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Sofia Marques de Aguiar Carvalho

2017/18

1.2. Situações Legislativas Internacionais


à Outra forma de se criarem normas de DIP material seria através de Convenções Internacionais
de Unificação de Direito Material, criando um direito privado internacional que prescinde do direito de
conflitos.
• Exemplos deste tipo de solução legislativa internacional são:
o Convenções de Varsóvia de 1929, relativo às condições do transporte aéreo de pessoas;
limites de responsabilidade...
o Convenções de Genebra de 1956 sobre transporte rodoviário;
o Convenções de Viena de 1980 sobre o contrato internacional de compra e venda de
mercadorias, em matéria de formação e de cumprimento do contrato (não de validade do
contrato);
à Este tipo de criação de normas de DIP material confronta-se com 4 tipos de problemas relevantes:
• 1. As convenções não abarcam todo o tipo de questões que se podem suscitar nas relações
internacionais;
o Por exemplo, a convenção de Viena 1980 não consagra normas relativas à validade do
contrato;
• 2. Os Estados são livres de ratificarem ou não, as convenções, como sucede com a
Convenção de Viena 1980 que é ratificada por todos os Estados, exceto Portugal e Inglaterra;
• 3. Existem domínios nos quais os Estados têm tradições culturais e jurídicas muito
enraizadas e dispares entre si, o que impede o desenvolvimento de um verdadeiro DIP
material;
• 4. Estas Convenções colocam problemas de interpretação, ou seja, colocam-se as regras no
papel, mas depois as aplicações das mesmas pelos Tribunais podem ser completamente
diferentes. Não existindo uma autoridade jurisdicional competente para a sua interpretação
(ex. TJUE para o DUE) é difícil existir uma interpretação conforme e uniforme;

2. Pela Via Jurisdicional


à Neste caso, as normas de DIP material seriam criadas através da atividade dos tribunais, que
adaptaram as suas normas internas a situações internacionais;
• Um exemplo prende-se com a jurisprudência francesa do séc. XX em relação a uma norma,
segundo a qual o Estado francês nas suas relações com particulares não se podia submeter a
uma jurisdição arbitral. Ora os tribunais franceses concluíram que este limite imposto pelo direito
francês não era sustentável no plano internacional, pelo que desenvolveram uma norma especial
para as situações privadas internacionais, segundo a qual se permitia aos organismos públicos
franceses sujeitarem-se à arbitragem voluntária nas suas relações contratuais com entidades
estrangeiras

C. Tese de Arthur von Mehren (1922 – 2006)

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à Esta tese foi muito importante nesta orientação substantivista, que se baseava na criação de
normas de DIP material de fonte jurisprudencial considerando que os tribunais perante uma situação privada
internacional teriam que:
• Procurar obter uma solução adequada e materialmente justa para o litígio concreto;
• Aplicar simultaneamente, de forma combinada, as várias leis em contacto com a situação de
forma a haver harmonia decisória jurídica internacional;
à Devendo procurar-se uma solução de compromisso entre as soluções apresentadas pelas várias
leis, formulando-se uma nova solução específica para regular a situação internacional controvertida.
à Ainda que este autor tenha como grande mérito o reconhecimento de que o DIP clássico tem a
insuficiência de ignorar as especificidades das situações internacionais, a sua orientação padece de alguns
problemas na medida em que embora no caso da arbitragem o juiz disponha de uma margem maior de
apreciação no domínio judicial, tal é bastante mais difícil, além de que poria em causa o mínimo de
previsibilidade relativo à regulação das situações privadas internacionais;
à Por outro lado, tal solução é bastante difícil quando as soluções legislativas dos dois
ordenamentos jurídicos, em confronto, são incompatíveis.
• Por exemplo, o que fazer se uma lei recusa a arbitragem e a outra a aceita? Ou ainda, será
que se uma lei exclui a responsabilidade civil e outra concede ao lesado uma indemnização
de 1000€, será ajustado conceder-se uma indemnização de 500€?
à Note-se, no entanto, que esta tese de Von Mehren não é de todo “descabida”, posto que ao nível
da UE, o TJUE acaba por pôr, a mesma em prática, chegando a soluções de compromisso quando estão
em confronto o direito primário da UE e o direito constitucional de um EM;

D. Existem Reflexos da Teoria do DIP material no Sistema Conflitual Português, na medida em que o nosso
sistema tem normas materiais destinadas a regular diretamente situações internacionais
à O art. 51/2º e 3º CC não visa decidir qualquer conflito de leis, estabelecendo critérios para
determinação da lei competente, mas apenas estabelecer um requisito material de organização do processo
preliminar de publicações para o casamento de 2 portugueses no estrangeiro ou de 1 português com
estrangeiro;
à O art. 2233º CC também não é nenhuma regra de conflitos, posto que apenas, impõe uma
exigência de validade para o testamento feito por português no estrangeiro (“forma solene”);
à O art. 3º CSC quanto à transparência internacional da sede da SC também consagra exigências
de validade;
à São pois normas que regulam diretamente situações privadas internacionais, pelo que de DIP
material de fonte legislativa interna;

6.5. Conclusões – Pluralismo Metodológico


à Pode concluir-se, por todo o exposto, que na regulamentação das situações privadas
internacionais coexistem diversas metodologias, pelo que se fala em pluralismo metodológico;
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à Claro que continuamos a ter um sistema de regulamentação das situações internacionais de matriz
clássica, ou seja, tendo como base as regras de conflito de leis. Não obstante, estas regras não apresentam
a sua rigidez e formalidade originais atendendo a interesses de justiça material e a interesses fundamentais
de ordem pública dos Estados;
à Por outro lado, a metodologia clássica convive com a metodologia das NAI que tem vindo a emergir
nos últimos decénios;
à Importa, no entanto, que continua a ser a metodologia clássica que tem a maior ponderação neste
pluralismo metodológico, como se pode ver pelo facto na EU a regulamentação das situações privadas
internacionais continuar a depender fundamentalmente das regras de conflitos de leis – Regulamentos
Roma I e II.

Parte II – Teoria Geral do Direito de Conflito de Leis


à Na teoria geral do direito de conflito de leis vamos abordar a regra de conflitos, o problema de
qualificação, a consideração dos sistemas conflituais estrangeiros, a aplicação do direito material estrageiro,
a ordem pública internacional e a fraude à lei;

A. A Teoria Geral da Norma de Conflitos


à A Teoria Geral das Regras de Conflitos encontra-se vertida nas disposições gerais relativas aos
conflitos de leis – art. 14º - 24º CC.
à Já no que diz respeito à EU em que os regulamentos surgem por áreas temáticas, não há nenhum
regulamento relativo à parte geral dos conflitos de leis. No entanto, cada regulamento acaba por consagrar
diversos conceitos gerais, como seja, por exemplo, o conceito de ordem pública.
à Importa ainda que as regras de conflitos de leis se diferencias das regras de direito material, na
medida em que:
• 1. As regras de direito material têm uma hipótese legal (conjunto de situações de facto) e
uma estatuição (consequência material);
• 2. As regras de conflitos de leis têm dois elementos completamente diferentes: o elemento
de conexão, o conceito quadro;
à Por outro lado, a consequência da regra de conflitos também é ela bastante diferente, posto que
apenas designa qual a ordem jurídica competente para dar resposta ao problema material colocado (não dá
portanto, como na estatuição, uma solução material para o caso), delimitando o âmbito de competência dos
vários ordenamentos jurídicos em contacto com a situação;

1. O Elemento de Conexão
à É o elemento de conexão que determina/ reconhece uma lei como competente para regular a
situação internacional em causa. É este elemento que destaca um dos elementos de facto que aligam a
situação plurilocalizada para reconhecer determinado ordenamento jurídico, como competente;
• Exemplos:
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o 46º CC: Local da situação das coisas;


o 43º CC: Local onde decorre a principal atividade;
o 28/1º, 31/1º CC: Nacionalidade;
à Note-se, no entanto, que o elemento de conexão reconhece competência a uma determinada
ordem jurídica, mas apenas para regular uma determinada problemática jurídica, indicada na regra de
conflitos pelo conceito quadro;
• Exemplos:
o 46º CC: Regime da posse, propriedade e direitos reais;
o 43º CC: Gestão de negócios;
à Assim, teremos que:
• Elementos de conexão à Reconhece qual a lei competente;
• Conceito-quadro à Circunscreve o âmbito de competência da lei designada como
competente (para o que é que essa lei é competente);

1.1. Diferentes Formas de Conexão


à Normalmente as regras de conflitos utilizam uma conexão simples, ou seja, um só elemento de
conexão;
• Ex. 62º CC: Lei da nacionalidade do de cujus, será a lei que rege a sucessão por morte;
à No entanto, existem regras de conflito com conexões múltiplas, ou seja, que utilizam vários
elementos de conexão, e que podem ser de três tipos:
• Conexão Múltipla Subsidiária
o Designam-se como competentes duas ou mais ordens jurídicas, mas uma das
conexões só funciona na impossibilidade da conexão principal;
§ Ex. 52º CC à 52/1º: - Lei da nacionalidade comum;
52/2º: - Lei da residência comum;
- Lei do país + por exemplo, a vida familiar;
§ 8/2º do Reg. Roma I
• Conexão Múltipla Cumulativa
o Efetiva aplicação simultânea de dois ou mais ordenamentos para a regulação da
mesma questão jurídica;
§ Ex. 60º CC à 60/1º CC: - A constituição da adoção é regulada pela lei pessoal do
adotante;
+
60/4º CC: - A adoção tem que ser permitida pela lei que regula as
relações entre o adotando e os seus progenitores;
o Para que a adoção seja possível, é necessário que ambas as leis o permitam, pelo
que as conexões múltiplas cumulativas acabam por dificultar a produção de um
determinado resultado;

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o Diferente da conexão múltipla, podemos ter ainda a cumulação de conexões, caso


em que uma determinada lei só é aplicável, quando vários elementos de conexão
apontem simultaneamente para ela;
§ Ex. 52º CC à Só se aplica a lei nacional comum, quando as duas leis nacionais
convergem na mesma lei;
o Temos ainda uma outra forma de conexão, que é a aplicação adaptada ou combinada
de várias ordens jurídicas, ou seja, os vários pressupostos de uma mesma
consequência jurídica devem ser apreciados por leis diferentes;
§ Ex. 49º CC à Capacidade matrimonial é apreciada para cada nubente pela sua lei
pessoal;

1.2. Momento Temporal Relevante da Conexão


à Os elementos de conexão podem mudar com o tempo, sendo que pela sua natureza uns serão
mais invariáveis do que outros;
• Ex. Relativamente aos bens imóveis, como o elemento de conexão é o lugar onde os mesmos se
situam, este elemento de conexão será invariável ¹ será o caso relativamente aos bens móveis, à
residência habitual, que é suscetível de mudar ao longo do tempo;
à No caso das conexões móveis ou variáveis, por vezes o legislador cristaliza no tempo, o elemento
de conexão determinando qual o momento temporal relevante;
• Ex. 62º CC: Lei pessoal do autor da sucessão “ao tempo do falecimento deste”;
• Ex. 53º CC: Lei da nacionalidade dos nubentes “ao tempo da celebração do casamento”;
à No entanto, existem conexões móveis ou variáveis, em que a regra de conflitos nada diz e é
importante fixar qual o momento temporal relevante para aferir da operacionalidade do elemento da
conexão;
• Ex. 52/2º CC: Quanto à residência habitual dos cônjuges, ela pode ser uma num determinado
momento e outra noutro momento;
• O mesmo pode acontecer num contrato de trabalho, em que o trabalhador realize a sua prestação
num Estado e, depois, noutro;
à Temos nestes casos um problema complexo de sucessão de estatutos que implica, não apenas
a consideração das regras de conflitos de leis no espaço, mas também no tempo;
à Via de regra, se o legislador nada diz, valerá a conexão atual (52º CC), no entanto os efeitos
constituídos ao abrigo do estatuto anterior, não podem deixar de ser reconhecidos;

1.3. Interpretação e Aplicação do Elemento de Conexão


à Se o elemento de conexão se refere a um puro dado de facto, como o local da situação de
determinado bem ou da ocorrência de determinado facto, então a interpretação desse conceito e a
apreciação da sua verificação em concreto não oferece particulares dificuldades, fazendo-se de acordo com
o ordenamento do foro;

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à O problema coloca-se quando o elemento de conexão faz apelo a conceitos técnico-jurídicos,


como sejam o conceito de nacionalidade, de residência habitual e de domicilio ... casos em que a
concretização do elemento de conexão se faz por recurso, via de regra, à lex causar;
à Conexão da Nacionalidade
• Serão as regras sobre a nacionalidade da ordem jurídica da pessoa em relação à qual se
discute se é ou não nacional que serão aplicáveis para determinar a sua nacionalidade de
um determinado Estado (lex causae) e não as regras da lex fori;
• No que se refere aos apátridas, a sua lei pessoal terá de ser definida por recurso a outras
conexões como, por exemplo, a da residência habitual (32º CC);
• No que se refere aos refugiados políticos, há uma irrelevância excecional da nacionalidade
posto que os mesmos rejeitam o Estado do qual são nacionais, pelo que por esta razão não
lhes será aplicável a lei desse Estado. Assim, de acordo com o art. 12º da Convenção de
Genebra relativa ao estatuto dos refugiados (1951), a lei pessoal dos refugiados será a do
Estado do seu domicílio ou da sua residência;
• Havendo um conflito positivo de nacionalidades, aplica-se o art. 27º e 28º da nossa lei da
nacionalidade;
à Conexão da Residência Habitual
• Em Portugal, o conceito de residência habitual implica a existência de habitualidade,
permanência e efetividade da residência num determinado Estado;
• No entanto, para interpretar e concretizar a conexão da residência habitual num determinado
Estado, temos que recorrer à lex causae e não à lex fori;
• Caso surjam conflitos positivos de residência habitual, é defensável que se aplique
analogicamente a solução prevista na lei da nacionalidade para o caso da dupla
nacionalidade;
• Caso surjam conflitos negativos poder-se-á recorrer a uma conexão subsidiária, como, por
exemplo, o lugar onde a pessoa se encontrar;
• Nos regulamentos da EU o conceito de residência habitual tem um significado autónomo que
acaba por ser muito aberto o que permite que as autoridades de cada EM considerem que o
sujeito tem residência habitual no seu território, o que dificulta a possibilidade ex ante para
os indivíduos quanto a saber qual a lei da sua residência habitual e que irá regular as
situações jurídicas de que sejam parte (ex: regulamento 650/2012 das sucessões);
• Não obstante, existem regulamentos, como o regulamento Roma I que define o conceito de
residência habitual de acordo com uma ideia de permanência e habitualidade mínima de 6
meses;
à Conexão de Domicílio
• Em Portugal, o conceito de domicílio consagrado no art. 82º CC corresponde, em princípio,
ao lugar da residência habitual;

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• No Entanto, no Reino Unido e na Irlanda, a conexão do domicílio representa um laço muito


mais estável que se aproxima da nacionalidade posto que é visto como “o domicílio de
origem”, ou seja, o lugar de onde sou e para onde quero voltar;
• O Regulamento Bruxelas II (divórcio/ separação e poder paternal) consagra um
entendimento de domicílio de acordo com a noção do Reino Unido e da Irlanda;
o Entre nós alguns autores defendem que a concretização do domicílio deverá ser
levada a cabo de acordo com a lex causae, tal como se faz para a conexão da
residência habitual;

2. O Conceito Quadro
à Trata-se de um conceito jurídico que individualiza uma determinada problemática jurídica para dar
resposta à qual é competente o ordenamento jurídico indicado pelo elemento de conexão;
• Ex. 49º CC: Posse, propriedade e demais direitos reais; 30º CC: tutela e institutos análogos de
proteção do incapaz;
à A função do conceito quadro, da regra de conflitos, é assim delimitar o âmbito de aplicação da
ordem jurídica reconhecida como competente pelo elemento de conexão;
à Desta forma, o objeto do conceito quadro será uma problemática jurídica (ex. tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz) e, portanto, uma questão de direito;
• Não obstante, o Savigny considerava que o objeto do conceito quadro seria, não uma
questão jurídica, mas sim uma relação jurídica, e outros autores consideram que será uma
situação da vida ou de facto;
• Ora, uma situação de facto pode desencadear muitas questões jurídicas e muitas relações
jurídicas diferentes;
o Ex. Acidente de automóvel:
§ Problemática sucessória;
§ Problemática de responsabilidade civil extra-contratual;
§ Problemática das relações entre os cônjuges (ex. responsabilidade do cônjuge do
lesante pelo pagamento das dívidas originadas pela responsabilidade civil perante o
lesado);
• Para dar resposta a estas diferentes problemáticas podem ser considerados competentes
diferentes ordenamentos jurídicos, tendo por base diferentes regras de conflitos. Assim, o
conceito quadro tem por objeto uma determinada problemática individualizada, ou seja, uma
questão de direito;

3. A Função da Regra de Conflitos


à As regras de conflitos desempenham a função de determinação da lei ou leis competentes para
regularem uma certa situação internacional;

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à No entanto, existem duas formas fundamentais de conceber a ação das regras de conflitos:
• Regras de conflitos unilaterais que delimitam a competência de um só ordenamento
jurídico;
• Regras de conflitos bilaterais que delimitam a competência de um qualquer ordenamento
jurídico, seja o do foro, seja o de uma lei estrangeira;
à Poderíamos ter ainda regras de conflitos imperfeitamente bilaterais que determinam como lei
aplicável, tanto a lei estrangeira, como a do foro, mas só se ocupam de certas situações que apresentam
contactos com a ordem jurídica de foro;
• 51/1º CC: Para que se aplique esta regra de conflitos é necessário que esteja em causa
o casamento de dois estrangeiros em Portugal;
à O Direito de Conflitos de leis portuguesas adota claramente um sistema bilateralista, na medida
em que:
• Se concebem as regras de conflitos, como normas destinadas a dirimir o concurso entre
várias leis potencialmente aplicáveis em virtude do contacto com a situação em apreço;
• Se orienta pela salvaguarda do princípio da paridade de tratamento entre a lei do foro e
as leis estrangeiras;
à No entanto, tem como exceções a existência de uma regra de conflitos imperfeitamente bilateral
– 51/1º CC – e a existência de uma regra de conflitos unilateral – 28º CC;
à Quanto à regra de conflitos unilateral do art. 28/1º CC (e art. 13º do Regulamento Roma I) a
mesma deve-se à razão fundamental da proteção de terceiros, na medida em que determina a aplicação do
direito português, de modo a evitar a anulabilidade do negócio;
• Ex. Sr. Z, natural de Singapura, tem 20 anos e celebra um contrato com o Sr. P, em Portugal, e de
nacionalidade portuguesa. O Sr. P sabia a idade do sr. Z, mas não sabia que em Singapura a
maioridade apenas se atinge aos 21 anos;
• De acordo, com o art. 28/1º CC, será aplicado o direito português, e não a lei pessoal do
incapaz;
à É claramente uma regra excecional que apenas determina a aplicação da lei portuguesa numa
situação concreta bem delimitada. Por outro lado, o próprio art. 28/3º CC vem bilateralizar a regra unilateral
do nº 1, quando a lei portuguesa consagre regras semelhantes às nacionais;
à Também o direito de conflitos da EU, é claramente bilateralista, como é notório nos regulamentos
Roma I e II;
à No entanto, atualmente assiste-se a um certo revivalismo contemporâneo do unilateralismo com
a “entrada em cena” das NAI, na medida em que estas normas atuam de modo unilateral, impondo a sua
aplicação imediata e necessária de forma autónoma e prescindindo das regras de conflitos;
à Do ponto de vista histórico, importa que nos sécs. XIX e XX houve uma grande discussão acerca
de saber se as regras de conflitos de leis deveriam ser unilaterais ou bilaterais. Enquanto que o Código Civil
francês e o Código de Seabra consagravam regras de conflitos unilaterais, o BGB introduziu as regras de
conflitos bilaterais;
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à Em 1966, havia em Portugal uma grande discussão no sentido de se consagrarem regras de


conflito bilaterais, na medida em que tal implicaria uma rutura com o modelo anterior;
à Grande parte da decadência no unilateralismo, ficou a dever-se à adoção de Convenções em
matéria de regras de conflitos de leis, visto que para que as convenções unificassem o direito de conflitos
teriam que consagrar regras bilaterais, ou seja, regras que reconhecessem e delimitassem a competência,
tanto da lei do foro, como da lei estrangeira;
à A primeira corrente unilateralista foi a do unilateralismo falta, que partia do pressuposto de que a
lei do foro é a lei de competência geral. Assim, a regra de conflitos seria um mero mecanismo de
reconhecimento e delimitação da competência de uma lei estrangeira para regular uma determinada
situação privada internacional, externa ou estranha à ordem do foro;
à A segunda corrente unilateralista foi a do unilateralismo introverso (ronaldo quadri), segundo a
qual as regras de conflito têm por função definir o âmbito de aplicação material do ordenamento do foro.
Assim, estas regras determinariam apenas os casos em que são aplicadas as normas do ordenamento
jurídico a que pertencem;
• Ex. Code Civil francês de 1800 – art. 3º alínea 3ª: “As leis relativas ao estado e à capacidade das
pessoas regem os cidadãos franceses, mesmo que residam no estrangeiro”
• O problema que se colocaria seria o de saber o que é que se passaria quando estivessem
em causa cidadãos não franceses, ou seja, como é que se determinaria a lei competente
quando se está fora do ordenamento jurídico do foro;
• O que fez a Court de Cassation foi bilateralizar pela via jurisprudencial esta regra de
conflitos considerando que estando perante cidadãos não franceses a lei competente para
determinar o estado e capacidade das pessoas, seria a lei da sua nacionalidade;
à Quanto ao bilateralismo, segundo o qual as regras de conflitos têm por função reconhecer e
delimitar a competência de um ordenamento jurídico, para o qual aponte o elemento de conexão, qual quer
que ele seja tal é importante na medida em que:
• Continuando a existir vários direitos materiais, têm as regras de conflito que apontar para
qualquer um deles, como sendo competente para regular a situação privada internacional;
à Note-se que no DUE apenas poderíamos ter regras unilaterais nos casos em que existe uma
uniformização do direito, ou seja, no que diz respeito à matéria de DUE Privado regulado nos Regulamentos
e que é ainda pouco significativa;
• Nos restantes casos em que apenas temos a harmonização do direito através de Diretivas
teremos sempre que ter regras bilaterais;
• Não obstante, consagram-se algumas vezes regras de conflitos unilaterais que têm por
objetivo assegurar uma determinada forma de aplicação material das Diretivas;
o Ex. 3/4º - Reg. Roma I: Imagine-se que as partes celebrantes de um contrato que só tem
contacto com os EM da EU, decidem submeter o mesmo ao Direito dos EUA. Esta
autonomia da vontade, da escolha da lei aplicável, não pode prejudicar a aplicação de DUE
imperativo. Ou seja, o art. 3/4º Roma I visa assegurar a competência das Diretivas;

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• Pode, no entanto, acontecer que por via das regras de conflitos bilaterais se reconheça
como competente um determinado ordenamento jurídico que, por via das suas próprias
regras de conflito, não se pretende aplicar àquela situação privada internacional;
• Ora, como as regras de conflito vão remeter para o direito material de outro ordenamento
jurídico (e não remetem para o direito de conflitos desse mesmo ordenamento), esta vai
sempre aplicar-se;
à Importa ainda que atualmente se assiste ao regresso do unilateralismo “selvagem”, ou seja, a um
unilateralismo que prescinde das regras de conflitos de lei, que tem vindo a desenvolver-se cada vez mais;
• Este unilateralismo decorre das normas de aplicação imediata, quer sejam as mesmas
definidas expressamente como NAI (art. 38º do DL 178/86 sobre o contrato de agência),
quer sejam as mesmas consideradas como NAI pela via interpretativa, atendendo às
finalidades ou interesses que as mesmas visam proteger;
• Note-se que as NAI, impondo que se apliquem as regras jurídicas do ordenamento do
foro, acabam por funcionar de forma unilateral, na medida em que reconhecem e
delimitam como competente aquele ordenamento jurídico do qual são parte integrante;

B. O Problema de Qualificação
à Já vimos que o elemento de conexão reconhece a competência de um ordenamento jurídico,
sendo que a interpretação do elemento de conexão (ex. nacionalidade) não levanta problemas posto que não
é uma operação particularmente complexa;
à Por outro lado, vimos que o conceito quadro tem por função delimitar ou circunscrever a
competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo elemento de conexão. Ora, como
o conceito quadro se refere a conceitos jurídicos, tal coloca problemas, quer de interpretação, quer de
aplicação do conceito quadro de uma regra de conflitos, na medida em que os conceitos jurídicos têm
significados diferentes em diferentes ordenamentos jurídicos;
• Ex. Conceito de casamento à há ordenamentos em que se admitem os “casamentos de facto”
(informais); noutros, os casamentos polígamos; noutros os casamentos entre pessoas do mesmo
sexo...
à Ora sendo as regras de conflitos bilaterais que podem, portanto, designar como competente quer
a ordem jurídica do foro, quer outra ordem jurídica; O conceito quadro para poder delimitar a competência
de qualquer lei terá que ser um conceito “aberto”, ou seja, um conceito universal;
à Assim, terá o conceito quadro que se referir, não a um determinado instituto jurídico (ex. gestão de
negócios), mas sim a uma determinada problemática (ex. problema de intervenção bem intencionada no património
alheio);

1. A Interpretação do Conceito Quadro da Regra de Conflitos


à A interpretação do conceito quadro pode ser levada a cabo, de acordo com 4 abordagens distintas:
• Lex formalis fori;
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• Lex materialis fori;


• Lex causae;
• Direito comparado;

1.1. Interpretação do conceito quadro, segundo a Lex Formalis Fori


à Esta interpretação do CQ de acordo com a lex formalis fori é a posição adotada pelo legislado
português, no sistema das regras de conflitos de leis;
à Esta abordagem sugere que o conceito quadro deva ser interpretado como um “conceito questão”,
ou seja, como designando um problema jurídico sobre o qual a lei competente seja chamada a pronunciar-
se;
• Assim, não deve o CQ ser, inversamente, interpretado como um “conceito resposta”, ou
seja, como um instituto jurídico que apenas pode ser entendido à de determinado direito
material positivo;
o Ex: art. 43º CC – Gestão de Negócios
§ Não pode ser entendido como o instituto da gestão de negócios, regulados nos
artigos 464º e ss CC que estabelece um determinado regime de direito material
(conceito resposta)
§ Tem que ser entendido, como visando a problemática da intervenção bem-
intencionada no património alheio;
• Só quando o CQ é interpretando como visando determinada problemática pode ter uma
dimensão universal, posto que o que os diferentes ordenamentos jurídicos têm em comum
são os problemas a resolver e não as respostas que dão aos mesmos, pois essas variam
de ordenamento jurídico para ordenamento jurídico;
o Ex. Intervenção bem intencionada no património alheio
§ PT: Pode dar lugar à indemnização do gestor pelo dominus;
§ UK: Não há lugar a qualquer indemnização;
• Claro que fazendo o CQ parte das regras de conflito do foro, tem o mesmo que ser
interpretado, de acordo com o direito do foro. Assim, a interpretação da regra de conflitos
vai ser levada a cabo de acordo com os critérios de interpretação do foro, mas de forma
independente do direito material do foro;
• O CQ vai assim ser interpretado, de acordo com a lex formalis fori, ou seja, tendo em
conta a finalidade que o CQ tem na resolução dos conflitos de leis. Que finalidade? A de
circunscrever a competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo
elemento de conexão, pelo que terá que ser um conceito aberto e universal;
• O art. 30º sugere este modo de interpretação do CQ, quando refere “tutela e institutos
análogos de proteção aos incapazes”. A expressão “institutos análogos...” ajuda a

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esclarecer de que se trata da problemática jurídica de proteção dos incapazes, e não da


“tutela”, tal como a entendemos no direito material português, pelo que o CQ inclui todos
os institutos jurídicos que visem interesses ou finalidades semelhantes (proteção do
incapaz), ainda que possam ter designações diferentes nos diferentes ordenamentos
jurídicos;

1.2. Interpretação do CQ, segundo a Lex Materialis Fori


à Esta posição, perfilhada na doutrina italiana clássica, considera que o CQ da regra de conflitos do
foro deve ser interpretado, de acordo com o significado material do direito do foro;
• Ex. 43º CC – Gestão de Negócios: “Seria interpretada de acordo com o conceito de gestão de
negócios do art. 464º CC”;
• Ex. 52º CC – Casamento e Relações conjugais: “Seria interpretado de acordo com o significado do
direito material português, ou seja, como “uma união entre duas pessoas”. Assim eventuais
casamentos a quatro pessoas não seriam automaticamente abrangidos pelo art. 52º CC;
à Tal levaria a que pudessem existir lacunas no sistema das regras de conflitos que teriam que ser
preenchidos através da criação de uma regra de conflitos ad hoc;
à Tal teoria tem, desde logo, o problema de o CQ em vez de delimitar a competência da ordem
jurídica designada, estar de imediato a resolver a questão controversa de direito material;
• Ex. Estar-se-ia, desde logo, a responder à questão de saber se há, ou não, um casamento entre
quatro pessoas;
à Por outro lado, tal abordagem poderia negar ab initio a aplicação de uma determinada lei no
próprio domínio da sua competência;
• Ex. Se, de acordo com a lei do foro, não se aceitar o casamento polígamo, então teríamos que não
haveria casamento entre 4 pessoas. Se o elemento de conexão apontar como competente a lei da
nacionalidade, esta lei competente para regular a relação entre os cônjuges não se vai aplicar,
porque se considerará, à luz do direito material português, que não há casamento;
à Por último, esta teoria viola o princípio da paridade de tratamento, dado que se condiciona a
aplicabilidade da lei estrangeira a uma pré-compreensão do caso, segundo a lei material do foro;

1.3. Interpretação do CQ, segundo a Lex Causae


à Para esta teoria, o CQ deve ser interpretado, de acordo com o significado que lhe é atribuído no
ordenamento “de chegada”, ou seja, na ordem jurídica designada competente pela regra de conflitos;
à Tal teria, desde logo, o problema do CQ não ter um significado unívoco, porque teria tantos
significados quanto os ordenamentos jurídicos existentes, o que faria com que o CQ fosse um “conceito em
branco” ou um “conceito camaleónico”;

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à Por outro lado, tal teoria também implicaria que se abdicasse do princípio base, segundo o qual a
interpretação das regras de conflito do direito português deve fazer-se, de acordo com o direito português,
ao qual essas normas pertencem;

1.4. Interpretação do CQ, segundo o Direito Comparado


à Segundo esta teoria, para interpretarmos o CQ teríamos que determinar o que é materialmente
comum a um mesmo conceito jurídico nos vários ordenamentos jurídicos;
à Ora tal seria bastante difícil, na medida em que existem conceitos de direito material relativamente
aos quais não se consegue determinar o que têm em comum;
• Ex. Conceito de casamento à monogâmico, poligâmico, de facto, entre pessoas do mesmo sexo,
entre pessoas do sexo diferente...

