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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I
O DIP ENQUANTO RAMO DO DIREITO

Noções de DIP

Existem atualmente uma pluralidade de sistemas jurídicos estaduais que


corresponde uma diversidade de regulação jurídica das várias situações da vida.

Problemas em DIP
1. Direito da Competência Internacional: determinar a competência
internacional
2. Direito de Conflitos: determinar o ordenamento a que há-de pedir a
solução do problema
3. Direito de Reconhecimento: reconhecimento das decisões estrangeiras
(quando um problema é decidido no estrangeiro e pretende que a decisão
produza efeitos na ordem jurídica local)

O DIP não é privado nem público, mas antes regula situações transnacionais,
sendo todas aquelas em que se coloque um problema de determinação do
Direito aplicável que deva ser resolvido pelo DIP.
Atualmente, não há impedimento à aplicação do Direito Público, vigente na
ordem jurídica estrangeira designada pela norma de conflitos, que seja aplicável
à situação transnacional.

Admissibilidade de pretensões formuladas por Estados estrangeiros, com


fundamento no Direito público

LP: a OJ de um Estado é inteiramente livre de


decidir se tutela ou não juridicamente a pretensão de um Estado estrangeiro
fundada no seu Direito público.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 1


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Limites de admissibilidade: não será admitida a pretensão de um Estado


estrangeiro nos tribunais portugueses quando esse Estado goze de imunidade
de jurisdição relativamente a litígios emergentes da mesma situação.

Atos praticados iure imperii – no exercício de poderes de autoridade pública.


Atos praticados iure gestionis – que também podem ser praticados por
particulares.

Um contrato celebrado por um sujeito público coloca um problema de


determinação do Direito aplicável sempre que contenha uma cláusula de
arbitragem voluntária.
O Estado mesmo que atue iure imperii pode renunciar à imunidade de jurisdição.
Verifica-se quando o Estado consente um pacto atributivo de jurisdição a
tribunais estrangeiros ou quando aceita uma cláusula de designação de Direito
estrangeiro para reger o contrato.

Convenção das NU sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus


bens – ratificada por Portugal, mas ainda não está em vigor, visou codificar e
desenvolver o DIPúblico.

O DIP português é aplicável a todas as relações que, embora implicando


Estados ou entes públicos autónomos estrangeiros, organizações internacionais
ou agentes diplomáticos ou consulares de Estados estrangeiros, sejam
suscetíveis de regulação na esfera interna.

DIP é internacional ou transnacional? Transnacional! Trata-se de situações que


transcendem a esfera social de um Estado Soberano, entrando em contacto com
outras sociedades estaduais.
Fatores que dão caracter de transnacionalidade:
• Nacionalidade dos sujeitos;
• Domicílio ou residência habitual;
• Lugar do seu estabelecimento;
• Lugar da sede de ente coletivo;

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• Lugar onde se produzem certos factos;


• Lugar onde está situada uma coisa.

O DIP regula as situações transnacionais através de um processo conflitual.

Normas de conflitos – são proposições que perante uma situação em contacto


com uma pluralidade de sociedades estaduais determinam o Direito aplicável.
Queremos apenas encontrar o direito aplicável.

Conflitos de leis não se deve confundir com:


• Conflitos de soberanias: no DIP não estão diretamente em causa conflitos
de soberanias, i.e., conflitos de competências legislativas entre os
Estados. Trata-se de determinar o Direito aplicável a uma situação
transnacional e não de regular competências legislativas dos Estados.
• Conflitos de normas
• Conflitos de sistemas de DIP

Caraterização das normas de conflitos de leis no espaço

Três caraterísticas:
1. Normas de regulação indireta ou remissivas
Contrapõem-se às normas diretas ou materiais que desencadeiam efeitos
jurídicos que modelam as situações jurídicas das pessoas (exemplo: art.
122º CC ou 483º CC). Ou seja, as normas materiais determinam o regime
aplicável à situação descrita na sua previsão. As normas de regulação
indireta mandam aplicar à situação descrita na sua previsão outras
normas ou complexos normativos. No caso das normas de conflito de DIP,
a consequência jurídica consiste no chamamento do direito aplicável.
Exemplo:
• Art. 25º Roma II
• Art. 31º/1 e 32º CC
• Art. 11º Roma I
• Art. 52º CC

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A função destas normas é designar a ordem jurídica que fornecerá a


disciplina material destas situações. Segundo Isabel de Magalhães
Collaço, a norma de conflitos é uma norma de conduta, embora de
regulação indireta: cumpre a sua função reguladora através da remissão
para o Direito que vai regular diretamente a situação.
2. Normas de conexão
São normas de conexão porque conectam uma situação da vida com o
direito aplicável, mediante um elemento ou fator de conexão. A conexão
deriva da seleção de determinados laços que o DIP considera
juridicamente relevantes para a determinação do direito aplicável: os
elementos de conexão, p.e. nacionalidade.
Segundo a conjugação do art. 25º CC com o art. 31º/1 CC resulta que a
capacidade é regulada pela lei da nacionalidade. A nacionalidade é o
elemento de conexão que conecta essa questão com um determinado
Direito.
Fatores de conexão podem consistir:
• Em vínculos jurídicos que se estabelecem diretamente entre um
elemento da situação e um direito (p.e. nacionalidade);
• Em laços fáticos entre a situação e a esfera social de um Estado
que permitem à norma de conflitos chamar o Direito que vigora
neste Estado (p.e. residência habitual);
• Em consequências jurídicas que se projetam num determinado
lugar situado no território de um Estado, possibilitando a
individualização do Direito que aí vigora (p.e. lugar do efeito
lesivo);
• Em factos jurídicos.
A seleção dos elementos de conexão em função das matérias implica uma
valoração. A norma de conflito tem um conteúdo valorativo que
fundamenta a conexão.
O fator de conexão não tem de consistir num laço objetivo de caráter
espacial entre um elemento de situação e um Estado.
3. Normas fundamentalmente formais
Formais – quando não atendem ao resultado material a que conduz a
aplicação de cada uma das leis em presença. P.e. art. 49º CC

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O carater formal tem que ver com o conteúdo valorativo das normas de
conflitos. São diferentes as valorações subjacentes às normas materiais
e às normas de conflitos.
As normas de conflitos que não sejam normas de conexão podem o não
ser formalmente formais.
O formalismo do Direito de Conflitos tem limitações:
• Dtº de conflitos nunca é absolutamente formal, porque não se
desinteressa completamente do resultado a que conduz a
aplicação do Dtº competente. (art. 22º CC)
• Há normas de conflitos materialmente orientadas que atendem
ao resultado material. P.e. art. 36º e 65º CC e do art. 11º Roma
I.
• O Dtº dos conflitos realiza uma função modeladora na disciplina
das situações transnacionais. Esta função tem 2 vertentes:
o Interpretação da norma de conflitos comanda a
resolução de muitos problemas suscitados pela
concretização dos elementos de conexão e pela
conjugação das ordens jurídicas chamadas a reger
diferentes aspetos da mesma situação.
o O dtº de conflitos não se desinteressa do ajustamento da
solução material às circunstâncias do caso, atendendo à
especificidade do caráter internacional da situação,
dentro dos limites em que tal for permitido ao órgão de
aplicação.

Outros direitos de conflitos e as suas relações com o DIP


• Dtº Conflitos Interlocal e Interpessoal – surgem em Estados soberanos
que têm uma OJ complexa, i.e. uma ordem jurídica em que coexistem
diferentes sistemas de direito privado. São de base territorial quando
comportam diferentes sistemas aplicáveis em diversas circunscrições
territoriais. São de base pessoal quando comportam diferentes sistemas
aplicáveis a diversas categorias de pessoas.
• Dtº intemporal – é o dtº dos conflitos das leis no tempo.

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• Dtº de conflitos públicos

CAPÍTULO II
PLANOS, PROCESSOS E TÉCNICAS DE REGULAÇÃO DAS SITUAÇÕES
TRANSNACIONAIS

Preliminares

É tradicional contrapor o processo conflitual, ou de regulação indireta, a


determinados processos materiais ou diretos, designadamente:
• A aplicação direta do Dtº material comum;
• A criação de Dtº material especial de fonte interna;
• A unificação internacional do Dtº material.

