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O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório

The electronic system of public records and the law of evidence

Francisco Silveira de Aguiar Neto


US

Doutorando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em
Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Graduado lato sensu em
Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela
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Universidade de Fortaleza. Procurador do Estado de Rondônia.


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http://lattes.cnpq.br/2653963824154796
faguiar@hotmail.com
CL
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Áreas do Direito: Civil, Imobiliário e Registral


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Resumo: O presente trabalho tem como propó- Abstract: The present work aims to study spe-
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sito estudar alterações pontuais realizadas pela cific changes made by Law 14,382/2022 and its
Lei 14.382/2022 e sua aplicação frente às pe- application in the face of the peculiarities of the
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culiaridades da instrução probatória de acordo evidentiary instruction according to CPC/2015,


com o CPC/2015, buscando analisá-las à luz da seeking to analyze it in the light of legislation,
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legislação, da jurisprudência e da doutrina, além jurisprudence and doctrine, in addition to deal-


de tratar de algumas controvérsias e particulari- ing with some controversies and particularities
dades sobre o assunto. on the subject.
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Palavras-Chaves: Direito probatório – Direito re- Keywords: Evidence law – Registry and notary
gistrário e notarial – Sistema eletrônico – Igual- law – Electronic system – Equality.
dade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Da função dos ofícios de notas e registro. 2.1. Dos oficiais de
registro e de nota. 2.2. Do princípio da segurança jurídica. 3. Das provas e do direito regis-
trário. 3.1. Das presunções legais. 3.2. Das provas e do direito notarial e registrário. 4. Do
sistema eletrônico de registros públicos. 4.1. Princípio da igualdade, processo civil e produ-
ção de provas. 5. Conclusão. 6. Bibliografia. Legislação. Jurisprudência.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
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1. Introdução
Este artigo busca realizar breves acenos às novidades trazidas pela Lei do Serviço Ele-
trônico de Registros Públicos (Lei 14.382/2022), antes MPV 1.085/2021, do ponto de
vista do direito probatório. A referida norma busca alterar fundamentalmente a forma
como se regula as serventias de registro e notas, criando um ambiente eletrônico de co-
municação entre estas, instituições privadas e os cidadãos.
Apesar da clara vantagem de se ter facilidade de acesso a tais serviços, deve-se ter em
mente a importância desses ofícios para a produção de documentos relevantes para a vi-
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da civil e para o direito probatório como um todo. Qualquer alteração no funcionamento


de um serviço público dotado de fé pública deve ter em consideração as consequências
para o processo civil como um todo.
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Portanto, propõe-se a análise de alguns dispositivos pontuais da nova norma, sob a


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ótica do direito probatório, e dos princípios que regem o processo civil.


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2. Da função dos ofícios de notas e registro


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De proêmio, é necessário tratar sobre a função dos cartórios no ordenamento jurídico


pátrio, em especial no que se refere à criação de provas que podem ser utilizadas na sis-
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temática do processo civil ou mesmo na relação entre particulares. Para tanto, parte-se
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da constatação de que o principal norte de tabeliães e registradores é a garantia da segu-


rança jurídica.
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A atividades dos cartórios no Brasil pode atender várias utilidades, não sendo menor
entre elas a manutenção de um registro importantíssimo da vida civil e patrimonial das
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pessoas. Além disso, a atividade é desenvolvida por profissionais que, por gozarem de
fé pública, estão capacitados a certificar o nascimento de uma pessoa, a aquisição de um
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imóvel, a dissolução de um casamento etc. Todos atos de extrema relevância para o de-
senvolvimento da vida civil.
Desse modo, importante para a análise do presente trabalho detalhes quanto às qua-
lificações dos delegatários de registro e nota, ao trabalho desenvolvido e ao princípio da
segurança jurídica.

2.1. Dos oficiais de registro e de nota

O art. 236 da CRFB/1988 estabelece claramente que os “serviços notariais e de re-


gistro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Ou seja,
apesar do exercício privado, trata-se de atividade pública, atividade de Estado, como

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já reconheceu o STF.1 No âmbito do RE 842.846,2 o STF reconheceu expressamente


que os delegatários de cartórios são agentes públicos, mesmo que exerçam seu ofício
de forma privada.2

1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.415/SP, Pleno, rel.
Min. Ayres Britto, j. 22.09.2011, DJe 08.02.2012.
2. EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO
GERAL. DANO MATERIAL. ATOS E OMISSÕES DANOSAS DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES.
TEMA 777. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO E DO
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ESTADO EM DECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR TABELIÃES E OFI-


CIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS.
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ART. 236, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO


ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO
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DE SUAS FUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE RE-


GRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA. POSSIBILIDADE.
1. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder
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Público. Tabeliães e registradores oficiais são particulares em colaboração com o poder público que
exercem suas atividades in nomine do Estado, com lastro em delegação prescrita expressamente no
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tecido constitucional (art. 236, CRFB/88). 2. Os tabeliães e registradores oficiais exercem função
munida de fé pública, que destina-se a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia
às declarações de vontade. 3. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso
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público e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, consoante ex-
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pressa determinação constitucional (art. 236, CRFB/88). Por exercerem um feixe de competências
estatais, os titulares de serventias extrajudiciais qualificam-se como agentes públicos. 4. O Estado
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responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas
funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos
de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Precedentes: RE 209.354 AgR, Rel.
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Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJe de 16/4/1999; RE 518.894 AgR, Rel. Min. Ayres Britto,
Segunda Turma, DJe de 22/9/2011; RE 551.156 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe
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de 10/3/2009; AI 846.317 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 28/11/13 e RE
788.009 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, DJe 13/10/2014.
5. Os serviços notariais e de registro, mercê de exercidos em caráter privado, por delegação do
Poder Público (art. 236, CF/88), não se submetem à disciplina que rege as pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviços públicos. É que esta alternativa interpretativa, além de
inobservar a sistemática da aplicabilidade das normas constitucionais, contraria a literalidade
do texto da Carta da República, conforme a dicção do art. 37, § 6º, que se refere a “pessoas jurí-
dicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente
enquanto pessoas naturais delegatárias de serviço público, consoante disposto no art. 22 da Lei
nº 8.935/94. 6. A própria constituição determina que “lei regulará as atividades, disciplinará
a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e
definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário” (art. 236, CRFB/88), não competindo a
esta Corte realizar uma interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico
da responsabilidade civil de notários e registradores oficiais ao das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6º, CRFB/88). 7. A responsabilização objetiva
depende de expressa previsão normativa e não admite interpretação extensiva ou ampliativa,
posto regra excepcional, impassível de presunção. 8. A Lei 8.935/94 regulamenta o art. 236 da
Constituição Federal e fixa o estatuto dos serviços notariais e de registro, predicando no seu

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Trata-se de uma delegação de função pública, função essa do Poder Executivo, uma
vez que não cabe ao Poder Judiciário ou Legislativo o registro de atos. Apesar de a Cons-
tituição definir que os Tribunais devem fiscalizar os ofícios, isso não torna do Poder Ju-
diciário a origem da função de registro. Não obstante, atualmente o CNJ atua também de
forma a regular a atividade de notários e registradores, inclusive criando regras procedi-
mentais ou definindo interpretações legais.
Tal fiscalização abarca não apenas o devido funcionamento das serventias, inclusive
quanto ao controle fiscal e trabalhista, mas também no que se refere a intepretação das
normas. Também é possível a instauração do procedimento de dúvida, de acordo com
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o art. 198 da Lei 6.015/1973, para que o juízo competente esclareça qualquer exigência
realizada pelo Oficial de que o interessado discorde.
Dentro da função de fiscalização, cabe aos Tribunais propor Projeto de Lei para defi-
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nir os emolumentos ou a “desacumulação” de serventias.3 Ademais, já se reconheceu a


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constitucionalidade de normas que destinam parte dessas taxas para o financiamento de


funções essenciais à Justiça.4 Ou seja, apesar do caráter privado dessa função, o Estado
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está envolvido em todos os níveis de organização e controle.


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art. 22 que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos
que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou
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escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286,
de 2016)”, o que configura inequívoca responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de
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registro, legalmente assentada. 9. O art. 28 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) contém
comando expresso quanto à responsabilidade subjetiva de oficiais de registro, bem como o art. 38
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da Lei 9.492/97, que fixa a responsabilidade subjetiva dos Tabeliães de Protesto de Títulos por
seus próprios atos e os de seus prepostos. 10. Deveras, a atividade dos registradores de protesto
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é análoga à dos notários e demais registradores, inexistindo discrímen que autorize tratamento
diferenciado para somente uma determinada atividade da classe notarial. 11. Repercussão geral
constitucional que assenta a tese objetiva de que: o Estado responde, objetivamente, pelos atos
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dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros,
assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de
improbidade administrativa. 12. In casu, tratando-se de dano causado por registrador oficial no
exercício de sua função, incide a responsabilidade objetiva do Estado de Santa Catarina, assentado
o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade
administrativa. 13. Recurso extraordinário CONHECIDO e DESPROVIDO para reconhecer que o
Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício
de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável,
nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Tese: “O Estado responde,
objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções,
causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo
ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso
Extraordinário 842.846/SC, Pleno, rel. Min. Luiz Fux, j. 27.02.2019, DJe 12.08.2019.
3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.745/PE, Pleno, rel.
Min. Luís Roberto Barroso, j. 20.09.2019, DJe 30.10.2019.
4. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.704/RJ, Pleno, rel.
Min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 27.04. 2021, DJe 13.08.2021.

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Diversamente de outras delegações de serviços públicos, as quais normalmente são


precedidas de licitações, os oficiais de registro e notas acessam os cargos por meio de con-
curso público, conforme o § 3º do art. 236 da CF. O art. 14 da Lei 8.935/1994 estabelece
os requisitos para o acesso a essas funções, como ser bacharel em direito ou ter dez anos
de experiência junto às serventias notariais ou registrais.
Trata-se de categoria de agentes públicos sui generis dentro do serviço público. Pri-
meiro, tem-se que, conforme expressa disposição constitucional, o serviço é realizado de
forma privada, porém, como já apontado, o acesso à função requer concurso público. Por
não se tratar de servidor público, não se aplica a aposentadoria compulsória por idade,
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conforme o STF reconheceu no âmbito da ADI 2602.


Interessantes as conclusões do Min. Carlos Ayres Britto no âmbito da ADI 2602-5 na
qual afirma que:
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a) as atividades dos cartórios são atividades próprias do Poder Público, são atividades
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jurídicas do Estado cujo exercício é transmitido aos particulares por delegação;


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b) a delegação não se traduz em cláusulas contratuais,


c) sendo regida por leis e atos regulamentares, necessário o devido concurso para a
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pessoa natural se tornar delegatária e não adjudicação por processo licitatório;


d) a fiscalização das atividades é realizada exclusivamente pelo Poder Judiciário e não
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o Executivo que cuida de permissionários e concessionários;


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e) as atividades não são remuneradas por tarifa ou preço público, e sim por emolu-
mentos.
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O ministro segue seu voto apontando que: “Nem por isso, averbo, resta vulnerado o
NA

elemento republicano da temporariedade do exercício de toda função pública. É que a


própria lei federal nº 8.935/94 (batizada de Lei dos Cartórios) arrolou hipóteses extinti-
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vas da delegação”.
Não se aplica a regra da aposentadoria compulsória, mas a norma pode regular a ex-
tinção da delegação por aposentadoria facultativa, diversamente da iniciativa privada,
em que se permite a continuação do exercício do trabalho. Entendimento este também
referendado pelo Superior Tribunal de Justiça.6 Esse tratamento especial aos Oficiais per-
mite a confiança pública em relação aos seus atos, inclusive atraindo a responsabilidade
dos entes públicos, conforme decidido pelo STF no âmbito do acima citado Tema 777 de
Repercussão Geral. Isso, no entanto, não afasta a possibilidade de o ente público propor
ação regressiva contra o Oficial que originou o dano.

