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de Moçambique1
Tomás Timbane2
Arbitragem do ICC.
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I. Em 2016, no último discurso como Bastonário,
usando as palavras de um advogado português3, disse que a
advocacia era a voz serena da liberdade4. Referi ainda que
um bastonário nunca se aposenta, mas deixa apenas de
correr na pista principal e fica à espera que outros
continuem a correr pelas mesmas razões que o levaram a
correr. Por isso aqui estou, aceitando o chamado do
Bastonário Flávio Menete, para, nesta pista secundária,
abordar os desafios da Ordem dos Advogados, que é a voz
serena da liberdade, porque só em liberdade um país logra
os objectivos contidos no seu contrato social. Esta minha
reflexão é também uma comemoração dos 25 anos desta
organização, que é das mais democráticas do nosso país e
que, em 1999, pela mão do Bastonário Carlos Alberto Cauio
- a quem presto a minha homenagem - tão bem me
recebeu.
No dia em que proferi estas declarações, o Dr. Rui
Baltazar5, num dos textos mais conseguidos que alguma vez
se escreveram sobre o papel da advocacia em Moçambique,
alertou, aos advogados e a Ordem, para os difíceis desafios e
perigos que terão pela frente e para lhes encorajar a
enfrentá-los com coragem e determinação. Na sua
exposição, o Dr. Rui Baltazar referiu que o poder político, de
uma maneira geral, não convive bem com a actividade dos
advogados, e isto é tanto mais evidente quanto mais
autoritário, menos democrático, e mais medíocre for esse
poder. Referiu, ainda, que as resistências ou obstáculos às
actividades dos advogados agudizam-se quando eles melhor
estiverem a cumprir o seu papel de controle da legalidade,
de combate aos abusos de poder, a violência sobre os
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VI. Na verdade, a Ordem deveria não só valorizar,
como estar na linha da frente da especialização, o que vai
contribuir para a prestação de melhores serviços, a exemplo
do que acontece nas outras profissões como engenharia,
medicina, informática, etc. Sobre a qualidade da justiça,
basta ver a ausência de especialização que, tal como na
advocacia, existe na magistratura: sem qualquer
experiência, um advogado está na área criminal, para no dia
seguinte estar na área comercial ou laboral; um juiz sai de
uma secção criminal para, no dia seguinte, sem qualquer
formação, ir a uma secção cível ou laboral. Se juntarmos a
isso a pouca experiência de trabalho, a pouca formação
intelectual de base e a ausência de condições de trabalho, o
resultado só pode ser esta justiça que temos, que não é
capaz de responder às especificidades e aos desafios que a
vida cada vez nos trás.
Se há alguns anos a grande preocupação dos
advogados era a procuradoria ilícita praticada por
estrangeiros - que hoje já está até oficializada pelo Governo
e pelas grandes empresas públicas nacionais -, actualmente
a jovem advocacia se debate com a pequena procuradoria
ilícita – constituída por imobiliárias, empresas de
contabilidade, técnicos e assistentes do IPAJ - que, tal como
disse Abdul Nurdin, mais do que roubar clientes, prejudica
o cidadão. Trata-se, aliás, de uma função que pode e deve
ser exercida pela Ordem dos Advogados, até porque esta
não só foi criada porque o legislador entendeu que o então
INAJ tinha cumprido o seu papel7, como também porque
nas suas funções, a Ordem tem a responsabilidade do
patrocínio judiciário às pessoas economicamente
carenciadas8. Aliás, no caso dos técnicos e assistentes do
IPAJ – que me recuso a chamá-los de Defensores Públicos,
uma vez que não só essa designação é ilegal como
escamoteia o exercício ilegal da profissão em prejuízo de
7 V Preâmbulo da Lei n.º 7/94, de 14 de Setembro, que cria a Ordem dos
Advogados de Moçambique e aprova o respectivo Estatuto.
8 V. art. 4, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique,