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Ficha 9 84
Preâmbulo
A presente sebenta foi elaborada pelos estudantes Margarida Taipa e Rita Ferreira
sob a coordenação de Victoria de Pinho tendo por base as aulas lecionadas pelo/a docente
Tiago Morais da Rocha.
A equipa de Direito da União Europeia deu o seu melhor para garantir a qualidade
dos apontamentos semanais e, agora, desta sebenta.
Bom Estudo!
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Noções introdutórias à cadeira de Direito da União Europeia
É importante reter, desde já, que o Direito da União Europeia não é um ramo do
direito - mais um, numa miríade de muitos outros (v. g. direito da família, direito das
sucessões, direito das obrigações, direito administrativo, entre outros) - é um verdadeiro
ordenamento jurídico; uma nova ordem jurídica autónoma. Sendo uma ordem jurídica
autónoma tem associado um sistema jurídico completo com as suas próprias fontes de
direito. Dessas fontes, uma das mais relevantes - independentemente de ser,
verdadeiramente, fonte de Direito ou não - é a jurisprudência do Tribunal de Justiça da
União Europeia (TJUE).
Assim, os casos práticos analisados, na sua esmagadora maioria, terão por base um
acórdão do TJUE o que, geralmente, acontece com os casos práticos de exames.
Importa mencionar também que, quer nas aulas práticas quer nas aulas teóricas
adota-se uma perspetiva constitucional do Direito da União Europeia (DUE). Haverá divisões
doutrinárias, mas é esta doutrina mais constitucionalista que preside ao nosso curso.
Quanto à estrutura dos acórdãos do TJUE, estes estão, geralmente, divididos em duas partes
principais:
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No que diz respeito ao acesso ao DUE, além do sítio web do TJUE (CURIA) existe também o EUR-lex - que é um
repositório de todos os atos de direito da União Europeia; uma espécie de Diário da República).
É neste último sítio onde se encontra publicado a Jornal Oficial da União Europeia (que agora é exclusivamente
digital) e onde podemos encontrar todos os tratados - o Direito Originário - e também todos os outros atos
normativo (regulamentos, diretivas, decisões, etc.) - Direito derivado - em todas as línguas oficiais dos
estados-membros.
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uma parte invoca que o TJUE não tem competência para se pronunciar sobre essa matéria; a
outra parte refere que a contraparte apresentou uma peça processual que não cumpriu os
formalismos necessários- tudo isto são um conjunto de questões que delimitam a decisão de
mérito e que têm que ser decididas previamente.
Além disto, no fim dos acórdão, veremos sempre uma parte destacada, geralmente a
negrito, separada de alguma forma, que é aquilo que designamos por dispositivo e
corresponde à fórmula da decisão do TJUE, ou seja, no final está sempre condensada a
decisão do TJUE.
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Ficha Prática n.º 1 - A evolução constitucional da União
Europeia
1- Perguntava se o artigo 12.º do Tratado CEE tem efeito interno, ou seja, se os particulares
podem, com base neste artigo, fazer valer direitos individuais que o juiz deva tutelar;
2- A segunda questão, que seria respondida no caso da primeira ter sido respondida no
sentido afirmativo, era se a aplicação de um direito aduaneiro de 8% à importação, pelos
Países Baixos, representa uma violação do artigo 12.º do Tratado CEE.
Depois de expostas as questões prejudiciais, a decisão de mérito do TJUE veio dizer que
para saber se uma determinada norma de um tratado internacional tem ou não aquele
efeito, ou seja, se um particular pode ou não com base num artigo (art.º 12.º do Tratado
CEE) fazer valer direitos em juízo, o TJUE tinha que atender ao espírito, à economia e ao
conteúdo das normas dos Tratados.
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Ora, as convenções internacionais, de acordo com o que já foi lecionado em DIP,
vinculam os estados parte (ou contratantes). Aquilo que o TJUE veio dizer é que o Tratado
CEE não é um tratado como outro qualquer. Dele não decorrem apenas obrigações que
vinculem os estados parte. Decorrem também obrigações que vinculam diretamente os
particulares, os nacionais desses estados-membros. Diz o TJUE que esta conceção é
confirmada pelo preâmbulo do Tratado de Roma (ou Tratado CEE) que faz referência não só
aos Governos mas também aos Povos. Para além disso, este tratado cria órgãos com poderes
soberanos cujo exercício afeta não só os estados-membros mas também os seus nacionais.
Deve também concluir-se, segundo o Tribunal, que a Comunidade constitui uma nova
ordem jurídica de direito internacional. Qual é o sentido desta afirmação? Primeiramente, a
ordem jurídica comunitária não se confunde com a ordem jurídica dos estados-membros.
Em segundo lugar, esta nova Ordem Jurídica comunitária também não se confunde com a
Ordem Jurídica do Direito Internacional. Portanto, é uma coisa nova, um ex novo, um tertium
genus. Não corresponde a um certo modelo estadual e não serve o modelo internacional, é
qualquer coisa de novo.
É uma nova ordem jurídica a favor da qual os estados limitaram, ainda que em
domínios restritos, os seus direitos soberanos e cujos sujeitos são não apenas os
estados-membros mas também os seus nacionais.
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Note-se que este caso é um exemplo de como o Tribunal de Justiça profere decisões
absolutamente fundamentais para a arquitetura jurídica constitucional do DUE a propósito
de casos em que os factos são prosaicos, muito pouco relevantes, isto é, pequenos
problemas geralmente associados ao funcionamento do Mercado Interno.
Ora, como visto nas aulas teóricas o processo de construção europeia pode ser
dividido em seis fases, na sistematização que a Dr.ª Graça utiliza:
(1) criação - 1951 até 1957, aqui com a criação do Tratado de Roma;
Nos anos sessenta este papel do Tribunal de Justiça é ainda mais relevante. Se de um
lado tínhamos, do ponto de vista político a "crise da cadeira vazia" e um conjunto de
cedências ao intergovernamentalismo, do outro lado tínhamos o Tribunal de Justiça a
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proferir decisões que tiveram um impacto muito grande na arquitetura constitucional da
União até aos dias de hoje.
b) Princípio consagrado
Qual é o princípio que o TJUE consagrou neste acórdão Van Gend & Loos? O princípio
do efeito direto. Este princípio consiste na suscetibilidade de invocação pelos particulares de
normas de Direito da União Europeia perante os tribunais nacionais ou outras autoridades
nacionais, normas essas que conferem direitos ou obrigações. Este princípio distingue-se da
aplicabilidade direta que é a suscetibilidade da norma de Direito da União aplicar-se
diretamente sem necessidade de um ato de recepção formal por parte dos
estados-membros (sem necessidade de um ato de transposição dessa norma europeia pelo
direito nacional; ela aplica-se diretamente no ordenamento jurídico).
Isto significa que a aplicabilidade direta funciona ao nível da aplicação da norma, que
funciona de forma automática, ao passo que, o efeito direto funciona ao nível da
invocabilidade da norma, dependendo sempre da interpretação da norma em causa e do
preenchimento de um conjunto de condições ou requisitos que o TJUE também foi fixando.
Vamos supor que A fez algumas cadeiras noutra Universidade e quando regressa à
Faculdade B esta não lhe reconhece os respetivos créditos. A Faculdade B não aceita porque
diz que o prestígio da outra Universidade é duvidoso. A não se conforma, consulta a lei
nacional e encontra uma norma que diz que efetivamente os reconhecimentos são
discricionários. Primeiro: querendo reagir judicialmente contra a decisão da Faculdade B, A
dirigir-se-ia a um tribunal nacional e em regra invocaria uma norma de direito nacional,
norma essa que não lhe dava razão. Contudo, imaginemos que A descobre que aquela
norma da lei nacional não estava conforme com uma norma de direito da união,
interessava-lhe mais invocar a norma de direito da União. Se essa norma não gozar de efeito
direito, A não a pode invocar, fica cingido ao direito nacional e os seus interesses ficarão
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desprotegidos porque essa norma não lhe dá razão, não obstante ela violar o direito da
União, mas, se a norma de direito da União gozar de efeito direto, pode invocá-la
diretamente, ou seja, A, pode chegar ao juiz nacional e pedir que ignore o direito nacional,
que ainda por cima é desconforme e aplique a norma de direito da união.
Invoca também um outro argumento com base no art.º 177.º do Tratado CEE
(atualmente art.º 267º do TFUE) que é o do reenvio prejudicial, dizendo que, se os Tratados
prevêem, desde o início, um mecanismo de reenvio prejudicial isso significa que desde o
início supuseram que perante os Tribunais nacionais pudessem ser invocadas normas de
direito da união. Caso se entendesse impor essa limitação, isto é, não se poder, a nível
nacional, invocar o direito da União, o mecanismo não existiria, uma vez que este seria
completamente inútil. Assim, se o reenvio prejudicial foi previsto, foi porque quiseram ou
pelo menos não limitaram que perante os tribunais nacionais pudessem ser invocadas
normas de direito da União.
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(acontece que nesse mecanismo de ação por incumprimento, quem tem iniciativa é a
Comissão ou os outros estados-membros; se um particular não pudesse invocar diretamente
uma norma de direito da união estaria sempre limitado a ter de esperar que a Comissão
desencadeasse este mecanismo).
O efeito direto é típico das relações entre o cidadão e o estado, assim o que o TJUE
faz é transpor esta característica tipicamente estadual para o direito da UE
Todos os atos que gozam de aplicabilidade direta gozam de efeito direto? Não, pode
haver normas com aplicabilidade direta sem efeito direto e o contrário também. O efeito
direto é sempre interpretativo e depende sempre do preenchimento daquelas condições.
Exemplo clássico: um regulamento tem sempre aplicabilidade direta, mas se se cria um
regulamento que define uma disciplina jurídica nova e neste há uma norma em que diz "Os
estados-membros designam no prazo X a entidade nacional responsável pela fiscalização
deste regime.", esta norma tem aplicabilidade direta mas não tem efeito direto porque não
é suficiente (depende de um ato positivo interno para que possa ser executada).
Estes requisitos (ou condições) inicialmente referidas no acórdão Van Gend & Loos
foram posteriormente flexibilizados pelo Tribunal de Justiça no sentido de permitir uma
aplicação mais lata do princípio do efeito direto. Das "normas claras e incondicionais"
passamos às "normas incondicionais e suficientemente precisas" e das "normas que
conferiam direitos e punham obrigações" passamos também a estender às normas que
conferem simples instrumentos de defesa em processo criminal.
É ainda possível reconhecer dois tipos distintos de efeito direto: (1) o efeito direto de
substituição e o (2) efeito direto de exclusão.
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O efeito direto de substituição é o mais comum. Nestes casos decorre do efeito
direto a possibilidade de um particular invocar uma norma de direito da união da qual
resultem obrigações para o estado, ou direitos a favor dos particulares, para suprir uma
legislação nacional que seja incoerente com essas obrigações ou direitos (ou seja, no fundo
há uma oposição entre a norma de DUE e a norma nacional e por via invocabilidade de
substituição o particular faz decorrer o seu direito diretamente da norma de DUE, que é
"suprema" face ao direito nacional). Portanto a norma de DUE com efeito direto substitui a
norma nacional que a contraria passando a ser essa norma que define a situação jurídica do
particular.
Já o efeito direto de exclusão não funciona assim. Nestes casos a norma de Direito da
União serve para afastar ou excluir uma norma nacional ou para permitir o controlo da
aplicação de uma norma de direito nacional contrária ao Direito da União. Nestas hipóteses
não decorre da norma de DUE nenhum direito subjetivo ou dever para o particular mas
apenas e só a possibilidade de se eliminar a aplicação da norma nacional no caso concreto,
quando essa norma nacional seja contrária ao direito da União Europeia que possui efeito
direto. No efeito direito de exclusão está-se menos a invocar um direito subjetivo mas antes
a reclamar ao tribunal nacional um controlo da conformidade do direito interno com o
direito comunitário, pedindo ao tribunal, no fundo, não que aplique a norma de direito da
União mas simplesmente que desaplique a norma de direito nacional.
Há uma determinada diretiva que impõe aos estados-membros que, quando queiram
adotar normas técnicas (normas que condicionam o exercício de uma atividade ou a
circulação de determinada mercadoria, isto é, que contêm exigências que os estados fazem
aos operadores económicos) têm de a notificar previamente à Comissão.
O TJUE, neste acórdão, vem decidir que a norma tinha efeito direto de exclusão,
dizendo que, porque não foram respeitadas aquelas normas da diretiva e porque estas, que
impunham a notificação prévia, têm efeito direto, então, as normas técnicas nacionais são
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inoponíveis aos particulares, não são aplicáveis no caso concreto. Não foi a norma de direito
da união que passou a definir a situação jurídica do particular, a única coisa que a norma de
direito da união fez foi afastar a aplicação da norma técnica do direito nacional.
O efeito direto tem também muita importância nas diretivas. As diretivas, já vimos,
têm como característica não ter a aplicabilidade direta e têm destinatários exclusivos, nos
termos do art.º 288.º do TFUE, os estados-membros. Durante muito tempo colocou-se a
questão de saber se uma diretiva podia ter ou não efeito direto.
O TJUE veio dizer que sim e distingue duas grandes situações: efeito direto horizontal
e efeito direto vertical. O efeito direto vertical permite a invocação de uma norma europeia
contra o estado. É aí que o Tribunal de Justiça em algumas circunstâncias diz que as diretivas
podem ter efeito direto. O efeito direto horizontal permite a invocação de uma norma
europeia por um particular contra outro particular. Neste caso o TJUE reconhece que as
diretivas não têm efeito direto horizontal.
Argumentos:
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estados-membros, e por isso não pode ter como destinatários os cidadãos. Este
também não é um argumento suficiente porque não é pelo facto de uma norma se
dirigir apenas aos estados-membros que não possa, ao mesmo tempo, atribuir
direitos a qualquer particular que esteja interessado no cumprimento das obrigações
definidas pela norma com efeito direto.
3. Para se reconhecer o efeito direto desta norma não estaremos a violar o princípio da
autonomia privada? A Sr.ª Defrenne concluiu com a Sabena (companhia aérea) um
contrato e aceitou livremente aquelas condições remuneratórias. Não estaríamos a
imiscuir-nos na autonomia privada/ nas relações livres contratuais que as partes
estabelecem? Não. O art.º 119º é imperativo, tal como existem outras normas
imperativas no ordenamento jurídico interno, nomeadamente no Código do
Trabalho, que afetam a formação dos negócios jurídicos privados. Esta norma,
portanto, além de ser imperativa, também se aplica aos próprios particulares nas
suas relações contratuais (tem efeito direto horizontal).
Concluindo, o TJUE reconheceu ao art.º 119.º efeito direto, é uma norma precisa,
prescritiva, suficiente e incondicional
Neste acórdão, o TJUE reconhece o efeito direto dessa disposição mas não em
termos absolutos, sendo que acaba por estabelecer as condições em que o Efeito Direto
pode ser reconhecido no âmbito desta norma em particular:
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III. Acórdão Costa/ENEL
Contextualização:
3 tipos de argumentos:
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○ Princípio da uniformidade: se um estado-membro pudesse adotar medidas
nacionais posteriores contrárias ao DUE, o direito desse estado teria
conteúdo diferente dos restantes e o alcance e conteúdo do DUE seria
variável em todos os estados-membros.
● Fundamentos existenciais
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● Fundamentos normativos
A interpretação dos artigos por parte do TJUE encontra-se entre as páginas 557 e 561
do Acórdão Costa/ENEL (páginas 5 a 9 do documento disponibilizado no Sigarra).
De um modo geral, o TJUE decide que, para a questão em causa, apenas o art. 53.º
do tratado CEE, que proíbe a introdução de novas restrições, é susceptível de atribuir aos
particulares direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar.
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o princípio do primado, o disposto no art.º 8/4 equivale a aceitar o primado. É de salientar
que existe, neste artigo, uma ressalva quanto ao "respeito pelos princípios fundamentais do
estado de direito democrático", contudo na prática esta é desnecessária porque o estado de
direito e democrático é um valor também defendido pela UE, pelo que nenhuma legislação
aprovada no âmbito europeu poria o mesmo em causa.
O caso paradigmático tem sido o TC alemão que, nunca pondo em causa o primado,
reserva um direito de aferição das normas de direito da união à luz da Constituição alemão
(ou Constituição de Bona). Essas dificuldades têm sido resolvidas através de um diálogo
jurisprudencial entre os tribunais constitucionais e o TTJ, sendo que inclusive, existem
válvulas de escape no TUE, mormente, no art.º4.º, n. 2, que estabelece princípio da
identidade nacional (ou da princípio da identidade constitucional) e no fundo diz, esse
artigo, que a União respeita a identidade constitucional nacional de que cada
Estado-membro. Ora, se a EU adotar ou um ato que viola essa identidade nacional esse ato
não goza preferência de aplicação (não se aplica o princípio do primado)
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primado é absoluto e incondicional. O DUE prevalece sobre todo o direito nacional sem
distinções ou concessões
Esta perspetiva gerou controvérsias com as ordens jurídicas nacionais que reclamam
a sua primazia interna, ignorando que quando se fala de primado não aludimos a uma
pirâmide normativa mas ao facto de, paralelamente à constituição, existir uma ordem
jurídica que em caso de contradição prevalece sobre o ordenamento interno, por vontade
do próprio ordenamento interno. Estas dificuldades têm sido ultrapassadas através do
diálogo jurisprudencial entre o TJUE e os tribunais constitucionais dos estados-membros,
sem o prejuízo de continuarem a existir tentativas de colocar em causa o princípio do
primado.
Interessa dizer ainda que os tratados das comunidades não continham uma carta de
direitos fundamentais (nenhuma disposição dos tratados tutelava direitos fundamentais)
sendo que o TJUE, até este acórdão, se tinha recusado a apreciar as questões relacionadas
com os direitos fundamentais. Assim, se entendia que se a CEE podia produzir obrigações,
direitos e deveres, que até se podiam aplicar diretamente aos particulares, ela teria
necessariamente de ter um sistema de proteção de direitos fundamentais contra as
ingerências dessa Comunidade dos direitos dos cidadãos (os primeiros direitos - direitos
fundamentais clássicos - servem como garantias contra o Estado).A lógica era a seguinte: se
o sistema dos tratados não tutela estes direitos, então estes ficam sob a tutela dos
estados-membros.
Ou seja, apesar de que não havia uma Carta de Direitos, se tinha um outro elemento:
todos os Estados-membros das Comunidades têm Constituições e têm cartas de direitos
fundamentais e então o TJ sentiu-se competente para apurar o mínimo denominador
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comum e esse mínimo denominador comum vão designá-lo como a tradição constitucional
comum (os vários princípios constitucionais basilares comuns a todos os Estados-membros).
NOTA: quanto ao caso em apreço o TJUE entendeu que, em concreto, não há violação dos
direitos fundamentais
Ficha prática nº 2
Deste modo, durante os seis meses seguintes a França não convoca nenhum
conselho e só com a transição da presidência (para o Luxemburgo) a situação se altera. A
justificar esta atitude, o governo francês aponta o excessivo protagonismo da Comissão face
ao Conselho (estas queixas constam no Decálogo de Queixas da França)
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Mais concretamente, são os acordos de Luxemburgo, de janeiro de 1966, que
permitiram a resolução da crise da "cadeira vazia". No seu conteúdo definiram que sempre
que estiver em causa uma questão de “interesse vital” para um estado-membro, os
membros do Conselho deverão tentar encontrar uma solução, em prazo razoável. Daqui
resulta o seguinte: sempre que um estado-membro invoque uma questão de interesse vital
esta deve ser discutida até à obtenção de consenso (diferente de unanimidade, situação em
que as abstenções não contam para a apuração da unanimidade). Na prática, o que se prevê
nestes acordos corresponde a um direito de veto, pois se um estado-membro não
concordasse com uma proposta da Comissão Europeia, bastaria invocar o interesse vital do
estado que passaria a ser exigido o consenso/unanimidade para que a decisão fosse tomada.
Para além disso, cada um dos estados-membros tinha total liberdade para definir o que,
para eles, era uma questão de interesse vital.
Assim, levou-se à paralisia do Conselho Europeu nas duas décadas seguintes (até
meados da década de 80). Acresce ainda que, o facto de terem alterado na prática as regras
de decisão do conselho- quando esta crise teve início, a regra de votação do conselho era de
maioria qualificada (em certos casos unanimidade)- sem serem alterados os tratados (estes
acordos vieram à margem dos tratados), traduz-se no enfraquecimento do DUE.
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II - Aprecie o caso à luz da jurisprudência do TJ fixada no Acórdão Cassis
de Dijon, de 20 de fevereiro de 1979 (proc. n.º 120/78).
O caso em apreço diz respeito à Irlanda, que legislou no sentido de introduzir nas
bebidas alcoólicas uma advertência de saúde (para o teor calórico, gramas de álcool etc.).
No seguimento da aprovação desta legislação, avisou também que o vinho do Porto não
poderá ser exportado na Irlanda se não estiver rotulado segundo as leis irlandesas.
Posto isto, para saber se a lei aprovada viola o DUE, deve-se questionar se esta
medida é proporcional, ou seja, se existe a necessidade, proporcionalidade em sentido
estrito e adequação da atuação.
Este diz respeito a uma empresa alemã que pretendia importar a bebida licorosa
Cassis de Dijon mas que não o conseguia fazer uma vez que o governo alemão aprovou uma
lei que proibia a comercialização no mercado alemão de bebidas brancas com um teor
alcoólico inferior a 25 graus. Assim, este importador via-se impossibilitado de introduzir esta
bebida no mercado alemão.
Por um lado, o governo alemão alega que esta restrição é legítima e usa como
fundamento a saúde pública, com a ideia de que as bebidas licorosas com menor teor
alcoólico (inferior a 25%) podiam criar mais facilmente efeitos de dependência. Quanto à
concorrência do mercado interno, diziam que a diminuição do teor alcoólico da bebida
licorosa assegura uma vantagem competitiva face às bebidas de teor elevado, por o álcool
(matéria prima) ser mais cara e ser mais taxada. Para além disso, argumenta que se a RFA se
visse obrigada a deixar circular no mercado todos os produtos alcoólicos desde que
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obedecessem às leis do estado onde foram produzidos teriam de aceitar a legislação de um
estado que é menos exigente a nível da proteção do consumidor. Estes argumentos não
foram acolhidos pelo TJUE.
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Analisando o documento acima, onde está representado o número de ações por
incumprimento relacionadas ao movimento de mercadorias, pode-se ver um antes e depois
do caso Cassis de Dijon. A partir do acórdão há um aumento significativo no número destes
processos, associados ao desrespeito das regras referentes à livre circulação de mercadorias.
Para a realização do mercado interno, teve também grande importância o relatório Cecchini
de 1988, que apontava os custos da não europa, ou seja, avaliava as necessidades para que
se cumprisse por completo o mercado comum e indicava os custos acrescidos para a CEE por
não ter terminado o mercado interno. É este documento que serve de base para a
harmonização legislativa que ocorre desde 1992.
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alargava as regras do mercado comum aos estados da EFTA o que geraria uma enorme
dificuldade de coordenação entre o ordenamento jurídico comunitário e os respetivos
ordenamentos jurídicos dos estados da EFTA. Assim, o TJUE deu um parecer negativo
relativamente ao acordo levando a que o mesmo fosse reformulado e só então aceite.
● Por um lado temos a argumentação que o TJUE estende sobre as diferenças entre os
objetivos que presidiam ao projeto do acordo do EEE e os objetivos do tratado da
CEE. Dizia que no caso do CEE a livre circulação e a concorrência das relações
económicas e sociais são um mero instrumento para atingir um outro objetivo: a
integração económica e o estabelecimento de uma união económica e monetária, ao
contrário do acordo do EEE em que as regras de livre circulação e concorrência eram
fins em si mesmos. Para além disso, usa-se a ideia de que este tratado do EEE era um
acordo internacional clássico que não implicava a transferência de quaisquer parcelas
de soberania para um ente superior ao passo que o tratado CEE sim, sendo um
acordo sui generis. Diz também que os tratados correspondem à carta constitucional
de base das comunidades/da união, estabelecendo um paralelo com uma ordem
jurídica nacional em que as constituições ocupam o topo da pirâmide normativa
nacional, tal como os tratados a nível internacional.
● Por outro lado, invoca-se uma razão que se prende com a autonomia jurisdicional da
CEE. No acordo do EEE, estava previsto um tribunal do espaço económico europeu,
cuja função era resolver os litígios que surgiam no seguimento deste tratado. O
tratado do EEE tinha como partes contratantes as comunidades e os países da EFTA,
mas para efeitos da resolução dos litígios era necessário interpretar a expressão
"parte contratantes" porque em alguns casos a legitimidade para intervir seria da
CEE e noutras dos Estados-Membros. Era necessário saber se quem teria que litigar
era a comunidade como um todo ou os estados-membros. Assim, no caso em que as
funções fossem partilhadas com a comunidade era a comunidade a litigar, se a
função em causa coubesse aos estados-membros eram eles que tinham a
legitimidade para intervir. Ora, colocava-se a questão de saber quem tinha
competência para definir as competências e o TJUE conclui que deveria ser ele, mas
este acordo atribuía a interpretação do conceito ao tribunal do espaço económico
europeu, pelo que o TJUE considerou que tal punha em causa a autonomia da
jurisdição da CEE.
Voltando à questão do enunciado, quais são as normas que se podem encontrar nos
tratados com traços tipicamente constitucionais?
● TUE
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○ Artº 2 que contém a base axiológica da EU;
○ Artº 3 que contém os objetivos da EU onde se pode fazer um paralelo com a
tarefas fundamentais dos estados previstas nas constituições;
○ Artº 19 sobre os tribunais onde também se contempla um princípio típico do
estado de direito o da “tutela jurisdicional efetiva” ou direito de ação;
○ Artº 48 que trata de cláusulas relativas à revisão;
○ Artº 49; no domínio das instituições, sintetizadas
● TFUE
○ Artº 20 e seguintes sobre a cidadania europeia;
○ Artº 223 e seguintes
Ficha prática nº 3
I- Nold Colen
A empresa pretende que o TJUE considere inválida por violação da CEDH. A
convenção europeia dos direitos humanos, a CEDH, é um instrumento regional de proteção
dos direitos fundamentais no âmbito do Conselho da Europa, uma instituição de cooperação
europeia criada no pós segunda guerra mundial. Já a carta dos direitos fundamentais da UE
é elaborada paralelamente ao tratado de Nice, altura em que ainda não tinha caráter
jurídico vinculativo (que só veio adquirir mais tarde no tratado da UE).
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Neste caso, a carta dos direitos fundamentais ainda não existia e o tratado da CEE
não previa direitos fundamentais em forma de carta. O TJUE já analisava o respeito pelos
direitos fundamentais enquanto elevados a princípios gerais de direito internacional e
retirados da tradição constitucional comum.
Assim, o TJUE pode anular a decisão estritamente com base na violação da CEDH.
● parágrafo 160
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○ A adesão não pode alterar a União como está estabelecida no tratado, ou
seja, não deve haver uma afetação das atribuições/competências da UE;
● parágrafo 161:
Assim, o que levou o TJUE a dar um parecer negativo foi o facto de considerar que
não estava garantida a não violação do artigo 344º da TFUE, ou seja, não estava garantido
que um litígio que envolvesse estados-membros da EU não fosse submetido a mais nenhum
órgão jurisdicional que o TJUE, uma vez que poderia cair na jurisdição do TEDH.
Contudo, a UE não ter aderido à CEDH não significa que os direitos, tal como
previstos na convenção, não sejam protegidos: resulta do art.º 6º/3 do TUE que os direitos
fundamentais consagrados na CEDH integram o direito da União enquanto princípios gerais
de direito. Também se retira do artigo 52º/3 da carta dos direitos fundamentais da EU
(CDFUE) que, na medida em que os direitos previstos na mesma tenham correspondência
com a CEDH devem ser considerados como tendo, pelo menos, o mesmo alcance. Por
último, nos termos do art.º 53 da CDFUE, prevê-se que nenhuma disposição da carta possa
ser interpretada no sentido de restringir os direitos humanos tal como compreendidos pela
CEDH.
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b) Características específicas da ordem jurídica da União Europeia.
Há diversas características específicas da ordem jurídica da União Europeia. São
algumas delas as seguintes:
● Parágrafo 165:
○ Um quadro institucional e constitucional- artigo nº 13 e seguintes do TUE;
○ A atribuição de competência, tal como está previsto no artigo nº 4/1 do TUE;
○ Um quadro jurisdicional- artigo nº 19;
● parágrafo 166:
○ Princípio do primado, do efeito direito e o caráter autónomo da ordem
jurídica da UE;
● parágrafo 168:
○ A construção europeia tem por base uma inspiração identitária comum
● parágrafo 170:
○ Reitera-se a principal característica, isto é, a autonomia do DUE em relação
quer aos estados-membros quer ao direito internacional.
○ É por força dessa autonomia que o TJUE dá o seu parecer negativo à adesão à
EU.
A União Europeia não é um Estado, havendo várias teorias sobre a sua verdadeira
natureza. Não obstante, o entendimento mais aceite é que a UE é uma organização
internacional sui generis ou um “OPNI”, objeto político não identificado, resultante da
transferência de soberania dos Estados.
● A União Europeia não dispõe de soberania originária- todos os poderes foram lhe
atribuídos- não houve uma vontade por parte dos Estados-membros de constituir
originariamente uma entidade estadual;
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● A União só pode atuar sobre os domínios dos quais tenha recebido um mandato:
○ princípio da subsidiariedade- as competências ou as decisões devem ser
tomadas o mais próximo possível dos afetados
● A União Europeia não pode definir os seus próprios fins e as suas próprias
competências, uma vez que não dispõe de uma soberania absoluta
○ Ou seja, rege-se pelo princípio da atribuição (princípio da especialidade) ao
contrário dos estados que tem a "competência das competências", os seus
objetivos e atribuições são impostos de forma heterónoma
● direito de fazer a guerra e paz (iure belli ac pacis), não dispondo sequer um exército
próprio;
Para além disso, a UE também não tem um chefe de estado (o mais semelhante é o
presidente o conselho europeu, mas esta posição não é de todo equivalente à de chefe de
estado)
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● A existência dos próprios princípios fundamentais da união;
● Tem um sistema de fontes de direito;
● Observam-se os mesmos elementos essenciais do Estado- tem cidadãos (povo) e
território tal como uma ordem jurídica autônoma face à ordem jurídica internacional
(dotada de uma hierarquia normativa e de um mecanismo de fiscalização não total,
nos domínios da intergovernabilidade, como a PESC);
● A ausência de fronteiras internas e liberdade de circulação;
● Cidadania própria com atribuição de poderes políticos;
● Eficácia direta dos direitos da união;
● Uma carta de direitos, isto é, uma carta constitucional;
● Existência da moeda única (sistema monetário) tal como de um banco central;
● Poder de concluir tratados internacionais, que pode ser exclusivo- artigo 3/2 TFUE
● Competências próprias observando por vezes uma coabitação política (legislação e
tribunais), como acontece nos estados federais.
○ Assim, quando o estado federal (ou a UE) está a exercer estas competências
os estados federados (ou os estados-membros) não o podem exercer e
vice-versa;
● Observa-se um sistema bicameral no que toca ao poder legislativo- parlamento para
representar os cidadãos e câmara baixa- tanto nos países federais como na União
Europeia.
● Tem também um governo a dois níveis: o do estado membro e o da EU, com
sobreposição, por exemplo, de instituições
Apesar das inúmeras características partilhadas a União Europeia não pode ser considerada
um estado federal:
● Não possui competências tão desenvolvidas;
● Não existe uma delimitação de competências tão distinta, sendo que muitas delas
são partilhadas entre os Estados-membro e a UE;
● Não goza de típicos poderes dos estados federais, como atribuições no domínio da
defesa
● Possui menos recursos financeiros próprios (depende da medida da contribuição dos
Estados Membros);
○ Esta característica tem vindo a alterar-se progressivamente
● A revisão dos tratados em regra tem de ser feita por unanimidade (enquanto nos
Estados Federais pode ser feita por maioria super-qualificada)
● Um estado federado não tem direito de cessação (de se retirar) enquanto um
estado-membro tem (artigo 50º do TFUE)
30
Teoria da organização internacional supranacional/ de integração:
Críticas:
● As características que se apelam para classificar a UE como uma organização
internacional supranacional ou de integração, só se aplicam à UE, o que demonstra
precisamente a sua natureza original.
31
Conclui-se que a UE ao ser uma organização internacional seria uma sem par.
Teoria confederal:
Enfim, a União Europeia partilha algumas destas características, desde logo, tem
como membro os Estados, foi criada por um tratado internacional, tem um quadro
institucional próprio e os Estados-membros têm o direito de retirada .
Esta teoria é defendida por parte considerável da doutrina. Esta tese é uma solução
pragmática perante o facto de que a União Europeia, apesar de partilhar traços com os
Estados Federais, Estados Confederados e organizações internacionais de integração, não é
um deles, mas sim uma nova forma de integração do exercício do poder político à escala
internacional, havendo assim uma impossibilidade de categorização da União Europeia. Ou
seja, em virtude da sua especificidade e caráter inovador é uma organização internacional
sem paralelo.
A Professora Maria Guerra Martins defende uma tese semelhante: a União Europeia
é uma união de estados e de cidadãos, não só pelos e para os estados mas pelos e para os
cidadãos.
A União Europeia desafia a noção de soberania, sendo esta repartida entre dois
níveis distintos.
32
Em certo sentido, os Estados Membros deixaram de dispor das competências
embora que com rigor que possa dizer que a competência de poderes soberanos para outro
nível seja o exercício da soberania.
Esta caracterização como uma união de estados e cidadãos visa promover os laços de
coesão entre os povos da europa e os membros da união.
Ficha prática nº 4
33
Na articulação do artigo nº 2 com o artigo nº 1 do TUE, o artigo nº 1 contém a matriz
definidora da União na sua dupla legitimação e nos seus originais contornos jurídicos, já o 2º
apela aos valores da União Europeia cuja convivência faz com que seja pertinente partilhar o
destino comum.
Outra ideia importante é a de que o estado de direito luta sempre pela consagração dos
Direitos Fundamentais
● Uma conceção formal que corresponde ao estado em que todos os poderes estão
sujeitos ao direito que o dita segundo um procedimento pré-estabelecido
independentemente da natureza dessas normas (desliga-se do conteúdo/da natureza
das normas). Esta é uma conceção mais positivista e típica do direito anglo-saxónico
e é esta conceção que permite dizer que o regime Nazi não violava o princípio do
estado de direito;
34
perante a lei. O Estado de direito deve ser entendido à luz dos outros valores e princípios da
União consagrados no artigo 2.o do TUE. ".
No acórdão em causa, o TJUE conclui que a Polónia tinha violado o DUE ao violar o
princípio da igualdade e o princípio do estado de direito, nomeadamente o princípio da
independência dos tribunais. Ademais, verifica-se que também os princípios da tutela
jurisdicional efetiva (artigo 19º do TUE) e do processo equitativo- previsto na carta dos
direitos fundamentais- foram violados.
35
que esta associação recorre ao TJUE por considerar esta alteração legislativa suscetível de
violar o princípio da independência dos tribunais. O TJUE não deu provimento a estas
alegações mas, como dito anteriormente, garantiu pela primeira vez que podia controlar
atos nacionais que afetassem a estrutura e funcionamento a nível jurisdicional.
Tal é o mesmo que perguntar "se um estado-membro viola o DUE o que é que a UE
pode fazer?".
Existe uma variedade de mecanismos de tutela de valores da EU, que formam uma
estrutura complexa e multinível. Contudo parece-se colocar em causa a sua eficácia, isto é, o
design desses instrumentos contribuem para uma sensação de inoperância. São três as
circunstâncias que contribuem para esta sensação: pelo facto dos mecanismos não serem
imperativos (soft law), por dependerem de unanimidade ou maioria qualificadas e por
dependerem de uma ação política.