5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.602/MG, Pleno, rel.
Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, j. 24.11.2005, DJe 31.03.2006.
6. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança
47.215/SP, 2ª T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.06.2015, DJe 05.08.2015.

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Quanto à responsabilidade, importante apontar que enquanto as tarefas do delegatá-


rio, em sua maioria, são atividades correntes, algumas podem exigir dele atividade cria-
tiva e interpretação de situações jurídicas.7 Logo, os atos podem ser divididos em: ato
próprio do oficial, o qual exige a atividade criativa, e ato da serventia, o ato corrente. No
que se refere a este segundo, defende-se que a responsabilidade do Oficial é objetiva e não
apenas subjetiva como apontou o STF em sua decisão.
Esses breves comentários buscaram unicamente demonstrar que a atividade dos ofí-
cios de registros e notas, popularmente conhecidos como cartórios extrajudiciais, é um
serviço público. Ademais, apesar do exercício ter caráter privado, essa atividade é reali-
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zada por agentes aprovados em concurso público e sob intensa fiscalização e controle do
Poder Judiciário. Sendo serviço público, impõe-se a responsabilidade objetiva dos entes
públicos em decorrência de eventuais prejuízos causados.
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São pontos relevantes para se fazer um panorama com as novas figuras criadas pela
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MPV 1.085/2021, convertida na Lei 14.382/2022. Porém, antes de se ingressar nesse es-
tudo, necessário alguns apontamentos quanto ao princípio da segurança jurídica.
CL

2.2. Do princípio da segurança jurídica


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A relevância das informações tratadas pelos cartórios não se resume apenas às pessoas
diretamente envolvidas, mas também a toda sociedade. É imprescindível para as relações
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interpessoais um mínimo de confiança. Quando alguém se propõe a firmar qualquer ti-


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po de relação jurídica, é essencial que se possa presumir que as declarações realizadas


condizem com a realidade. Isso decorre do caráter da relação jurídica, como expõe Na-
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talino Irti,8 em que num ponto existe alguém com um direito e noutro alguém com uma
obrigação.
NA

Se não há confiança em um dos polos da relação, as pessoas temeriam firmar compro-


missos. Na constituição do matrimônio, é necessário poder confiar que a pessoa não es-
DO

tá em um casamento com outro. Na aquisição de um imóvel, imprescindível saber que o


vendedor é o efetivo proprietário do bem e que o bem já não está constrangido em decor-
rência de alguma dívida. Muitos exemplos podem ser realizados, porém o cerne da ques-
tão é a confiança que se presume para todos os atos. Essa confiança decorre da segurança
jurídica garantida pelas atividades registrais e de notas.
Tratando da coisa julgada material, Nelson Nery Jr.9 aponta que negá-la é atentar
contra a segurança jurídica e o próprio Estado democrático de direito. Isso porque sem

7. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil. 3 ed. São
Paulo: ed. RT, 2022. v. III. p. 516.
8. IRTI, Natalino. Introduzione allo studio del diritto privato. 14. reimp. San Giuliano Milanese:
CEDAM, 2016. p. 49.
9. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 13. ed. São Paulo: ed. RT,
2017. p. 68.

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segurança jurídica, não é possível a convivência em sociedade, não tem utilidade um or-
denamento jurídico, uma vez que os cidadãos não irão confiar nesse sistema. Afinal, se
uma certidão de inteiro teor de imóvel não garantir a propriedade, quantos teriam con-
fiança em comprometer todo seu patrimônio na aquisição de um bem?
Obviamente que cada legislação pode elencar quais atos devem necessariamente ser
realizados por meio de instrumentos dotados de fé pública, o que não impede que os par-
ticulares decidam por utilizar instrumentos públicos dentro de sua liberdade de decisão.
Como aponta a doutrina, independente da nação, a função social dos notários e regis-
tradores é a verificação de fatos, a constituição de relações jurídicas e a criação de provas
US

com eficácia geral.10


Essa é a razão de toda a fiscalização e controle citados acima, afinal, sem eles, por que
os particulares confiariam ou concederiam um grau de confiança maior aos atos de Ofi-
O

ciais de Registro ou Notas? Não haveria motivo, porém é o arcabouço jurídico por trás
EX

de tais atividades, inclusive tendo o ente público como fiador em caso de eventual res-
ponsabilidade, que confere essa confiança. Quanto a esta, junta-se excerto da doutrina:
CL

“Por isso, o aspecto mais importante do princípio da fé pública registral é a confiança


que a estrutura jurídica, pela autoridade do Estado, atribui aos fatos que interessam a
US

terceiros, que lhes permite dar por certo o que está nos registros, ainda que em realidade
não o sejam. A fé pública é a ‘chave’ da estrutura registral.”11 (grifos no original).
IV
O

Muito se vem falando atualmente sobre a superação dos cartórios em decorrência da


evolução de tecnologias como blockchain. Não obstante o importante avanço de tais fer-
SE

ramentas, as quais certamente possuem grande utilidade e terão ainda maior no futuro,
dois pontos devem ser levantados: o acesso a essas ferramentas e o seu arcabouço jurí-
NA

dico.
O primeiro ponto será mais bem tratado ao norte deste trabalho, sendo relevante no
DO

momento apontar que o acesso a soluções eletrônicas não é igualitário nesta nação, não
se podendo presumir que todas as pessoas têm ao menos a possibilidade de se utilizar
delas. Ademais, muitas pessoas não possuem o conhecimento necessário para usar esse
tipo de solução.
O segundo ponto é a falta de tratamento legislativo a essas figuras. Como será tratado
abaixo na parte de provas legais, é certo que a legislação civil e processual não garante a
um contrato firmado em blockchain a mesma segurança que um registrado em cartório.
Logo, no caso de eventual questionamento judicial, resta claro que a parte deverá provar
suas alegações em juízo, não existindo a mesma presunção de veracidade.
Tais pontos não têm o propósito de afastar o uso de soluções eletrônicas, mas
de demonstrar que no atual estado da arte não é possível afastar o uso dos cartórios

10. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil, cit., p. 500.
11. Ibidem, p. 502.

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extrajudiciais, não obstante a confiabilidade que eventual solução possa inspirar. Portan-
to, qualquer tipo de alteração do sistema público de registros deve ter isso em considera-
ção, sob pena de se criar uma quimera a qual poderá resultar em verdadeira insegurança
jurídica.

3. Das provas e do direito registrário


Partindo de tudo que já foi dito quanto à atividade registral e notária, passa-se agora a
US

importante tópico no que se refere ao Processo Civil: o uso das provas legais. De antemão,
necessário rememorar, ainda que brevemente, a importância da atividade probatória pa-
ra o processo como um todo. Apesar de atualmente muito se tratar quanto à consolidação
O

de intepretações jurídicas do ponto de vista da segurança jurídica, especialmente após


EX

a promulgação do vigente Código de Processo Civil, o qual instituiu o chamado sistema


de precedentes à brasileira, não se deve esquecer da importância da análise dos fatos pa-
CL

ra o processo.
Como já tratou Barbosa Moreira,12 em relação ao labor dos magistrados, o trato das
US

questões de direito tem o costume de focar a atenção do caso judicial, colocando-se em


segundo plano a devida análise das questões fáticas. Tal diferença normalmente é mais
evidente na fundamentação, não sendo realizado o devido esforço em dialogar com as
IV

partes e com a sociedade quanto aos motivos da decisão.


O

A devida satisfação dessa obrigação de motivar a decisão judicial é considerada essen-


cial pela doutrina, como demonstram estes excertos:
SE

“A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos, que vão desde a neces-
NA

sidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até


sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais
estampadas na CF 5º, trazendo consequentemente a exigência da imparcialidade do
DO

juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo
princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir
de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões do seu convencimento
(princípio do livre convencimento motivado).”13 (grifos no original).
“A principal prova de que as declarações dos juízes são incompatíveis com a organi-
zação do Estado, ou além dos limites por ele fixados para sua atuação, é a opinião dos
membros da comunidade nesse sentido”.14

12. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a prova. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, p. 178-
184. Jul.-set. 1984.
13. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal, cit., p. 334.
14. GRAY, John Chipman. The nature and sources of the law. Londres: Routledge, 2019. p. 77.

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“Daí por que, através da publicidade-motivação, o juiz instaura diálogo com a cidada-
nia, em respeito ao princípio político da participação democrática no processo. É um
corredor de caráter dialógico entre Poder Público e sociedade, com cores de legitima-
ção do concreto exercício da função jurisdicional”.15

A obrigação do juízo de cuidar com atenção dos fatos não decorre, ao menos primor-
dialmente, do ônus da fundamentação, mas sim como etapa imprescindível para se che-
gar à solução do direito. A doutrina clássica aponta como a questão fática é essencial para
que, por meio de um silogismo, chegue-se à correta solução jurídica no caso concreto:

“Se agora procurarmos a fundamentação da concludência na heurística jurídica, veri-


US

ficamos que centro da gravidade desta fundamentação reside na chamada premissa


menor – que no nosso exemplo, portanto, na proposição: ‘A é assassino’. [...] Na menor
O

se acha sobretudo a já muitas vezes mencionada subsunção. Mas não só ela. Pois que,
em regra, com ela se encontra estreitamente conexa uma verificação de factos, isto é,
EX

dos factos que são subsumidos”.16


“Deveras a norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do magis-
CL

trado, que é o intermediário entre a norma e a vida ou o instrumento pela qual a norma
abstrata se transforma numa disposição concreta, regendo uma determinada situação
US

individual”.17
IV

Já se fala também, partindo de uma concepção pós-moderna ou pós-positivista do di-


O

reito, da construção da solução jurídica por meio dos fatos e do direito, não sendo possí-
vel dissociar um do outro:
SE

“Mister salientar que a norma não é uma coisa em si que existe fora da problematiza-
NA

ção; para produzirmos a norma, precisamos contrapô-la às particularidades do con-


flito jurídico subjacente. É um equívoco do positivismo legalista considerar que seria
possível, em razão do efeito erga omnes de uma decisão, solucionar, mecanicamente,
DO

diversos casos por silogismo. Acreditar nessa falácia permitiria, então, substituir o juiz
por um autômato na aplicação do direito”.18
“O Direito é parte integrante do próprio caso e uma questão de fato é sempre uma ques-
tão de Direito e vice-versa. Hermenêutica não é filologia. É impossível cindir a com-
preensão da aplicação. Uma coisa é deduzir de um topos ou de uma lei o caso concreto;

15. CONTE, Francesco. Sobre a motivação da sentença no processo civil. Rio de Janeiro: Gramma,
2016. p. 255.
16. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 11. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. p. 85.
17. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva,
2017. p. 442.
18. ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: ed. RT, 2016. [livro eletrônico].
item 1.9.1.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
176 Revista de Direito Privado 2022 • RDPriv 114

outra é entender o Direito como aplicação: na primeira hipótese, estar-se-á entificando


o ser; na segunda, estar-se-á realizando a aplicação da Índole hermenêutica, a partir da
ideia de que o ser é sempre ser-em (in Sein)”.19

Tal visão da interpretação jurídica coaduna-se com a teoria estruturante de Müller,20


a qual requer que se parta da crise do direito, do caso concreto, para a devida intepreta-
ção da norma.
Ou seja, não obstante a teoria interpretativa que se adote, não se imagina uma solução
a um caso concreto que passe ao largo da análise fática. Seja por uma questão de silogismo
US

ou por uma interpretação estruturante da norma, a definição dos fatos é essencial para
o caso jurídico. Tal análise fática pode ocorrer de acordo com o convencimento do juiz,
sendo possível o uso de quaisquer meios legais ou moralmente legítimos para se chegar
O

à verdade dos fatos.


EX

O uso de provas atípicas é corrente e nosso sistema e se justifica pelas provas abarca-
rem a compreensão de campos fora do estudo do Direito,21 não sendo possível ao legisla-
CL

dor tratar de todos os meios diversos para averiguar os fatos dentro do processo. Ocorre
que, além de definir a possibilidade do uso de quaisquer meios de prova, o ordenamento
US

também define a existência de presunções, legais e comuns, as quais devem conduzir o


raciocínio do julgador.
Essas presunções são de essencial importância para a presente análise, uma vez que se
IV

trata de um dos principais usos dos atos de notários e registradores.


O

3.1. Das presunções legais


SE

Como exposto acima, o ordenamento jurídico garante às partes, e ao juízo, o uso de


NA

quaisquer meios moralmente legítimos para a prova dos fatos alegados em processo.
Ademais, o art. 371 do CPC/2015 define o chamado convencimento motivado do juízo,
DO

pelo qual cabe ao magistrado decidir sobre as alegações de fatos, havendo o ônus da mo-
tivação, sobre o qual já foi tratado.
Tal sistema tem como foco a busca pela verdade, ainda que não se possa garantir que
toda decisão chegará a ela. A decisão judicial contém uma proposição, ou mais de uma,
aceita(s) pelo magistrado como verdadeira(s).22 Não há como se garantir a verdade, po-
rém não se pode olvidar da obrigação de onhe-la.
Além dessa liberdade para decidir sobre os fatos, imprescindível tratar das presun-
ções, sejam estas legais ou judiciais. Esse último tipo trata de um trabalho de indução

19. STRECK, Lenio. Dicionário de hermenêutica. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 132.
20. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal, cit. item 3.1.
21. RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 137.
22. FERRER-BÉLTRAN, Jordi. Prova e verdade no direito. Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: ed.
RT, 2017. p. 81-83.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
Dos Registros Públicos 177

realizado pelo julgador; a partir de um fato efetivamente provado em juízo, conclui-se so-
bre a veracidade de outra alegação. Por meio desse tipo de presunção pode-se utilizar em
juízo, por exemplo, a prova estatística.23 A presunção judicial utiliza-se de indícios sobre
fatos para se chegar a uma conclusão, como explana a doutrina:

“No itinerário percorrido entre a produção do documento ou o depoimento da teste-


munha e a presunção judicial, o indício obviamente se situa como etapa intermediária.
Ele é, ao mesmo tempo ponto de chegada e novo ponto de partida: o órgão judicial vem
a conhecê-lo com base no documento ou no testemunho e, vale-se dele, num segundo
passo, para formar a presunção”.24
US

Barbosa Moreira define que esse tipo de presunção não pode ser classificado como
meio de prova,25 uma vez que não se colhe material para a instrução probatória, sendo
O

uma atividade intelectual do julgador sobre o material probatório apresentado. Não se


EX

está, igualmente, valorando a prova. A valoração ocorre sob o fato que restou provado,
havendo um direcionamento da norma quanto à conclusão a ser alcançada em relação a
CL

outro fato.
De interesse para o presente trabalho são as chamadas presunções legais, as quais são
US

definidas necessariamente pelo ordenamento jurídico, vinculando o magistrado em seu


mister. Por esse motivo, deve o uso dessa presunção ser limitado ao que for expressamen-
te previsto na norma legal, não cabendo intepretações que expandam ou revejam a pre-
IV

visão normativa.
O

Conforme leciona Moacyr Amaral Santos,26 o aparecimento das presunções ocorreu


da transição, no direito romano, do procedimento formulário para o do cognitio extraor-
SE

dinaria. As presunções aceitas pelos jurisconsultos foram elevadas ao nível de lei, sendo
amplamente aceitas, cabendo à parte contrária o ônus da prova de desconstituir a presun-
NA

ção. Aponte-se que o interessado não se libera completamente da regra do ônus da prova,
cabendo a este provar que atendeu aos requisitos fáticos da presunção .27 Não se ignora a
DO

existência de várias teorias sobre a relação entre ônus da prova e as presunções,28 entre-
tanto, estas fogem do escopo do presente trabalho.
Aponte-se que as presunções não se confundem com normas supletivas ou com fic-
ções. No que se refere ao primeiro tipo, não se está simplesmente suprindo a falta de

23. TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trad. Jordi Ferrer Beltrán. Madrid: Trotta, 2005.
p. 221.
24. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
p. 58.
25. Ibidem, p. 57.
26. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 2. ed. São Paulo: Max Limonad,
1952. v. 5. p. 377-378.
27. Ibidem, p. 382.
28. Ibidem, p. 388-391.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
178 Revista de Direito Privado 2022 • RDPriv 114

declaração de vontade de um particular, mas sim, de acordo com sua autoridade, a regra
define o resultado sobre um raciocínio indutivo de acordo com o que normalmente acon-
tece no mundo dos fatos. Igualmente, não se trata de ficção, uma vez que esta, ao menos
a legal, é assumida como verdade, mesmo que se saiba que não o seja, o que a diverge da
presunção, como exposto acima.
Essas presunções dividem-se entre as relativas e as absolutas, havendo posicionamen-
to de Moacyr Amaral Santos sobre um terceiro tipo, as mistas.29 As primeiras, também
chamadas presunções condicionais, têm a função de inverter o ônus da prova, quando o
ônus cabia à parte que a invocou, cabendo à outra parte a função de desconstituir a pre-
US

sunção. Volta-se aos ensinamentos de Barbosa Moreira:

“Do exposto ressalta com meridiana clareza a função prática exercida pela presunção
O

legal relativa: ela atua – e nisso se exaure o papel que desempenha – na distribuição
do ônus da prova, dispensando deste o litigante a quem interessa a admissão do fato
EX

presumido como verdadeiro, e correlativamente atribuindo à outra parte, quanto ao


fato contrário. O que há de importante a sublinhar é que essa atribuição prescinde de
CL

qualquer referência à posição acaso ocupada no processo pela pessoa de que se trata”.30
(grifos nossos).
US

A presunção legal absoluta, assim como a relativa, parte de um fato e, por meio de
uma disposição legal, assume como ocorrido outro. Mantém-se, da mesma forma, o ônus
IV

de provar o fato que permite a presunção. Tal raciocínio tem como base a noção de que
O

é mais difícil provar o fato presumido e que este transcorre ordinariamente na realidade
fática. Todavia, é plenamente possível que a escolha legislativa seja outra, inclusive bus-
SE

cando alterar a forma como, em condições comuns, um devido fato ocorre.


