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Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018

ENTREVISTA DA EDIÇÃO
Claudio Lamachia
Presidente do Conselho Federal da OAB

Artigo:
Da União Estável e da União
de Facto segundo o Direito
brasileiro e português
Por Karine Maria Famer Rocha Boselli e
Marco André Rocha Germanó
Editorial

A importância da
colaboração mútua

Caros Colegas,
É com grande satisfação que a As- publicado pelo Conselho Nacional de Expediente
sociação dos Registradores das Pes- Justiça (CNJ), também é uma impor-
soas Naturais do Estado de São Paulo tante contribuição do Poder Judiciário A Revista Acadêmica Registran-
(Arpen/SP) finaliza mais uma edição para a classe extrajudicial. do o Direito é uma publicação
da publicação jurídica Registrando o A mediação e conciliação reali- bimestral da Associação dos Re-
Direito, forma, esta, de aproximarmos zada em cartórios extrajudiciais já era gistradores de Pessoas Naturais
o conhecimento jurídico do extraju- uma medida prevista em Lei, mas que do Estado de São Paulo, coorde-
dicial, uma vez que as duas áreas são aguardava por uma normatização, que nada pelo Dr. Alberto Gentil de
complementares e dependem direta- veio em 26 de março deste ano e pro- Almeida Pedroso.
mente uma da outra, auxiliando e con- mete contribuir não só com a Justiça e
tribuindo uma com a outra. com os cartórios, mas, principalmen-
Praça Dr. João Mendes, 52
Para falar desta contribuição mú- te, com a sociedade que, aos poucos,
tua, trazemos uma entrevista com o vai deixando de lado uma cultura de
conj. 1102 – Centro
presidente do Conselho Federal da Or- litígio e dando lugar a uma cultura CEP: 01501-000
dem dos Advogados do Brasil (OAB), pacificadora. São Paulo – SP
Claudio Lamachia, que evidencia a im- E é pensando em contribuir ain-
portância da colaboração da atividade da mais com essa colaboração mútua URL: www.arpensp.org.br
notarial e registral para o bom anda- que a Registrando o Direito foi cria-
mento da Justiça, à medida em que a da. Um espaço reservado para a tro- Fone: (11) 3293 1535
desjudiciliazação de atos evolui. ca de conhecimento, com a publica- Fax: (11) 3293 1539
Um exemplo disso é a Lei ção de artigos, entrevistas e decisões
11.441/07, que desjudicializou atos de do Judiciário, que visam elucidar dúvi- Presidente
divórcio, separação, inventário e par- das, aprimorar a atividade e estreitar a
Ademar Custódio
tilha, diminuindo os processos que comunicação entre Poder Judiciário e
chegam à Justiça, que, atualmente, en- serviço extrajudicial.
contra-se sobrecarregada com mais de 1º vice-presidente
100 milhões de processos à espera de Ademar Custódio Renato Fiscarelli
julgamento. O Provimento nº 67/2018, Presidente da Arpen/SP
2º vice-presidente
Monete Hipólito Serra
“E é pensando em contribuir ainda
mais com essa colaboração mútua Jornalista Responsável
que a Registrando o Direito foi Alexandre Lacerda Nascimento
criada. Um espaço reservado para
a troca de conhecimento, com a Edição
publicação de artigos, entrevistas Larissa Luizari
e decisões do Judiciário,
que visam elucidar dúvidas, Diagramação e Projeto
aprimorar a atividade e estreitar
Infographya Comunicação
a comunicação entre Poder
Judiciário e serviço extrajudicial.”

2 Publicação jurídica especializada do Registro Civil das Pessoas Naturais - www.registrandoodireito.org.br


Sumário

4 “Notários e registradores
são fundamentais para a
desburocratização do Brasil”
Entrevista com: Claudio Lamachia,
4
presidente do Conselho Federal da OAB

Da União Estável e da União

8
de Facto segundo o Direito
brasileiro e português 8
Por: Karine Maria Famer Rocha Boselli e
Marco André Rocha Germanó

21 Decisões Administrativas

27 Decisões Jurisdicionais
21
Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 3
entrevista da edição

“Notários e
registradores são
fundamentais para
a desburocratização
do Brasil”
Atual presidente do Conselho
Federal da OAB, Claudio
Lamachia fala sobre a
importância dos notários e
registradores na simplificação
da vida dos brasileiros
Atual presidente do Conse- Primeiro advogado atuante no
lho Federal da Ordem dos Ad- Rio Grande do Sul a presidir a en-
vogados do Brasil (OAB), eleito tidade em seus 85 anos de existên-
por unanimidade para o triênio cia, o atual presidente da OAB pre-
2016-2019, o advogado gaúcho sidiu por dois mandatos a Seção
Claudio Pacheco Prates Lama- do Rio Grande do Sul (2007/2009
chia tem a responsabilidade de e 2011/2012) e na última gestão
conduzir a entidade represen- foi vice-presidente do Conselho
tativa de 945 mil advogados em Federal. Especialista em Direito
todo o País. Não bastasse este Empresarial com ênfase em Di-
enorme desafio, Lamachia está reito Imobiliário, Societário, Con-
engajado também no processo tratos, Bancário e Financiamen-
de desjudicialização, buscan- tos e Direito Administrativo. Atua
do destravar a atual morosida- em defesas no TCU, TCE, Câma-
de que afeta o Poder Judiciário, ras Municipais, entre outros ór-
abarrotado de processos. gãos da Administração Pública,
Nesta entrevista, Claudio La- bem como sustentações orais nos
machia destaca o papel que no- Tribunais do Estado, STJ e STF.
tários e registradores vêm au- O presidente da Ordem é
ferindo ao longo dos últimos membro do Conselho Institu-
anos no processo de transferên- cional da Academia Tributá-
cia de atos antes exclusivos do ria das Américas, integrante
Poder Judiciário. O presidente do Conselho Consultivo da Lau-
da Ordem destaca ainda a im- reate Internacional Universi-
portância da regulamentação ties, membro do Conselho de
da mediação e conciliação nos Definidores da Santa Casa de
cartórios, bem como a necessá- Misericórdia de Porto Alegre
ria parceria entre os serviços e vice-presidente da Federação
extrajudiciais e os advogados. Nacional dos Advogados.

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Registrando o Direito – Como vê a im- Registrando o Direito - O STF tem julga-
portância da atividade dos notários e do muitas ações que mudam o Direito
“É fundamental
registradores para a sociedade? de Família no Brasil. A questão de ca-
Claudio Lamacchia – Vejo a atividade de que se busquem samentos homoafetivos, mudança de
notários e registradores como fundamen- outros meios registro civil de pessoas sem mudan-
tal e importantíssima, principalmente no de soluções ça de sexo. Como analisa todas essas
que diz respeito à desburocratização ou, até de conflitos. O mudanças?
mesmo, a busca de novas soluções fora do Poder Judiciário, Claudio Lamacchia – É o Direito em
contexto judicial. Eu tenho apoiado isso. En- evolução, e preocupa muito o fato de
atualmente, em
quanto presidente nacional da OAB entendo termos o retrocesso em cima dos avan-
que é fundamental buscarmos novas alter- sua capacidade, ços que tivemos até o presente mo-
nativas para soluções de conflitos. E alterna- já não tem mais mento. Sem dúvidas, o Brasil preci-
tivas como essa, da própria lei do divórcio, condições de sa caminhar cada vez mais para obter
vieram exatamente nessa linha, e isso retira dar conta da progressos tão significativos.
a necessidade da judicialização de determi- demanda.”
nados processos trazendo maior agilização. Registrando o Direito - Como avalia a
importância da lei que instituiu a se-
Registrando o Direito - Um dos pontos paração, o divórcio e inventários no
desburocratização e desjudicialização Brasil. Na atividade notarial, o que ela
é a questão da mediação e conciliação trouxe de desburocratização de facili-
por notários e registradores. Como a tação para o advogado e para o cidadão?
OAB vê essa questão? Claudio Lamacchia – Ficou demonstra-
Claudio Lamacchia – É fundamental que do ao longo deste tempo que a lei opor-
se busquem outros meios de soluções de con- tuniza, primeiro, uma agilização mui-
flitos. O Poder Judiciário, atualmente, em to maior no procedimento. Hoje temos
sua capacidade, já não tem mais condições um respeito muito grande entre todos os
de dar conta da demanda. A capacidade ins- operadores do Direito no que diz respeito
talada do Judiciário tem demonstrado per- à própria lei, e há, sem dúvida, um ganho
manentemente na plenitude que novas solu- para a cidadania. Portanto, tenho visto e
ções como a mediação, com a arbitragem e aplaudido exatamente esta visão. A Lei
a conciliação são fundamentais. Nós preci- 11.441/07, hoje, beneficia o trabalho do
samos buscar alternativas para retirar exa- advogado e também, de forma direta, o
tamente esses processos do âmbito do Poder próprio cidadão que é o destinatário fi-
Judiciário. Inclusive, tenho debatido a ideia nal da nossa atividade, com uma parti-
de podermos buscar a própria OAB para que cipação efetiva e marcante dos notários.
sirva de câmaras arbitrais em diversos ou-
tros pontos, e isso significa também que pos- “Nós temos Registrando o Direito - Esta lei comple-
samos ampliar mais ainda em outros locais. tou, recentemente, 10 anos. Em sua vi-
recebido,
Poderíamos implantar este mesmo modelo são como ela poderia ser aperfeiçoada?
de mediação e conciliação descentralizadas exatamente, Registrando o Direito - Como a OAB
junto aos notários e registradores, efetivan- demonstrações avalia o atual estágio do excesso de li-
do de uma vez esta determinação que já está bastante tígios no Brasil?
prevista em Lei e contribuiria sobremaneira expressivas e Claudio Lamacchia – Temos um País
para a paz social e a diminuição de litígios. de respeito por com 100 milhões de processos, com uma
carência bastante expressiva de magis-
parte de todos
Registrando o Direito - Qual a impor- trados, de servidores, e precisamos encon-
tância do bom relacionamento entre os notários e trar soluções outras para administrarmos
advogados, notários e registradores registradores os conflitos e trazermos, efetivamente, so-
para a efetivação a Justiça no País? brasileiros e é lução para esses conflitos, que não sejam
Claudio Lamacchia – Fundamental. A ad- assim que se exatamente no campo judicial. No entanto,
vocacia tem uma relação muito grande, di- constrói uma é absolutamente necessário que se tenha a
reta, no dia a dia com os notários. Nós temos visão de que a presença do advogado e da
recebido, exatamente, demonstrações bas-
integração advogada em qualquer meio de solução de
tante expressivas e de respeito por parte de propositiva para conflitos é fundamental e indispensável.
todos os notários e registradores brasileiros as demandas em Isso em nome do cidadão, para o cidadão e
e é assim que se constrói uma integração pro- nosso País” em respeito ao cidadão, porque estará ele
positiva para as demandas em nosso País. sempre tendo seus direitos garantidos.

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E

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Seção de artigos

8 Da União Estável e da União


de Facto segundo o Direito
brasileiro e português

Por Karine Maria Famer Rocha Boselli e


Marco André Rocha Germanó

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 7


artigo

Da União Estável e da União


de Facto segundo o Direito
brasileiro e português
Por Karine Maria Famer Rocha Boselli
e Marco André Rocha Germanó*
R esumo do casamento. A família matrimonial foi,
A Família é instituto jurídico que recebe especial historicamente, protegida pelo Estado e re-
proteção estatal. Segundo o ordenamento ju- conhecida como fonte constitutiva da famí-
rídico de cada Estado, essa proteção pode ser lia. Outras formas de arranjo familiar, por
estabelecida a inúmeros e diversos modelos, sua vez, passaram igualmente a demandar
podendo abarcar o casamento assim como proteção estatal, notadamente em virtu-
outras relações de cunho extramatrimonial. de das necessidades de seus integrantes e
A União de Estável, no Brasil, e a União de Fac- dos novos paradigmas sociais existentes.
to, em Portugal, são disciplinados de modo A união estável ou a união de fac-
distinto à luz de sua qualificação como insti- to (assim chamada pela legislação por-
tutos de Direito de Família, acarretando con- tuguesa) nascem fruto de uma cons-
sequências e efeitos jurídicos diferenciados. trução social que requer regramento
Palavras-Chave: Família, União Estável, União de Facto. legislativo, doutrinário e jurisprudencial,
com vistas a conferir, a essas outras enti-
I ntrodução dades familiares, juridicidade e proteção.
A união de pessoas com o objetivo de Diante dessas particularidades, a análi-
constituir um respectivo núcleo familiar é se comparativa do tratamento legislativo dada
algo que remonta à própria História da so- à união estável pelo Direito Brasileiro e Portu-
ciedade humana. guês é de grande relevância, possibilitando o
A família é uma das instituições mais aprofundamento do conhecimento acerca do
antigas e complexas da humanidade, cuja Direito de Família e do Direito Comparado.
estrutura, função e composição são reflexos
das dinâmicas sociais, políticas, econômicas 1. Uma breve análise histórica
e culturais de cada época. 1.1. Os modelos familiares no plano histórico
Por muito tempo, sua legitimidade ju- Não há como se falar em um modelo fa-
rídica - e respectivos direitos e deveres - es- miliar estático e tampouco indicar a origem
teve atrelada às formalidades da celebração da família (ENGELS, 1984, p. 30). Sua exis-

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tência, segundo Hill (2012, p. 1), está ligada, Com a evolução e complexificação das
intrinsecamente, à forma como determinada relações, as primeiras organizações sociais
sociedade se organiza, notadamente a partir começam a reunir-se em volta da liderança de
das necessidades de cada momento e época. um único ancestral sanguíneo comum. Este,
Nesse sentido, ensina a Hironaka conhecido como “patriarca”, simbolizava a
(1999) que a família: entidade social que reunia, sob sua proteção,
(...) é uma entidade histórica, ancestral descendentes que compartilhavam identida-
como a história, interligada com os ru- de, parentescos e patrimônio. Essas primei-
mos e desvios da história ela mesma, ras entidades familiares, unidas por laços
mutável na exata medida em que mu- sanguíneos de parentesco, em virtude do
dam as estruturas e a arquitetura da ancestral comum, receberam o nome de clãs.
própria história através dos tempos. O crescimento territorial e populacio-
Sabe-se, enfim, que a família é, por nal desses clãs acarretou na formação das
assim dizer, a história e que a histó- primeiras tribos, comunidades sociais com-
ria da família se confunde com a his- postas pela união de grupos de descenden-
tória da própria humanidade. (p. 7) tes. O casamento era o padrão das uniões,
Como primórdio, Hill (2012) identifica sendo regulado pelos princípios costumeiros
a união de pessoas como uma estratégia de de cada tribo e seguindo diferentes formas
associação com vistas à sobre- de realização. Apesar disso, a união
vivência econômica básica.. “A união não de casais, fora dos preceitos que re-
A prática de acasalamento gulamentavam o matrimônio, era
entre membros de um mesmo
matrimonial um fato social, que existia à margem
grupo formava a família con- caracterizava-se das regras (XAVIER, 2015).
sanguínea (ENGELS, 1984), pela informalidade, A união não matrimonial ca-
inexistindo o instituto do ma- enquanto que racterizava-se pela informalidade,
trimônio (GOULART, 2002). o casamento enquanto que o casamento pressu-
As relações familiares eram pressupunha uma punha uma declaração de vontades
dispersas, de modo que ho- livres manifestadas perante a comu-
mens praticavam a poligamia
declaração de nidade, facilmente demonstrada e
e as mulheres a poliandria, vontades livres provada por ritos e testemunhos.
resultando em filhos com la- manifestadas Assim, as uniões entre pessoas
ços sanguíneos pouco claros perante a apresentavam-se entre aquelas for-
(ENGELS, 1984). comunidade, malizadas pelo casamento, as não
As relações exogâmi- facilmente celebradas pelo matrimônio e as sem
cas - cruzamento de indiví- objetivo de constituir família.
duos não aparentados ou com
demonstrada e Inúmeros são os relatos bíbli-
grau de parentesco distante provada por ritos e cos1 reveladores de relações extra-
(KOLLER, 2005) ganha desta- testemunhos” matrimoniais, nas quais os homens
que, pois, funcionalmente, a praticavam extensa poligamia, in-
relação entre diferentes gru- cluindo esposas e concubinas.
pos gerava maiores chances de sobrevivência: Nos primórdios da Igreja Católica, to-
O valor funcional da exogamia seria o de lerava-se relações estáveis informais e não
manter a sobrevivência dos grupos. As adúlteras, tanto que, no Concílio de Toledo
trocas estabelecidas entre os diferentes (397- 400), foi editado o Cânon XVII que proi-
grupos através dos casamentos mante- bia a manutenção simultânea de esposa e
riam a coesão dos agrupamentos, evi- concubina, mas admitia as duas, desde que
tando o fracionamento e o isolamento não concomitantemente:
dos mesmos em pequenas unidades de Cânon XVII. Que sea privado de la comu-
famílias consanguíneas. As alianças nión aquel que teniendo ya esposa tu-
formadas entre os grupos pelos casa- viere también una concubina. (...) Por
mentos fortaleciam redes de parentes- lo demás, aquel que no tiene esposa y
co, asseguravam a paz entre diferen- tiene en lugar de esposa una concubi-
tes grupos, garantiam a reprodução e na, no sea apartado de la comunión.
a multiplicação da força de trabalho Confórmese solamente con la unión
necessárias à sobrevivência. (p. 23) de una mujer, sea esposa o concubi-

1 Ao Rei Salomão foram atribuídas 700 mulheres e 300 concubinas conforme relato no Livro de Reis 11:3.

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artigo
na, como mejor le pluguiere, y el que como: i) o enfraquecimento da figura da
viviere de otra manera sea expulsado mulher, tornando-se, praticamente, uma in-
hasta que se arrepienta y regrese me- capaz, de modo que seus atos deveriam ser
diante la penitencia. autorizados pelo marido ou pela justiça; ii)
a consolidação da autoridade patriarcal, nos
A Alta Idade Média tornou-se cenário moldes da Roma Antiga, por meio da qual
de novas e relevantes mudanças. Ao lado da mulher e filho estariam submetidos ao pode-
família, constituída pelo casamento, vislum- ria do marido/pai; e c) a retomada do antigo
brou-se a frérèche, formada pela linhagem direito à primogenitura2 - em contraposição
geracional. Essa, balizada no sentimento de à solidariedade da linhagem -, onde o pater
linhagem, agrupava indivíduos de gerações e, posteriormente, o filho primogênito admi-
diferentes - raramente após a segunda gera- nistrariam todo o patrimônio da família.
ção do pai - que compartilhavam o mesmo Tavares (1985, p. 49) indica que, pro-
ancestral sanguíneo (ARIÈS, 1981, p. 211). vavelmente, a maior influência ao conceito
Assim, as duas instituições conviviam: i) de família ocorrerá na sua interação com o
a família - comparada ao relacionamento Direito Canônico, com o qual houve a sacra-
conjugal moderno; e ii) a frérèche, que seria lização do casamento.
uma “família do tipo extensa ou abrangente, O casamento e a sua cerimônia eram,
que incluía outros parentes, historicamente, realizados pelo pai
amigos e vassalos” (KOLLER, da noiva. A substituição pelo sacer-
2005, p. 26). “No Brasil, devido dote católico serviu para aproximar
Koller (2005), sobre esse à colonização a liturgia clerical à vida leiga, por
tipo de organização familiar portuguesa e à meio de um novo cerimonial imposto
feudal, explica: para resguardar a moral e normali-
(...) na família feudal da
forte influência zar a questão da sua sexualidade.
Idade Média era a li- da Igreja Católica, Com o Direito Canônico, o ca-
nhagem, e não o casa- o casamento samento foi alçado a uma entidade
mento, que estava no teve prevalência de cunho físico e espiritual, indisso-
centro da vida fami- como base da lúvel, de modo que só a morte poria
liar. A mulher era con- família, recebendo termo ao matrimônio (DIAS, 2016).
siderada como perten- A sacralização da união conjugal - o
cente à linhagem do
proteção que atravessou a sacralização de de-
marido e quando este legislativa em veres civis e da vida sem vocação re-
morria ela era excluí- detrimento dos ligiosa -, junto à promoção religiosa
da da linhagem. (...) demais institutos e do leigo e ao crescente progresso do
[A família] mantinha relações de cunho sentimento de família, possibilita-
laços comunitários de familiar” ram à Igreja penetrar na devoção co-
dependência com a al- mum da população em geral (ARIÈS,
deia, a qual regulava 1981, p. 215).
a vida cotidiana através dos costu- O Concílio de Trento, de 1553, proposto
mes e da tradição. (...) A mãe campo- com o objetivo de definir formas de enfren-
nesa dividia a criação dos filhos com tamento dos efeitos da reforma protestante,
outras mulheres da comunidade, não uniformizou as normas, padrões e procedi-
estando tão isoladas quanto na famí- mentos para a celebração do casamento. Este
lia burguesa. Além disso, na medida instituto, para tanto, o tornou-se subordi-
em que as mulheres precisavam tra- nado à autoridade eclesiástica, a qual esta-
balhar, as crianças não eram o centro ria implicada em zelar pelos impedimentos
da vida familiar, nem o papel mater- oficiais, regular as dispensas nos casos cabí-
no idealizado como viria a ser mais veis; proibir a coabitação de noivos; assegu-
adiante. (p. 26) rar a bênção do pároco como requisito sine
A partir do século XIV, processos im- qua non para o matrimônio; e garantir a pu-
portantes marcam a separação definitiva blicidade da cerimônia com a exigência de
entre família e linhagem (ARIÈS, 1981), tais duas testemunhas (PIMENTEL, 2005, p. 28).

2 A prática costumeira do filho primogênito suceder o pai em todo o patrimônio existiu desde a Antiguidade, atravessando os séculos e
permeando diferentes sociedades, até a Revolução Francesa. Esta prática funcionou como uma estratégia de proteção patrimonial, dando ao
patriarca da família, o direito e o dever de conservar os bens comuns.

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A monogamia, os impedimentos matri- aos do casamento. A Colômbia, no ano de
moniais, as invalidades do ato conjugal, a in- 1978, estabeleceu prazo mínimo de dois anos
capacidade para as núpcias em razão da ida- de convivência, que teriam efeito retroativo,
de, os critérios de validade e os requisitos de para que fossem atribuídos efeitos patrimo-
solenidade, entre outros, igualmente seriam niais aos concubinos.
regulados pelo Código de Direito Canônico
(ALMEIDA, 2013, p. 173). 1.2. A evolução legislativa e doutrinária no Brasil
Ao sacralizar o pacto matrimonial, a com relação às uniões extramatrimoniais
Igreja tornou-o a legítima fonte da entidade No Brasil, devido à colonização por-
familiar. O Direito Canônico passou, assim, tuguesa e à forte influência da Igreja Ca-
a ter especial influência nas raízes históricas tólica, o casamento teve prevalência como
e culturais do Direito Civil Ocidental (TAVA- base da família, recebendo proteção legis-
RES, 1985, p. 50). lativa em detrimento dos demais institutos
Em paralelo, o concubinato fora con- e relações de cunho familiar.
denado pela Lei Canônica, admitindo-se so- Seguindo as Ordenações Afonsinas
mente como um casamento “clandestino” ou (1446), Manuelinas (1514) e Filipinas (1603), e
“presumido”. Santo Agostinho, no entanto, sob os auspícios das diretrizes do Direito Ca-
admitia o batismo da concubina desde que nônico e do Direito Romano, o concubinato
esta se obrigasse a não deixar o companhei- ou a barregania eram considerados relações
ro e Santo Hipólito negava o matrimônio a espúrias a serem rechaçadas pela sociedade
quem o solicitasse com vistas a abandonar a brasileira, de modo que às barregãs, mulhe-
concubina, salvo se por ela fosse traído (BA- res dependentes de “mantimento e vestido”,
RON, 2016). mas sem a proteção do casamento, não eram
As revoluções liberais subsequentes, assegurados quaisquer direitos ou garantias.
pautadas nos princípios de igualdade e liber- As Ordenações Portuguesas, ademais,
dade, não conseguiram modificar, até mea- trataram de forma indireta acerca do con-
dos do século XX, na Europa e América, o cubinato, condenando o relacionamento
efeito das discriminações, classificando a fa- adúltero e estabelecendo penas diversas de-
mília como legítima ou ilegítima em função pendendo da classe social e do sexo do infiel
da sua origem estar atrelada ao matrimônio, (PIMENTEL, 2005, p. 28).
rechaçando-se a proteção às uniões extrama- Durante o período colonial, o casamen-
trimoniais. to teve relevante papel como mecanismo de
O marco da proteção dos direitos das controle social, ou seja, “um instrumento de
concubinas, por sua vez, foi o julgado francês acomodação da população e de multiplicação
do tribunal em Rennes, na França, em 1883, do esforço produtivo” (PIMENTEL, 2005, p.
que garantiu, à concubina, o direito em ob- 28). Aos indivíduos com estado de casado se-
ter uma parte dos bens deixados pelo seu ria reconhecida uma melhor posição social.
companheiro pré-morto a título de serviços Após a independência, a Carta Política
prestados. de 1824, outorgada pelo Imperador D. Pedro
Na esteira desse julgado e de outros I, não fazia referência a qualquer estrutura
tantos no mesmo sentido, uma primeira lei familiar3 (MALUF, 2010). Ainda assim, o Art.
civil francesa disciplina o instituto do con- 5º determinava a Igreja Católica Apostólica
cubinato, tendo sido editada em 16 de no- Romana como a religião do Estado, manten-
vembro de 1912. Como pioneira no assunto, a do a tradição portuguesa, fundada no matri-
França se encarregou de traçar as diretrizes mônio religioso entre homem e mulher.
que influenciaram os diversos textos legisla- Com o Decreto n.º 181 de 24 de janeiro
tivos ocidentais. de 1890, oficializa-se o casamento civil como
Assim, por exemplo, o Código Civil Me- base do sistema protetivo à família, de modo
xicano de 1928 previra a regulamentação que somente eram reconhecidos como mem-
para a concubina no tocante a alimentos e bros de determinado núcleo familiar aqueles
ordem hereditária. A Venezuela, em seu Có- que tivessem contraído matrimônio, sendo
digo de 1942 reconhecia efeitos patrimoniais assegurada proteção aos seus filhos e suces-
para o concubinato. A Guatemala, em 1947, sores. As uniões extramatrimoniais, portan-
adotou o Estatuto das Uniões de Fato, equipa- to, ficavam de fora da regulamentação legal
rando os efeitos patrimoniais dessas uniões (BARON, 2016).

3 A única menção reportava à Família Real e sua Dotação, no Capítulo III da Carta.

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 11


artigo
A primeira Constituição Republicana, contudo, não lograram coibir o surgi-
de 24 de fevereiro de 1891, estabeleceu, em mento de relações afetivas extrama-
Art. 72, §4º, que a República somente reco- trimoniais. Não há lei, nem do deus
nhecia o casamento civil, cuja celebração se- que for, nem dos homens, que proíba
ria gratuita, de modo que este era o único o ser humano de buscar a felicidade.
instituto pelo qual se poderia constituir uma As uniões surgidas sem o selo do casa-
família legítima. mento eram identificadas com o nome
A Constituição de 1934 dispôs de forma de concubinato (DIAS, 2016, p. 29).
semelhante, tratando a família como o ente A demanda social, por sua vez, não se
constituído pelo casamento indissolúvel, es- amoldava ao padrão familiar estabelecido
tando sob a proteção especial do Estado (Art. pelo Códex brasileiro. Assim, a realidade
144). Normativas similares repetir-se-iam nas passou a exigir regulamentação e proteção
Constituições seguintes de 1937, 1946 e 1967. àquelas uniões entre pessoas separadas de
Do ponto de vista de legislação infra- fato e que não poderiam novamente se casar,
constitucional, o Código Civil de 1916 man- uma vez que no Brasil não se admitia o di-
teve o privilégio ao instituto do casamento, vórcio como forma de dissolução do vínculo
de modo que os filhos eram considerados le- matrimonial (TARTUCE, 2014, p. 288).
gítimos se oriundos do vínculo matrimonial Segundo Tartuce (2014), uma primeira
(art. 332). Nesse sentido, Neumann (2002) norma a tratar do assunto foi o Decreto-Lei
identifica esse contexto da seguinte forma: n.º 7.036/1944, que reconheceu o direito à
A perseguição à família ilegítima foi in- companheira em ser beneficiária de indeni-
serida na sociedade moderna pela zação em caso de acidente de trabalho sofri-
igreja católica, seguindo-a as demais do por seu companheiro.
correntes do cristianismo. Como país A Lei n.º 6.015/73, em seu art. 57, § 2º,
católico, Portugal regia suas colô- admitiu que a mulher solteira, desquitada
nias e súditos com normas do direi- ou viúva, que vivesse com homem solteiro,
to Canônico, as derradeiras foram as desquitado ou viúvo, excepcionalmente e ha-
Ordenações Filipinas que negavam vendo motivo ponderável, pudesse requerer,
qualquer direito a concubina salvo o judicialmente, a inclusão do patronímico de
de indenização pelo comércio sexual companheiro, mediante averbação da deci-
que na década de 1930 foi substituído são à margem de seu assento de nascimento.
pela expressão de serviços prestados Essa possibilidade, é preciso lembrar, só era
inclusive punindo os que praticas- cabível se houvesse impedimento legal para
sem, considerando o casamento reli- o casamento, decorrente do estado civil de
gioso a única forma de constituição qualquer das partes ou de ambas.
de família. Esta regra perpetuou-se Em virtude dessas novas realidades fa-
no Código Civil de 1916 com uma pe- miliares, e sobretudo nas situações de rom-
quena adaptação: não mais o casa- pimento das uniões existentes, o Judiciário
mento religioso, mais o casamento passa a ser chamado a resolver os conflitos
civil legitimaria a família (p. 101) e a indicar o norte jurisprudencial, notada-
Ocorre que, ao lado do casamento e do mente pela ausência de legislação a respeito.
regramento previsto pelo Código Civil, re- O Judiciário viu-se confrontado a lidar com
lações extramatrimoniais se estabeleciam, uma família de fato sem determinações le-
tanto que: gais (DIAS, 2016), e disso decorre que a cria-
Apesar da rejeição social e do repúdio ção e o tratamento acerca da União Estável
do legislador, vínculos afetivos fora será eminentemente de cunho doutrinário e
do casamento sempre existiram. jurisprudencial (TARTUCE, 2014).
O Código Civil de 1916, com o propó- Nessa esteira, cita-se a Súmula n.º 354
sito de proteger a família constituída do Supremo Tribunal Federal, que reconhe-
pelos sagrados laços do matrimônio, cia o direito à indenização acidentária em
omitiu-se em regular as relações ex- favor da companheira.
tramatrimoniais. E foi além. Restou A Súmula 3805, também editada pelo
por puni-las. Tantas reprovações, Supremo Tribunal Federal em sessão plená-
4 Segundo a Súmula n.º 35 do Supremo Tribunal Federal, em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de
ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.
5 A Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, editada em 1964, estabeleceu ainda, para fins configuração do concubinato, que a vida
em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não seria indispensável à caracterização deste instituto.

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ria de 3 de abril de 1964, foi um marco rele- ral, foram aprovadas duas leis federais acer-
vante, uma vez que reconheceu a possibilida- ca do tema, sendo que a primeira, a Lei n.º
de de partilha de bens entre companheiros 8.971/94, regulou a questão dos alimentos
quanto ao patrimônio adquirido pelo esforço e a sucessão dos companheiros, bem como
comum: “Comprovada a existência de socie- estabeleceu requisitos mínimos para sua
dade de fato entre os concubinos, é cabível configuração (qualidade de solteiros, viúvos,
a sua dissolução judicial, com a partilha do separados judicialmente ou divorciados dos
patrimônio adquirido pelo esforço comum”. companheiros e requisito temporal de convi-
Cabe ressaltar que a Súmula não equipa- vência, entre outros).
rou essas relações interpessoais às uniões ma- A Lei n.º 9.278/96 regulamentou a
trimoniais, tendo simplesmente atribuído efeitos união estável, de forma geral e abrangente,
obrigacionais às partes, dando uma aparência de estabelecendo a meação em favor dos com-
negócio jurídico (NADER, 2016). Quando ausente panheiros quanto aos bens adquiridos one-
patrimônio a ser partilhado ou na ausência rosamente durante o tempo de convivência,
de prova de esforço comum, a jurisprudência bem como assegurou o direito do usufruto
reconhecia a união como uma vidual e o direito real de habitação,
relação de trabalho, concedendo omitindo requisitos de natureza
à mulher uma indenização por “O grande pessoal, tempo mínimo de união ou
serviços domésticos prestados marco, por sua existência de prole.
(DIAS, 2016). vez, foi o texto Com o advento do Código Civil
A Emenda nº. 9 de 19776, da Constituição de 2002, referidas Leis foram revoga-
que culminou com a edição Federal de 1988 das, passando o instituto a ser disci-
da Lei n.º 6.515/77 (Lei do plinado pelo Art. 1.723 e seguintes,
que reconheceu,
Divórcio), modificou o pano- mantendo-se ainda em vigor o direi-
rama sócio-familiar, possibi- em seu Art. 226, to real de habilitação previsto pelo
litando aos casais a extinção § 3º, a União Art. artigo 7º, parágrafo único, da Lei
do vínculo matrimonial, dan- Estável no direito n.º 9.278/96.
do a possibilidade a novas brasileiro como
constituições familiares, tan- entidade familiar 2. Caracterização da união estável no
to pelo casamento como pela Brasil e a União de Facto Em Portugal
diversa do
união de duas pessoas sem 2.1. Da União Estável
o casamento, que posterior- casamento, sem A União Estável, como instituto
mente veio a ser denominada qualquer relação jurídico alinhado ao Direito de Famí-
União Estável. hierárquica entre lia, foi delimitada a partir de situa-
O grande marco, por eles, e para a qual ção fática cuja origem remonta ao an-
sua vez, foi o texto da Consti- igualmente foi tigo concubinato na sua forma pura.
tuição Federal de 1988 que re- Tendo como principal característica
garantida proteção
conheceu, em seu Art. 226, § a informalidade, a Constituição Fe-
3º, a União Estável no direito estatal” deral inovou a matéria ao qualificar
brasileiro como entidade fa- esta situação fática de União Estável
miliar diversa do casamento, sem qualquer (GONÇALVES, 2012).
relação hierárquica entre eles, e para a qual Segundo Diniz (1990, p. 21), “a união
igualmente foi garantida proteção estatal. A estável é a relação de um casal que vive como
União Estável, portanto, foi alçada a instituto marido e mulher7 sem o vínculo do matrimô-
de Direito de Família e se descola totalmente nio.” Lourenço Dias (apud XAVIER, 2015, p.
da figura do concubinato, com a qual esteve 45) traz conceito similar a respeito: “[união
sempre muito aproximada para fins de en- estável] é a união livre do homem e da mulher,
quadramento jurídico e legislativo. coabitando-se como cônjuges e na aparência
Regulamentando a Constituição Fede- geral de casados, isto é, de marido e mulher”.