A distinção entre regulação indireta e direta deve fazer-se em função da


necessidade ou desnecessidade de uma valoração conflitual (avaliação do
elemento de conexão mais adequado para a determinação do Dtº aplicável a
uma categoria de situações ou a uma questão jurídica com vista a formular uma
norma de conflitos).
O processo indireto ou conflitual consiste no recurso a uma norma de conflitos
ou a uma valoração conflitual, para a determinação do direito material aplicável.
Só em 3 casos se verifica uma regulação direta das situações transnacionais:
1. Quando o Dtº material comum do foro for aplicado a quaisquer
situações transnacionais;
2. Quando soluções ad hoc ou Dtº material especial de fonte interna
forem aplicados a situações que comportam determinados elementos
de estraneidade, independentemente dos laços que apresentem com
o Estado local;
3. Quando o Dtº material especial da fonte supraestadual for aplicado a
situações transnacionais, independentemente de uma conexão entre
estas situações e um dos Estados em que vigora esse direito. P.e.
Convenções Internacionais.

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Plano em que opera esta regulação


• Dimensão Normativa – são reguladas numa OJ estadual quando as
normas e princípios em 1ª linha aplicáveis são aqueles que vigoram nesta
OJ.
• Dimensão Institucional – são reguladas numa OJ estadual quando os
órgãos competentes para a aplicação do Dtº a estas situações pertencem
ao respetivo Estado.

Regulação pelo Direito estadual

Regulação pelo Dtº estadual – aquela que opera na esfera de uma OJ estadual,
ou seja, a situação é regulada pelo direito vigente na OJ estadual em causa e
este direito é aplicado pelos tribunais estaduais ou por órgãos estaduais de
aplicação do direito.

Vamos a analisar as técnicas de regulação

I. Aplicação direita do Dtº material comum

Neste caso as situações internacionais seriam reguladas como se de situações


puramente internas se tratasse.
Vantagem: é a via mais fácil para os órgãos de aplicação do Direito que, além
de não terem de aplicar o Dtº de conflitos, estão mais familiarizados com o dtº
material interno do que com dtº estrangeiro.
Desvantagem: comprometeria a continuidade das situações transnacionais,
colocando em risco a segurança jurídica e a harmonia internacional de soluções
e seria incompatível com o DIPúblico1. Conduziria à incerteza sobre as situações
jurídicas existentes. Esta técnica de regulação fomentaria o fórum shopping –
escolha do foro mais conveniente à pretensão.


1
Exemplo: se a questão da validade de um casamento entre um belga e um holandês em
Portugal, fosse em tribunais portugueses seria aplicável o Dtº português, caso se discutisse na
holanda seria aplicável o dtº holandês e aí por diante. A aplicação de um direito diferente de cada
Estado fomentaria a desarmonia internacional de soluções.

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Um Estado pode ter “interesse” em que certas situações sejam apreciadas pelos
seus tribunais mesmo que não exista uma conexão suficientemente forte para
determinar a aplicação do seu direito material. Isto verifica-se me 2 casos:
1. A ligação ao Estado do foro, embora insuficiente para determinar a
aplicação do dtº material do foro, chega para justificar a intervenção
da ordem pública internacional.
2. A incompetência dos tribunais do foro conduziria, apesar de não ser
competente o direito material do foro, a uma denegação de justiça.

II. Criação de um Dtº material especial de fonte interna

Os Estados podem criar um dtº material especial aplicável exclusivamente às


relações transnacionais.
Nos sistemas em que a lei é a principal fonte do Direito, este dtº material especial
terá de ser de fonte legal. Algumas conceções favoráveis à “regulação” das
relações do comércio internacional por meio de soluções materiais especiais de
origem jurisprudencial só parecem ser defensáveis perante aquelas OJ em que
vigora um sistema de precedente vinculativo e, mesmo aí, entram em certa
contradição com a tendência para a lei assumir crescente importância entre as
fontes de dtº.
Tem a vantagem de uma maior adequação à especificidade das relações
internacionais.
O direito material especial de fonte interna só constituirá uma técnica de
regulação direta se for aplicável a quaisquer situações que comportem
elementos de estraneidade independentemente de uma ligação com o Estado
do foro.
O dtº material especial vê a sua aplicação dependente de uma ligação com o
Estado do foro. Esta técnica não prescinde de normas de conexão.
No quadro da regulação indireta, a aplicabilidade do dtº material especial pode
depender do sistema de normas de conflitos (dtº material especial dependente)
ou de normas de conexão especial (dtº material especial independente). Este
ultimo é o aplicado.
O dtº material especial independente delimita o seu âmbito de aplicação no
espaço através de 2 pressupostos:

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1. Conexão com um Estado estrangeiro


2. Conexão com o Estado do foro (estabelecida por normas de conexão)

As normas de direito material especial podem ser de 2 tipos:


• Normas de aplicação dependente do sistema de Direito dos conflitos
– p.e. art. 2223º CC
• Normas cuja aplicação resulta de normas de conexão especiais – p.e.
as normas que estabelecem um tratamento específico para os
estrangeiros.

III. Unificação internacional do dtº material aplicável

Para a sua criação têm contribuído a Comissão das Nações Unidas para o dtº
Comercial Internacional e o Instituto Internacional para a Unificação do Dtº
Privado.

Métodos de unificação:
• Uniformização – consiste na criação, por fonte supraestadual, de Dtº
uniforme (dtº aplicável tanto nas relações internas como nas
internacionais). Substitui o dtº material interno.
• Unificação stricto sensu – consiste na criação, por uma fonte
supraestadual, de dtº material unificado (dtº material especial de fonte
supraestadual). Paralelamente ao dtº comum interno passa a vigorar um
dtº especial aplicável às situações internacionais. As principais áreas são:
venda internacional de mercadorias, transportes internacionais, direitos
sobre as embarcações e aeronaves, áreas de dtº marítimo, dtº da
propriedade intelectual e testamento.
• Harmonização – estabelecimento de regras ou princípios fundamentais
comuns. Não visa estabelecer um regime idêntico nos diversos sistemas
nacionais, mas apenas aproximar estes sistemas. Possui instrumentos
específicos como:

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o Leis-modelo: corpos de regras uniformes propostos ou


recomendados para adoção no dtº interno ou para que a legislação
interna neles se inspire.
o Diretivas europeias: atos normativos de DUE que vinculam os EM
quanto ao resultado a atingir, mas deixam aos mesmos Estados a
escolha da forma e dos meios para o realizar no âmbito da OJ
interna.
Mas também possui outros modelos:
o Princípios: conjunto sistematizados de regras elaborados numa
base predominantemente comparativa, em que o legislador se
pode inspirar.
o Outros métodos promovidos pelas ONG

Atualmente está a surgir um 4º método que consiste na criação de dtº material


especial optativo de fonte supraestadual. Trata-se de regimes privativos de
situações transnacionais cuja aplicação depende de uma opção dos
interessados. O dtº comum continua a ser aplicado não só às situações internas,
mas também às situações transnacionais em que os interessados não optem
pela aplicação do dtº especial.

A harmonização em nada vai alterar o normal funcionamento do sistema de dtº


dos conflitos, uma vez que não elimina as diferenças entre os ordenamentos em
presença, limitando-se a atenuar estas diferenças mediante uma aproximação
das normas de fonte interna que neles vigorem. A uniformização e unificação se
depende do sistema de dtº dos conflitos, trata-se de uma regulação de situações
transnacionais por meio deste sistema. Se não depende é o ato supraestadual
que o cria que define os seus pressupostos de aplicação no espaço.
As convenções de unificação delimitam as situações reguladas pelo direito
unificado em atenção à matéria jurídica em causa – domínio material de
aplicação da convenção. Outra coisa é delimitar as situações reguladas em
função das suas conexões espaciais. A ideia de conexão surge a 2 níveis: na
definição do critério de internacionalidade relevante e na exigência de uma
ligação apropriada com um Estado contratante.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 10


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Se a aplicação do Dtº Unificado depende de uma conexão com um Estado


contratante, definida por normas de conexão especiais, trata-se de um processo
de regulação indireta. Há uma diferença de técnica de regulação relativamente
ao sistema de Dtº de conflitos. A aplicabilidade do dtº unificado resulta da
atuação de normas de conexão ad hoc, contidas numa CI, que se reportam às
normas unificadas dessa convenção.