2. A Qualificação. O problema da Aplicação do CQ


à Aqui chegados, temos que:
• O elemento de conexão reconhece uma lei como competente;
• O CQ circunscreve o âmbito de competência dessa lei;
à Mas, como sabemos que disposições vamos aplicar do ordenamento jurídico competente?
• Vamos aplicar apenas o conteúdo normativo do ordenamento jurídico competente que
responde ao problema identificado;

2.1. O art. 15º do Código Civil


à “ A competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela
função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos”;
à O art. 15º CC é um preceito de caráter original, face às várias codificações de direito de conflitos,
existindo neste preceito legal duas grandes originalidades;
à A primeira originalidade do art. 15º é que faz uma precisão quanto ao sentido da referência feita
ao ordenamento jurídico competente;
• A regra de conflitos refere-se a normas de direito material da ordem jurídica competente;
• A regra de conflitos não atribui uma competência geral a todos os preceitos do
ordenamento jurídico competente;
• A regra de conflitos apenas reconhece competência a um ordenamento para que dele se
apliquem somente as normas materiais que respondam à questão de direito identificada
pelo CQ da regra de conflitos;
o Ex. Morte de uma pessoa casada: À lei da última nacionalidade do de cujus, reconhece-
se competência para regular apenas o problema da sucessão do de cujus;
o Assim, estando em causa também a problemática da liquidação do património
conjugal, tal não vai ser respondido pela última lei da nacionalidade do de cujus,

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mas sim, pela nacionalidade comum do casal ou da sua residência habitual, que
pode ser outra lei;
• Assim, desta primeira originalidade decorre que a referência feita a uma ordem jurídica
não é uma referência global, mas apenas circunscrita a determinadas normas. Aplicar-se-
ão, portanto, apenas as normas que respondam à questão identificada no CQ;
• Note-se que a resposta dada pelo ordenamento jurídico competente, tanto pode ser uma
resposta positiva, como negativa. Por exemplo, no Reino Unido é juridicamente irrelevante
a intervenção bem-intencionada no património alheio, pelo que não gera direitos para o
“gestor”, nem obrigações para o “dominus”;
à A segunda originalidade do art. 15º diz respeito à aplicação do CQ, ou seja, à qualificação;
• Se é certo que a regra de conflitos apenas remete para certas normas do ordenamento
jurídico competente, também é certo que teremos que saber como identificar as normas
que serão em concreto aplicáveis;
• O art. 15º CC refere que serão aplicáveis as normas cujo conteúdo e função, que têm na
lei competente, integram o regime do instituto visado pela regra de conflitos, ou seja,
integram a problemática identificada pelo CQ;
• A operação de qualificação será uma qualificação de normas, tendo que se verificar se a
norma do ordenamento jurídico competente se subsume ao CQ da regra de conflitos;
• A qualificação destas normas implica, desde logo, a descoberta da ratio das normas
materiais da lei competente por forma a determinar se as mesmas prosseguem interesses
e finalidades relativas à problemática individualizada pelo CQ;
• Por outro lado, a qualificação das normas deve ser feita no contexto da ordem jurídica a
que as normas pertencem, portanto o que se trata é de descobrir o conteúdo e as
finalidades que essas normas prosseguem nessa ordem jurídica, havendo paridade entre
a lei do foro e a lei estrangeira;
• Exemplo 1:
o Temos um contrato de compra e venda que é regulado pelo direito português à
874º e ss CC;
o É pacífico que o art. 892º CC que determina a nulidade do contrato de compra e
venda de bens alheios é uma norma claramente do domínio contratual, que fere
de invalidade um negócio jurídico que afeta patrimonialmente um terceiro;
o E o art. 877º CC referente à venda a filhos e netos? à É certo que este preceito
está sistematicamente integrado nas normas relativas ao contrato de compra e
venda. Mas qual o seu conteúdo e finalidade? à O art. 877º CC pretende evitar
que um contrato de compra e venda oculte uma doação, tendo por finalidade
assegurar uma igualdade do tratamento dos filhos e, portanto, tem finalidades que
se prendem com o acautelar das relações familiares. Assim, esta norma não será
aplicada no caso de uma compra e venda celebrada entre cidadãos estrangeiros,
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ainda que a compra e venda deva ser regulada pela lei portuguesa (porque
competente). O art. 877º CC apenas será aplicado, quando a lei competente seja
a portuguesa, mas para regular as relações entre pais e filhos (57º CC);

Hipótese prática de qualificação

à A e B celebram um contrato em PT, em 1985, que foi expressamente sujeito pelas partes à lei
portuguesa, e pelo qual, B fica devedor de uma quantia a A.
à A e B são nacionais do Estado X e, em 1986, contraem casamento no Estado X, onde sempre
residiram, tendo sido o divórcio decretado em 2006 nesse mesmo Estado X.
à Em 2005 B vem residir para Portugal.
à A intenta em PT uma ação contra B em 2016 por forma a obter o cumprimento da obrigação de
pagamento da dívida. B alega que a dívida se encontra prescrita e A invoca a aplicação do art. 318º a) CC.
à Em Portugal e no Estado X, temos um prazo de prescrição geral de 20 anos, mas o prazo não se
conta da mesma maneira, porque em Portugal existe a causa de suspensão do prazo do art. 318º a) CC, e no
Estado X não existe essa causa de suspensão da prescrição;