6 Art. 1º. O § 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 175: (...) § 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais
de três anos; Art. 2º A separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e
pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda (BRASIL, 1977).
7 Ainda que, sob forte influência conceitual do instituto precedente e, corroborando com uma visão historicamente discriminatória, a
união estável foi, durante muito tempo, calcada a partir do relacionamento heterossexual, sendo que, somente com a recente jurisprudência
constitucional do Supremo Tribunal Federal, que houve o necessário avanço da matéria (DIAS, 2001).

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 13


artigo
Rizzardo (2011) traz uma definição mais comple- dade e durabilidade.
ta, estabelecendo o instituto como: A união livre tem um alcance maior, compreen-
(...) a união entre si do homem e da mu- dendo qualquer relacionamento sexual e afetivo de
lher para a convivência em um mes- pessoas, sem discutir-se acerca da existência ou de
mo local, no recesso de uma moradia, impedimentos matrimoniais (RIZZARDO, 2011).
passando a partilhar das responsa- O concubinato, a partir de 1988, passou a refe-
bilidades da vida em comum e dos rir-se apenas às relações adulterinas, estando defi-
momentos de encontros, um devotan- nida pelo Art. 1.727, do Código Civil de 2002, como
do-se ao outro, entregando os corpos aquelas relações não eventuais entre homem e a
para o mútuo prazer ou satisfação. (...) mulher, que estejam impedidos de casar (RIZZAR-
Está diante do que se convencionou DO, 2011).
denominar união estável, ou união Por fim, a expressão sociedade de fato nasce do
livre, ou estado de ca- reconhecimento do vínculo que une
sado, ou concubinato, o homem e a mulher em uma união,
expressões que envol-
“No tocante constituindo o ânimo ou intenção
vem a convivência, a à questão em associar-se, ou a affecto societat-
participação de esfor- patrimonial, tis. Esta concepção fundamentara os
ços, a vida em comum, o tratamento primeiros movimentos da jurispru-
a recíproca entrega sucessório dência em reconhecer juridicidade
de um para o outro, entre cônjuge às relações não matrimonializadas,
ou seja, a exclusivida- que não apresentem impedimentos
de não oficializadas
e companheiro, para o matrimônio.
nas relações entre o segundo o Feitas essas considerações, cabe
homem e a mulher. entendimento adentrar na análise acerca do con-
(...) A palavra “união” jurisprudencial ceito e requisitos da União Estável.
expressa ligação, brasileiro, foi Segundo o art. 1723 do vigente
convivência, junção, equiparado, não Código Civil Brasileiro, a união está-
adesão; já o vocábulo vel consiste na convivência pública,
“estável” tem o sinôni-
havendo mais contínua e duradoura entre homem
mo de permanente, cabimento para e mulher com o objetivo de consti-
duradouro, fixo. A a aplicação do tuir família. As relações homoafeti-
expressão correspon- art. 1790 aos vas passaram a receber tutela esta-
de, pois, à ligação per- conviventes, tal após as decisões do colegiado do
manente do homem passando estes a Supremo Tribunal Federal na Ação
com a mulher, des- Direta de Inconstitucionalidade
dobrada em dois ele-
concorrer, com os (ADI) 4277 e na Arguição de Descum-
mentos: a comunhão demais herdeiros, primento de Preceito Fundamental
de vida, envolvendo à herança do (ADPF) 132, com a posterior edição
a comunhão de senti- companheiro da Resolução n.º 175/2013 do Conse-
mentos e a comunhão falecido nos lho Nacional de Justiça.
material; e a relação termos do art. DIAS (2016), ao discorrer sobre
conjugal exclusiva de o conceito de União Estável, sinaliza:
deveres e direitos ine-
1829 do Código A lei não define nem imprime à
rentes ao casamento. Civil” união estável contornos pre-
(p. 815, grifo do autor) cisos, limitando-se a elen-
Antes de adentrar no conceito e nos requisitos car suas características (CC
previstos pelo ordenamento pátrio, é oportuno dis- 1.723): convivência pública,
tinguir os termos utilizados com relação às uniões contínua e duradoura estabe-
extramatrimoniais, a saber: (I) união estável, (II) lecida com o objetivo de cons-
união livre, (III) concubinato e (IV) sociedade de fato. tituição de família. Preocu-
A denominação união estável, consagrada pa-se em identificar a relação
pelo texto constitucional, representará, segundo pela presença de elementos
Rizzardo (2011), a união de um homem e uma mu- de ordem objetiva, ainda que
lher em situação de inexistência de impedimentos o essencial seja a existência
para o casamento, apresentando a sociedade com de vínculo de afetividade, ou
as qualidades de exclusividade, fidelidade, vida seja, o desejo de constituir fa-
em comum, moradia sob o mesmo teto, ostensivi- mília (p. 658).

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O Código Civil de 2002, ademais, não pode-se estabelecer união estável en-
estabeleceu período mínimo de convivên- tre um homem e uma mulher, como
cia ou prole comum para sua configuração, reflexo da evolução social. Para Zeno
o que demonstra uma maior flexibilidade e Veloso (op. cit.), o dever de coabitação
liberdade aos companheiros. Por outro lado, é imperativo lógico, estado implícito
TARTUCE (2014) cita a existência de requisi- na união estável, só sendo assim pos-
tos mínimos para que se configure a União sível a separação de corpos de que
Estável, de modo que ela deve ser “pública trata o disposto no art. 1.562 do CC (v.
(no sentido de notoriedade, não podendo ser comentário). Aduz que não se pode
oculta, clandestina), contínua (sem interrup- dar à Súmula n. 382 do STF sua apa-
ções, sem o famoso ‘dar um tempo’ que é tão rente extensão, pois ela foi editada
comum no namoro) e duradoura, além do ob- em outro contexto social e legislati-
jetivo de os companheiros ou conviventes de vo. Compartilha-se do entendimento
estabelecerem uma verdadeira família (ani- deste último doutrinador, no sentido
mus familiae)” (p. 292). de que algumas uniões, inclusive for-
Gonçalves (2014) estabelece requisi- mais, admitem a intenção de consti-
tos ou pressupostos para a configuração da tuir família, mesmo se os cônjuges e
União Estável, desdobrando-os em subjeti- companheiros morem em casas sepa-
vos e objetivos. Os pressupostos subjetivos radas, exigindo-se neste caso prova
são: a) convivência more uxoria, no sentido mais robusta e segura da união está-
de comunhão de vidas, envolvendo a mútua vel. (p.1864)
assistência moral, material e espiritual; e b) Por fim, para se configurar União Es-
o affectio maritalis, ou seja, o ânimo ou o ob- tável devem estar afastadas as causas impe-
jetivo de constituir família. Do ponto de vista ditivas para o casamento, por expressa dis-
objetivo, os requisitos seriam: a) diversidade posição legal no artigo 1.727 do Código Civil,
de sexo, o que já foi rechaçado no julgamen- aplicando regra de interesse público. Nestes
to na Ação Direta de Inconstitucionalidade casos, quando houver algum impedimento
(ADI) 4277 e na Arguição de Descumpri- para o casamento, configura-se o concubi-
mento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, nato, salvo se a pessoa casada encontrar-se
conforme acima citado; b) notoriedade; c) separada de fato ou judicialmente.
estabilidade ou duração prolongada; d) con- Por se qualificar como situação de fato,
tinuidade; e) inexistência de impedimentos facilmente estabelecida desde que cumpri-
matrimoniais; e f) relação monogâmica. dos os requisitos acima indicados, não exige
No tocante à questão da coabitação, o forma escrita para sua comprovação, poden-
art. 1723 do Código Civil não fazer referên- do-se prová-la por todos os meios lícitos pre-
cia, mas Veloso (apud GONÇALVES, 2014), vistos no ordenamento jurídico brasileiro.
afirma que, para a União Estável, o viver sob Ocorre que, para fins de proteção patrimo-
o mesmo teto é um dos elementos caracteri- nial, assim como outras garantias, a tradi-
zadores do instituto, sendo “elemento obje- ção brasileira e o próprio Código Civil esta-
tivo da relação, a mostra, o sinal exterior, a belecem a possibilidade de que haja acordo
fachada, o fato de demonstração inequívoca escrito, indicando-se, inclusive, nos termos
da constituição de uma família.”(p. 619-620). do Provimento n. 37/2014 da Corregedoria
Há, no entanto, divergência doutriná- Nacional de Justiça, o registro facultativo do
ria quanto a ser este requisito para caracte- acordo firmado em escritura pública decla-
rização da União Estável, conforme explicita ratória de União Estável perante o Oficial de
Carvalho Filho (in PELUSO, 2014): Registro Civil das Pessoas Naturais para fins
Dúvida há sobre a coabitação, se ela de oponibilidade e eficácia erga omnes.8
constitui ou não requisito para o re- No tocante aos efeitos decorrentes da
conhecimento da união estável ou União Estável, devem ser vislumbrados sob
mesmo dever dos companheiros. Re- aspecto pessoal e patrimonial. Sob o viés
gina Beatriz Tavares da Silva (op. cit.) pessoal, certamente o efeito mais relevante
considera que a lei em vigor não exi- é a constituição de uma entidade familiar
ge a convivência sob o mesmo teto e para qual são aplicadas as garantias consti-
que, mesmo com domicílios diversos, tucionais dirigidas à organização familiar.

8 Segundo referido Provimento, o registro é facultativo, sendo título hábil para tanto a sentença declaratória de reconhecimento e disso-
lução, ou extinção, bem como da escritura pública de contrato e distrato envolvendo união estável.

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 15


Além disso, são assegurados o cumprimento afirmou que a Constituição prevê
de deveres inerentes ao instituto, conforme diferentes modalidades de família,
elencados no art. 1.724 do Código Civil (leal- além da que resulta do casamento.
dade, respeito, assistência, guarda, sustento Entre essas modalidades, está a que
e educação dos filhos). deriva das uniões estáveis, seja a con-
Farias e Rosenvald (2010) entendem vencional, seja a homoafetiva. Frisou
que o Código de 2002 restringiu os efeitos que, após a vigência da Constituição
pessoais decorrentes da União Estável, uma de 1988, duas leis ordinárias equipa-
vez que não se aplica, como no casamento, a raram os regimes jurídicos sucessó-
emancipação do companheiro, a presunção rios do casamento e da união estável
de paternidade dos filhos nascidos na cons- (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O
tância da relação, assim como, a alteração do Código Civil, no entanto, desequipa-
estado civil dos companheiros. rou, para fins de sucessão, o casamen-
Cabe esclarecer, no entanto, que esse to e as uniões estáveis. Dessa forma,
panorama tem se alterado, notadamente pela promoveu retrocesso e hierarqui-
jurisprudência pátria. É o caso, por exemplo, zação entre as famílias, o que não é
de entendimento da Corregedoria Geral de admitido pela Constituição, que trata
Justiça do Estado de São Paulo que, em nor- todas as famílias com o mesmo grau
ma dirigida aos Oficiais de Registro Civil das de valia, respeito e consideração. O
Pessoas Naturais, estendeu a presunção da art. 1.790 do mencionado código é in-
paternidade à União Estável, conforme dis- constitucional, porque viola os prin-
posto pelo item 41, Capítulo XVII, do Tomo cípios constitucionais da igualdade,
II das Normas de Serviço dos Cartórios Ex- da dignidade da pessoa humana, da
trajudiciais. Outro exemplo destacável é o proporcionalidade na modalidade de
acórdão prolatado pela 1a Câmara Cível do proibição à proteção deficiente e da
Tribunal de Justiça de Goiás, na Apelação vedação ao retrocesso.
Cível n.º 57266-0/1880-Comarca de Quirinó- Tartuce (2017), em texto posterior à pu-
polis, pelo qual equiparou-se o suprimento blicação do acórdão, discutiu os possíveis im-
de idade para a obtenção da emancipação no pactos decorrentes da decisão, notadamente
caso de União Estável (MIMARY, 2016). a inclusão do companheiro no rol dos herdei-
Quanto aos efeitos patrimoniais, além ros necessários do art. 1845 do Código Civil,
daqueles decorrentes da aplicação análoga justificando que:
de regime de bens à União Estável, por for- O julgamento nada expressa a respeito
ça do disposto no Art. 1.725, e os direitos a da dúvida. Todavia, lendo os votos
alimentos do Art. 1.694, a questão sucessória prevalecentes, especialmente o do
ganhou recente destaque por força do julga- Relator do primeiro processo, a con-
mento dos Recursos Extraordinários de n.º clusão parece ser positiva. Como con-
878694/MG, sob a relatoria do Min. Luís Ro- sequências, alguns efeitos podem ser
berto Barroso, e de n. 646.721/RS, sob a re- destacados. Vejamos apenas três de-
latoria do Min. Marco Aurélio, que geraram, les, pela dimensão inicial deste arti-
respectivamente, as Teses de Repercussão go: a) incidência das regras previstas
Geral de n.º 8099 e 49810, e que culminaram entre os arts. 1.846 e 1.849 do CC/2002
no julgamento a favor da inconstitucionali- para o companheiro, o que gera res-
dade do art. 1790 do Código Civil quanto ao trições na doação e no testamento,
tratamento diferenciado dado ao compa- uma vez que o convivente deve ter a
nheiro supérstite em caso de sucessão. sua legítima protegida, como herdeiro
Para melhor esclarecer o conteúdo des- reservatário; b) o companheiro passa
tes julgados, o Informativo n.º 864 da Corte a ser incluído no art. 1.974 do Código
Constitucional assim publicou: Civil, para os fins de rompimento
(...) o Supremo Tribunal Federal (STF) de testamento, caso ali também se

9 Tese de Repercussão Geral n.º 809: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista
no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do
CC/2002.
10 Tese de Repercussão Geral n.º 498: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista
no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do
CC/2002.

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inclua o cônjuge; c) o convivente tem o tida, Baron (2016) e Coelho e Oliveira (2011),
dever de colacionar os bens recebidos defendem que a União de Facto é uma rela-
em antecipação (arts. 2.002 a 2.012 ção parafamiliar, sustentando, estes últimos,
do CC), sob pena de sonegados (arts. que são “conexas com relações de família,
1.992 a 1.996), caso isso igualmente estão equiparadas a elas para determinados
seja reconhecido ao cônjuge. (s/p) efeitos ou são condição de que dependem,
Ao tratar das dez premissas que baliza- em certos casos, os efeitos que a lei atribui à
ram, no seu entender, seu voto e a declaração relação conjugal e às relações de parentesco,
de inconstitucionalidade do art. 1790 do Có- afinidade e adopção (p. 34-35).”
digo Civil, o ilustre Min. Luiz Edson Fachin, Moreira (2016) esclarece ainda:
por sua vez, ensejou o não enquadramento A união de facto sempre foi regulada
do companheiro como herdeiro necessário. por uma comparação aos que consti-
Para tanto, discorrendo sobre a informalida- tuem matrimónio, não sendo esta uma
de que permeia a relação de União Estável, fonte de matrimónio, nem uma fonte
manifesta-se da seguinte forma: de relações jurídicas familiares, como
Na sucessão, a liberdade patrimonial dos disposto no art.o 1576º Cciv. Aqueles
conviventes já é assegurada com o que vivem numa situação análoga à
não reconhecimento do companheiro dos cônjuges por um determinado pe-
como herdeiro necessário, podendo- ríodo de tempo, no caso concreto dois
-se afastar os efeitos sucessórios por anos, são considerados, se pretende-
testamento. Prestigiar a maior liber- rem que os efeitos da união de facto
dade na conjugalidade informal não se concretizem, unidos de facto. Para
é atribuir, a priori, menos direitos existir um reconhecimento da união
ou diretos diferentes do casamento, de facto, para lhe serem atribuidos
mas, sim, oferecer a possibilidade de, os direitos ou benefícios fundados na
voluntariamente, excluir os efeitos união de facto, é necessário o decurso
sucessórios. (BRASIL, 2018, p. 3-4) do tempo e, para além disso, que os
Diante desse quadro, pode-se afirmar que unidos de facto realizem uma prova
há certeza somente quanto à declaração de dessa união de facto com tal duração,
inconstitucionalidade do art. 1790 do Código e esta depende da vontade dos pró-
Civil, o que não, diretamente, acarreta no en- prios unidos de facto, de quererem ou
quadramento do companheiro como herdei- não efetuar essa prova (p. 5).
ro necessário e, portanto, não lhe tendo sido Difere das demais formas de relacio-
assegurada a proteção da legítima prevista namento interpessoal, porque não se baliza
pelo art. 1829 ou mesmo da nulidade da doa- na eventualidade, e difere-se do casamento
ção inoficiosa prevista no art. 549. pela ausência das formalidades para a devi-
da manifestação de vontade.
2.2. Da União de Facto A matiz principal da União de Facto,
A União de facto, regulada pela Lei Por- portanto, é a liberdade de seu estabelecimen-
tuguesa n.º 7/2001 - Medidas de Proteção das to, tanto que provar-se-á por qualquer meio
Uniões de Facto - com as alterações introduzi- legalmente admissível11, o que não impos-
das pela Lei n.º 23/2010, consiste na situação ju- sibilita a declaração escrita firmada pelos
rídica de duas pessoas que, independentemen- companheiros, sob compromisso de honra.
te do sexo, vivam em condições análogas às dos Nesse sentido, Baron (2016) explicita:
cônjuges há mais de dois anos (art. 1º, alínea 2). Para evitar transtornos, e como na união
Conquanto qualificada como situação de facto não há o conceito de patri-
análoga à dos cônjuges, discute-se se estaria mônio comum, os membros do casal
ou não enquadrada como instituto de Direito podem celebrar, entre si, um contra-
de Família. to de coabitação. Este contrato é uma
Nesse sentido, à luz das disposições da manifestação expressa de vontade
Constituição da República Portuguesa e dos de ambas as partes, de regularem
ensinamentos de Canotilho e Moreira (2007), os efeitos patrimoniais da união de
os artigos 36º e 67º do texto constitucional te- facto segundo um regime de bens.
riam estendido, à União de Facto, o conceito Assim, em caso de extinção da união,
de família e relação familiar. Em contrapar- não haverá complicações na hora de

11 Art. 2o-A, alínea 1), da Lei n.º 7/2001 - Medidas de Proteção das Uniões de Facto.

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 17


artigo

liquidar e partilhar o patrimônio do vigência da União de Facto, podendo-se optar


“casal”. (p.33) pela aplicação analógica dos regimes de bens
No tocante aos efeitos decorrentes da afeitos ao casamento, sendo que, na ausência
União de Facto, sob o viés de garantias assis- de regramento escrito, prevalece o entendi-
tenciais, o art. 3o da Lei n.º 7/2001 elenca uma mento doutrinário sobre a aplicação do regi-
lista ampla, dentre os quais a proteção da me da separação de bens (BARON, 2016).
moradia de família, o direito ao subsídio por No âmbito da sucessão por morte,
morte e à pensão de sobrevivência, direito às o membro sobrevivo não é qualificado
prestações por morte resultantes de acidente como herdeiro legal do falecido. Não re-
de trabalho ou doença profissional e direito cebendo proteção legal, só cabe a deixa
à pensão de preço de sangue e por serviços testamentária ao sobrevivo da União de
excepcionais e relevantes prestados ao País. Facto, dispondo-se uma parte do patrimô-
Moreira (2016) alerta que: nio em vida a seu favor, que somente se
Tendo em conta a parca regulamentação efetivará com a morte do testador.
dos unidos de facto, tendo estes em Por outro lado, o Art. 5º da Lei n.º 7/2001
vista a sua segurança jurídica, e não garantiu, ao companheiro sobrevivente, o di-
existindo nenhuma regulamentação reito real de habitação sobre a casa de morada
em face dos efeitos patrimoniais, po- de família, e o direito de preferência na alie-
derão os unidos de facto, proceder a nação deste imóvel e da transmissão do arren-
essa regulamentação? Será o contra- damento (artigo 1.106º, n.º 4, do Código Civil).
to de coabitação uma resposta a esta O legislador português, ademais,
necessidade de regulamentação dos entendeu que, como a União de Facto não
aspetos patrimoniais dos unidos de está sujeita a um regime de bens, não há
facto? (p.25) patrimônio comum sujeito à partilha, não
Em virtude da ausência de tratamen- se aplicando as regras que disciplinam os
to legislativo e, especialmente, por força da efeitos patrimoniais do casamento, salvo
oposição e veto presidencial ao Decreto n.º se houver acordo prévio entre as partes
349/X12, a regulamentação acerca dos efei- que discipline o tema (BARON, 2016).
tos patrimoniais na União de Facto tem sido Ainda sob o aspecto sucessório, o art.
objeto do Contrato de Coabitação, em que 2020º do Código Civil Português assegura ao
podem ser disciplinadas regras sobre a pro- membro sobrevivo da União de Facto o di-
priedade dos bens móveis e imóveis. reito de exigir alimentos da herança do fa-
O acordo escrito tem papel relevan- lecido, caducando esse direito nos dois anos
te ao estabelecer o estatuto patrimonial na subsequentes à morte do autor da sucessão.

12 O Decreto n.º 349/X teve sua origem no Projeto de Lei n.º 665/X/4, tendo regulado, especificamente no art. 5º, questões de ordem
patrimonial entre os membros da União de Facto.

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2.3. Um quadro comparativo e Considerações Finais

Legislação Brasileira Legislação Portuguesa


CF/88: CF/76:
A rt. 226 A Família , base da sociedade , tem especial proteção do E stado. Não há referência à União de Facto
(...)
3º Para efeito de proteção do E stado, é reconhecida a união estável entre o homem e

a mulher como entidade familiar , devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

CC/2002: CC/66:
A rt. 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mu- A rt. 1576º
lher , configurada na convivência pública , contínua , duradoura e estabelecida com o obje - (Fonte das relações jurídicas familiares)
tivo de constituição de família . São fontes das relações jurídicas familiares o parentesco, a afinidade e a
1º A união estável não se constituirá se o ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se adopção.

aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato

ou judicialmente .

(...)
A rt. 1725. Na união estável , salvo contrato escrito entre os companheiros , aplica- se às L ei n º 7/2001: A rtigo 1º - O bjecto:
relações patrimoniais , no que couber , o regime da comunhão parcial de bens . (...) 1 A presente lei adopta medidas de protecção das uniões de facto.
A rt. 1727. Nas relações não eventuais entre o homem e a mulher , impedidos de casar , 2 A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que , independentemen-
constituem concubinato. te do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges a mais de dois anos .

O quadro acima explicita o tratamento a convivência em comunhão de leito, mesa e


dado pelo ordenamento jurídico brasileiro habitação. Exige-se, tão somente, para que
e português no que tange aos institutos da haja o enquadramento da relação ao concei-
União Estável e União de Facto. to de União Estável, a convivência pública,
Como já comentado anteriormente, a duradoura e reconhecida, com objetivo de
União Estável, no Brasil, foi alçada ao texto constituir o vínculo familiar entre seus com-
constitucional de 1988, configurando-se em ponentes.
um claro exemplo da constitucionalização No tocante à questão patrimonial, o
do Direito de Família. tratamento sucessório entre cônjuge e com-
Essa opção do legislador pátrio, sensi- panheiro, segundo o entendimento juris-
bilizado com as inúmeras realidades fami- prudencial brasileiro, foi equiparado, não
liares, buscou proteger e assegurar direitos havendo mais cabimento para a aplicação
aos companheiros, bem como a seus filhos e do art. 1790 aos conviventes, passando estes
sucessores. a concorrer, com os demais herdeiros, à he-
Diversamente, a Constituição Portu- rança do companheiro falecido nos termos
guesa de 1976 sequer fez referência à União do art. 1829 do Código Civil. Em se tratando
de Facto, e, por conseguinte, tampouco a de União de Facto, por sua vez, o membro não
identificou como entidade familiar. sucede e, os bens adquiridos na constância
Em matéria de legislação infraconsti- da relação, não são objeto de partilha, salvo
tucional, o Códex Português trata da União se houver acordo escrito que indique a co-
de Facto de forma oblíqua, propondo regra- munhão na aquisição deles na vigência do
mento protetivo aos seus membros, sem no- relacionamento, com caráter obrigacional e
vamente enquadrá-la como instituto do Di- não familiar ou sucessório.
reito de Família. O conceito de patrimônio comum, por-
A Lei de 2001, por sua vez, trouxe ino- tanto, não é constante da União de Facto, de
vações, ao elencar inúmeros direitos assis- modo que seus membros se recorrem a um
tenciais e o direito real de habilitação, assim contrato de coabitação para regular os efei-
como ao disciplinar a possibilidade da união tos patrimoniais dessa relação segundo um
entre pessoas do mesmo sexo, o que somente regime de bens. Baron (2016, p. 32) explici-
seria assegurado, no Brasil, após decisão do ta, de forma clara, que “não há bens comuns
Supremo Tribunal Federal no ano de 2014. sujeitos à partilha quando a relação comum
Quanto ao aspecto de sua configura- chega ao fim.” Em se tratando de União Está-
ção, o requisito temporal da União de Facto vel, por sua vez, há presunção da existência
não encontra respaldo no Brasil, assim como de patrimônio comum que, se adquirido na

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 19


artigo
constância da convivência e inexistindo con- Como indicado no início deste artigo, remon-
trato escrito, será partilhado entre os com- tamos à ideia de que história da família é a
panheiros sob o regramento do regime da história da própria sociedade, de modo que
comunhão parcial de bens. as normas e leis se amoldam e são fruto de
Parece-nos que, conquanto inovadora cada momento e realidade social. Os anseios
em alguns aspectos, notadamente ao pre- e as demandas dos cidadãos norteiam a pro-
ver a união homoafetiva, a opção legislativa teção e o regramento do Direito de Família
portuguesa foi mais uma vez alicerçada na em cada país e não seria muito afirmar que
tradição canônica e católica do Direito Por- a diferença entre o tratamento jurídico da
tuguês, privilegiando o casamento como ins- União Estável e União de Facto decorre dos
tituto sacralizado, deixando a União de Facto próprios interesses e anseios distintos entre
fora da proteção do Direito de Família. brasileiros e portugueses.

R eferências
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das ção (Mestrado). Faculdade de Direito da to>. Acesso em: 15 nov. 2017.

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decisões administrativas

DECISÃO ADMINISTRATIVA - 01
22
DECISÃO ADMINISTRATIVA - 02
35
Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 21
decisões administrativas
Responsável Jurídico:
Alberto Gentil de Almeida Pedroso
Juiz de Direito Titular da 8ª Vara Cível da Comarca de Santo André (TJSP).
Juiz Corregedor Permanente dos Registros de Imóveis da Comarca de Santo
André. Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça nas gestões 2012/2013,
2014/2015 e 2016/2017. Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito
Processual Civil. Professor da Escola Paulista da Magistratura nos Cursos de
Pós-Graduação em Direito Civil, Processo Civil e Direito Notarial e Registral.
Professor de Registros Públicos do Complexo Educacional Damásio de
Jesus – Cursos Preparatórios para carreiras jurídicas. Coordenador do Curso
Preparatório para Cartório do CPJUR. Coordenador dos Cursos de atualização
e aperfeiçoamento da Uniregistral. Coordenador da Revistas Jurídicas ARISP
JUS e Registrando o Direito. Autor de diversas obras jurídicas.

Apelação:
1019279-69.2017.8.26.0224
Registro:
2018.0000798028
Decisão Administrativa - 01 Apelação:
1019279-69.2017.8.26.0224
Apelante:
Lucia Marques Cosenza
Apelado: Primeiro Oficial
de Registro de Imóveis da
Comarca de Guarulhos
Voto: 37.571
ACÓRDÃO Relator:
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº
Pinheiro Franco
1019279-69.2017.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é
apelante LUCIA MARQUES COSENZA, é apelado PRIMEIRO OFI-
Corregedor Geral Da Justiça
CIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribu-
nal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram
provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Re-
lator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembarga-
dores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE
DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREI-
TO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DI-
REITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de outubro de 2018.

PINHEIRO FRANCO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Assinatura Eletrônica

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REGISTRO DE FORMAL DE da 4ª Vara da Família e Sucessões Embora casado pelo regime da
PARTILHA – Autor da herança da Comarca de Guarulhos) a mea- comunhão universal de bens com
casado pelo regime da comu- ção de que seu marido era titular Lúcia Marques Cosenza (fls. 40 e
nhão universal de bens – Sepa- no imóvel objeto da matrícula nº 42), foi levado ao arrolamento dos
ração de fato – Necessidade de 25.233 do 1º Registro de Imóveis bens somente a meação de Vicen-
se inventariar a totalidade do de Guarulhos. Disse que Vicenzo zo Conseza no imóvel, sob o fun-
bem havido em comunhão no Cosenza faleceu em 05 de julho de damento de que o autor da heran-
casamento – Universalidade de 2002 e foi substituído na ação de ça e a viúva eram separados de
direitos que se extrema somen- execução de alimentos pelo seu fato e de que essa meação foi ante-
te com a partilha. espólio. Esclareceu que somente riormente adjudicada pela viúva
REGISTRO DE FORMAL DE depois dessa adjudicação foi ajui- em ação de execução de alimentos
PARTILHA – Alegação de que a zado o arrolamento dos bens dei- que moveu contra seu ex- marido
meação do autor da herança no xados pelo falecimento de Vicenzo (fls. 124/136 e 224).
imóvel foi adjudicada pela viúva Conseza, ficando o processo sem Em decorrência, constou nas
para a satisfação de crédito de movimentação pela discordância primeiras declarações da ação
alimentos – Carta de adjudica- dos herdeiros em reconhecer o dé- de arrolamento de bens que em
ção, extraída da ação de execu- bito de alimentos. Informou que razão do crédito de alimentos a
ção, que não foi levada à registro. foram opostos embargos à exe- meação do autor da herança no
REGISTRO DE FORMAL DE cução e que houve averbação da imóvel seria novamente adjudica-
PARTILHA – Adjudicação da penhora nela promovida. Porém, da à viúva (fls. 136).
metade ideal do imóvel inventa- como não houve o pagamento da As certidões da matrícula nº
riado em favor da viúva porque dívida, acabou por adjudicar o 25.233 juntadas aos autos mos-
destinado à quitação de débito imóvel na ação de execução, com tram que foram averbados o óbito
de alimentos – Decisão judicial lavratura do auto de adjudicação de Vitório Cosenza e a penhora da
que afastou a incidência do IT- em 31 de maio de 2012 e expedi- metade ideal do Espólio no imó-
CMD porque o imóvel partilha- ção da respectiva carta para regis- vel que foi promovida pela viúva
do não se transmitiu aos herdei- tro. Desse modo, a adjudicação do na ação de execução de alimentos
ros, mas diretamente à credora imóvel também na ação de arro- (fls. 138/140 e 442/444).
do autor da herança – Fato que lamento de bens não caracterizou No que tange à ação de arrola-
não impede a partilha da totali- dação em pagamento, o que afasta mento, deve ser considerado que
dade do imóvel, para extremar a incidência do ITCMD e do ITBI. o regime de bens do casamento
a meação da viúva, e não isenta Asseverou que esses fatos não fo- ensejou comunhão de direitos en-
da prova do pagamento do im- ram considerados na r. sentença e tre a falecida e o viúvo quanto ao
posto que corresponder ao ato na decisão prolatada nos embar- imóvel arrolado.
jurídico que se alegou ocorrido gos de declaração, com o que não Havendo universalidade de di-
– Dúvida julgada procedente – se proporcionou a efetividade que reitos em relação à integralidade
Recurso não provido. se espera do processo. Requereu a do único bem a ser partilhado,
Trata-se de apelação interposta reforma da r. sentença para que era necessário inventariar a tota-
por Lúcia Marques Cosenza contra seja promovido o registro do títu- lidade do bem e proceder sua par-
r. sentença que julgou procedente lo (fls. 551/567). tilha, pois, antes desta, o direito
a dúvida e manteve a recusa do A douta Procuradoria Geral dos titulares da universalidade é
registro da carta de adjudicação de Justiça opinou pelo não provi- sobre a totalidade do patrimônio.
extraída do arrolamento dos bens mento do recurso (fls. 585/586). Cabe mencionar, sobre o tema,
deixados pelo falecimento de Vi- precedente deste Col. Conselho
cenzo Cosenza porque não foi ar- É o relatório. Superior da Magistratura consis-
rolada a totalidade do imóvel de Foi apresentada para regis- tente na Apelação Cível n.º 764-
propriedade comum do autor da tro, na matrícula nº 25.233 do 6/8, de 30 de outubro de 2007, de
herança e da viúva que eram ca- 1º Registro de Imóveis da Co- que foi relator o Exmo. Sr. Des.
sados pelo regime da comunhão marca de Guarulhos, carta de Gilberto Passos de Freitas, então
universal de bens e porque não adjudicação extraída da ação Corregedor Geral da Justiça:
houve o pagamento do imposto de arrolamento dos bens deixa- Não se discute que meação de côn-
devido pela transmissão do bem. dos pelo falecimento de Vicen- juge não se enquadra no conceito le-
A apelante sustentou, em suma, zo Cosenza, processado sob nº gal de herança (e, por isso, não haven-
que era separada de fato e que an- 0016316.14.2003.8.26.0224 da 1ª do transmissão, seu valor não deve
tes da abertura da sucessão adju- Vara da Família e das Sucessões ser considerado na base de cálculo
dicou, em ação de execução de ali- da Comarca de Guarulhos (f ls. de tributo); mas isso não significa
mentos (Processo nº 003083/2005 14/320). que deva ser desprezada na partilha.

