, pensada, criada
e administrada pela Receita Federal do Bra-
sil, para dar forma célere e simplificada para
o cidadão que quer criar ou regularizar seu
negócio, tem em seu mecanismo de operação
os Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas
como um aliado nesse processo”, salienta.
Para o conselheiro do IRTDPJBrasil, regis-
trador de RCPJ no Rio de Janeiro, Rodolfo Pi-
nheiro de Moraes, com a implantação do Sis-
tema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp)
é necessário que o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) promova a obrigatoriedade de
inserção de todos RCPJS na Redesim através
de integração do ON- RTDPJ com as soluções
tecnológicas que já existem em cada estado.
“Que todos os oficiais compreendam que a
inscrição no CNPJ é apenas uma das inscri-
ções necessárias na Redesim. Há necessidade
também de inscrição nas receitas estaduais,
municipais e órgãos de licenciamento como
meio ambiente e Corpo de Bombeiros para
uniformidade e linearidade do processo total
na Redesim”, pondera Moraes.
“A participação dos RCPJs no evento ‘Co-
labora’ foi marcante e produtiva, na medida
em que pudemos trocar experiências com os
diversos atores do fluxo de legalização das
pessoas jurídicas de variados cantos do país”,
diz o presidente do Instituto de Registro de
Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas do
Rio Grande do Sul (IRTDPJ/RS), Marco Antô-
nio Domingues.
De acordo com a registradora em Ouro Pre-
to-MG e coordenadora acadêmica da escola
IRTDPJBrasil, Vanuza C. Arruda, a partir do
evento, “os registradores poderão aproveitar
mais portas abertas para desenvolver a sua
atividade”. “Garantir que nossos serviços não
sejam feitos por outros órgãos de registro, ao
arrepio da lei, como ocorre atualmente”, frisa
a registradora.
96
Segundo o gerente nacional do Projeto de Integração
Nacional Redesim, Carlos Vinicio Lacerda Nacif, o
objetivo do Colabora foi aperfeiçoar o processo de
registro e legalização de empresas e negócios
“Os Cartórios de RTDPJ são
entidades importantes do
processo de registro e de
legalização na Redesim”
Carlos Vinicio Lacerda Nacif,
gerente nacional do Projeto de
Integração Nacional Redesim
CENTRAL RTDPJ
Em 16 de dezembro de 2019, foi lançada a
nova plataforma www.rtdbrasil.org.br, que
oferece serviços eletrônicos dos Cartórios de
Registro de Títulos e Documentos e de Regis-
tro Civil de Pessoas Jurídicas. A criação da
Central visou atender às disposições dos ar-
tigos 37 a 39 da Lei nº 11.977/2009, tendo
sido posteriormente normatizada com a edi-
ção do Provimento nº 48 do Conselho Nacio-
nal de Justiça (CNJ).
Desde 2016, o IRTDPJBrasil tem convênio
firmado com a Receita Federal do Brasil obje-
tivando a integração dos Cartórios de RTDPJ
à Redesim. Desde então o Instituto participa
diretamente da evolução do sistema, tendo as-
sento como membro integrante do Grupo de
Trabalho e Sistemas, com integrantes nomea-
dos em portaria da Receita.
Atualmente Cartórios de Alagoas (Maceió),
Espírito Santo (Vitória, Vargem Alta, Alegre,
Serra e Vila Velha) e São Paulo possuem inte-
gração à Redesim por meio da Central RTDPJ.
No Pará estão em fase piloto nove municípios
da região metropolitana de Belém.
“Nestes estados o integrador é a Vox Tec-
nologia, com quem o IRTDPJBrasil possui
convênio para a integração à Redesim desde
2020. Esperamos, em um breve futuro, tam-
bém avançar nos outros nove estados aten-
didos por esta empresa integradora: Amapá,
Goiás, Maranhão, Paraíba, Paraná, Rio Grande
do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins. Para
Para o conselheiro do IRTDPJBrasil, registrador de RCPJ
no Rio de Janeiro, Rodolfo Pinheiro de Moraes, com
a implantação do Sistema Eletrônico dos Registros
Públicos (Serp) é necessário que o CNJ promova a
obrigatoriedade de inserção de todos RCPJS na Redesim
“Que todos os oficiais
compreendam que a inscrição
no CNPJ é apenas uma das
inscrições necessárias na
Redesim. Há necessidade
também de inscrição nas
receitas estaduais, municipais
e órgãos de licenciamento.”
Rodolfo Pinheiro de Moraes,
conselheiro do IRTDPJBrasil e registrador
de RCPJ no Rio de Janeiro
o estado do Pará, especificamente, o integra-
dor é a empresa ProSolution, e estamos em
fase piloto assistida, inclusive com a partici-
pação de empresas de contabilidade. Após o
Pará, podemos expandir para outros estados
atendidos por esta empresa, a exemplo de
Santa Catarina e Pernambuco”, relata Rainey
Marinho.
Além destes estados, Rio Grande do Sul, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul possuem integração por meio
da Central RTDPJ.
“Especialmente para atender a política de
integração total em local único, a ser imple-
mentados pela Redesim, ter todos os Cartórios
em uma só plataforma, contribui para facilitar
para o cidadão, a localização rápida e mais
barata de informações, além de alinhar todos
o RCPJs do país, às políticas do Serp e do go-
verno federal, cujo intuito é sempre melhorar
e evoluir para melhor atender a sociedade, fo-
cando na melhoria do ambiente de negócios
e indicadores econômicos, fundamentais, para
uma boa avaliação do país, pelos investidores
internacionais”, ressalta a registradora Vanuza
Arruda.
Segundo o 2° vice-presidente do IRTDPJ-Brasil, Carlos
Alberto do Valle e Silva Chermont, desde 2015, quando
os Cartórios aderiram ao convênio da Redesim com a
Receita Federal, as atenções estavam concentradas nas
sociedades empresárias, deixando de integrar as demais
pessoas jurídicas de direito privado
O Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de A vice-presidente do IRTDPJ-Brasil para a região Centro-
Pessoas Jurídicas do Brasil esteve presente no evento Oeste, Gloria Alice Bertoli, esteve presente no evento e
representado pelo presidente da entidade, Rainey destacou que a Redesim foi pensada para dar celeridade
Barbosa Alves Marinho e simplicidade ao cidadão

“O que nós tratamos nesses “Nossa função foi levantar “A Redesim tem em seu
três dias de debate em Minas problemas e sugerir mecanismo de operação
Gerais foi de mostrar os lapsos soluções, participando de os Cartórios de Registro de
que tinham ocorrido e adotar forma democrática para Pessoas Jurídicas como um
uma postura mais isonômica, a construção de novas aliado nesse processo”
tratando de forma igualitária ferramentas para a melhoria Gloria Alice Bertoli,
todos os registros públicos” da Redesim” vice-presidente do IRTDPJ-Brasil
para a região Centro-Oeste
Carlos Alberto do Valle e Silva Chermont, Rainey Barbosa Alves Marinho,
2° vice-presidente do IRTDPJ-Brasil presidente do IRTDPJBrasil

Veja alguns números

relacionados aos Cartórios Conheça alguns números
de RTDPJ e à Redesim da Central Eletrônica do RTDPJ
ALAGOAS, ESPÍRITO SANTO E PARÁ Tipo/Especialidade Quantidade

6.129
Registro RTD 923.393
Viabilidade de nome Registro RCPJ 151.589
das sociedades: Cert RTD 105.240

1.780
Cert RCPJ 44.094
Análise Documento Notificações 203.890
Básico de Entrada: Notificações CORI 93.228
Viabilidade Redesim 596.660
Análise DBE 18.593
SÃO PAULO Total 2.136.687

Viabilidade de nome
das sociedades: 622.883 Usuários
Cartórios/Comarcas
281.523
2.981

14.379
Acessos 5.386.178
Análise Documento Municípios atendidos 3.969
Básico de Entrada: Atendimentos CHAT 161.364

Fonte: IRTDPJBrasil Fonte: IRTDPJBrasil

Cartórios com Você 97

RTDPJ

De acordo com a registradora em Ouro Preto-MG e O presidente do IRTDPJ/RS, Marco Antônio Domingues, Para o auditor fiscal e representante da Sefaz-SP, Ricardo
coordenadora acadêmica da escola IRTDPJBrasil, Vanuza também esteve presente no Colabora e destacou a da Silveira Coelho, a Secretaria buscou contribuir com
C. Arruda, a partir do evento, novas soluções podem ser oportunidade de trocar experiências sobre a atividade a busca de melhorias na Redesim para torná-la mais
propostas pela classe de registradores eficiente e completa

“Os registradores poderão “A participação dos RCPJs no “Dentre as sugestões

aproveitar mais portas evento ‘Colabora’ foi marcante apresentadas pela Sefaz-
abertas para desenvolver e produtiva, na medida SP está a priorização de um
a sua atividade” em que pudemos trocar novo serviço para que as
Vanuza C. Arruda, registradora
experiências com os diversos administrações tributárias
em Ouro Preto-MG e coordenadora atores do fluxo de legalização possam compartilhar entre
acadêmica da escola IRTDPJBrasil
das pessoas jurídicas de si alterações cadastrais
variados cantos do país” resultantes de suas
Marco Antônio Domingues,
fiscalizações”
presidente do IRTDPJ/RS
Ricardo da Silveira Coelho,
auditor fiscal e representante da Sefaz-SP

Saiba quais são os serviços disponibilizados

pela Central Eletrônica do RTDPJ OUTROS ATORES
Dentre os atores participantes do evento “Co-
labora”, estava a Secretaria da Fazenda e Pla-
Envio de documentos nejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP),
Registro
para registro e aver- responsável pela arrecadação dos tributos es-
eletrônico de
bação para qualquer taduais, entre eles o ICMS, IPVA e o ITCMD,
livros contábeis
cartório do Brasil pela gestão financeira e pelo planejamento e
Desmaterialização e controle da execução orçamentária da admi-
envio eletrônico de nistração estadual.
Pesquisa de busca documentos físicos para Além de utilizar métodos e processos avan-
por nome feita çados para promover eficácia e eficiência de
outros cartórios de TDPJ
nos cartórios suas ações, a Secretaria sistematicamente tam-
bém disponibiliza à sociedade extensa gama
Emissão de CNPJ para de informações para garantir a transparência
as pessoas jurídicas pública; desenvolve periodicamente ações de
Pesquisa on-line registradas em cartórios combate à sonegação, fraude e inadimplência;
gratuita nos estados
e ainda estimula a cidadania e o despertar da
que já disponibilizaram Notificação consciência tributária do cidadão paulista.
o índice para a central extrajudicial “A Sefaz-SP buscou contribuir com a busca
de melhorias na Redesim para torná-la mais
eficiente e completa. Dentre as sugestões
Emissão de Envio de apresentadas pela Sefaz-SP está a priorização
certidões notificações de um novo serviço para que as administra-
de registros em lotes ções tributárias possam compartilhar entre si
alterações cadastrais resultantes de suas fis-
calizações”, conta o auditor fiscal e represen-
Fonte: IRTDPJBrasil

98
 Segundo a conselheira do Conselho Federal de
Contabilidade, Angela Dantas, “o evento promoveu um
debate multidisciplinar sobre o processo de registro e
legalização de empresas e negócios”
Para a diretora Nacional de Registro Empresarial e
Integração do Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços, Amanda Mesquita Souto, deve ser
reafirmado o compromisso em favor da padronização e
simplificação da abertura e legalização de empresas
De acordo com a contadora do Estado do Rio Grande
do Sul, Eliane Rodrigues Soares, o Colabora “foi uma
oportunidade única para a classe contábil expressar suas
preocupações e anseios diretamente relacionados ao
funcionamento do sistema”

“O usuário espera que entida- “A inclusão dos Cartórios de “As dificuldades cotidianas
des envolvidas na conceção RTDPJ no âmbito da Redesim, que enfrentamos foram
das licenças como os órgãos de seja no Comitê e nos fóruns compartilhadas de maneira
registro (Juntas Comerciais, Car- diversos, é essencial para a aberta e transparente”
tórios de Registro Civil de Pes- evolução nos processos” Eliane Rodrigues Soares,
soas Jurídicas ou OAB) eliminem Amanda Mesquita Souto
contadora do Estado do Rio Grande do Sul
burocracia e como consequência diretora Nacional de Registro Empresarial
haja uma redução de prazo para e Integração do Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços
legalização das empresas”
Angela Dantas, conselheira do
Conselho Federal de Contabilidade

tante da Sefaz-SP, Ricardo da Silveira Coelho.
Ainda de acordo com ele, “a Sefaz-SP busca
incessantemente novos mecanismos e inova-
ções que tornem sua atuação cada vez mais
eficiente e ágil para a sociedade, ao mesmo
tempo em que busca garantir a justiça do pro-
cesso tributário de forma que não haja con-
corrência desleal através da sonegação”.
“Um cadastro de qualidade é o ponto de
partida para esse objetivo e eventos como o
‘Colabora’ permitem que a Sefaz-SP e todos
os atores envolvidos nos processos cadas-
trais possam apresentar ideias e sugestões de
como tornar a Redesim cada vez mais padro-
nizada, simplificada, confiável e transparente”,
esclarece Coelho.
Assim como a Sefaz-SP, também esteve
presente no evento o Conselho Federal de
Contabilidade (CFC), que tem como objetivo
orientar, normatizar e fiscalizar o exercício da
profissão contábil, por intermédio dos Conse-
lhos Regionais de Contabilidade (CRCs), cada
um em sua base jurisdicional, nos Estados e
no Distrito Federal.
Segundo a conselheira do Conselho Fede-
ral de Contabilidade, Angela Dantas, “o evento
promoveu um debate multidisciplinar sobre o
processo de registro e legalização de empre-
sas e negócios, de forma a torná-lo ainda mais
fluido, simples e transparente para o cidadão
usuário desse serviço”.
“O usuário espera que entidades envolvi-
das na conceção das licenças como os órgãos
de registro (Juntas Comerciais, Cartórios de
Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou OAB),
Administrações Tributárias no âmbito federal,
estadual e municipal e órgãos licenciadores
- em especial o Corpo de Bombeiros, a Vigi-
lância Sanitária e o Meio Ambiente -, auto-
matizem os processos, eliminem burocracia e
como consequência haja uma redução de pra-
zo para legalização das empresas”, comenta a
representante do CFC.
Para a diretora Nacional de Registro Em-
presarial e Integração do Ministério do Desen-
volvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Amanda Mesquita Souto, deve ser reafirmado
o compromisso em favor da padronização e
simplificação da abertura e legalização de em-
presas, bem como a melhoria dos serviços pú-
blicos envolvidos nesse processo, com vistas a
um melhor atendimento ao cidadão.
“Compreendemos que a inclusão dos Car-
tórios de RTDPJ no âmbito da Redesim, seja
no Comitê e nos fóruns diversos, é essencial
para a evolução nos processos no âmbito dos
Cartórios, contribuindo com a agilidade e sim-
plificação dos registros formalizados nos Car-
tórios de RTDPJ e etapas posteriores”, ressalta
a diretora.
De acordo com a contadora do Estado do
Rio Grande do Sul, Eliane Rodrigues Soares, o
‘Colabora’ “foi uma oportunidade única para a
classe contábil expressar suas preocupações
e anseios diretamente relacionados ao funcio-
namento do sistema”.
“É fundamental ressaltar que todas as ques-
tões e propostas levantadas serão levadas em
consideração pela Receita Federal e o Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro),
que estiveram atentos durante todo o pro-
cesso. As dificuldades cotidianas que enfren-
tamos, como a falta de um ambiente único e
padronizado para a formalização e licencia-
mento de empresas, confusões entre natu-
rezas jurídicas, entre outros desafios, foram
compartilhadas de maneira aberta e transpa-
rente”, conclui a contadora.