1º passo:
à EC
• Lei portuguesa
o Autonomia da vontade
§ 41º CC: Lei designada pelos sujeitos;
§ 40º CC: Inclui a prescrição;
§ Convenção de Roma: 3º e 10º d);
§ [Reg. Roma I: 3º e 12º d)]
• Lei do Estado X
o Nacionalidade comum
§ 52/1º CC;
§ Exclui-se do Reg. Roma I as obrigações entre cônjuges (1º e 2º b));
à CQ
• Lei portuguesa
o Competente para regular as obrigações contratuais, incluindo a prescrição;
• Lei do Estado X
o Competente para regular as relações entre cônjuges; Os efeitos pessoais do casamento;
• Os CQs referem-se a 2 problemáticas diferentes;
à No 1º passo, temos sempre que identificar quais as regras de conflitos aplicáveis, bem como qual é o
elemento de conexão e qual é o conceito quadro e como se interpreta o mesmo (lex formalis fori – como um conceito
questão que individualiza uma problemática);

2º passo: Qualificação do art. 318º a) CC

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à Sendo que do ordenamento jurídico competente só vamos aplicar as normas, cujo conteúdo e função visem
a problemática do CQ, teremos que verificar se o art. 318º a) CC visa a problemática da prescrição;
à É certo que o art. 318º a) CC está incluindo sistematicamente no domínio da prescrição e refere-se a uma
causa de suspensão da prescrição;
à O seu conteúdo determina que a “prescrição não começa, nem corre entre os cônjuges, ainda que separados
judicialmente de pessoas e bens”;
à Por que razão estabeleceu o legislador este preceito? à Se este preceito não existisse, o prazo de
prescrição começaria e correria normalmente entre os cônjuges, o que significaria que um dos cônjuges teria que
intentar uma ação contra o outro, visando o cumprimento da obrigação antes que esta prescrevesse. Se tal
acontecesse, seria um constrangimento para o cônjuge autor e também um fator de perturbação na vida do casal.
Assim, a finalidade visada pelo legislador com o art. 318º a) CC terá sido a salvaguarda da estabilidade da relação
conjugal. Deste modo, esta finalidade prende-se, não com a prescrição para a qual é competente a lei portuguesa, mas
com a relação entre os cônjuges para a qual é competente a lei do Estado X, pelo que não se poderá aplicar o art. 318º
a) CC e, consequentemente, a obrigação, de acordo com a lei do Estado X que regula a relação entre os cônjuges
estará prescrita;
à Diferente seria se estivesse em causa o prazo de prescrição (309º CC), pois o direito português é
competente para regular a prescrição;
3. Os Problemas gerados pela Qualificação no Sistema Conflitual Português
à O sistema conflitual português defende de modo rigoroso o princípio da paridade de tratamento
entre a lei do foro e a lei estrangeira a dois grandes níveis:
• Quer quanto à interpretação do conceito quadro que deve ser feita, considerando o CQ
como um “conceito questão”, ou seja, como visando determinada problemática sobre a
qual a lei competente é chamada a pronunciar-se e, tendo como finalidade, circunscrever
a competência dessa mesma lei;
• Quer quanto à aplicação do conceito quadro (15º CC), na medida em que determina que
se descubra qual o conteúdo e finalidade que as normas prosseguem no contexto da
ordem jurídica competente (quer seja, ou não, a do foro);
à Ora, esta paridade de tratamento pode gerar problemas a 3 grandes níveis:
• Conflitos positivos ou conflitos de qualificações;
• Dupla fundamentação de uma pretensão jurídica;
• Ausência de fundamentação de uma pretensão jurídica;
à ... que poderão ser resolvidos pelo recurso a dois métodos distintos:
• Hierarquização das próprias regras de conflitos;
• Adaptação das próprias regras de conflitos ou adaptação das normas materiais aplicáveis;

3.1. Os Conflitos Positivos ou Conflitos de Qualificações


à Como à partida, as regras de conflitos conferem e delimitam, através do conceito quadro, um
âmbito de competência diferente aos vários ordenamentos jurídicos os conflitos positivos são bastante raros,

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pois cada ordem jurídica será apenas competente para responder a determinada problemática, para regular
determinada matéria diferente da regulada por outra ordem jurídica;
à No entanto, pode acontecer que se apliquem, por força de duas regras de conflitos diferentes,
dois ordenamentos jurídicos que aos responderem às problemáticas para as quais são competentes acabem
por responder de forma contraditória à questão para a qual o outro ordenamento jurídico é competente. Há,
neste caso, uma autonomia, ou seja, uma contradição normativa e valorativa, ou seja uma contradição lógica
entre a aplicação das duas leis diferentes;
à Exemplo:
• Temos um contrato de compra e venda celebrado em Portugal e sujeito pelas partes ao
Direito português. Assim, por força do art. 3º do Reg. Roma I, a lei portuguesa será
competente para regular o contrato, de acordo com o critério da autonomia da vontade
das partes;
• Esse contrato de compra e venda tem por objeto um quadro valioso que se encontra na
Alemanha. Ora, por força do art. 46º, a lei alemã será a lei competente para regular o
“regime da posse, propriedade e demais direitos reais”, posto que é no território alemão
que se situa o quadro (lex rei sitae);
• Aplicando, simultaneamente, estas duas leis teremos que:
o Por força do art. 408º CC e do art. 879º a) CC, a propriedade transmite-se por
mero efeito do contrato, pelo que o contrato de compra e venda produz efeitos
obrigacionais e reais;
o Já no direito alemão, competente para regular o regime da propriedade, não vigora
a regra da transmissão da propriedade por mero efeito do contrato. Há num
primeiro momento, um contrato de alienação que apenas produz efeitos
obrigacionais, assumindo as partes, as obrigações futuras de transferir a
propriedade e pagar o preço. Há depois um segundo contrato, o contrato de
disposição, que implica a transferência da propriedade, tendo efeitos reais. E, num
terceiro momento, a transferência da propriedade verifica-se com a entrega da
coisa (bens móveis) ou com a inscrição da coisa no livro de registos (bens
imóveis);
• Ora aplicando simultaneamente o direito português e o direito alemão, cada um na sua
esfera de competência (regulação do contrato e regulação da propriedade) teremos uma
contradição lógica ou normativa. Não se poderá assim imputar ao contrato de compra e
venda sujeito ao direito português o efeito real de transmissão da propriedade, pois cabe
ao direito alemão definir quando e, em que termos, se transmite a propriedade do bem e
este direito não permite a sua transferência por mero efeito do contrato;
à Note-se que para que haja um conflito positivo terá que existir uma verdadeira contradição lógica.
Assim, diferente será o caso de termos uma lei competente para apreciar a validade formal de um negócio
jurídico e outra lei competente para apreciar a validade material do mesmo negócio jurídico, sendo que cada
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um desses ordenamentos responderá, via de regra, efetivamente à sua questão sem responder
sincreticamente a outra questão fora do seu âmbito de competência;