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 23


decisões administrativas
Ao contrário, justamente porque te procedimento de dúvida somen-
a situação é de massa indivisa, que te é possível analisar as razões
abrange a comunhão decorrente apresentadas pelo Oficial para a
do casamento e a herança gerada recusa do registro desse título.
pela sucessão “mortis causa”, que E o registro da carta de adju-
se extrema apenas com a partilha, dicação extraído da ação de ar-
não há como deixar de incluir a rolamento de bens não se mostra
integridade do bem, e não apenas possível porque não foi levada à
sua metade ideal, na partilha, que partilha a totalidade do imóvel,
deve prever não só o pagamento do de modo a permitir a extinção da
quinhão da herdeira, mas também meação com a atribuíção à côn-
a atribuição da parte que couber à juge sobrevivente e aos herdei-
viúva-meeira. ros (ou à credora) dos quinhões
Diversos são, aliás, os prece- que lhe corresponderão no bem
dentes do Conselho Superior da anteriormente comum, e porque
Magistratura neste sentido, deles não houve prova do pagamento
destacando-se não só a verdade do respectivo imposto de trans-
de que “a comunhão decorrente do missão.
casamento é pro indiviso’” (CSM, A única ressalva cabível, neste
Ap. Civ. nº 404-6/6, rel. JOSÉ caso concreto, é que na partilha
MÁRIO ANTONIO CARDINALE) foi reconhecida a existência de
- e, por isso, a meação da cônjuge débito do autor da herança e foi a
sobrevivente “só se extremará com sua meação no imóvel atribuído
a partilha” (CSM, Ap. Civ nºs 404- diretamente à credora para paga-
6/6, rel. JOSÉ MÁRIO ANTONIO mento do valor devido, o que equi-
CARDINALE e 17.289-0/7, rel. JOSÉ valeu, em outros termos, à reali-
ALBERTO WEISS DE ANDRADE) -, zação de pagamento para credor
mas também a conseqüência lógica habilitado no processo.
de que, até a partilha integral, “per- Em razão disso, pela adjudica-
manece a indivisão” (CSM, Ap.Civ. ção do quinhão do imóvel equi-
nº 15.305, rel. DÍNIO DE SANTIS valente à meação do autor da he-
GARCIA). rança, feita em favor da credora,
Logo, com Afrânio de Carva- deverá ser comprovada a decla-
lho, se pode repetir a pertinente e ração e pagamento do imposto de
apropriada lição de que a “par- transmissão “inter vivos”, ou a
tilha abrange todo o patrimônio sua isenção conforme for previsto
do morto e todos os interessados, na legislação municipal.
desdobrando-se em duas partes, a Ainda neste caso concreto, em
societária e a sucessória, embora relação ao ITCMD prevalecerá a
o seu sentido se restrinja por vezes r. decisão prolatada pelo Juízo da
à segunda” (AFRÂNIO DE CARVA- ação de inventário de bens, da
LHO. Registro de Imóveis. Ed. Fo- qual foi determinada ciência à
rense: 3ª edição, 1982, pág. 281). Fazenda do Estado e que consti-
Apesar da existência do débito tui peça do processo que instruiu
ao final reconhecido pelo espólio a carta de adjudicação (fls. 308),
e que ensejou a nova adjudicação, por se cuidar de ato jurisdicional
em favor da credora, da meação cujo mérito não é possível reapre-
do autor da herança no imóvel, a ciar no presente procedimento
adjudicação do bem em ação de que, por seu lado, tem natureza
execução de alimentos e a adju- administrativa (art. 204 da Lei nº
dicação em arrolamento de bens 6.015/73).
são atos jurídicos distintos, repre- Ante o exposto, nego provimen-
sentados por diferentes títulos de to ao recurso e mantenho a recusa
transmissão do domínio. do registro do título.
Diante disso, sendo prenotada PINHEIRO FRANCO
a carta de adjudicação extraída da Corregedor Geral da
ação de arrolamento de bens, nes- Justiça e Relator

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Processo Digital:
1001452-71.2018.8.26.0495
Decisão Administrativa - 02 Classe:
Assunto Retificação Ou
Suprimento Ou Restauração de
Registro Civil - Registro de
Nascimento de Filho de
Brasileiro Nascido no Exterior
Requerente: Guillermo
Gonçalves Fernandes
Tipo Completo da Parte

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luiz Enquanto o prenome se destina


Gustavo Esteves FUNDAMENTO E DECIDO. a identificar o individuo perante
Vistos. o corpo social, o nome de família,
Guillermo Gonçalves Fernan- O processo comporta julgamen- conforme já mencionado, pertence
des, menor impúbere, devidamen- to antecipado da lide, não necessi- e identifica sua ancestralidade, de
te representado por seus genitores, tando de dilação probatória para modo que tem-se por imutável, em
propõe ação com pedido de retifica- o deslinde da causa, com alicerce princípio, o patronímico familiar.
ção do seu assento de nascimento, no artigo 355, inciso I do Código de No caso dos autos, o nascimen-
objetivando suprimir o patroní- Processo Civil, conquanto a ampla to ocorreu e foi registrado perante
mico “Gonçalves Fernandes” para prova documental carreada aos au- autoridade estrangeira e apenas
incluir o patronímico “Bortollosso tos é suficiente para dirimir a con- transcrito no Brasil. Ora, tratando-
de Carvalho” dos seus genitores. trovérsia e formar o convencimen- -se de nascimento estrangeiro, for-
Aduz que seu nascimento ocorreu to judicial que, diga-se, não seria çoso convir que incide a legislação
na cidade de Blanes, na Espanha; alterado pela produção de outras do país em que foi contraído, signi-
transcrito no RCPN do 1º Subdistri- provas. ficando que este Juízo não detém
to da Sé, nesta Capital. Afirma que, Trata-se de ação de retificação jurisdição sobre registro civil es-
por força da legislação espanhol, de registro civil, em que a parte au- trangeiro e que a retificação alme-
foi impossibilitada de incluir os so- tora pretende incluir o sobrenome jada deverá ser pleiteada em ação
brenomes dos seus genitores como dos genitores. própria naquele país.
pretendida nessa demanda. Na mesma linha, não há como
Com a inicial foram juntados os O pedido é improcedente. retificar a transcrição do nasci-
documentos das fls. 07/20. Emenda mento lavrado pelo RCPN do 1º
à inicial a fls. 32/37. O nome é composto pelo pre- Subdistrito, Sé, sem que antes seja
O Ministério Público ofertou pa- nome e pelos apelidos de família. retificado o registro civil estrangei-
recer, opinando pelo indeferimen- Mais do que um elemento destina- ro que lhe deu causa, pois a trans-
to do pedido (fls. 48/50 e 64). do a distinguir o indivíduo, o nome crição do nascimento no Brasil só
tem a função de indicar sua origem existe em razão do prévio registro
Manifestação da parte autora a familiar, integrando os elementos civil do nascimento no exterior,
fls. 51/58. É o relatório. de sua personalidade. sendo, portanto, um espelho deste.

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 25


Neste sentido:

MUDANÇA DE REGISTRO DE CASAMENTO CONTRAÍDO NO EXTERIOR-


TRANSCRIÇÃO DO REGISTRO - EFICÁCIA NO PAÍS - JUSTIÇA BRASILEIRA
- INCOMPETÊNCIA- MODIFICAÇÃO DO NOME DA GENITORA/AVÓ- DIVÓR-
CIO- IMPOSSIBILIDADE- SENTENÇA MANTIDA.
1)- O TRASLADO DE ASSENTO DE CASAMENTO DE BRASILEIROS, CON-
TRAÍDOS NO EXTERIOR, NO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL NACIONAL
COMPETENTE DESTINA-SE A DAR-LHE EFICÁCIA NO BRASIL, COMO QUER
O § 1º , DO ARTIGO 32 , DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS
2)- INVIÁVEL A ALTERAÇÃO DE DADOS NÃO EXISTENTES NO ATO ORI-
GINÁRIO, POIS NÃO COMPETE À JUSTIÇA BRASILEIRA RETIFICAR REGIS-
TROS PROVENIENTES DE OUTROS PAÍSES.
3)- A ALTERAÇÃO DO NOME DA GENITORA/AVÓ PELA CONTRAÇÃO
DE NOVAS NÚPCIAS NÃO AUTORIZA A ALTERAÇÃO NOS REGISTROS DE
CASAMENTO DA FILHA E DE NASCIMENTO DO NETO PARA QUE PASSE A
CONSTAR O NOME DE SEU PRIMEIRO CASAMENTO.
4)- OS ASSENTAMENTOS CIVIS TÊM QUE ESPELHAR A REALIDADE, A
VERDADE DOS FATOS NO INSTANTE EMQUE ELES SE DERAM, E EM NÃO
HAVENDO ERROS MATERIAIS OU CONSTRANGIMENTO DA PARTE QUE

1001452-71.2018.8.26.0495 - lauda 2

REQUER A MEDIDA,OS REGISTROS DEVEM SER MANTIDOS, PORQUE


ESTE O COMANDO CONTIDO NOS ARTIGOS 109 E 110 , DA LEI 6.015/73.
5)- RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.”
(TJDF; Apelação: 0185514-97.2009.807.6015; Relator: Luciano Moreira Vas-
concellos;Órgão Julgador: 5ª Turma Cível; Data de Julgamento:12/04/2012;
Data de Publicação: 20/04/2012).

Posto isso, julgo IMPROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos


termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Custas à parte autora.
Ciência ao Ministério Público. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.
São Paulo, 10 de outubro de 2018.