Cartórios com Você 99

RTDPJ

“Os Cartórios de RTDPJ são entidades

importantes do processo de registro
e de legalização na Redesim”
Segundo o gerente nacional do Projeto de Integração Nacional Redesim,
Carlos Vinicio Lacerda Nacif, a integração com a Receita Federal precisa
continuar crescendo “pois é bom para os Cartórios e bom para o Brasil”

Carlos Vinicio Lacerda Nacif comanda atual-

mente a Chefia da Divisão de Gestão de cadas-
tros da Pessoa Jurídica na Coordenação-Geral
de Gestão de Cadastros em Brasília.
Nacif, que também é auditor fiscal da Re-
ceita Federal e gerente nacional do Projeto de
Integração Nacional Redesim, diz, em entre-
vista à Revista Cartórios com Você, que “os
Cartórios de RTDPJ são entidades importan-
tes do processo de registro e de legalização
na Redesim”.
Para ele, o objetivo do Colabora, que acon-
teceu em Minas Gerais, “foi aperfeiçoar o pro-
cesso de registro e legalização de empresas
e negócios, de forma a torná-lo mais fluido,
simples e transparente do ponto de vista do
cidadão”.

“A Receita Federal está

sempre com as portas abertas
para escutar e promover a
integração e racionalização
dos sistemas que suportam
esta grande rede brasileira
que é a Redesim”

De acordo com o gerente nacional do Projeto de Integração Nacional Redesim, Carlos

Vinicio Lacerda Nacif, o evento do “Colabora” foi marcante para a Receita Federal

100
CcV - Como foi a experiência de participar
do “Colabora - Conectando experiências
com o Portal de Negócios da Redesim”?
Qual a importância do evento?
Carlos Nacif - Foi um evento muito marcante
para a Redesim. Pela primeira vez estiveram
reunidos todos os atores, juntamente com
quem utiliza os sistemas, que são os usuários
contadores e empresários de pequeno, médio e
grande porte, que participam desta grande rede
brasileira. Participaram do evento: representan-
tes de empreendedores de pequenos, médios e
grandes negócios, de profissionais advogados e
contabilistas; de órgãos licenciadores – Vigilân-
cia Sanitária, Meio Ambiente e Corpo de Bom-
beiros; das Juntas Comerciais; dos Cartórios; da
OAB nacional; de Prefeituras; das Secretarias
Estaduais de Fazenda e Municipais de Finan-
ças, além da participação do Serviço Brasileiro
de Apoio à Micro e Pequena Empresa – Sebrae.
Posso dizer que nestes meus 10 anos à frente
do projeto de integração nacional da Redesim
foi o primeiro evento onde todos, quem utiliza
os sistemas e quem elabora os atos de inscri-
ção, licenciamento e registro participaram. O
objetivo do Colabora foi aperfeiçoar o processo
de registro e legalização de empresas e negó-
cios, de forma a torná-lo mais fluido, simples
e transparente do ponto de vista do cidadão.
Então foi um marco para nós da Receita Fe-
deral elaborar este evento que foi primordial-
mente de escuta de problemas, dificuldades,
para que possamos evoluir neste próximo ciclo.
CcV - Qual foi o papel da Receita Federal no
evento do Colabora?
Carlos Nacif - A Receita Federal do Brasil em
parceria com o Serpro e apoio da Junta Co-
mercial de Minas Gerais, da Prefeitura Munici-
pal de Belo Horizonte e da Secretaria Estadual
de Fazenda de Minas Gerais promoveram este
evento para reunir todos que atuam neste pro-
cesso de registro e legalização de empresas e
negócios. A RFB tem o papel de ser a integra-
dora nacional dos sistemas que atuam neste
processo. A Receita Federal é a única entidade
que dialoga com todos os tipos jurídicos que
são levados a registro: sejam eles de natureza
simples cujo registro se dá no RCPJ, de entida-
des públicas cuja inscrição se dá diretamente
na Receita Federal e as naturezas mercantis
cujo registro é feito em Junta Comercial. Ou-
tros tipos jurídicos são inscritos no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica e cabe também
a Receita Federal de analisar os documentos
constitutivos destes tipos diversos.
CcV - Qual a importância da Lei nº
11.598/2007 e dos Cartórios de RTDPJ
estarem integrados à Rede Nacional para a
Simplificação do Registro e da Legalização
de Empresas e Negócios?
Carlos Nacif - Os Cartórios de RTDPJ são en-
tidades importantes do processo de registro
e de legalização na Redesim. Esta integração
precisa continuar crescendo pois é bom para
os Cartórios de RTDPJ e bom para o Brasil.
A integração é fundamental para o engrande-
cimento do cartorário de Registro de Pessoa
Jurídica, participar efetivamente da Redesim
e colaborar com nosso país a termos um am-
biente de negócios cada vez melhor para se
empreender. Outro ponto é propiciar ao ci-
dadão empreendedor brasileiro uma escolha
isenta entre uma natureza simples e uma na-
tureza empresária e apenas um sistema nacio-
nal poderá garantir este espaço de isenção.
CcV - O objetivo do “Colabora” é discutir so-
luções para tornar o processo de registro
e legalização de empresas e negócios mais
padronizado, simples, transparente e fluido
do ponto de vista do cidadão. Como a Recei-
ta Federal está envolvida neste debate?
Carlos Nacif - Totalmente. Desde o princípio
da Redesim, a Receita Federal participa de to-
dos os fóruns onde acontece este debate. O
CNPJ é o nosso “Business Number” e coube
à Receita Federal organizar o sistema de inte-
gração nacional. Mesmo em um país diverso
e plural com o Brasil é possível termos um
padrão de funcionamento dos sistemas, res-
peitando as particularidades, em benefício
dos empreendedores. Assim a Receita Fede-
ral está completamente comprometida com a
melhoria do ambiente de negócios brasileiro
nesta área das inscrições, alterações e baixas
de pessoas jurídicas mas, também, em outras
áreas que a Receita Federal atua.
CcV - Quais os setores envolvidos na discus-
são do Colabora? Como eles podem ajudar
o trabalho dos Cartórios de RTDPJ e da Re-
ceita Federal?
Carlos Nacif - Um fato muito marcante no
Colabora foi a participação dos usuários dos
sistemas. Eles foram ouvidos. Eles relataram
suas dificuldades e suas dores de forma livre
e sem intermediários. Isto foi riquíssimo. Será
a partir destas dificuldades coletadas de todos
os atores participantes, mas em especial dos
usuários para que a evolução aconteça efeti-
vamente do ponto de vista do cidadão. É uma
“A Receita Federal é a única
entidade que dialoga com
todos os tipos jurídicos que
são levados a registro”
nova cultura de forma de gestão pública que
estamos tentando implementar, e vamos con-
seguir, não tenho dúvidas.
CcV - A Rede Nacional para a Simplificação
do Registro e da Legalização de Empresas e
Negócios (Redesim) permite que o cidadão
abra ou regularize seu negócio de forma
simplificada e sem burocracia. Como avalia
o trabalho dos Cartórios para facilitar esse
procedimento?
Carlos Nacif - Alguns Cartórios estão mais
avançados que outros. Isto é natural dado o ta-
manho do nosso país. Porém estamos com um
potencial de integração enorme: as duas ins-
tituições representantes dos Cartórios, tanto a
Anoreg quanto o IRTDPJ Brasil tem apoiado a
integração e recentemente a Lei do Serp – Sis-
tema eletrônico dos Registros Públicos pode
oferecer esta oportunidade de integração de
todo cartorário. Em alguns estados brasileiros
já existem provimentos de corregedores esta-
duais facilitando e determinando esta integra-
ção e repito, é bom para o cartorário e bom
para o cidadão empreendedor brasileiro. Em
um sistema integrado é mais fácil garantir pa-
dronização de procedimentos, adotar medidas
que beneficiem e alcancem muito mais pes-
soas e o Cartorário de PJ não pode ficar fora
deste sistema. Onde um ganha, todos ganham.
CcV - Como a Receita Federal e os Cartórios
de RTDPJ podem contribuir ainda mais com
o desenvolvimento e funcionalidade da Re-
desim?
Carlos Nacif - Assim como outros atores, os
Cartórios de PJ devem ter voz ativa nos diversos
fóruns onde se discute e normatiza a Redesim,
tanto no âmbito estadual quanto federal pois
são parte deste processo. Promover o diálogo,
facilitar a adesão dos cartórios PJ devem fazer
parte do nosso trabalho tanto da Receita Fede-
ral quanto das entidades representativas como
a Anoreg e de todos que atuam na Redesim.
A Receita Federal está sempre com as portas
abertas para escutar e promover a integração e
racionalização dos sistemas que suportam esta
grande rede brasileira que é a Redesim.
Cartórios com Você 101
Tabelionato de Protesto