Interessante o posicionamento de Barbosa Moreira sobre a diferença entre os tipos
NA

de presunção:
DO

“Ora, aqui é que nos defrontamos, salvo engano, com a diferença essencial entre a pre-
sunção relativa e a presunção absoluta. Naquela, o que se dispensa é apenas a prova de
certo fato; nesta, dispensa-se o próprio fato, em si mesmo. Por isso, à primeira há que
reconhecer um papel de economia do processo: se não se trata, na verdade, de meio de
prova, trata-se todavia, constante assinalamos, de algo que repercute na distribuição do
onus probabandi. Já a presunção absoluta nada tem que ver com o processo: a sua relevân-
cia manifesta-se por inteiro no plano do direito material. A fórmula clássica, segundo
a qual é inadmissível aqui a ‘prova em contrário’ – ainda com a retificação constante na
troca do ‘inadmissível’ por ‘irrelevante’”.31

29. Ibidem, p. 387.


30. BARBOSA MOREIRA, José Carlos de. Temas de direito processual, cit., p. 60.
31. Ibidem, p. 64.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
Dos Registros Públicos 179

Há quem defina as presunções absolutas como provas legais, uma vez que, presu-
mindo-se por força de lei o próprio fato, estaria o juízo vinculado ao resultado. Moacyr
Amaral Santos32 diverge desse entendimento, apontando-as como regras imperativas que
limitam a atividade valorativa do magistrado.

3.2. Das provas e do direito notarial e registrário

Conforme exposto acima, existem vários tipos de presunções fáticas que podem ter
relevância em um processo. Ademais, em muitos casos, a norma civil define a forma co-
US

mo deve ocorrer um meio de prova em um caso ou que um negócio jurídico apenas terá
validade se realizado de acordo com predeterminada forma, como previsto no art. 108 do
Código Civil.33 Ainda, pode-se falar quanto à forma ser da substância do ato, conforme
O

previsto pelo art. 109 do Código Civil.34


EX

Nesses casos, a norma demonstra qual a forma que deve constituir o ato para que este
possa ser provado. Conforme explica a doutrina:
CL

“Os registros públicos são o meio técnico perfeito de prova legal do estado da pessoa
(registro de pessoas), ou da situação dos bens (registro imobiliário), mas os traslados e
US

as certidões a eles se equivalem e ‘os assentos de registros fazem prova contra qualquer
outro meio de demonstração do direito ou das situações jurídicas’. Isto é o que está no
IV

CC 217: ‘Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião
ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas’”.35
O

O art. 252 da Lei 6.015/1973 e o art. 1.025, § 2º, do CC, expõem o princípio da fé pú-
SE

blica do registrador; igualmente a fé pública é concedida a nota do Tabelião conforme


definido pelo art. 215 do CC. Percebe-se então que existe uma presunção de veracidade
NA

nos atos dos Oficiais de Registro e Notas, o que atrai o interesse do processo civil. Por esta
razão são de grande interesse as alterações realizadas pela Lei 14.382/2022.
DO

32. SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 407.


33. Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
34. Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público,
este é da substância do ato.
35. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil, cit., p. 574.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
180 Revista de Direito Privado 2022 • RDPriv 114

4. Do sistema eletrônico de registros públicos


Conforme exposto na introdução, o objetivo do presente trabalho é a análise, do ponto
de vista do direito probatório, de específicas alterações realizadas pela MPV 1.085/2021,
convertida na Lei 14.382/2022, quais sejam:

“Art. 3º O Serp tem o objetivo de viabilizar:


I – o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos;
II – a interconexão das serventias dos registros públicos;
US

III – a interoperabilidade das bases de dados entre as serventias dos registros públicos
e entre as serventias dos registros públicos e o Serp;
O

IV – o atendimento remoto aos usuários de todas as serventias dos registros públicos,


EX

por meio da internet;


V – a recepção e o envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação
CL

de informações, em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada, para distribui-


ção posterior às serventias dos registros públicos competentes;
US

VI – a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados nas serven-


tias dos registros públicos;
IV

VII – o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre as serventias


O

dos registros públicos e:


a) os entes públicos, inclusive por meio do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos
SE

(Sira), de que trata o Capítulo V da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021; e


NA

b) os usuários em geral, inclusive as instituições financeiras e as demais instituições


autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e os tabeliães;
DO

[...]
§ 4º O Serp terá operador nacional, sob a forma de pessoa jurídica de direito privado,
na forma prevista nos incisos I ou III do caput do art. 44 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil), na modalidade de entidade civil sem fins lucrativos,
nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional
de Justiça.
[...]
Art. 6º Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados,
por meio do Serp, os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e
de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta Lei”.

Dos dispositivos colacionados, pode-se retirar as seguintes conclusões relevantes para


este trabalho: (i) será criada uma pessoa jurídica de direito privado para operacionalizar

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
Dos Registros Públicos 181

a intercomunicação de dados de cartórios extrajudiciais; (ii) haverá intercomunicação


entre esse banco de dados com os entes públicos, usuários em geral e instituições finan-
ceiras; (iii) e será facultado aos interessados encaminhar para registro extratos eletrôni-
cos de atos e negócios jurídicos.
Interessante atentar-se às discussões já realizadas quando do processo legislativo,
em especial em audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados,36 na qual várias
entidades vieram realizar considerações sobre o modelo proposto. Enquanto os repre-
sentantes da Presidência da República defenderam a medida como forma de facilitar a
realização de negócios jurídicos, algumas entidades apresentaram certos receios quanto
US

ao seu funcionamento.
Várias instituições apontaram que não seria matéria afeta ao regime das Medidas Pro-
visórias, exigindo-se maiores discussões. Um ponto levantado pelo representante do
O

Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR foi o caráter


EX

privado da operadora desse Sistema Eletrônico, o que divergiria do sistema público ado-
tado até o presente momento, posicionamento este ecoado pelo Deputado Celso Sabino
CL

e outros.
Ademais, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, por
US

meio de seu presidente, apontou que o acesso às atividades de notários e registradores re-
quer o prévio concurso público. Outros, como o presidente do Instituto de Registro Imo-
biliário do Brasil – IRIB, defenderam que já existe a informatização das serventias, não
IV

havendo necessidade de uma nova entidade.


O

No que se refere à possibilidade de encaminhar extrato para registro pelo SERP, o


Advogado José Geraldo Brito Filomeno apontou o risco aos consumidores de se permi-
SE

tir que instituições financeiras possam encaminhar extratos de contratos para registro,
preocupação essa compartilhada por diretor do Colégio Notarial do Brasil.
NA

Muitas outras considerações foram realizadas, mas não comportam a citação neste
trabalho uma vez que a audiência pública desenvolveu-se por mais de duas horas e meia.
DO

Interessante, todavia, perceber que muitas das inovações trouxeram vários receios aos
representantes reunidos, em especial, a natureza de instituição privada da entidade que
manterá o SERP e a possibilidade de registro de extratos.
No que se refere às críticas realizadas, necessário que se dê a devida importância. Ain-
da que não se tenha conhecimento da regulamentação que será realizada pelo Conselho
Nacional de Justiça, ter-se-á uma entidade privada sem fins lucrativos responsável por
interligar todos os cartórios extrajudiciais do país. Ainda que essa entidade não substi-
tua a função dos cartórios, resta claro que ela terá função de intermediar o próprio aces-
so às serventias.

36. BRASIL. Câmara dos Deputados. GT serventias notariais registro e custas forenses – MPV 1085/21
e PL 4188/21 – 16.03.2022. YouTube, 16.03.2022. Disponível em: [www.youtube.com/watch?-
v=prUlXd4Fuyo&t=18s]. Acesso em: 01.08.2022.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
182 Revista de Direito Privado 2022 • RDPriv 114

Essencial que a futura regulamentação garanta que essa instituição não possa afetar
a própria essência das funções dos cartórios. Ou seja, deve limitar-se apenas a servir de
canal de comunicação, não podendo afetar a própria atividade. Ainda que se possa alegar
ser desejável a padronização das atividades das serventias a nível nacional, deve restar
claro a inconstitucionalidade de tal medida.
Como já apontado, a jurisprudência já reconheceu a responsabilidade objetiva dos
Estados por atos de delegatários. Logo, caso eventual dano tenha como origem ato do
operador nacional, a quem caberá indenizar o particular afetado? Obviamente que nes-
se caso não há ato estatal apto a atrair a obrigação de reparar danos por parte do Estado.
US

Tal indefinição deverá ser tratada futuramente, a fim de garantir segurança aos usuários
desse sistema.
No que se refere à comunicação direta com instituições financeiras e à possibilidade
O

de registro de extratos, tecer-se-ão alguns comentários sob a ótica do princípio da igual-


EX

dade.

4.1. Princípio da igualdade, processo civil e produção de provas


CL
US

O princípio da igualdade, ou isonomia, é um princípio basilar do Estado Democráti-


co de Direito, o qual deve ter ampla aplicação no Processo Civil como leciona a doutrina:
IV

“A CF 5º, caput e I estabelece que todos são iguais perante a lei. Relativamente ao pro-
cesso civil, verificamos que o princípio da igualdade significa que os litigantes devem
O

receber do juiz tratamento idêntico. Assim, a norma do CPC 125 I teve recepção inte-
SE

gral em face do novo texto constitucional. Dar tratamento isonômico às partes signi-
fica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas
desigualdades.
NA

Por isso que são constitucionais dispositivos legais discriminadores, quando desigua-
DO

lam corretamente os desiguais, dando-lhes tratamentos distintos; e são inconstitu-


cionais os dispositivos legais discriminadores, quando desigualam incorretamente os
iguais, dando-lhes tratamentos distintos”.37

Como exposto por Celso Antônio Bandeira de Mello,38 para que seja possível a discri-
minação entre casos, é necessário avaliar o critério lógico, a justificativa racional para es-
te e se essa justificativa, in concreto, coaduna com os valores constitucionais. No caso do
SERP, tem-se um sistema que, na falta de um cuidado regulatório e fiscalizatório, poderá
representar uma séria violação ao referido princípio.

37. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal, cit., p. 132.
38. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. 25.
tir. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 21-22.

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Dos Registros Públicos 183

De proêmio, veja-se a comunicabilidade prevista no art. 3º, VII, da Lei 14.382/2022.


Tal dispositivo garante o “intercâmbio” de informações entre entes públicos, instituições
financeiras, usuários em geral e as serventias. À primeira vista, poder-se-ia imaginar que
o referido postulado da igualdade resta atendido, uma vez que os usuários em geral fo-
ram contemplados.
Todavia, com o uso de sistemas automatizados e algoritmos, tem-se uma óbvia vanta-
gem aos entes públicos e grandes empresas. Enquanto o usuário comum deverá utilizar
uma plataforma ainda a ser construída, cuja funcionalidade ainda deverá ser averigua-
da, os outros poderão criar sistemas automatizados que se comunicam diretamente com
US

o SERP. Como já acontece com sistemas judiciais, v.g. PJE, em que instituições públicas
acessam diretamente os processos por meio de seus próprios sistemas.
Já se percebe uma possível desvantagem no acesso ao sistema. Importante apontar
O

que, em tais cenários, um dos lados em uma eventual relação processual poderá ter um
EX

acesso a provas diverso do outro. Considerando que nosso sistema processual não tem a
obrigação de compartilhar provas, como no sistema inglês ou estadunidense, a diferença
CL

pode afetar a igualdade no processo judicial. A questão não é o acesso ao banco de dados
das serventias, uma vez que se tratam de informações públicas, mas sim a diferença neste
US

acesso, privilegiando uma das partes em eventual lide.