Deste modo, hoje a doutrina fala de uma crise de valores da EU, isto é, argumenta-se
que há um défice democrático nas decisões tomadas no seio da EU, ou seja, que estas não
resultam de uma verdadeira democracia e que isto transitou para as decisões tomadas
também a nível nacional.
36
Não obstante, os mecanismos de controlo dos valores dividem-se em 2 grandes
grupos:
○ Numa primeira etapa há uma avaliação pela comissão europeia, que depois
emite uma recomendação e numa terceira fase há um acompanhamento por
parte da comissão da implementação dessa recomendação. Se o estado
membro, findo o estado fixado na recomendação, não a implementar, a
comissão europeia tem a possibilidade de ativar os mecanismos de tutela dos
valores nomeadamente o artigo 7º do TUE.
● Art.º 7º do TUE
○ Note-se que o âmbito de aplicação deste artigo não se restringe aos domínios
abrangidos pelo DUE, pelo que ao abrigo deste artigo, a EU fica autorizada a
37
intervir com o objetivo de proteger os valores em que se funda, mesmo nos
domínios em que os estados-membro atuem de forma autónoma, isto é nos
domínios em que tenham competências exclusivas ou partilhadas, mas que
não estejam a ser exercidas pela UE.
38
■ Apesar do art.º 7 ter sido ativado relativamente a Hungria e Polónia,
estes processo nunca avançaram nem avançarão, pelo facto de uma
decisão sancionatória ser impossível, por requerer unanimidade,
sendo que estes estados-membros formaram um "pacto" de não votar
a favor destas sanções e por questões de diplomacia.
● A comissão pode recorrer a uma ação por incumprimento junto do TJUE, que pode
aplicar sanções pecuniárias compulsórias até ao estado-membro adotar o
comportamento devido
39
Todos os mecanismos já mencionados estão associados a um risco ou incumprimento
específico por um estado-membro, mas existem ainda mecanismos ex post não associados a
um incumprimento específico que visam promover o respeito pelos valores da EU:
○ Semestre europeu
40
● Condição de adesão
● Condição de gozo dos direitos decorrentes dos tratados
● Parâmetros de atuação das instituições da EU
○ Transversalidade vertical e horizontal da cláusula de valores, isto é, esta
cláusula tem de ser respeitada não só pelos estados-membros como também
pelas próprias instituições da UE
● Parâmetros normativos
○ Os valores da EU concretizam-se em princípios e regras dos quais se extraem
direitos e deveres para os estados-membro, um standard de validade e
constitucionalidade dos atos jurídicos e permitem a integração de lacunas do
direito originário e derivado
A Áustria arguiu que o título nobiliárquico não constitui um instrumento que auxilie
na identificação da pessoas (feita apenas pelo nome e apelidos) sendo que apenas atribui
um dado estatuto a pessoas, contudo no direito alemão (ao contrário do direito austríaco) o
apelido é unitário e por isso integra os títulos nobiliárquicos, pelo que esta alteração onerava
especialmente a pessoa em causa que teria de alterar diversos documentos.
41
Assim, à primeira vista esta decisão seria suscetível de violar o DUE.
Existiam, para além disso, decisões do TJUE anteriores no mesmo sentido, ex.: Garcia
Avello. Neste caso queriam registar uma criança, num outro estado-membro, mas segundo
as regras de registo da Espanha (primeiro nome do pai e depois o da mãe), pelo que as
autoridades deste país não o queriam autorizar e o TJUE deu prevalência ao direito de Garcia
Avello.
Até ao tratado de Lisboa este princípio era tratado sobretudo enquanto à sua
dimensão cultural e linguística (art.º 3/3 e 55 TUE, 24/4 TFUE). Com este tratado institui-se
uma nova manifestação apontando às estruturas políticas e constitucionais fundamentais
desse estado-membro um respeito devido pela própria UE e pelas suas instituições. Exige-se
um duplo respeito por este princípio com a introdução do caráter jurídico apontado ao
respeito pelas estruturas políticas e constitucionais dos estados-membros, devido pela UE e
por todas as suas instituições (artigo 4/2 do TUE). Esta face do princípio está diretamente
relacionada com a expansão das atribuições da UE e o receio que esta provoca nos
estados-membros, apesar dos seus efeitos práticos serem reduzidos.
O artigo 4/2 do TUE tem sobretudo interesse e valor quando essas estruturas
políticas e constitucionais não integram uma tradição constitucional comum, ou seja que são
especificidades jurídico-constitucionais que varia de estado-membro , o que é o caso da
forma republicana de governo (porque ainda há monarquias entre os estados-membro). A
sua principal consequência foi colocar em causa a concepção absoluta do primado do DUE
uma vez que a UE não pode legislar contra as estruturas constitucionais e políticas
fundamentais dos estados-membros, sob pena de violar este artigo.
42
Neste caso, o TJUE aceitou que o respeito pela forma republicana na Áustria fosse
apto a afastar o direito de livre circulação e livre estabelecimento legitimando a eliminação
da partícula "von" do nome da senhora.
43
A identidade nacional pode corresponder à identidade da constituição e integra as
previsões constitucionais através das quais um estado se identifica numa comunidade e as
previsões em que se distingue dos demais (carácter único).
Em todo o caso essas caraterísticas específicas de um estado têm ainda de ter alguma
correspondência ao quadro europeu de princípios jurídicos constitucionais e a uma tradição
constitucional comum que chegue em substância a resultados semelhantes, ou seja, não
obstante de existirem dados aspetos de uma identidade constitucional de um estado, estes
têm de ter algum tipo de correspondência com um quadro europeu de princípios jurídicos
constitucionais. Alguns estados-membros vieram usar a identidade nacional com estratégia
para rejeitarem o primado do DUE ( ex.: Polónia), ou para procurar obter a anulação de atos
jurídicos da UE (como neste caso).
44
Qual é a força jurídica dos considerandos num ato? Os considerandos são uma parte
de um ato jurídico que deve fundamentar de forma concisa o conteúdo posterior do
articulado. Não têm em si mesmo efeito jurídico, podem ter um efeito auxiliar e
interpretativo, mas sem força jurídica
Ficha prática nº 5
Decorre do art.º 20/1 do TFUE que são cidadãos da UE todos os nacionais dos 27
estados-membros, pelo que os cidadãos malteses são também cidadãos da União Europeia.
Porém, os critérios de acesso e atribuição da cidadania nacional são da exclusiva
competência dos estados-membros e integram o núcleo duro das suas soberanias.
45
- Numa conceção formalista (de Kelsen), define-se os cidadãos «como a esfera pessoal
de validade da ordem jurídica nacional». Os cidadãos são o conjunto de indivíduos
cuja conduta é regulada pela ordem jurídica nacional.
Cidadania Vs Nacionalidade
Note-se que cidadania ≠ nacionalidade apesar de ambas as expressões serem
empregues frequentemente como sinónimas, nomeadamente nos tratados da UE:
- A cidadania reporta-se a uma pertença jurídica que pode ter por base um critério
nacional (só são cidadãos do estado, os seus nacionais). Quando o critério da
cidadania se sujeita ao critério da nacionalidade está em causa a proteção da
identidade do estado-nação. Não obstante, a maioria dos estados adota critérios
mais ou menos flexíveis de acesso à cidadania, raramente reservando-a
exclusivamente aos seus nacionais pelo que preveem forma de aquisição de
cidadania para outros indivíduos que não sendo nacionais, nela se encontrem
integrados ou a ela se encontrem efetivamente ligados.
Cidadania da UE
Quando surgiu o projeto europeu, este era um projeto de paz alcançado pela via
económica. O desenvolvimento do mercado comum e das quatro liberdades foi instrumental
46
face a um objetivo mais largo: a manutenção da paz na Europa. A liberdade económica, latu
sensu, atribuída aos estados, nomeadamente a liberdade de circulação, era conferida à
pessoa económica (homo economicus) e não propriamente à pessoa encarada como titular
de direitos naturais e inerentes, ou seja, inicialmente a liberdade de circulação era atribuída
a trabalhadores e não a qualquer pessoa na estrita medida do necessário ao funcionamento
do mercado comum.
Com a introdução da cidadania da UE esse cenário altera-se radicalmente. Isto não
quer dizer que a cidadania veio inventar algum direito para os cidadãos europeus, sendo que
a maioria dos direitos associados à cidadania já existia e mantiveram-se inalterados; o que
se altera é o fundamento desses direitos. A introdução da cidadania permite dar a esses
direitos já existentes uma novação no seu fundamento que passa a ser constitucional, isto é,
associado a uma dada matriz política deixando de ser estritamente econômico.
A ideia de uma cidadania europeia não é recente (pode-se dizer tão antiga como a
ideia da UE). Os primeiros passos práticos são dados em 1972 na cimeira de Paris, onde
foram estudadas formas de aprofundar a união de modo a favorecer a criação de uma
identidade europeia. Em 1974 verificou-se que a forma mais eficaz de aprofundar a união
passava por envolver os nacionais. Assim, em 1990 são adotadas três diretivas que vieram a
reconhecer o direito de entrada, permanência e residência dos nacionais de um
estado-membro noutro estado-membro, nomeadamente a nacionais que não fossem
trabalhadores. Por fim, em 1991, na conferência intergovernamental para o tratado de
Maastricht, a Espanha apresentou uma proposta para a criação da cidadania europeia, que é
discutida e modificada até ser aprovada com o tratado, deste modo, em 1992 criou-se a
cidadania europeia.
47
○ Direito de livre circulação e permanência- art 20.º/2/a) e art 21.º TFUE, art
45.º CDFUE e a Diretiva 2004/38/CE). Esta última diretiva regula o exercício
do direito de livre circulação e permanência dos nacionais de um
estado-membro, noutro estado da União em três âmbitos:
● Define os critérios para a residência até aos 3 meses. Esse é um direito
incondicional com a posse de um documento de identificação.
● Define os critérios para residência acima de 3 meses. Esta já está
condicionada e só é permitida a (1) um cidadão que exerça alguma
atividade económica noutro estado; (2) um cidadão economicamente
inativo mas que disponha de recursos suficientes e de um seguro de
doença, de modo a evitar que o indivíduo seja um encargo para o
estado-membros de residência; (3) a estudantes com seguro de saúde
e declaração de que possuem recursos suficientes para se
sustentarem; (4) alguém que seja membro da família de uma das
pessoas nas situações anteriores.
● Define os critérios para residência permanente que se adquire quando
um cidadão reside noutro estado-membro por mais de 5 anos e é
incondicional e extensível aos membros da família ainda que nacionais
de um estado terceiro
○ Direito de eleger e ser eleito para o parlamento europeu e nas eleições
municipais- art 20.º/2/b), art 22.º TFUE, art 39.º e 40.º CDFUE
○ Direito a proteção diplomática e consular- art 20.º/2/c), art 23.º TFUE e art
46.º CDFUE
○ Direito a dirigir petições ao parlamento europeu e ao provedor de justiça
europeu- art 20.º/2/d), art 24.º art 227.º e 228.º TFUE art 43.º e 44.º CDFUE
○ Direito a apresentar uma iniciativa legislativa europeia- art 11.º/4 TUE e art
24.º TFUE
Direitos apenas previstos na CDFUE:
○ Direito a uma boa administração (art 41.º CDFUE)
○ Direito de acesso a documentos (art 42.º CDFUE)
Assim, por um lado, a cidadania europeia proíbe, dentro da comunidade dos
cidadãos, um tratamento diferenciado (discriminações), por outro, serve de base e critério
para a discriminação relativamente a terceiros (não cidadãos da UE).
Quais os deveres dos cidadãos europeus?
Não estão previstos nos tratados quaisquer deveres (esta é uma das críticas feitas à
cidadania da UE).
48
Quanto ao DIP, há que considerar instrumentos como a DUDH (art 15.º - princípio
geral de proibição da apatridia), bem como a Convenção para redução dos casos da
apatridia, de 1961, e a Convenção Europeia sobre a nacionalidade.
Para além destes instrumentos de DIP, há que considerar o princípio base da
efetividade – diz o TJUE que a cidadania é um vínculo legal que tem por base um facto social
de pertença, uma genuína ligação de existência, interesses e sentimentos conjuntamente
com a existência de direitos e deveres recíprocos. Este princípio eternizou a doutrina da
ligação genuína aos estados que ainda hoje é aplicada na resolução de conflitos negativos e
positivos relacionados com a cidadania. Esta doutrina defende que a cidadania deve estar
associada à forte ligação da pessoa àquela comunidade.
Assim, quanto ao DUE, o TJUE estabeleceu no caso 184-99 RUDY GAZEL CZYK, que a
cidadania da União corresponde ao estatuto fundamental dos cidadãos dos estados perante
o DUE.
Já no C–369/90-Micheletti, o TJUE referiu que, não obstante os estados serem
independentes para exercer o seu direito de ditar os critérios da cidadania, estes estão
limitados pelo respeito do DUE na determinação desses critérios. Esses limites são
necessários porque se a cidadania europeia se adquire através da aquisição da cidadania
nacional, então as regras sobre o estatuto da cidadania nacional devem obedecer aos
princípios do DUE.
Mais recentemente, em dois casos referentes à perda da cidadania nacional e
consequente perda da cidadania europeia (c- 135/08 - Rottman e C-221/17), onde as leis dos
estados-membros prevêem critérios de perda automática de cidadania (por os agentes
estarem ausentes do território por muito tempo ou por terem dupla cidadania), o TJ,
exercendo o seu poder de controlo, veio dizer que a perda automática da cidadania é
incompatível com o DUE, que exige uma análise casuística e o respeito pelo princípio da
proporcionalidade.
Assim, no caso concreto, um programa deste género é suscetível de violar o direito
da União e uma cidadania por investimento viola o princípio da efetividade que pressupõe a
existência de uma forte ligação entre a pessoa e o Estado que a concede. A somar a isto, é
evidente que as pessoas que participarão neste projeto quererão na verdade ter acesso à
cidadania europeia, pelo que a cidadania maltesa serve de veículo de acesso à cidadania
europeia, nomeadamente aos direitos de livre acesso e residência noutros
estados-membros. É sobre este prisma que este programa é censurável do ponto de vista do
DUE: o princípio da efetividade opõe-se a um regime deste género, sendo que a exigência
deste estado-membro configura também uma violação do princípio da cooperação leal (art.º
4/3 do TUE).
Note-se que o TJUE tem legitimidade para se pronunciar quanto à legislação de um
estado-membro relativamente aos critérios da cidadania, na medida em que estes
contendem com o estatuto de cidadão da UE.
49
NOTA: no âmbito português, a lei dos sefarditas, também deixou muito a desejar, tendo já
sofrido alterações, uma vez que a definição dos critérios de acesso à cidadania,
nomeadamente a comprovação da ligação às raízes ancestrais portuguesas, estavam mal
formulados.
50
3. Se a iniciativa for apoiada por 2 milhões de cidadãos da União de 5
Estados-Membros, será válida?
Supondo que a iniciativa foi aceite, registada e encontra-se num momento de
subscrição pelos cidadãos da EU, nos termos do art.º 3 do regulamento, o primeiro requisito
estava preenchido, mas o segundo não (teria de ser pelo menos 7 estados-membros).
Por volta de 2014, a União Europeia teve uma crise migratória muito intensa com um
fluxo elevado de migrantes que vinham do norte de África e eram na sua maioria
requerentes de asilo. Rapidamente a situação se tornou ingerível e ao abrigo do art.º 78º/3
do TFUE o conselho decide adotar medidas extraordinárias e provisórias para mitigar a
situação, fixando um regime de quotas para a receção de requerentes de asilo, para aliviar a
pressão em regiões como a Itália (porta de entrada deste migrantes). A decisão fixava que de
3 em 3 meses os estados-membros deveriam indicar o número de requerentes que podiam
receber. Três desses estados-membros nunca o fizeram. Esse comportamento coloca em
causa algum princípio da relação entre os estados-membros e a União?
Efetivamente, é violado o princípio da cooperação leal (art 4.º/3 TUE) que integra o
DUE desde o início do processo de integração europeia. O princípio da cooperação leal
assume uma função oleadora da relação dos estados-membros com a União.
51
● o princípio da boa-fé que caracteriza as relações entre os estados-membros nas
relações internacionais;
● o pacta sunt servanda, que tem um âmbito mais restrito, na medida em que as
relações entre a União e os estados-membros vão para além de relações contratuais
O princípio da cooperação leal tem um duplo conteúdo nos termos do art.º 4/3 TUE:
NOTA: Sempre que um estado-membro não cumpre o DUE estará em causa, em princípio, a
violação do princípio da cooperação leal
52
2. Comente a hipótese à luz do princípio da solidariedade.
O princípio da cooperação leal expressa de forma genérica uma ideia de
solidariedade entre os estados-membros e a UE, embora esta ideia de solidariedade mereça
uma consagração autónoma, como acontece nos art 2.º TUE, art 3.º/3 TUE, 42º/7 TUE e art
222.º TFUE
Neste hipótese concreta têm relevância os art.º 67º/2 e 80º do TFUE que definem
que no espaço de liberdade e segurança, mais concretamente na política de segurança e
asilo, se aplica este princípio.
O caráter normativo deste princípio diverge na doutrina, contudo ele está presente
no DUE, ora como aspiração comum de valores (art 2.º TUE); sob a forma de exigência de
assistência mútua (art 42.º/7 TUE); ou como instrumento de coesão regional (artigo 122.º e
art 174.º TFUE).
Do ponto de vista da cooperação leal, este caso prático evidencia a sua relevância a
nível vertical descendente, sendo que é um estado-membro que reclama das instituições (do
conselho) a observância deste princípio, nomeadamente, evidencia que a cooperação leal
não é apenas devida dos estados-membros para a União mas também da União para os
estados-membros.
53
Uma interpretação desse género teria dois efeitos inaceitáveis: impediria as
instituições da EU de exercerem o seu poder de apreciação, ou seja, contenderia com o
poder de conformação política das instituições, bem como bloquearia o procedimento
legislativo (um estado-membro que discordasse de uma dada medida teria sempre a
possibilidade de solicitar mais informações para atrasar este procedimento).
Por outras palavras, se é verdade que o princípio da cooperação leal tem alcance
vertical ele não deve ou não pode ser manipulado de tal forma que imponha às instituições
obrigações desproporcionais que bloqueiem o exercício das suas competências.
A Polónia não avançava com nenhum argumento que permitisse colocar em causa a
validade dos dados em que a União baseou a sua ação pelo que simplesmente pretendia,
colocando em causa esses dados, obstar a aprovação do ato.
Por fim, o TJUE concluiu que não constitui uma violação da obrigação do princípio da
cooperação leal a situação em que se adote um ato legislativo em que uma minoria dos
estados se queira opor.
54
alcançar. Contudo não é isso que acontece, sendo discriminados, a propósito de cada
política concreta, os meios que a UE dispõe para os alcançar).
Vale a pena salientar que o princípio da atribuição é muitas vezes referido como uma
manifestação do princípio da especialidade, que se aplica a organizações internacionais (OI)
e pessoas coletivas e que serve para delimitar a sua personalidade jurídica. A personalidade
jurídica destes é instrumental e por isso é atribuída tendo em vista dados fins e objetivos
pelo que as OI e pessoas coletivas só podem exercer os meios necessários na medida em
que alcancem os seus objetivos. No caso da UE, a lógica é a mesma: a UE só dispõe da
capacidade para praticar os atos necessários à prossecução dos seus fins. A principal
implicação prática do princípio da atribuição é que todo e qualquer ato jurídico da UE tem
de fazer menção expressa à base jurídica que permite a adoção desse ato, ou seja, tem de
mencionar a concreta norma dos tratados que fundamenta a sua atuação nesse domínio.
O tratado de Lisboa introduziu pela primeira vez uma enumeração das várias
categorias de competências da UE (art.º 2º e 6º do TUE), pelo que antes do Tratado de
Lisboa e apesar do TJUE ter desenvolvido na sua jurisprudência as principais categorias de
competências, o direito originário limitava-se a enumerar os objetivos das comunidades e
os instrumentos necessários para os atingir (ex.: artigos 2º e 3º do tratado de Roma).
Para esta interpretação expansiva contribuiu o TJUE, que com muita frequência
retirou dos objetivos, dos instrumentos para os alcançar e do sistema dos tratados,
competências para a UE, caracterizando algumas delas até como exclusivas quando tal não
se retirava dos tratados. Esta atuação pode ser explicada pelo facto da UE já ter esgotado
todo o domínio da competência pelo que esta passava a ser uma competência exclusiva. A
doutrina entende que o TJUE procedeu a uma interpretação das competências
"pró-comunidade", ultrapassando a questão de que as competências soberanas nunca se
presumem.
55
Assim sendo, no tratado Lisboa exigiu-se uma delimitação mais clara das
competências da UE face às competências dos estados-membros. O tratado de Lisboa veio
também resolver outra questão, incluindo novas bases jurídicas em relação a matérias que
antes não faziam parte dos tratados ou eram insuficientemente reguladas.
Durante algum tempo, para as situações em que não existia uma base jurídica
suficiente nos tratados, recorria-se à teoria das competências implícitas (se a UE tem um
dado objetivo tem também de ter as competências necessárias para o atingir), bem como à
cláusula de flexibilidade prevista atualmente no art.º 352º do TFUE. Para resolver este
problema, o tratado de Lisboa veio integrar matérias que anteriormente entendiam-se
competências da UE por via do princípio das competências implícitas (ex.: 179º TFUE, 194º
TFUE, 165/2 TFUE, etc.). Assim, com a positivação e categorização das competências a UE e
o alargamento das bases jurídicas, os estados-membros quiseram evitar uma erosão futura
das suas competências nacionais (deixando bem claro quais são as competências da UE e
impedindo uma invasão das suas competências), daí existir de forma bem explícita que as
competências não atribuídas à UE pertencem aos estados-membros. A este propósito, o
art.º 2º/6 do TFUE dispõe que a extensão e as regras dos domínios da competência da UE
são fixadas pelas disposições dos tratados relativamente a cada política
● Competências exclusivas
○ Nos termos do artigo 2º/1 do TFUE, só a UE pode legislar e adotar atos
juridicamente vinculativos nestas matérias. Admite-se, todavia, que os
estados-membros também possam adotar atos legislativos, mas apenas se
forem habilitados para o facto pela UE ou se estiver em causa a execução dos
atos da UE
○ Previstas no art.º 3 do TFUE
● Competências partilhadas
○ Nos termos do artigo 2º/2 do TFUE, tanto a UE como os estados-membros
podem legislar e adotar atos juridicamente vinculativos.
○ A propósito destas competências é necessário ter em conta o protocolo nº 25
"quando a UE toma medidas num determinado domínio, o âmbito desse
exercício de competências apenas abrange os elementos regidos pelo ato da
União em causa, e por conseguinte, não abrange o domínio na sua
totalidade", que evita, no domínio da preempção, que uma competência
56
partilhada se transforme numa competência exclusiva de facto. Só quanto aos
elementos abrangidos pelo ato é que a EU exerce a sua competência
○ Previstas no art.º 4 do TFUE
■ Nº 1 contém uma regra residual de competências - quando a EU tem
competências que não são previstas como exclusivas ou de
coordenação, estas classificam-se como partilhadas
57
2. Integrar a matéria num domínio de atuação da UE com referência aos artigos 3º a 6º
do TFUE
3. Proceder à classificação da competência (exclusiva, partilhada, etc.)
4. Identificar a concreta base jurídica (norma do tratado) que dá à UE poder de atuar no
âmbito de adoção daquele ato
Estas tarefas nem sempre são fáceis porque há áreas de sobreposição. Por exemplo,
a política social está no artigo 4º/2/b) o que nos poderia levar a crer que se trata de
competência partilhada concorrente, mas não, porque só a parte “que se refere aos aspetos
definidos no presente tratado” é que é concorrente, e o grosso da política social
corresponde a uma competência partilhada de coordenação, nos termos do artigo 5º/3.
NOTA: A Parte I do TFUE é dedicada aos princípios, e toda a Parte III é dedicada às políticas e
ações da união (tudo o que consta do artigo 3º ao 6º será desenvolvido no âmbito da Parte
III do TFUE)
No âmbito daquelas competências que não são exclusivas, isto é, onde quer a UE
quer os estados-membros podem legislar, é preciso saber em que casos deve ser a União a
legislar e quando é que os estados-membros o devem fazer.
Existe ainda outro princípio que se aplica a todas as competências e que guia a UE
quando exerce as suas competências: o princípio da proporcionalidade (que tem a ver com a
intensidade do exercício das competências)
58
○ Este princípio só se aplica no exercício de competências não exclusivas
○ Princípio típico dos estados federais e regionais embora não seja estranho aos
estados unitários (ex.: CRP art.º6)
○ Traduz a ideia de que as decisões devem ser tomadas o mais próximo possível
dos seus destinatários
○ Introduzido formalmente no Tratado de Maastricht para compensar o
alargamento das atribuições da UE, o aumento do nº de caso em que o
Conselho passou a votar por maioria qualificada e o reforço dos poderes do
PE
○ Integra um movimento de constitucionalização do DUE por permitir uma
maior participação dos seus cidadãos, principalmente através dos
parlamentos nacionais, havendo um reforço do princípio democrático
○ No âmbito de uma competência não exclusiva, a EU só deve atuar quando os
estados-membros não possam atuar de forma suficiente e eficiente
○ A ação da UE está limitada por dois critérios
■ De descentralização
■ A EU só pode atuar se os objetivos não poderem ser
suficientemente alcançados pelos estados-membros
■ De eficiência ou valor acrescentado
■ A UE só pode atuar se os objetivos poderem ser melhor
alcançados a nível supranacional, tendo em conta a dimensão
da ação e os seus efeitos (se extravasam o nível nacional
geralmente este critério cumpre-se)
● Proporcionalidade
○ Art.º 5/1 e 4 do TUE
○ Uma ação da UE, independentemente da competência, não pode exceder o
necessário para alcançar os objetivos previstos no tratados
○ O princípio da proporcionalidade está associado a 3 conceitos: proibição do
excesso (proporcionalidade em sentido estrito)- tem de haver uma relação de
justa medida entre a ação e os efeitos produzidos; a necessidade da atuação,
que implica que a medida seja exigível de tal modo que não se possa dizer
que os objetivos poderiam ter sido alcançados por outros meios menos
onerosos; a adequação dos meios, que devem ser idóneos e apropriados para
o objetivo que se visa alcançar.
○ Uma ação da UE deve sempre escolher as medidas menos onerosas,
prejudiciais ou rígidas, quando existam várias opções. O princípio da
proporcionalidade implica uma análise custo-benefício e também se aplica
aos estados-membros, principalmente quando se adotam medidas restritivas,
nomeadamente à luz do mercado interno.
59
V- propostas legislativas
Suponha o seguinte:
a) Aquando da adoção da proposta de Diretiva, a Comissão apenas a
enviou ao Parlamento Europeu e ao Conselho;
b) A proposta era omissa quanto à ficha de impacto do ato
legislativo;
c) Quinze parlamentos nacionais manifestaram-se contra a adoção da
referida Diretiva, considerando que devem ser os Estados-Membros,
de acordo com as suas realidades e especificidades nacionais, a
legislar sobre a matéria.
Quid iuris?
60
● Nos termos do nº 3, caso o número de pareceres atingir, pelo menos, a maioria
simples do número de votos dos parlamentos nacionais a proposta deve re-analisada
e o legislador deve ter em conta a compatibilidade da proposta com o princípio da
subsidiariedade, tendo especial atenção às razões expressamente invocadas pelos
parlamentos nacionais (art.º 3/a) → cartão laranja
● Nos termos do art.º 3/b), há um afastamento automático da proposta no caso de, na
ponderação exigida na verificação do disposto da alínea anterior, se atingir a maioria
de 55% dos membros do Conselho, ou a maioria dos votos expressos no PE, e por
isso o legislador considerar que a resposta não é compatível com o princípio da
subsidiariedade → cartão vermelho
Ficha prática nº 6
I- Acórdão AETR
Quid iuris?
Este caso está inserido no âmbito do princípio da atribuição, sendo que o acordo em
causa era relativo às tripulações de veículos e aplicava-se aos motoristas rodoviários.
Como argumentos, usa o atual artigo 91º do TFUE que refere expressamente que, no
âmbito de um política comum de transportes, as comunidades podiam adotar todas as
disposições adequadas, o que incluía a celebração de convenções internacionais. Para além
disso, já existiam atos/regras internas sobre pelo menos parte desse domínio.
61
Historicamente, através de vários mecanismos, a UE foi muitas vezes além daquilo que era
competente, à primeira vista, pelo princípio da atribuição. Estes mecanismos que
permitiram o alargamento do âmbito de ação das competências da UE podem ser
sintetizados em três (segundo Gorjão-Henriques):
É por essa razão que o Tratado de Roma tinha poucas referências às competências
externas das Comunidades, ou seja, à afirmação da sua participação nas decisões
internacionais (possibilidade de concluir acordos internacionais), não obstante de, desde o
início, ter ficado expresso nos tratados que as comunidades tinham personalidade jurídica
(atual artigo 47º do TUE). Tal significa, essencialmente, que nas relações externas a UE goza
da capacidade de estabelecer vínculos com estados terceiros ou outras OI, isto é, que tem
capacidade jurídica internacional.
62
esta estivesse expressamente prevista nos tratados (ou a competência está atribuída e
existe, ou não está atribuída e não existe). Assim, segundo o conselho, olhando para o atual
artigo 91º do TFUE, a competência da CEE era no plano estritamente interno. Mesmo que se
pudesse extrair deste artigo uma competência externa, esta nunca seria exclusiva, pelo que
os estados-membros poderiam concluir convenções internacionais.
2. Para se saber, num dado caso, se a comunidade tem ou não competência para
celebrar acordos internacionais é necessário fazer uma interpretação sistemática dos
tratados e atender às disposições materiais.
4. Sempre que no âmbito de uma política comum, como neste caso, a comunidade
adote atos que instituem regras comuns, como também se verificava aqui, os
estados-membros coletiva ou individualmente, deixam de ter o direito de contrair
com estados terceiros, obrigações que afetem essas regras comuns. À medida que se
instituem regras comuns num dado domínio, só a comunidade pode assumir
obrigações com estados terceiros.
A principal inovação deste acórdão foi, por isso, instaurar o princípio do paralelismo
das competências que estende, ainda que implicitamente, a competência interna da
CEE à competência externa (internacional) quando tal seja necessário para a
realização dos seus objetivos.
NOTA: nos termos do artigo 218º/11 do TFUE, pode ser pedido um parecer do TJ quanto à
compatibilidade de um projeto de acordo com os tratados, pelo que se for emitido um
parecer negativo, o projeto não pode entrar em vigor a menos que tenha sido alterado ou os
tratados revistos.
63
podiam ser adotadas por convenções internacionais (quando a única forma de exercer
competências internas é através de acordos internacionais)
O TJUE diz que, por um lado, sempre que o DUE confira às instituições competências
a nível interno, com vista a realizar um objetivo, a UE fica investida igualmente de
competências externas para a realização desse objetivo, mesmo na falta de uma disposição
prévia nesse sentido (princípio do paralelismo e das competências implícitas). Por outro
lado, sempre que haja o risco de violação de regras comuns da UE ou da alteração do
alcance dessas regras internas por força de compromissos internacionais assumidos pelos
estados-membros, esse risco justifica a existência de uma competência externa exclusiva da
UE. Deste modo, pode haver uma competência exclusiva no plano externo para conclusão de
tratados sobre uma matéria que não é da competência exclusiva a nível interno. Para além
disso, esse risco é tão mais evidente quanto mais a UE tenha exercido a sua competência no
domínio em causa (esta ideia decorre do princípio da preempção), ou seja:
É importante esclarecer que para que possamos concluir que a UE tem competência
internacional num dado domínio e para perceber se a competência é exclusiva, é preciso
fazer uma avaliação casuística para saber se o risco é efetivado, ou seja, uma análise global
entre o acordo projetado e o DUE em vigor para verificar se esse acordo põe em causa a
aplicação uniforme e coerente das regras da UE e o bom funcionamento das regras
existentes.
64
Já no acórdão AETR, o regulamento invocado é posterior ao início das negociações do
acordo pelo que, no momento em que as negociações do acordo se desenvolveram, a UE
ainda não tinha exercido a sua competência no domínio da política comum dos transportes.
Assim, tendo especialmente em conta o facto dos estados-membros terem coordenado a
sua ação em conselho, a competência para celebração dos acordos era dos estados.
Note-se que o atual art.º 3/2 TFUE, consagra as conclusões desta jurisprudência do
TJUE. A UE tem competência exclusiva para celebrar acordos internacionais em 3 hipóteses:
Neste caso, releva o artigo 352º do TFUE, antigo art.º 235º do TCEE. Este artigo
corresponde ao que se designa na doutrina como cláusula de flexibilidade/de
subsidiariedade/dos poderes subsidiários.
65
○ nas situações em que, para uma ação, existe um fundamento expresso ou
explícito mas que é insuficiente para constituir um fundamento adequado
para os atos que se querem adotar.
Antes do Tratado de Lisboa, a cláusula de flexibilidade foi usada diversas vezes para
integrar lacunas dos tratados, sendo usada pela primeira vez em 1962 e depois empregue
inúmeras vezes em vários domínios.
Após este tratado, não se tem em mente um caso em que a cláusula de flexibilidade
tenha sido usada neste contexto, uma vez que o tratado aditou inúmeras bases jurídicas e
procurou proceder uma delimitação mais clara das competência da União. Para além disso,
o recurso a este mecanismo obriga à unanimidade, o que dificulta procedimentalmente a
sua ativação.
66
● A impossibilidade de, com base neste artigo, se fundar o que o TJ designa como "um
salto qualitativo de integração"
Ou seja, o artigo não pode constituir fundamento para alargar o âmbito das
competências a UE para além do quadro geral resultante do conjunto das disposições do
tratado e não pode servir de fundamento à adoção de disposições que, em substância ou
nas suas consequências, correspondem a uma alteração dos tratados que escape aos
processos de revisão estabelecidos
Note-se que o parecer do TJUE 2/94, relativo à primeira tentativa de adesão das
comunidades à CEDH incidiu sobre esta matéria. À data, a base jurídica que possibilitava a
adesão da CE à CEDH era a cláusula de flexibilidade. Assim, o TJUE diz que a utilização desta
cláusula implicava uma verdadeira alteração constitucional, alargando o âmbito das
competências da comunidade para além daquilo que era o seu quadro geral (daquilo que
resulta da interpretação sistemática dos tratados), por isso a adesão só podia ser alcançada
através da revisão (o que veio acontecer no tratado de Lisboa).
67
O princípio da efetividade diz-nos que as modalidades processuais destinadas a
assegurar direitos conferidos pelo DUE não devem ser estruturadas de modo a impossibilitar
na prática ou a dificultar excessivamente o exercício dos direitos exercidos na UE.
Contudo, o instituto do caso julgado tem muito poucas exceções, pelo que, quando
transita em julgado, a decisão se "cristaliza" na ordem jurídica. O TJUE reconhece esta ideia,
daí que o princípio da efetividade não possa ser aplicado neste caso, não sendo o juiz
obrigado a desrespeitar o caso julgado.
Ficha prática nº 7
I- Fontes de direito
Quid iuris?
Este caso é referente à matéria das fontes de direito. O sistema de fontes divide-se
em dois grandes grupos: o direito originário/primário, composto principalmente pelos
tratados e o direito derivado/secundário onde, nos termos do art.º 288º do TFUE, se
incluem os regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.
○ não legislativos
● atos delegados (adotados pela comissão nos termos do art. 290º TFUE)
68
● de base (correspondem ao exercício de um poder regulamentar autónomo)
○ Ex.: atos de aprovação de regulamentos internos de funcionamento das
instituições
● de execução (podem ser adotados por uma instituição, ao abrigo do art. 291º
TFUE
○ Existe uma presunção de legalidade a favor das normas e dos atos da União Europeia
– quem invoca a invalidade de uma norma, tem o ónus de a provar
○ Os atos legislativos estão sempre sujeitos a publicação no jornal oficial da União, para
que possam ser conhecidos pelos seus destinatários – art. 297º TFUE. No caso de um
ato não legislativo que tenha destinatários concretos não há publicação, mas antes
notificação
O nosso caso prático remete para um regulamento – art. 288º/2º parágrafo do TFUE.
Enquanto ato juridicamente vinculativo da UE, o regulamento apresenta três grandes
características:
69
interno, o seu conteúdo, nem modificar o sentido e alcance das suas normas, nem as
aplicar de forma parcelar ou incompleta. Não podem também invocar o seu direito
interno nem a sua objeção à adoção do regulamento, para não o cumprir
Para além disso, apesar desta situação não contender diretamente com o reenvio
prejudicial, não deixa de existir uma afetação das competências do TJ. Suponha-se que o TJ
declarava que o regulamento era nulo, em Itália, essa decisão não produziria efeitos
relativamente às normas transpostas.
70
regulamentos, sendo que o cumprimento desse dever é um requisito essencial para a
aplicação uniforme e simultânea dos regulamentos em toda a UE
II - Os regulamentos
Neste caso, temos um regulamento que previa que determinados produtos frescos,
destinados a serem entregues aos consumidores, tinham de observar certas normas de
qualidade e só podiam ser vendidos se as respeitassem, sendo que os estados-membros
podiam designar os organismos responsáveis por efetuar o controlo do cumprimento dessas
normas de qualidade. As uvas integraram a lista de produtos a que estas normas se aplicam.
Tendo isto presente, a Muñoz, entendia que as uvas que a Frumar começou a vender
eram da mesma variedade que as que a Muñoz vendia, sendo que a Frumar não respeitava
as normas de qualidade do regulamento, facto que se vem a comprovar.
É indubitável que os regulamentos têm efeito direto, mas este não é absoluto e por
isso não impede que haja normas sem efeito direto: as normas que não forem precisas,
suficientes, incondicionais e prescritivas não têm efeito direto vertical ou horizontal.
Deste modo, o efeito direto das normas dos regulamentos pode-se colocar em causa
quando estas carecem de medidas de execução pelos estados-membros – aparentemente
não são suficientes. Mas o TJ já reconheceu que essa suficiência só não se verifica quando é
dado ao estado-membro uma ampla margem de conformação ou apreciação quanto à
medida de execução. Se houver uma ampla discricionariedade, então a condição da
71
suficiência não está preenchida. Se o estado-membro gozar apenas de uma diminuta ou
reduzida margem de discricionariedade, o TJ já reconheceu o efeito direto da norma em
questão.
Quanto à situação concreta, o TJ reconhece que o art. 3º tem efeito direto, com base
nos seguintes argumentos:
III - As diretivas
Quid iuris?
Por norma, as diretivas fixam elas próprias o prazo máximo de transposição/
implementação de todas as medidas nacionais necessárias à efetividade da diretiva.
Neste caso, no fim desse prazo, a Alemanha não havia transposto a diretiva. Assim, a
comissão lança uma ação por incumprimento (Art. 258º TFUE), todavia, a Alemanha diz que
já havia transposto a diretiva através de uma circular.
● O facto de se tratar de uma circular interna da administração e por isso não ser
pública ou conhecida pelos cidadãos, pode ter algum impacto? Só posso invocar um
direito que eu conheça, logo é necessário publicidade do ato.
72
● A própria natureza das circulares permite que estas sejam livremente modificadas e
revogadas a qualquer momento, pelo que esta forma de transposição não garante a
segurança e certeza jurídica
73
transposição por remissão, invocam-se as duas, a norma que remete e a
norma comunitária
● No caso de uma transposição por circular: como esta pode ser modificada a qualquer
momento, não constitui uma forma de transposição que respeite as obrigações
decorrentes dos tratados, daí não poder ser usada. O TJ reconhece que não estão
satisfeitas as necessidades de clareza, segurança e publicidade através da circular
● Nas situações de transposição por remissão: o TJ reconhece que, efetivamente, a
transposição para o direito nacional de uma diretiva não exige que a diretiva seja
reproduzida formal e literalmente num ato interno, pelo que pode haver essa
transposição por remissão. Mas tal só é possível quando a margem de conformação
do legislador nacional para saber quais os meios empregues para a transposição for
inexistente ou reduzida.
○ este tipo de transposição pode ser utilizado desde que se garanta a plena
aplicação da diretiva, de forma suficientemente clara e precisa – se a diretiva
criar deveres e direitos a favor de particulares, a remissão só pode ser válida
se os particulares poderem tomar conhecimento das disposições que lhes são
aplicadas – têm de ficar informados exaustivamente quanto à informação.
■ Uma simples disposição genérica não é suscetível de assegurar o
conhecimento exaustivo, tendo de ser recusada
IV - Atos atípicos
O artigo 263º do TFUE refere-se à anulação, sendo que, nos termos do mesmo,
apenas atos legislativos (que não sejam recomendações ou pareceres) ou atos que têm
caráter vinculativo, que se destinam a produzir efeitos relativamente a terceiros é que
podem ser alvo de anulação pelo TJ.
Posto isto, um código de conduta é um ato não legislativo, ademais, a comissão não
tem funções legislativas, mas apenas poder de iniciativa. Este ato é também um ato atípico,
não existindo menção ao mesmo no art. 288º ou noutras disposições dos tratados e integra,
por isso, a categoria da soft law criando um conjunto de regras, princípios, compromissos e
74
linhas de ação que, em princípio, não têm força vinculativa (embora na prática esses atos
produzam certos efeitos jurídicos, na medida em que influenciam/conformam as atuações
das instituições ou dos estados-membros).
Não obstante, considera-se que os atos atípicos geralmente não tem força jurídica
vinculativa, com as seguintes exceções:
Note-se que é necessário analisar o concreto conteúdo do ato e não a sua forma: se
um ato atípico produz, em relação a terceiros, efeitos jurídicos obrigatórios, criando direitos
ou impondo obrigações, não pode ser considerado como não vinculativo
Quanto ao caso concreto, o TJ entende que o código de conduta se trata de um ato
destinado a produzir efeitos jurídicos próprios, mesmo que distintos do regulamento,
podendo ser objeto de um recurso de anulação.
V
O caso prático evidencia o efeito direto vertical descendente (invertido), sendo que
este é proibido.
Por um lado, as diretivas (nos termos do artigo 288º/3º parágrafo do TFUE) são
instrumentos carecidos de transposição dos estados-membros, dentro de um dado prazo
que a própria diretiva fixa e por isso mesmo, por se tratarem de atos incompletos e por
terem como destinatários os estados-membros, numa fase inicial entendeu-se que as
normas das diretivas não produziam qualquer efeito direto.
Note-se que o efeito direto é uma das particularidades da ordem jurídica da EU e foi
elaborado pelo TJ (no caso Van Gend & Loos).
Pese embora a jurisprudência inicial acerca do efeito direto, esta veio a ser
flexibilizada, permitindo que as normas sejam invocadas quer enquanto garantias de defesa,
quer enquanto standards de revisão das normas nacionais (efeito direito de exclusão).
No caso particular das diretivas, mais tarde, de modo a evitar que os particulares se
vissem lesados por duas situações patológicas: a não transposição de uma diretiva pelo
estado-membro no prazo fixado ou a sua transposição deficiente (incompleta ou incorreta),
o TJ desenvolve jurisprudência na qual admite efeito direto de normas das diretas quando
estas preenchem os requisitos do efeito direto (quando são normas precisas, incondicionais,
suficientes e prescritivas), ainda que a diretiva não tenha sido transposta ou tenha sido
deficientemente transposta.
75
Nestas situações, o TJ admite que um particular possa invocar as normas destas
diretiva contra o estado- reconhece-lhes efeito direto vertical.
NOTA: Vale a pena relembrar que se houver lugar à transposição atempada e correta de uma
diretiva, os particulares deverão invocar em juízo as normas nacionais de transposição e não
as normas da diretiva.
Ora, o caráter obrigatório das diretivas apenas diz respeito aos estados-membros
(são os seus destinatários exclusivos), pelo que uma diretiva, per si, não pode criar
obrigações para os particulares. Assim, se se permite o efeito vertical ascendente de dadas
disposições das diretivas, já não se consente o efeito direto vertical descendente e por isso a
diretiva não podia ser aplicada enquanto tal, neste processo. Um estado-membro não se
pode valer de um incumprimento seu para fundamentar a responsabilidade penal de um
particular.
Contudo, poder-se-ia colocar a questão de saber se ainda assim o juiz nacional podia,
por via do princípio da interpretação conforme, ter em conta as normas da diretiva
enquanto elemento hermenêutico e com isso garantir a responsabilidade/condenação desta
empresa.
76
Decorre do princípio da interpretação conforme que o juiz nacional tem a obrigação
de interpretar o direito nacional à luz do DUE. No caso das diretivas, tem de interpretar a lei
nacional para fazê-la corresponder ao texto e às finalidades da diretiva, com o objetivo de
atingir o resultado obrigatório prosseguido pela mesma.
Ficha prática nº 8
77
legítima a distinção entre os trabalhadores ausentes, por se encontrarem de baixa e aqueles
que estão ao serviço, o TJ responde que a diretiva não faz essa distinção e por isso, uma
ausência de um trabalhador por motivo de doença não se opõe à constituição do seu direito
a férias remuneradas, pelo que, a legislação francesa é, de facto, incompatível com esta
diretiva.
2. Poderá o artigo 7.º, n.º 1 da Diretiva ser, de algum modo, utilizado pelo juiz
nacional, de forma a garantir o direito a férias de D?
a) Sendo a sua resposta negativa, disporá D de alguma via alternativa, para
efeitos de ver ressarcido o dano decorrente desta situação?
Como vimos, nos casos em que houver uma transposição errada de dadas normas da
diretiva é possível o particular invocar, perante um tribunal nacional, as normas dessa
diretiva, desde que preenchidos dois requisitos:
● que a norma cumpra os requisitos do efeito direto
● que se trate de uma relação de natureza vertical
Assim, como compensação desta falta de efeito direto e para dar resposta a situações
de injustiça que pudessem ocorrer (ex.: um trabalhador com uma entidade empregadora
pública poder-se-ia fazer valer de normas de diretivas que preencham os requisitos do efeito
78
direto, enquanto outro, com uma entidade empregadora privada não) o TJ, na sua
jurisprudência, encontrou algumas soluções alternativas que visam satisfazer um particular
que se sinta lesado pela inexistência ou incorreta transposição da diretiva.
Essa vias de solução podem ser desdobradas em três:
79
adotar todas as medidas gerais e especiais adequadas ao cumprimento dessa
obrigação
○ O direito deve ser interpretado à luz das finalidades da diretiva, de forma a
cumprir o art. 288º/ 3º parágrafo do TFUE. No entanto, conhece alguns
limites:
■ O respeito pelos princípios gerais de direito, pelo que não pode haver
interpretação conforme se do resultado dessa interpretação resultar
uma interpretação que viole os princípio gerais de direito
■ A interpretação conforme não pode servir de fundamento para uma
interpretação contra legem do direito nacional
■ Não pode servir de fundamento para a responsabilidade penal dos
particulares
Neste caso, o TJ não tem dados suficientes para saber se o centro integra ou não o
conceito amplo de estado mas, em princípio, integra, uma vez que as funções de segurança
social integram as funções clássicas dos estados, isto é, esta é uma função integrada nas
funções soberanas dos estados. Seria também irrelevante saber se a relação era regida por
direito privado ou público e se não fosse possível reconduzir o centro ao conceito alargado
80
de estado seria sempre possível tutelar a posição de D através da interpretação conforme ou
da responsabilidade civil extracontratual do estado por violação do DUE.
Esta questão implica saber se a legislação nacional é ou não conforme com o DUE,
isto é, saber se há uma transposição incorreta da diretiva; saber se a norma tem efeito
direto e saber qual a natureza da relação em causa.
Além disso, a legislação alemã não é compatível com o DUE, considerando que o
direito a férias é um princípio de direito social de DUE, previsto na diretiva, que não pode ser
derrogado pelos estados-membros e cuja concretização pelas autoridades nacionais só pode
ser efetuada dentro dos limites da diretiva. A isto acresce que, na sua vertente financeira,
este direito tem natureza estritamente patrimonial, de modo a que a morte do interessado
não pode privá-lo desse património retroativamente e, consequentemente, deve ser
entregue àqueles que por via sucessória passem a gozar do mesmo.
Por fim, a relação do caso é de natureza pública, pelo que a haver efeito direto este
seria vertical.
Assim, parece que Maria podia invocar este artigo contra o município, garantindo
assim a atribuição do benefício financeiro e o consequente afastamento da legislação
nacional contrária ao DUE, fazendo uso de um efeito direto de substituição.
81
2. Martina Broßonn encontra-se na mesma situação, porém, o seu marido era,
à data do falecimento, trabalhador da empresa privada Willmeroth.
Neste sentido, o TJ invoca que o artigo 51º, ao contrário do que se sucede no artigo
288º/3º parágrafo do TFUE (respeitante às diretivas) não exclui os particulares como
destinatários da Carta, sendo apenas omisso quanto a saber se os particulares podem ou
não ser destinatários da mesma.
Para que as normas da Carta possam ter efeito direto horizontal têm de estar
reunidas duas condições:
● A norma tem de conceder um direito subjetivo
● A norma, atendendo ao seu conteúdo, tem de ser incondicional e suficientemente
precisa
○ A norma é incondicional quando é aplicada sem reservas e condições, não
necessitando de ouras medidas por parte dos estados-membros ou da UE
○ É suficientemente precisa quanto enuncia uma obrigação em termos
inequívocos
82
Posto isto, o TJ diz que é este o caso do artigo 31º/2, que tem caráter imperativo e
incondicional não carecendo, quanto à existência do direito de qualquer intervenção do
legislador nacional ou da EU, que so é chamado a concretizar as condições de exercício, não
podendo pôr em causa o próprio direito e o seu núcleo essencial.
Também aqui, se não fosse possível uma interpretação conforme do direito nacional
à luz da Carta, o juiz estava obrigado pelo princípio do primado a afastar a lei nacional e
aplicar o artigo 31º/2 da Carta, fazendo decorrer o direito da autora dessa norma- efeito
direto de substituição.
III
1. B decide, com base na Diretiva, cujo artigo 2.º não encontrava amparo em
qualquer norma nacional, acionar a Secretaria de Estado competente.
Considerando a natureza da Secretaria de Estado, analise a possibilidade de
invocação da Diretiva neste litígio.
Neste caso, a natureza da relação é vertical, pois a secretaria de estado integra o
governo; a norma tem efeito direto, pois impõe uma obrigação que tem como correspetivo
o direito para um particular, parece ser prescritiva, suficiente e incondicional; e estamos
perante uma não transposição da diretiva. Assim, B poderia invocar a diretiva em juízo num
tribunal nacional.
No caso concreto estamos perante uma relação triangular (entre o Estado [E], o dono
da pedreira [X] e B). Deste modo:
83
Neste caso, o estado estaria obrigado a realizar a avaliação de impacto, o que
obrigaria X a suspender a exploração da pedreira ou, se o resultado da avaliação for
negativo, terminar com a mesma. Todavia, estas são apenas repercussões negativas do
efeito direto vertical, coisa diferente seria se em causa estivesse o cumprimento por X de
uma obrigação, ou seja, se a norma da diretiva, ainda que invocada contra o estado,
obrigasse X a algo pelo que aí estaríamos perante efeito direto horizontal e a invocação não
seria possível.
Ficha prática nº 9
● Por outro, tem subjacente a ideia de que a cada direito conferido pelo ordenamento
jurídico da UE deve corresponder um meio judicial para o efetivar, ainda que esse
84
meio de tutela não provenha do sistema jurídico da UE, onde o acesso dos
particulares é muito limitado.
○ E dessa forma garantir o princípio da tutela jurisdicional efetiva
Note-se que não existe nenhuma relação de hierarquia entre o TJUE e os tribunais
nacionais (a ordem jurídica nacional e a ordem jurídica da UE são autónomas), o que
significa que o TJ não tem poderes para anular uma norma nacional ainda que essa norma
contrarie o DUE, nem tem poderes para rever ou alterar uma decisão proferida pelos
tribunais nacionais.
Claro está que se o Tribunal nacional submeter questões prejudiciais do TJUE fica
vinculado às respostas que o TJUE der , mas a decisão final é sempre do juiz nacional.
O juiz nacional, sendo o juiz comum do DUE (por força do princípio da aplicação
descentralizada do DUE) é muitas vezes chamado (oficiosamente - por sua própria iniciativa -
ou a requerimento das partes), a aplicar/interpretar uma norma de DUE (quer se trate de
normas de direito originário, quer se trate de normas de direito derivado).
● Tal acontece por força da aplicabilidade direta (no caso dos regulamentos), por força
do princípio do primado, do efeito direto ou ainda por força do princípio da
interpretação conforme.
Confrontado com essa tarefa, podem surgir dúvidas ao juiz nacional sobre:
● a interpretação da norma de DUE (sobre o seu sentido e alcance);
● a compatibilidade de uma norma nacional com DUE (o que não deixa de ser uma
questão de interpretação do DUE, de saber se o DUE permite um regime nacional
daquele género);
● quanto à validade de um ato de direito derivado do DUE.
Assim, se este mecanismo não existisse e por isso se cada juiz, mesmo que tivesse
dúvidas, pudesse decidir como bem entendesse, teríamos uma situação em que as normas
de DUE teriam um significado e alcance distinto entre os vários estados-membros e mesmo
dentro do mesmo estado-membro.
85
Note-se que quanto às questões prejudiciais, como o próprio nome indica, estas
precisam de ser prejudiciais, ou seja, terem relevo ou serem necessárias à decisão da
questão principal/da causa.
● Temos um litígio perante um tribunal nacional e surge uma questão quanto ao DUE.
A questão é prejudicial, se a resposta que se dá ao litígio está dependente da
resposta que se dá à questão prejudicial (a resposta do reenvio prejudica a resposta
ao litígio).
Além disso, em matéria de reenvio, uma das questões mais relevantes é determinar o
que é um "órgão jurisdicional nacional". A tarefa de determinar a interpretação do que é um
"órgão jurisdicional nacional" poderia ficar a cargo dos direitos nacionais (cada
estado-membro definiria a expressão no seu ordenamento jurídico) ou o DUE poderia criar
um conceito autónomo de órgão jurisdicional nacional. Quanto à questão, o TJ apontou para
esta segunda hipótese e apesar de não ter formulado até hoje uma definição de "órgão
jurisdicional nacional" tem apontado os critérios que um órgão jurisdicional nacional tem de
cumprir para ser considerado como tal (que se agrupam em critérios materiais, orgânicos e
processuais).
1. A composição do órgão não deve ser deixada à livre escolha das partes
2. O órgão deve funcionar de acordo com o princípio do contraditório
3. O órgão deve ser chamado a aplicar normas de direito.
○ Isto é, a decidir segundo o direito e não segundo a equidade e as partes
devem-se dirigir ao órgão como instância judiciária de resolução de litígios
4. O órgão deve ser independente, permanente, ter origem legal e ser de jurisdição
obrigatória para as partes
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○ Na alínea b) do referido artigo, o conceito de "atos adotados" tem sido
interpretado pelo TJ de modo muito lato para incluir recomendações,
resoluções do conselho, princípios gerais de direito e acórdãos do próprio TJ
(ex.: o esclarecimento de uma decisão anterior sua), ou mesmo se forem
questões prejudiciais para interpretar acordos internacionais concluídos pela
UE e atos adotados nesse âmbito
Porém, nem todo o direito derivado pode ser objetivo do reenvio prejudicial (de
validade ou de interpretação). Não estão abrangido pelo artigo 267º todos os setores para
os quais o TJ não tem competência, ou seja:
● a PESC
○ nos termos do artigo 275º TFUE, com as exceções aí previstas
● certos domínios do ELSJ
○ nos termos do artigo 276º TFUE
NOTAS: se a questão colocada fosse a de avaliar a validade de uma norma nacional à luz de
uma diretiva, o tribunal de justiça não tem competência para o fazer. O TJ apenas declara a
conformidade ou a desconformidade da norma nacional com o DUE, depois compete ao
órgão jurisdicional atuar em conformidade com a decisão através da desaplicação da norma
ou através da interpretação conforme, se fosse possível.
Quando o juiz procede à questão para ao TJ o processo principal fica suspenso a aguardar a
decisão da questão prejudicial
● Reenvio facultativo
○ Art.º 267/2º parágrafo
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○ Este é o regime regra e reconhece aos órgão jurisdicional nacional a mais
ampla faculdade de suscitar questões ao TJ relacionadas com a interpretação
ou validade de normas do DUE
● Reenvio obrigatório
○ Art.º 267/3º parágrafo
○ Se se tratar de um órgão jurisdicional nacional que decida em última
instância, este está obrigado a proceder ao reenvio
A este propósito, tem-se colocado uma questão na doutrina que se relaciona com a
identificação dos tribunais que estão obrigados a proceder ao reenvio dando origem a duas
teorias:
● Teoria orgânica
○ Só os tribunais nacionais que tivessem colocados no topo da hierarquia
judicial é que estariam obrigados a submeter uma questão prejudicial (no
caso português o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional)
Posto isto, conclui-se, quanto à primeira questão do enunciado, que o tribunal não
estava obrigado a enviar a questão ao TJ e o reenvio seria facultativo.
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Note-se que a decisão de suscitar uma questão prejudicial perante um TJ prende-se
exclusivamente ao juiz nacional não obstante da pronúncia do TJ poder ser requerida pelas
partes, da mesma forma que é apenas e só ao juiz nacional que compete identificar a
existência de uma questão prejudicial de DUE. Por outras palavras, quer se trate de um
reenvio facultativo ou obrigatório o juiz nacional atua com autonomia na deteção e
afirmação da existência de uma questão prejudicial de DUE. A única diferença reside no
seguinte: se se tratar de um tribunal que decide em última instância, uma vez afirmada a
existência da questão prejudicial ele está obrigado a reenviá-la ao TJ e se se tratar de um
tribunal que não decide em última instância o juiz pode não enviar a questão o TJ.
Por outras palavras questiona-se se estará, ainda assim, o conselho de estado (última
instância) obrigado a proceder ao reenvio prejudicial quando já não é possível a luz do
direito nacional alargar o âmbito de litígio.
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● A possibilidade das partes se servirem do reenvio obrigatório para atrasarem a
resolução do litígio e colocar em causa o efeito útil da tutela jurisdicional efetiva e o
direito de uma decisão em prazo razoável
● A possibilidade de conseguirem, por via do DUE, algo que no direito nacional se
estava a vedar (alargar o objeto do processo em curso)
Neste último ponto, o TJ exige ao tribunal nacional que, antes de decidir pela clareza
deve convencer-se que essa mesma clareza se impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais dos
outros estados-membros e ao próprio TJ
● Quando o juiz nacional faz este exercício, não vale apenas a sua
interpretação/convicção, tem de se convencer que todos os tribunais de todos os
estados-membros e o TJ chegariam à mesma conclusão. Se, por exemplo, noutro
estado-membro a questão não fosse tão clara a teoria do ato claro já não vale
Neste sentido, a doutrina enunciou três critérios interpretativos para auxiliar o juiz
neste exercício:
● O facto dos atos da UE serem traduzidos em todas as línguas e fazerem fé em todas
elas implica que se faça uma comparação entre elas para verificar se há alguma
divergência ou dificuldades interpretativas entre elas
● O facto da UE ter uma terminologia própria torna necessário que se analise se os
conceitos do DUE coincidem com os de direito nacional
● O facto de cada disposição de DUE dever ser colocada no seu contexto e interpretada
à luz das restantes disposições e das suas finalidades (deve-se fazer uma
interpretação teleológica)
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Se com a ajuda destes critérios interpretativos, mesmo assim, o juiz concluir que não
existem elementos para se chegar a uma dúvida razoável, o juiz poderá abster-se de
submeter a questão.
Neste caso concreto, o TJ vem dizer que, se de acordo com o direito nacional o objeto
de litígio não pode ser alterado então a questão não se pode ter como pertinente ou
necessária para a questão em causa, isto desde que se respeite o princípio da equivalência e
efetividade, ou seja, não é permissível uma questão prejudicial de DUE da mesma forma que
não é permissível uma questão prejudicial de direito nacional.
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