Quase 60% das dívidas

enviadas a Protesto são
pagas em até três dias
Levantamento conduzido pelos Cartórios mostra que quando uma dívida é
enviada a protesto em até 15 dias, a chance de ser paga pelo devedor é de 59%

Por Frederico Guimarães

102
Com 736.977 empresas fechadas no país no
primeiro quadrimestre de 2023 e um cená-
rio econômico cada vez mais instável, manter
a saúde financeira dos negócios tem sido a
prioridade de empresários e prestadores de
serviço no país. Uma das formas mais efica-
zes de reaver valores não pagos por produtos
ou serviços e evitar que um calote se perpe-
tue, é enviar a dívida para Protesto o mais
rapidamente possível.
Levantamento inédito conduzido pelos
Cartórios do Brasil mostra que quando uma
dívida é enviada a Protesto até 15 dias após
o seu vencimento, a chance de ser paga pelo
devedor em até três dias a partir do momen-
to de sua intimação é de 59%. A quitação nes-
te período impede que o nome da pessoa seja
protestado.
Ainda segundo o estudo, quando o débi-
to não é pago nos primeiros três dias após
a intimação e a pessoa fica com o nome sujo
na praça, apenas 37% das dívidas enviadas
até 15 dias de vencidas continuam protesta-
das, já que o devedor acaba quitando rapida-
mente o seu débito. De forma proporcional,
quanto mais tarde uma dívida é enviada ao
Cartório de Protesto menor é a chance de o
empresário reaver de forma imediata os va-
lores pelos produtos ou serviços que prestou.
Por mais que se demore para o devedor vir
a fazer o pagamento, o certo é que em algum
momento isso ocorrerá, uma vez que o regis-
tro do Protesto interrompe o prazo de pres-
“Com 41 instituições
financeiras aderentes,
só em 2022 foram mais
de 4,3 milhões títulos
protestados, os quais
representam R$ 12 bilhões
em volume financeiro”
Federação Brasileira de Bancos
(Febraban)
crição, isto é, ela não caduca até ser quitada
pelo devedor. Assim, para que os devedores
voltem a ter acesso a créditos corporativos,
será preciso limpar seu CNPJ ou CPF pagan-
do-se o que deve ao credor.
“Esse levantamento coincide com o que
verificamos no cotidiano do tabelionato. A
rápida atuação do credor é a estratégia mais
eficiente para mitigar o risco de inadimplên-
cia. E a utilização do Protesto tem se revela-
do uma importante ferramenta de combate
à inadimplência”, ressalta o mestre e doutor
em Direito Comercial pela Universidade de
São Paulo (USP) e tabelião de Protesto de Le-
tras e Títulos de Campinas, Reinaldo Velloso
dos Santos.
Segundo a Federação Brasileira de Bancos
(Febraban), “os Cartórios de Protesto prestam
um relevante serviço dentro do processo de
cobrança e são importantes pela especificida-
de de sua natureza jurídica e atribuições de
fé pública que agregam segurança jurídica”.
“Além de parceiros de grandes players do
mercado, a capilaridade dos Cartórios de
Protesto contribui principalmente para os
pequenos empresários e empreendedores,
que podem contar com maior segurança
jurídica e melhor estrutura de cobrança de
seus créditos. Com 41 instituições financei-
ras aderentes, só em 2022 foram mais de 4,3
milhões títulos protestados, os quais repre-
sentam R$ 12 bilhões em volume financeiro”,
diz a Febraban através de nota.
Cartórios com Você 103
Tabelionato de Protesto

Segundo o mestre e doutor em Direito Comercial pela De acordo com o presidente do IEPTB/SP, José Carlos Para o consultor jurídico do Sincopeças-SP, Renato
USP, e tabelião de Protesto de Campinas, Reinaldo Vello- Alves, o Protesto é um mecanismo que força o devedor Marcondes Paladino, “o Protesto de títulos é uma
so dos Santos, a rápida atuação do credor é a estratégia a tomar uma ação imediata para evitar que seu nome alternativa para a recuperação de crédito que evita a
mais eficiente para mitigar o risco de inadimplência fique com restrição judicialização da cobrança”

“A utilização do Protesto tem “Utilizar o Protesto como “Como o devedor que

se revelado uma importante uma das primeiras ações não quita o débito passa
ferramenta de combate à de cobrança na régua de a ser classificado como
inadimplência” recuperação de dívidas pode inadimplente, o Protesto
Reinaldo Velloso dos Santos,
ser muito vantajoso para funciona como uma forma
mestre e doutor em Direito Comercial pela USP comerciantes e empresários” muito mais célere que as
e tabelião de Protesto de Campinas
José Carlos Alves,
demais alternativas de
presidente do IEPTB/SP resolução de conflitos”
Renato Marcondes Paladino,
consultor jurídico do Sincopeças-SP

Conheça os números do Brasil relacionados ao tempo

de vencimento do título nos Cartórios de Protesto

Enviado para protesto Enviado para protesto

até 15 dias do % depois de 15 dias do %
vencimento vencimento e até 30 dias

BANCOS apresentados 3.803.953 679.755

DMI e DSI
irregulares 110.999 28.111

saldo 3.692.954 100% 651.644 100%

pagos 1.858.551 50% 242.948 37%

protestados 1.363.218 37% 337.025 52%

desistências 340.704 9% 47.098 7%

cancelados 130.481 4% 24.573 4%

Fonte: IEPTB-BR

104
SÃO PAULO
No estado de São Paulo, o levantamento in-
dica que quando uma dívida é enviada a Pro-
testo até 15 dias após o seu vencimento, a
chance de ser paga pelo devedor em até três
dias a partir do momento de sua intimação
é de 63%. Além disso, quando o débito não
é pago nos primeiros três dias após a inti-
mação e a pessoa fica com o nome sujo na
praça, apenas 29% das dívidas enviadas até
15 dias de vencidas continuam protestadas.
“Utilizar o Protesto como uma das primei-
ras ações de cobrança na régua de recupera-
ção de dívidas pode ser muito vantajoso para
comerciantes e empresários, já que é um me-
canismo que força o devedor a tomar uma
ação imediata para evitar que seu nome fique
com restrição e ele não possa mais adquirir
créditos”, avalia o presidente do Instituto de
Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – Se-
ção São Paulo (IEPTB/SP), José Carlos Alves.
Em relação aos segmentos que mais recu-
peram dívidas através do Protesto em São
Paulo, está o comércio que recupera cerca de
54% dos seus débitos, a indústria de auto-
peças que recupera cerca de 75% dos seus
débitos, assim como a indústria farmacêutica
que recupera cerca de 80%.
De acordo com o advogado e contador,
especializado em Direito Tributário e Em-
presarial e consultor jurídico do Sindicato
do Comércio Varejista de Peças e Acessórios
para Veículos no Estado de São Paulo (Sin-
plente, com o seu nome negativado e inscrito melhor a chance de êxito no recebimento dos
nos serviços de proteção ao crédito, o Protes- valores devidos.
to funciona como uma forma muito mais cé- “A recuperação no percentual de 54% das
lere que as demais alternativas de resolução dívidas dos empresários do comércio acaba
de conflitos”, explica Paladino. por demonstrar que, ao se protestar uma
Para a assessora jurídica da Federação do dívida, aumenta-se a chance de receber o
Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Es- valor devido. O empresário precisa utilizar
tado de São Paulo (FecomercioSP), Ana Paula o Protesto como uma ferramenta efetiva de
Locoselli, para os empresários do segmento recuperação de créditos, incluindo esse pro-
de comércio, serviços e turismo, a pesquisa cedimento no fluxo de trabalho e observan-
realizada pelos Cartórios de Protesto do Esta- do que quanto antes o título for enviado a
do de São Paulo representa um dado expres- Protesto, melhor a chance de recuperá-lo”,
sivo, pois o quanto antes realizar o Protesto, define Locoselli.
Conheça os índices de recuperação
do Protesto por segmento em SP
80,79%
77,11%
74,95%
72,85%
69,32%
64,24% 63,88%
54,12%
43,99%
41,99%
Indústria de Transformação 35,34%
Química, Gases e Metais

copeças-SP), Renato Marcondes Paladino, “o

Moda, Calçados, Têxtil

Protesto de títulos é uma alternativa para a

Editora, Foto, Vídeo
Alimentos, Bebidas

recuperação de crédito que evita a judiciali-

Saúde em Grupo

zação da cobrança”.
Farmacêutica

“Quando se atinge um índice como o apon-

Atacadistas
Autopeças

tado, é inegável que houve uma economia

Comércio
Serviços
financeira e de tempo para o empresário. Ou
seja, fica demonstrada a eficiência desta al-
ternativa. Como o devedor que não quita o
débito passa a ser classificado como inadim-
Fonte: IEPTB-SP

Conheça os números do estado de SP relacionados ao tempo

de vencimento do título nos Cartórios de Protesto

Enviado para protesto Enviado para protesto

até 15 dias do % depois de 15 dias do %
vencimento vencimento e até 30 dias

BANCOS apresentados 8.866.606 2.160.403

DMI e DSI
irregulares 463.482 164.462

saldo 8.403.124 100% 1.995.941 100%

pagos 4.463.870 53% 820.319 41%

protestados 2.410.080 29% 849.056 43%

desistências 873.648 10% 135.604 7%

cancelados 655.526 8% 190.962 10%

Fonte: IEPTB-SP

Cartórios com Você 105

Tabelionato de Protesto

Segundo a assessora jurídica da FecomercioSP, Ana Paula
Locoselli, a pesquisa realizada pelos Cartórios de Protesto
do Estado de São Paulo representa um dado expressivo,
pois o quanto antes se realizar o Protesto, melhor a chan-
ce de êxito no recebimento dos valores devidos
Para o advogado e professor de Direito Comercial, ex-
secretário Nacional do Consumidor, Armando Luiz Rovai,
“a tendência da implantação de soluções tecnológicas
– em qualquer área – é a de desburocratizar a resolução
de problemas considerados complicados”
Para a especialista da Proteste Associação de
Consumidores, Mariana Rinaldi, as soluções tecnológicas
desempenham um papel fundamental na modernização
e eficiência dos processos de recuperação de crédito

“A recuperação no percentual “Antes era necessário que “À medida que os

de 54% das dívidas dos o devedor buscasse um processos financeiros
empresários do comércio Tabelionato para dar baixa e jurídicos se tornam cada
acaba por demonstrar que, no Protesto, mas, a partir vez mais digitais, soluções
ao se protestar uma dívida, da tecnologia, basta que o como o cancelamento online
aumenta-se a chance de devedor – desde que possua ajudam os Cartórios a se
receber o valor devido” certificado digital – acesse o adaptarem às demandas
Ana Paula Locoselli,
site e solicite o cancelamento” do mundo digital”
assessora jurídica da FecomercioSP
Armando Luiz Rovai, Mariana Rinaldi, especialista da
advogado e professor de Direito Comercial, Proteste Associação de Consumidores
ex-secretário Nacional do Consumidor

“O instrumento do Protesto
é totalmente necessário e contribui
para a boa saúde dos negócios”
Segundo o diretor da Anefac, Roberto Vertamatti,
o Protesto garante mais efetividade a recuperação
dos valores por parte dos credores

Para o diretor da Anefac, Roberto

Vertamatti, a digitalização geral dos
negócios vai melhorar a eficiência
do instrumento do Protesto,
necessário em todas as economias