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decisões jurisdicionais

DECISÃO JURISDICIONAL 01
28
DECISÃO JURISDICIONAL 02
29
DECISÃO JURISDICIONAL 03
31
Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 27
decisões jurisdicionais
Processo
REsp 1596124 / SP RECURSO
Decisão Jurisdicional - 01 ESPECIAL 2016/0088822-7

Relator(a)
Ministro OG FERNANDES
(1139)

Ementa Órgão Julgador


ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. T2 - SEGUNDA TURMA
PENSÃO POR MORTE. PESSOA DESIGNADA. MENOR SOB DE-
PENDÊNCIA ECONÔMICA. ART. 5º DA LEI N. 9.717/1998. REVO-
Data do Julgamento
GAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
06/09/2018
1. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, es-
tabelecido pela Corte Especial no julgamento do MS 20.589/DF, “o Data da Publicação/Fonte
menor que esteja sob a guarda judicial de servidor público no DJe 17/09/2018
momento de seu falecimento e dele dependa economicamente tem
direito à pensão temporária de que trata o art. 217, II, b, da Lei
8.112/90”.
2. A Primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do Re-
curso Especial repetitivo n. 1.411.258/RS, examinando situação
pertinente ao Regime Geral de Previdência Social, reconheceu a
existência do direito na mesma situação.
3. Na hipótese dos autos, o fundamento para o reconhecimento do
direito foi o disposto na redação original do art. 217, II, d, da Referência Legislativa
Lei n. 8.112/1990, já que a ação com o pedido de guarda não foi LEG:FED LEI:009717 ANO:1998
julgada antes do falecimento da tia. ART:00005
4. Também na espécie impõe-se a concessão do benefício, vis-
to que a “pessoa designada” é sobrinho que, comprovadamente, LEG:FED LEI:008112 ANO:1990
dependia economicamente da servidora pública falecida e cuja ***** RJU-90 REGIME JURÍDICO
guarda, apesar de não decidida judicialmente, foi requerida no DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS
modo próprio. DA UNIÃO
5. Reconhecida, pela instância ordinária, a posse de fato que justi- ART:00217 INC:00002 LET:B LET:D
ficaria a concessão da guarda (art. 33, § 1º, do Estatuto da Criança
e do Adolescente), incabível restringir-se o direito do menor com LEG:FED LEI:008069 ANO:1990
base em mera formalidade. ***** ECA-90 ESTATUTO DA
6. Recurso especial a que se nega provimento. CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
ART:00033 PAR:00001
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as Veja
acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do (PENSÃO POR MORTE - MENOR
Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provi- SOB GUARDA JUDICIAL - PRINCÍ-
mento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. PIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL A
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Maga- CRIANÇAS E ADOLESCENTES)
lhães, Francisco Falcão (Presidente) e Herman Benjamin vo- STJ - MS 20589-DF, REsp 1646326-
taram com o Sr. Ministro Relator. SP, REsp 1523308-RN
(PENSÃO POR MORTE - REGIME
Informações Adicionais GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL -
Não ocorreu a revogação tácita do art. 217, II, “b” e “d”, da Lei DEPENDÊNCIA ECONÔMICA)
8.112/1990 a partir da edição do art. 5º da Lei 9.717/1998. Isso STJ - REsp 1411258-RS (RECURSO
porque se impõe que o art. 5º da Lei 9.717/1998 seja interpreta- REPETITIVO - TEMA(s) 732) (PEN-
do conforme o princípio da proteção da criança e do adolescente, SÃO POR MORTE - MENOR SOB
devendo o menor sob guarda judicial de servidor público ser GUARDA - POSSE DE FATO)
equiparado a filho, ao menos para fins previdenciários. STJ - AgRg no REsp 1362822-PE

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Processo Digital nº:
1001452-71.2018.8.26.0495
Decisão Jurisdicional - 02 Classe - Assunto
Retificação Ou Suprimento Ou
Restauração de Registro Civil
- Registro de Nascimento de
Filho de Brasileiro Nascido no
Exterior
Requerente: Guillermo
Gonçalves Fernandes

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luiz Gustavo Esteves

Vistos.

Guillermo Gonçalves Fernandes, menor impúbere, devida-


mente representado por seus genitores, propõe ação com pedido
de retificação do seu assento de nascimento, objetivando supri-
mir o patronímico “Gonçalves Fernandes” para incluir o patro-
nímico “Bortollosso de Carvalho” dos seus genitores. Aduz que
seu nascimento ocorreu na cidade de Blanes, na Espanha; trans-
crito no RCPN do 1º Subdistrito da Sé, nesta Capital. Afirma que,
por força da legislação espanhol, foi impossibilitada de incluir os
sobrenomes dos seus genitores como pretendida nessa demanda.
Com a inicial foram juntados os documentos das fls. 07/20.
Emenda à inicial a fls. 32/37.
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo indeferi-
mento do pedido (fls.48/50 e 64).
Manifestação da parte autora a fls. 51/58. É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.
O processo comporta julgamento antecipado da lide, não ne-
cessitando de dilação probatória para o deslinde da causa, com
alicerce no artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil, con-
quanto a ampla prova documental carreada aos autos é suficiente
para dirimir a controvérsia e formar o convencimento judicial
que, diga-se, não seria alterado pela produção de outras provas.
Trata-se de ação de retificação de registro civil, em que a parte
autora pretende incluir o sobrenome dos genitores.
O pedido é improcedente.

O nome é composto pelo prenome e pelos apelidos de família.


Mais do que um elemento destinado a distinguir o indivíduo, o
nome tem a função de indicar sua origem familiar, integrando os
elementos de sua personalidade.
Enquanto o prenome se destina a identificar o individuo pe-
rante o corpo social, o nome de família, conforme já mencionado,
pertence e identifica sua ancestralidade, de modo que tem-se por
imutável, em princípio, o patronímico familiar.
No caso dos autos, o nascimento ocorreu e foi registrado pe-
rante autoridade estrangeira e apenas transcrito no Brasil. Ora,
tratando-se de nascimento estrangeiro, forçoso convir que incide
a legislação do país em que foi contraído, significando que este

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 29


Juízo não detém jurisdição sobre registro civil estrangeiro e que a retifi-
cação almejada deverá ser pleiteada em ação própria naquele país.
Na mesma linha, não há como retificar a transcrição do nascimento
lavrado pelo RCPN do 1º Subdistrito, Sé, sem que antes seja retificado o
registro civil estrangeiro que lhe deu causa, pois a transcrição do nasci-
mento no Brasil só existe em razão do prévio registro civil do nascimen-
to no exterior, sendo, portanto, um espelho deste.
Neste sentido:

MUDANÇA DE REGISTRO DE CASAMENTO CONTRAÍDO NO EXTERIOR-


TRANSCRIÇÃO DO REGISTRO - EFICÁCIA NO PAÍS - JUSTIÇA BRASILEI-
RA - INCOMPETÊNCIA- MODIFICAÇÃO DO NOME DA GENITORA/AVÓ-
DIVÓRCIO- IMPOSSIBILIDADE- SENTENÇA MANTIDA.
1) - O TRASLADO DE ASSENTO DE CASAMENTO DE BRASILEIROS, CON-
TRAÍDOS NO EXTERIOR, NO CARTÓRIO DE REGISTRO CIVIL NACIONAL
COMPETENTE DESTINA-SE A DAR-LHE EFICÁCIA NO BRASIL, COMO
QUER O § 1º , DO ARTIGO 32 , DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS
2) - INVIÁVEL A ALTERAÇÃO DE DADOS NÃO EXISTENTES NO ATO ORI-
GINÁRIO, POIS NÃO COMPETE À JUSTIÇA BRASILEIRA RETIFICAR RE-
GISTROS PROVENIENTES DE OUTROS PAÍSES.
3) - A ALTERAÇÃO DO NOME DA GENITORA/AVÓ PELA CONTRAÇÃO DE
NOVAS NÚPCIAS NÃO AUTORIZA A ALTERAÇÃO NOS REGISTROS DE CA-
SAMENTO DA FILHA E DE NASCIMENTO DO NETO PARA QUE PASSE A
CONSTAR O NOME DE SEU PRIMEIRO CASAMENTO.
4) - OS ASSENTAMENTOS CIVIS TÊM QUE ESPELHAR A REALIDADE, A
VERDADE DOS FATOS NO INSTANTE EMQUE ELES SE DERAM, E EM NÃO
HAVENDO ERROS MATERIAIS OU CONSTRANGIMENTO DA PARTE QUE

1001452-71.2018.8.26.0495 - lauda 2

REQUER A MEDIDA,OS REGISTROS DEVEM SER MANTIDOS, PORQUE


ESTE O COMANDO CONTIDO NOS ARTIGOS 109 E 110 , DA LEI 6.015/73.
5) - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.”
(TJDF; Apelação: 0185514-97.2009.807.6015; Relator: Luciano Morei-
ra Vasconcellos;Órgão Julgador: 5ª Turma Cível; Data de Julgamen-
to:12/04/2012; Data de Publicação: 20/04/2012).

Posto isso, julgo IMPROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos


termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Custas à parte autora.
Ciência ao Ministério Público. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.
São Paulo, 10 de outubro de 2018.

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Processo
REsp 1654060 / RJ RECURSO
ESPECIAL 2013/0364201-8
Relator(a)
Ministra NANCY ANDRIGHI
(1118)
Decisão Jurisdicional - 03
Órgão Julgador
T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento
02/10/2018
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO. OMISSÃO
Data da Publicação/Fonte
E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. DIREITO REAL DE HABI-
TAÇÃO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. APLICAÇÃO DOS DJe 04/10/2018
MESMOS DIREITOS E DOS MESMOS DEVERES ATRIBUÍDOS AO
CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE
LOCAÇÃO OU COMODATO DO IMÓVEL OBJETO DO DIREITO DE
USO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTATAÇÃO, ADEMAIS, DE QUE A
TITULAR DO DIREITO NÃO RESIDE NO LOCAL. ANALOGIA
ENTRE O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E O BEM DE FAMÍLIA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DIS-
SÍDIO JURISPRUDENCIAL. PREMISSAS FÁTICAS DISTINTAS.

1. Ação distribuída em 28/04/2006. Recurso especial interposto


em 29/05/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.
2. O propósito recursal consiste em definir, para além da ale-
gada negativa de prestação jurisdicional, se é admissível que o
companheiro sobrevivente e titular do direito real de habita-
ção celebre contrato de comodato com terceiro.
3. Não há violação ao art. 535, I e II, do CPC/73, quando se
verifica que o acórdão recorrido se pronunciou precisamente Acórdão
sobre as questões suscitadas pela parte. Vistos, relatados e discutidos es-
4. A interpretação sistemática do art. 7º, parágrafo único, tes autos, acordam os Ministros
da Lei nº 9.278/96, em sintonia com as regras do CC/1916 que da Terceira Turma do Superior
regem a concessão do direito real de habitação, conduzem à Tribunal de Justiça, na conformi-
conclusão de que ao companheiro sobrevivente é igualmente dade dos votos e das notas taqui-
vedada a celebração de contrato de locação ou de comodato, gráficas constantes dos autos, por
não havendo justificativa teórica para, nesse particular, esta- unanimidade, conhecer em parte
belecer-se distinção em relação à disciplina do direito real de do recurso especial e, nesta parte,
habitação a que faz jus o cônjuge sobrevivente, especialmente negar-lhe provimento, nos termos
quando o acórdão recorrido, soberano no exame dos fatos, con- do voto da Sra. Ministra Relatora.
cluiu inexistir prova de que a titular do direito ainda reside Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
no imóvel que serviu de moradia com o companheiro falecido. Sanseverino, Ricardo Villas Bôas
5. Não se admite o recurso especial quando a questão que se Cueva, Marco Aurélio Bellizze e
pretende ver examinada - analogia do direito real de habitação Moura Ribeiro votaram com a Sra.
em relação ao bem de família - não foi suscitada e decidida Ministra Relatora.
pelo acórdão recorrido, nem tampouco foi suscitada em em- Referência Legislativa
bargos de declaração. Súmula 211/STJ. LEG:FED LEI:009278 ANO:1996
6. A dessemelhança fática entre os paradigmas e o acórdão ART:00007 PAR:ÚNICO
recorrido impedem o conhecimento do recurso especial pela
divergência jurisprudencial. LEG:FED LEI:003071 ANO:1916
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, ***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916
desprovido. ART:00746 ART:01611 PAR:00002

Ano 02 – Edição 06 – setembro/outubro de 2018 31

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