3.2. Dupla Fundamentação de uma Pretensão Jurídica


à Neste caso, o que teremos é que aplicando preceitos normativos de duas ordens jurídicas
diferentes, chamadas a regular duas questões diferentes na mesma situação internacional controvertida, se
produz um resultado jurídico incoerente com o que cada uma das ordens jurídicas pretendia que se
produzisse. Nestes casos já não teremos uma contradição lógica, mas antes uma contradição teleológica,
pois cada uma das leis, de acordo com a finalidade dos seus preceitos, pretende um determinado resultado
incoerente entre si;
à Exemplo:
• Vamos imaginar que um cidadão português com residência habitual em Inglaterra falece
neste país, não tendo deixado testamento, nem sucessíveis. Esse cidadão português
deixa em Inglaterra uma valiosíssima coleção de quadros;
• A sucessão do cidadão português será regulada pela lei portuguesa, posto que é a sua
lei pessoal (lei da nacionalidade) à data do falecimento (62º CC). Por outro lado, o direito
inglês será competente para regular o regime da propriedade dos bens, posto que estes
se situam no seu território (46º CC);
• Ora, por força da aplicação do art. 2152º, o Estado será chamado à herança do falecido,
enquanto herdeiro em sentido próprio e portanto, por força do regime da sucessão, para
o qual o direito português é competente, os bens ficarão para o Estado Português. Por
outro lado, quando aos bens que estão no seu território, o direito inglês determina que
existe um direito de apropriação do Estado Inglês (a coroa), pelo que os bens serão
propriedade da coroa inglesa (right to escheat);
• Assim, para a mesma pretensão jurídica de que os bens não fiquem “res nulius” temos
uma dupla fundamentação: a de que pertencerão ao Estado Português, enquanto herdeiro
do falecido (2152º CC) e a de que pertencerão à coroa inglesa pela via da apropriação
dos bens que se situam no seu território (right to escheat);

3.3. Ausência de Fundamentação de uma Pretensão Jurídica


à Neste caso, o que teremos é que, por força da aplicação de preceitos normativos de duas ordens
jurídicas diferentes, chamadas a regular duas questões diferentes, se vai produzir um resultado que
nenhuma das duas ordens jurídicas pretendia que se produzisse. Haverá uma contradição teleológica, na
medida em que, por força dos preceitos das duas ordens jurídicas e da finalidade dos mesmos, vai-se
produzir um resultado que nenhuma das leis pretende;
à Exemplo:
• Imagine-se agora que o cidadão é inglês, reside habitualmente em Portugal e cá falece
deixando um património de quadros valiosos;
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• A lei que regula a sucessão é a lei inglesa (62º CC) e esta lei, visando evitar a “res nulius”
determina a apropriação pela coroa dos bens situados no seu território (right to escheat).
No entanto, como os bens estão situados em território português, tal pretensão jurídica
de que os bens fiquem para a coroa, carece de fundamentação;
• Por outro lado, a lei portuguesa também visa evitar a “res nulius” através do art. 2152º CC
que consagra o Estado português como herdeiro em sentido próprio. No entanto, como a
lei portuguesa não é competente para a sucessão, mas apenas para o regime de
propriedade das coisas (46º CC) existirá ausência de fundamentação para que os bens
fiquem para o Estado português;
• Assim, por força desta contradição teleológica, os bens acabariam por ficar “res nulius”, o
que não é pretendido por nenhuma das duas ordens jurídicas;

3.4. Métodos de Resolução dos Problemas


à Em 1º lugar importa que nem o nosso Código Civil, nem nenhum outro ordenamento jurídico
apresenta qualquer regulamentação para os problemas de conflitos positivos, de dupla fundamentação ou
de ausência de fundamentação de uma pretensão jurídica. Tal prende-se com o facto de não existirem ainda
soluções suficientemente sedementadas que justifiquem a sua consagração legislativa;
à Assim, os métodos de resolução destes problemas terão que ser encontrados pelos tribunais, de
modo a tomar uma decisão ajustada à situação de conflito em apreço, sendo que existem duas vias
alternativas possíveis:
• O método de hierarquização;
• O método de adaptação;

(1) Método de Hierarquização das Regras de Conflitos


à Trata-se da criação de regras e conflitos de segundo grau, ou seja, de regras de conflitos que
estabeleçam uma hierarquização das regras de conflitos primárias, afastando a aplicação de uma delas em
favor de outra;
à Esta hierarquização basear-se-á na prevalência de uma determinada conexão que a situação
tenha com um ordenamento jurídico em detrimento da conexão que tenha com outro;
à Quanto aos conflitos positivos de qualificações poderíamos ter como critérios de hierarquização:
• Prevalência da conexão substância, face à conexão da forma;
• Prevalência da conexão real, face à conexão pessoal ou obrigacional, porque as coisas
têm uma conexão mais próxima e efetiva a um território (Estado) do que as pessoas;
• Regime matrimonial e regime sucessório: aplicar-se-ão sucessivamente;
• Ex. No caso da questão das “res nulius” dever-se-á dar prevalência à conexão real, ou seja, à lei
do Estado em que se situam as coisas, e não ao regime da sucessão;
à Do ponto de vista dos critérios mais gerais de hierarquização das regras de conflitos, poderíamos
ter:
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• 1) Atribuição de preferência à lei escolhida pelas partes;


• 2) Atribuição de preferência à lei especial face à lei mais geral;

(2) Método de adaptação à das regras de conflitos + das normas materiais aplicáveis
à Uma primeira forma de resolução destes problemas será adaptar a regra de conflitos (alterá-la)
para que conduza à aplicação da lei considerada mais próxima da situação a regular; ou então criação de
uma nova regra de conflitos (ad hoc) especializada para lidar com a situação em apreço;
à Uma segunda forma será a da adaptação das normas materiais aplicáveis:
• Adaptando uma ou ambas as normas, de modo a compatibilizar a sua aplicação;
o Ex. Excluir o efeito real do contrato de compra e venda (879º a) CC);
• Criação de uma norma material ad hoc a partir das 2 soluções, como uma espécia de
solução equitativa;

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