106
ESTRATÉGIAS ON-LINE
As estratégias de cobrança dos Cartórios de
Protesto estão todas contempladas on-line,
com uma série de serviços disponibilizados
aos usuários do segmento extrajudicial.
Pelo site www.protestosp.com.br é possí-
vel, gratuitamente, fazer consulta para saber
se existe algum protesto em desfavor de CPF
ou CNPJ. Caso conste Protesto e o credor já
tenha autorizado o cancelamento, o interes-
sado pode efetuar o pagamento das taxas
mediante a obtenção e pagamento do boleto
no próprio site.
Para o advogado e professor de Direito
Comercial, ex-secretário Nacional do Consu-
midor, Armando Luiz Rovai, “a tendência da
implantação de soluções tecnológicas – em
qualquer área – é a de desburocratizar a re-
solução de problemas considerados compli-
cados”.
“Em alguns setores, a implantação da tec-
nologia permite que soluções sejam encon-
tradas mais rapidamente, com um menor
custo. Sem dúvidas o cancelamento online
pode ser classificado como uma dessas so-
luções. Antes era necessário que o devedor
buscasse um Tabelionato para dar baixa no
Protesto, mas, a partir da tecnologia, basta
que o devedor – desde que possua certificado
digital – acesse o site e solicite o cancelamen-
to. Desta forma, o processo foi desburocra-
tizado, garantindo uma maior rapidez e um
menor custo para a sua efetivação, o que a
torna extremamente positivo”, detalha Rovai.
Um importante alerta a quem vai realizar o
cancelamento de Protesto é o de sempre dar
a baixa da dívida em Cartório após pagar o
credor, caso contrário o Protesto continuará
válido e o nome da pessoa ou da empresa
permanecerá com restrições na praça.
O setor bancário, por exemplo, possui, des-
de 2017, convênio com o Instituto de Estu-
dos de Protestos de Títulos do Brasil (IEPTB/
A Associação Nacional de Executivos (Anefac)
é uma das principais entidades no país a con-
gregar executivos de finanças, economia, ad-
ministração, contabilidade, governança corpo-
rativa, capital humano, tecnologia e tributos.
A entidade procurar entregar ao mercado
atualização profissional de qualidade, por
meio de reuniões técnicas, treinamentos, se-
minários, congressos e premiações, agregan-
do conhecimento, network com executivos e
empresas de alto nível, o fomento de temas,
desafios, oportunidades, estratégias e novi-
dades do mundo corporativo como um todo,
relevantes para o contínuo desenvolvimento
do país e do mundo.
Diretor da Anefac, Roberto Vertamatti con-
versou com a Revista Cartórios com Você,
falou sobre a pesquisa realizada pelo IEPTB-
-BR, além de elogiar a atuação dos Cartórios
de Protesto no cenário nacional.
Segundo ele, “o instrumento do Protesto é
BR) para o envio eletrônico de títulos para
protesto com a utilização da Central de Re-
messa de Arquivos. Atualmente os bancos já
enviam os títulos a Protesto por meio digital
à Central de Remessa de Arquivo, a qual dis-
tribui os títulos para todos os tabelionatos do
Brasil.
De acordo com a Febraban, “todas as medi-
das para a melhoria do ambiente de negócio
são bem-vindas, tais como a possibilidade
de os Cartórios de Protesto poderem atu-
ar como negociadores e a possibilidade de
averbação do Protesto em cadastros de bens,
ambas inovações previstas no projeto de lei
4188/2021 que aprimora o Marco Legal de
Garantias e já foi aprovado na Câmara dos
Deputados, modificado pelo Senado Federal
e, atualmente, aguarda nova análise pela Câ-
mara dos Deputados”.
Segundo a assessora jurídica da Fecomer-
cioSP, Ana Paula Locoselli, as soluções tecno-
lógicas que possibilitam realizar o Protesto
e o cancelamento de forma online, além do
atendimento de dúvidas, demonstram que os
Cartórios de Protesto estão em sintonia com
os mercados brasileiro e mundial, que vêm se
digitalizando cada vez mais.
“As facilidades para o empresário na hora
de realizar o Protesto de títulos de forma
online e gratuita, sem burocracia, acaba por
aumentar a utilização desse importante ins-
trumento de recuperação de crédito”, diz a
representante da FecomercioSP.
Para a especialista da Proteste Associação
de Consumidores, Mariana Rinaldi, as solu-
ções tecnológicas desempenham um papel
fundamental na modernização e eficiência
dos processos de recuperação de crédito.
“O cancelamento online é uma dessas so-
luções que pode ser extremamente útil para
credores, devedores e Cartórios por conta da
eficiência e agilidade. Permite que os credo-
res solicitem o cancelamento de um Protesto
totalmente necessário e contribui para a boa
saúde dos negócios”.
CcV - Levantamento inédito conduzido
pelos Cartórios de São Paulo mostra que
quando uma dívida é enviada a protesto até
15 dias após o seu vencimento, a chance
de ser paga pelo devedor em até três dias
a partir do momento de sua intimação é de
63%. Como avalia esse percentual?
Roberto Vertamatti - O levantamento feito
pelos Cartórios de São Paulo é bastante in-
teressante e evidencia que: quanto antes os
credores puderem acionar o Protesto, mais
rapidamente se consegue reaver o valor. O
recebimento de 63% em até três dias após
a intimação, evidencia a eficácia do instru-
mento de Protesto. Nossa economia, neste
momento, está passando por dificuldades
como consequência de medidas econômicas
que vão na direção do aumento de arrecada-
rapidamente, sem a necessidade de deslo-
camento físico até o Cartório. A automação
dos processos também favorece a redução
de custos e torna os serviços mais acessíveis,
inclusive para o devedor. Além disso, con-
fere maior transparência e rastreabilidade
às transações e registros. À medida que os
processos financeiros e jurídicos se tornam
cada vez mais digitais, soluções como o can-
celamento online ajudam os Cartórios a se
adaptarem às demandas do mundo digital e a
oferecerem serviços mais eficientes aos seus
clientes”, pontua Rinaldi.
“A migração do protesto para o on-line,
tanto para fins de apresentação como de
baixa, representa um acréscimo de eficiência
relevante. O protesto segue sendo meio a ser
preferido como método de efetivação dos pa-
gamentos”, opina o professor da FGV Direito
Rio, Gustavo Kloh.
De acordo com o advogado especializado
em Direito Empresarial, Marlon Tomazette, a
tecnologia é capaz de acelerar e aumentar a
efetividade das medidas de recuperação do
crédito. “O cancelamento on-line é um in-
centivo para resolver a dívida de forma bem
rápida, facilitando a solução ou renegociação
das dívidas”, aponta.
Já a coordenadora do programa de servi-
ços financeiros do Instituto Brasileiro de De-
fesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, diz
que os Cartórios poderiam atuar juntamente
com os credores na melhoria dos processos
para diminuir o tempo e registro de protes-
tos, evitando que pequenas dívidas inviabili-
zem o acesso ao crédito e piore a avaliação
da pontuação de crédito. “Também poderiam
desenvolver campanhas para quitação de
títulos que não estejam prescritos, evitando
um dano maior na vida dos consumidores e
aumentando o índice de recuperação e quita-
ção das dívidas protestadas”, ressalta a repre-
sentante do Idec.
“Nossa economia, neste
momento, está passando
por dificuldades como
consequência de medidas
econômicas que vão na
direção do aumento de
arrecadação e não da
eficiência do Estado em
prestar um serviço melhor
e mais eficiente. Neste
cenário, mais ainda as
empresas precisam ser ágeis
na cobrança para assim
preservar o caixa.”
Cartórios com Você 107
Tabelionato de Protesto
De acordo com o professor da FGV Direito Rio, Gustavo
Kloh, o Protesto segue sendo meio a ser preferido como
método de efetivação dos pagamentos
“A migração do Protesto para
o on-line, tanto para fins de
apresentação como de baixa,
representa um acréscimo de
eficiência relevante”
Gustavo Kloh,
professor da FGV Direito Rio
ção e não da eficiência do Estado em prestar
um serviço melhor e mais eficiente. Neste
cenário, mais ainda as empresas precisam
ser ágeis na cobrança para assim preservar
o caixa da empresa.
CcV - Ainda segundo o estudo, quando o dé-
bito não é pago nos primeiros três dias após
a intimação e a pessoa fica com o nome sujo
na praça, apenas 29% das dívidas enviadas
até 15 dias de vencidas continuam protes-
tadas. Qual a sua opinião sobre este índice?
Roberto Vertamatti - Se por um lado, o rece-
bimento de 63%, como comentei acima, é im-
portante e mostra a eficiência do instrumento
de Protesto, os 29% é um percentual alto, mas,
reflete a situação da economia neste momento
no nosso país, onde a carga tributária é tre-
mendamente complexa e absurda, sem falar
da burocracia do governo em geral que difi-
culta para as empresas ao invés de facilitar.
108
Segundo o advogado especializado em Direito
Empresarial, Marlon Tomazette, a tecnologia é capaz
de acelerar e aumentar a efetividade das medidas de
recuperação do crédito
“O cancelamento on-line é
um incentivo para resolver a
dívida de forma bem rápida,
facilitando a solução ou
renegociação das dívidas”
Marlon Tomazette,
advogado especializado
em Direito Empresarial
CcV - Em relação ao Brasil, a dívida enviada
a Protesto até 15 dias tem 59% de chance
de ser paga pelo devedor, sendo que caso
o débito se estenda para mais de três dias,
cerca de 37% das dívidas permanecem pro-
testadas. No cenário nacional, é um bom
percentual?
Roberto Vertamatti - Como sabemos São
Paulo é aproximadamente 40% da economia
brasileira, portanto um estado mais prepa-
rado e atualizado com relação aos negócios.
Mesmo assim, este percentual a nível Brasil
de 59%, no meu entender é bastante razoável,
considerando, como havia comentado sobre
as maiores dificuldades nos negócios nos ou-
tros estados não tão pujantes, economicamen-
te falando, mas, não menos importantes.
CcV - Em relação aos segmentos que mais
recuperam dívidas através do Protesto em
São Paulo, está o comércio que recupera
A coordenadora do programa de serviços financeiros do
Idec, Ione Amorim, diz que os Cartórios poderiam atuar
juntamente com os credores na melhoria dos processos
para diminuir o tempo e registro de protestos
“Também poderiam desenvolver
campanhas para quitação
de títulos que não estejam
prescritos, evitando um dano
maior na vida dos consumidores
e aumentando o índice de
recuperação e quitação das
dívidas protestadas”
Ione Amorim, coordenadora do
programa de serviços financeiros do Idec
cerca de 54% dos seus débitos, a indústria
de autopeças que recupera cerca de 75%
dos seus débitos, assim como a indústria
farmacêutica que recupera cerca de 80%.
Como avalia esses índices?
Roberto Vertamatti - As recuperações de
débitos da indústria de autopeças com 75% e
farmacêutica com 80%, são bastante satisfa-
tórias no meu entender. No caso do comércio,
muito mais pulverizado e também envolvendo
a maioria das transações e com valores de me-
nor vulto, reflete sim uma dificuldade estrutu-
ral dos negócios e pequenos negócios no seg-
mento do comércio, bem como a dificuldade
é aumentada quando as transações são com
segmentos de menor renda. De maneira ge-
ral, o brasileiro procura ser um bom pagador,
mas, a questão da renda média baixa, bem
como a carga tributária absurdamente alta,
acaba aumentando as dificuldades para todos,
mas, para o comércio, o impacto é maior.
INADIMPLÊNCIA E DESJUDICIALIZAÇÃO
Segundo o levantamento do Mapa da Inadim-
plência no Brasil de junho de 2023, o País
contava, naquele mês, com 71,45 milhões de
brasileiros nessa situação, cerca de 43,78% da
população. Neste mesmo mês, houve a primei-
ra queda do ano, de 0,63%, o equivalente a
menos 450 mil brasileiros endividados.
Para a assessora jurídica da FecomercioSP,
Ana Paula Locoselli, os empresários passaram
a utilizar mais o mecanismo do Protesto com
o objetivo de receber os valores devidos pelos
inadimplentes, uma vez que não haveria o pa-
gamento inicial de custas.
“O Protesto se mostra a solução extraju-
dicial que garante o fomento do mercado,
tornando as relações de crédito muito mais
transparentes em virtude de sua publicidade”,
garante Locoselli.
Para o advogado Armando Luiz Rovai, “o
Protesto é uma forma alternativa de reaver
os créditos sem a necessidade de ajuizamen-
to de demandas, ou seja, promove celeridade,
eficiência e baixo custo, tanto para o credor
quanto para o devedor, até porque para evi-
tar a negativação, o devedor tende a efetivar
o pagamento nos primeiros 3 dias de sua inti-
mação do Protesto”.
“Levando em consideração que o endivida-
mento atinge mais de 70% da população bra-
sileira, os índices de recuperação de crédito se
mostram muito positivos e eficazes para evi-
tar o ajuizamento de demandas de cobrança”,
complementa Rovai.
De acordo com a especialista da Proteste,
Mariana Rinaldi, o Protesto é uma importante Ainda de acordo com Rinaldi, o Protesto é do alguma solução definitiva. Além disso, o
alternativa à judicialização e apresenta uma um meio bastante célere e eficaz de combate tempo médio para a solução dos processos
série de vantagens para as partes. à inadimplência. “Além disso, é uma impor- no ano passado foi bastante longo: 2 anos e
“A sobrecarga dos tribunais e as despesas tante alternativa extrajudicial, que alivia o 7 meses, na Justiça Estadual, e praticamen-
excessivamente altas com os litígios podem Poder Judiciário, já abarrotado de processos. te o dobro na Justiça Federal. Nesse sentido,
tornar particularmente benéficas para as par- Segundo o relatório Justiça em Números, da consideramos o índice de resolutividade dos
tes as soluções rápidas, como o Protesto”, ana- CNJ, no final de 2022 havia mais de 81 mi- protestos como muito positivo”, relata a espe-
lisa Rinaldi. lhões de processos em tramitação, aguardan- cialista da Proteste.

CcV - De forma proporcional, quanto mais

tarde uma dívida é enviada ao Cartório de
Protesto menor é a chance de o empresário
reaver de forma imediata os valores pelos
produtos ou serviços que prestou. O Protes-
to é um instrumento que garante celerida-
de na renegociação de dívidas?
Roberto Vertamatti - Não há nenhuma dúvi-
da que o instrumento de Protesto é totalmente
necessário e, posso até dizer, contribui para
a boa saúde dos negócios. A questão da ce-
leridade do instrumento de Protesto é outro
aspecto importante, como havia menciona-
do, a sustentabilidade dos negócios, uma vez
prestado o serviço e ou feita a comercialização
do produto, é o recebimento do valor objeto
do negócio que mantém a saúde do capital de
giro das empresas.
CcV - Como avalia o avanço do instrumento
do Protesto nos últimos anos? É uma ferra-
menta que garante bons índices de recupe-
ração por parte de credores?
“De maneira geral,
Roberto Vertamatti - Como a pesquisa apon- o brasileiro procura ser
tou, não tenho dúvidas de que o instrumento
de Protesto é útil e garante mais efetividade
um bom pagador, mas, a
a recuperação dos valores por parte dos cre- questão da renda média
dores.
baixa, bem como a carga
CcV - Como avalia as soluções tecnológicas tributária absurdamente
na recuperação de crédito criadas pelos
Cartórios de Protesto? A ferramenta do can-
alta, acaba aumentando
celamento on-line é uma dessas soluções? as dificuldades para todos,
Roberto Vertamatti - A digitalização geral
dos negócios está hoje presente em toda a mas para o comércio,
economia. Neste sentido os Cartórios têm se o impacto é maior”
atualizado e, digo mais, com a IA (inteligên-
cia artificial) este processo vai acelerar ainda
mais, melhorando a eficiência do instrumento
de Protesto, necessário em todas as econo-
mias, em especial a nossa pelas características
intrínsecas dos negócios no Brasil.