Se um banco, por meio de um programa, pode realizar uma busca em relação a todas
as informações pessoais e patrimoniais de um cidadão, a este também deve ser assegura-
IV

do o acesso a informações no mesmo nível. Isso pode inclusive desestimular a judiciali-


O

zação, dispensando-se a necessidade de uma produção antecipada de provas nos termos


do art. 381, III, do CPC/2015.
SE

Ressalte-se que o não atendimento a esse problema criará uma situação de inconstitu-
cionalidade por violação ao princípio da igualdade. Afinal, o que adianta garantir acesso
NA

à Justiça se o sistema garante à parte mais forte posição de vantagem no processo e fora
dele?
DO

Outra problemática pode decorrer do uso das informações. Caso interessante é rela-
tado no livro “Algoritmos de Destruição em Massa”,39 em que algoritmos criavam notas
de crédito que eram utilizados até quando um indivíduo buscava um emprego. Em tais
casos, como poderia a parte apontar que lhe foi negado crédito ou um emprego com ba-
se em dados falhos?
Outro ponto essencial é o uso de dessas informações no que vem sendo chamado Ca-
pitalismo de Vigilância. De acordo com a professora Shoshana Zuboff,40 a atual revolução
da informação permitiu a ascensão de uma nova forma de capitalismo que usa informações

39. O´NEIL, Cathy. Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e
ameaça a democracia. Trad. Rafael Abraham. Santo André: Editora Rua do Sabão, 2020. p. 228-
229.
40. ZUBOFF, Shoshana. The age of surveillance capitalism. Nova Iorque: Public Affairs, 2019. p. 376-
377.

Aguiar Neto, Francisco Silveira de. O sistema eletrônico de registros públicos e o direito probatório.
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184 Revista de Direito Privado 2022 • RDPriv 114

pessoais para influenciar as decisões de consumidores. No lugar de oferecer o produto


para o mercado certo, busca-se incutir no público o desejo pelo produto. O SERP pode-
rá ser uma vasta base de dados a ser utilizada por empresas a fim de criar perfis de poten-
ciais clientes.
Ademais, a previsão do art. 6º, registro de extratos de negócios e atos jurídicos, é
igualmente causa para receio. Afinal, conforme já exposto, o registro de atos goza de fé
pública, criando uma presunção de veracidade. Pode-se criar uma inversão do ônus da
prova com estes extratos, os quais poderão não apresentar informações essenciais da re-
lação jurídica. Nesse caso, caberá ao cidadão provar em juízo que o extrato não represen-
US

tou a verdadeira extensão do negócio jurídico, ou que induziu o juízo a erro, ou ainda que
claramente está faltando com a verdade dos fatos.
Ou seja, o ônus da prova é invertido por ato unilateral de uma das partes, normal-
O

mente a mais forte da relação, e caberá ao indivíduo buscar retificar a falha. Ademais, a
EX

possibilidade de inversão, prevista no Código de Processo Civil e no Código de Defesa


do Consumidor, poderia ser utilizada contra registro público? Pelas disposições acima
CL

mencionadas, a fé pública de tais atos, por certo que não.


Não se busca aqui ser um profeta do apocalipse, afinal muitas das inovações tecnoló-
US

gicas permitiram melhoria na vida das pessoas. Entretanto, a construção de sistemas de


informática, principalmente aqueles que tratem de dados públicos, deve ter em consi-
deração a equalização de acesso, não se podendo “deixar” alguns para trás. Em seu livro
IV

sobre cortes digitais, Richard Susskind41 trata sobre a exclusão digital e a obrigação de ga-
O

rantir o acesso de todos, em pé de igualdade, ao sistema judiciário.


Solução diversa não pode ser adotada no caso. Quando da construção do SERP, de-
SE

ve-se buscar estabelecer igualdade a todos os usuários para o uso do sistema. De acordo
com o art. 7º da Lei reguladora do SERP, caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do
NA

Conselho Nacional de Justiça disciplinar a implantação do sistema, em especial a forma


de integração dos sistemas e a definição do referido extrato.
DO

Imprescindível que se garanta a igualdade de acesso a todos os usuários, assim como


se defina de forma clara o formato e quais informações deverão constar nos citados extra-
tos. Repita-se que não é admissível que a implantação desta solução tecnológica ocorra
às custas dos mais vulneráveis.

5. Conclusão
Conforme foi tratado ao longo deste trabalho, as serventias de registro e de notas, os
conhecidos cartórios extrajudiciais, exercem um labor de inquestionável importância
para a vida em sociedade, garantindo segurança jurídica à vida civil de todos. Sem um

41. SUSSKIND, Richard. Online courts and the future of Justice. Oxford: Oxford University Press, 2019.
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sistema confiável, certamente a confiança das pessoas umas nas outras ruiria e impossi-
bilitaria a própria existência do Estado democrático de direito.
No sistema pátrio, esses profissionais são dotados de fé pública, razão pela qual al-
guns negócios jurídicos requerem que sejam realizados por meio das serventias de re-
gistro e de notas para que tenham validade. Em outros casos, existe uma presunção legal
de veracidade dos atos registrados, os quais têm o condão de afetar o ônus da prova no
processo judicial. Mesmo fora do campo das presunções legais, a diferença de acesso à
informação pode ocasionar uma violação ao princípio da igualdade no âmbito do pro-
cesso civil.
US

Com a instalação do Sistema Eletrônico de Registros Públicos existe uma oportuni-


dade de baratear o funcionamento deste serviço, assim como facilitar o acesso a todos.
Todavia, ao mesmo tempo, existe espaço para abusos, os quais devem ser coibidos pelos
O

órgãos reguladores e fiscalizadores.


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PESQUISAS DO EDITORIAL
áreAs Do Direito: Civil, Imobiliário e Registral
Veja também Doutrinas relacionadas ao tema
• Direito ao esquecimento e os registros públicos, de Cíntia Rosa Pereira de Lima – RDI 89/13-35;
• Registro eletrônico de imóveis, cadastros e Sinter: interconexão sem submissão, de Rafael Ri-
cardo Gruber – RDI 81/253-287; e
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• Registros públicos e notas eletrônicas: riscos e oportunidades na migração do acervo docu-


mental físico para o meio eletrônico, de Paulo José Leonesi Maluf – RDI 80/125-142.
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Revista de Direito Privado. vol. 114. ano 23. p. 167-187. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.

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