Cartórios com Você 109

Entrevista

“O segmento dos Cartórios

é um parceiro confiável
com estrutura e capacidade”
Para o senador Efraim Filho (União Brasil/PB), é importante aprovar projetos no Congresso como
o PL das Garantias e o PL 6.204, que torna os tabeliães de Protesto agentes de execução civil

O líder do União Brasil no Senado, o senador

Roque de Sá/ Agência Senado

pela Paraíba Efraim de Araújo Morais Filho

esteve presente no 19º Convergência no Rio
de Janeiro, encontro nacional de Tabeliães de
Protesto de Títulos e Outros Documentos de
Dívida.
Na ocasião, o senador Efraim Filho con-
versou com a Revista Cartórios com Você
e falou sobre como a atividade legislativa
enxerga o trabalho dos Cartórios brasileiros,
principalmente dos Tabelionatos de Protesto.
O parlamentar comentou sobre projetos
importantes como o Projeto de Lei n°6204,
de 2019, que dispõe sobre a desjudicializa-
ção da execução civil de título executivo judi-
cial e extrajudicial, e o PL 4188, o chamado
“Marco Legal das Garantias”, já sancionado
pelo presidente Lula e convertido na Lei
14.711/2023.
Para o senador, “o segmento dos Cartórios
é um parceiro confiável que tem estrutura e
capacidade”.

“Com essa possibilidade de

avançar na desjudicialização
você pode entregar aos
Cartórios a fase da execução
judicial, onde o Direito já foi
definido pelo processamento
jurídico”

De acordo com o senador Efraim Filho (União Brasil/PB),

o PL das Garantias traz para os Cartórios a possibilidade
de contribuir com uma política de crédito

110

CcV - Como avalia o seu mandato no Sena-
do Federal do Brasil? Quais os avanços con-
quistados na sua gestão?
Efraim Filho - Nós estamos iniciando o primei-
ro ano do primeiro mandato de senador. Che-
gamos lá recém-eleito, mas não como novato,
trazendo já uma bagagem na atuação da Câma-
ra dos Deputados, quatro mandatos, liderando
a bancada do Democratas. Já conseguimos
buscar um espaço focado na agenda econômi-
ca. Nossa atuação parlamentar tem esse foco
na agenda econômica. Temos agora a reforma
tributária, tem sido uma das principais ban-
deiras a qual a gente tem se dedicado, a defe-
sa do empreendedorismo também é um tema
muito constante na nossa atuação parlamen-
tar. Presido a Frente Parlamentar do Comércio
e Serviço. Então a agenda econômica tem sido
a nossa prioridade nesse início de mandato.
CcV - Quais são as metas que ainda preten-
de alcançar durante o mandato no Senado?
Efraim Filho - São as reformas estruturantes.
Você tem na pauta a reforma tributária que já
foi aprovada na Câmara dos Deputados e está
agora no Senado Federal. Também está sendo
discutido a reforma administrativa, a gente
vem de outras duas reformas estruturantes,
reforma trabalhista e reforma previdenciária.
Acredito que é importante o Congresso Nacio-
nal manter esse caráter reformista para que a
gente possa modernizar as estruturas do país.
CcV - Qual a sua avaliação sobre o Projeto
de Lei n°6204, de 2019, que dispõe sobre a
desjudicialização da execução civil de título
executivo judicial e extrajudicial?
Efraim Filho - Nós somos favoráveis a desju-
dicialização. É importante você colocar em
prática o princípio da celeridade, princípio da
economicidade processual. Você dar efetivi-
dade ao processo, e a Justiça hoje tem uma
morosidade na hora da entrega ao cidadão da
prestação da tutela jurisdicional. É importante
que você busque parceiros e o segmento dos
Cartórios é um parceiro confiável com estru-
tura e capacidade, princípios bastante sólidos
para poder contribuir com essa entrega. Com
essa possibilidade de avançar na desjudiciali-
zação você pode entregar aos Cartórios a fase
da execução judicial, onde o Direito já foi de-
finido pelo processamento jurídico. Você tem
nos Cartórios essa parceria, essa possibilidade
e um serviço prestado pela melhor qualidade,
“Acho que o papel do
Legislativo é de ter um
sentimento de porta-aberta
e mão estendida para poder
dialogar com essas novas
tecnologias”
de forma mais rápida, fazendo valer a entrega
a qual a gente sabe que justiça tardia é muitas
vezes uma injustiça.
CcV - Qual é o papel e as atribuições con-
cedidas aos Cartórios de Protesto no âm-
bito do PL 4188, o chamado “Marco das
Garantias”, sancionado pelo presidente
Lula e convertido na Lei 14.711/2023?
Efraim Filho - O PL das Garantias traz para
os Cartórios a possibilidade de contribuir com
uma política de crédito, por exemplo. No Brasil
se fala tanto em retomada do crescimento, re-
encontrar o rumo do desenvolvimento, voltar a
crescer... O crédito tem um papel importantíssi-
mo nessa caminhada. O PL das Garantias dialo-
ga com essa necessidade de dar uma seguran-
ça jurídica para que na busca do crédito você
possa ampliar esses horizontes, principalmente
para quem é empreendedor e através do crédi-
to você abrir novos negócios, oferecer postos
de trabalho, dar oportunidades, e dar seguran-
ça jurídica para quem quer investir no Brasil.
CcV - Como avalia a digitalização dos Car-
tórios e o diálogo com o Poder Legislativo?
Efraim Filho - A modernidade através de ins-
trumentos de tecnologia veio para ficar, elas
economizam tempo, otimizam processos, sim-
plificam procedimentos, então é importante
que essa realidade seja absorvida também
pelo processo legislativo para que possa pre-
ver essa realidade dentro do dia a dia e do
cotidiano de cada um. Como deputado federal,
eu tive a oportunidade de ser o sub-relator da
parte geral do novo Código de Processo Civil
e foi de minha autoria a construção de todo
capítulo que fala do Direito Eletrônico. Foi a
primeira vez que os atos processuais eletrô-
nicos estiveram previstos no novo Código de
Processo Civil, em 2015. Já foi um olhar de
vanguarda. Claro que a velocidade das trans-
formações é muito rápida. Você tem que ir
procurando de forma gradual adaptar a legis-
lação aos novos conceitos. Nós estamos com
a inteligência artificial agora nesse momento.
Procurar adaptar essa realidade ao dia a dia
da Justiça, do segmento dos Cartórios, mas
também de outros procedimentos que dizem
respeito a economia e a vida social que é uma
realidade. Que seja bem-vindo e acho que o
papel do Legislativo é de ter um sentimento
de porta-aberta e mão estendida para poder
dialogar com essas novas tecnologias.
Cartórios com Você 111
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