Vantagens desta técnica de regulação (Dtº unificado):


• Dtº material especial e fonte supraestadual atende à especificidade das
situações transnacionais e o processo da sua elaboração tende a
conduzir à adoção das soluções mais adequadas.
• Desde que uma situação transnacional caia diretamente dentro da esfera
espacial e do domínio material de aplicação do regime convencional
elimina-se o problema da escolha do sistema local aplicável.
• Os Estados contratantes assumem uma posição uniforme sobre a
regulação jurídica da situação.
• Como o regime material aplicável é o mesmo, facilita-se o conhecimento
da disciplina jurídica da situação por parte dos interessados, diminuindo
os custos de transação.

Limitações desta técnica:


• O processo é moroso, difícil e de elevados custos.
• Desnecessidade de determinar o dtº material aplicável só seria atingida
se a unificação fosse geral (todas as matérias) e universal (todos os
estados).
• Divergências de interpretação e integração do dtº unificado2. Entende-se
que os tribunais estaduais e arbitrais devem respeitar a autonomia e a
especialidade do dtº unificado e devem esforçar-se por favorecer a
uniformidade internacional de interpretação. A interpretação do dtº
material unificado deve ser autónoma relativamente ao dtº material dos
Estados contratantes e obedecer a critérios de interpretação aplicáveis

2
Na falta de órgãos internacionais de aplicação do Direito material unificado, são os tribunais
estaduais e da arbitragem transnacional que são chamados a resolver os problemas de
interpretação e integração de lacunas.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 11


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aos tratados internacionais. Podem surgir soluções divergentes entre os


tribunais de diferentes estados e a firmar-se jurisprudência em torno a
soluções divergentes. Para solucionar temos de distinguir conforme a
jurisdição competente for
o Estadual – devem atender à solução jurisprudencial consagrada no
ordenamento competente (nacional). Pesa o interesse das partes.
o Arbitral – só será pertinente atender à jurisprudência nacional
quando as partes tenham escolhido o respetivo sistema jurídico
para reger a situação.

A moderna doutrina tem chamado à atenção para a existência de normas de


direito comum cuja aplicação a situações transnacionais também não depende
do sistema do Dtº dos Conflitos – normas “autolimitadas” e normas de aplicação
imediata ou necessária.
Autolimitada – aquela norma material que, apesar de incidir sobre situações
reguladas pelo DIP, tem uma esfera de aplicação no espaço diferente do que
resultaria da atuação do sistema de direito de conflitos.

O DIP também regula as situações transnacionais mediante o reconhecimento


autónomo das situações jurídicas fixadas por decisão estrangeira. Este processo
de reconhecimento é conflitual ou indireto. Esta técnica de regulação apresenta
2 diferenças fundamentais relativamente à consubstanciada pelo sistema de
direito dos conflitos:
1. Só opera quando uma situação privada foi previamente definida perante
uma ordem jurídica estrangeira.
2. Em lugar das normas de conflitos gerais são atuadas normas de
reconhecimento, que integram uma categoria especial de regras de
remissivas.
As normas de reconhecimento só remetem para o direito estrangeiro e
condicionam a sua aplicação à produção de um efeito ou de uma determinada
categoria de efeitos.
Não é acolhida pelas seguintes razões:

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 12


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• Só se justifica respeitar a posição da OJ de um Estado estrangeiro sobre


a válida constituição de uma situação quando este Estado tem uma
ligação especialmente significativa com a situação.
• Porque 2 ou mais ordens jurídicas estrangeiras podem reconhecer
situações incompatíveis entre si, tornando inevitável a intervenção do
sistema de Dtº de conflitos.

Conclusões da regulação das situações transnacionais pelo Dtº Estadual:


1. É indireta ou conflitual
2. Só o direito material unificado constitui uma alternativa global ao sistema
de Direito de Conflitos.
3. A atuação do sistema de Direito de Conflitos é não só uma solução de
recurso, mas também a resposta mais adequada naquelas matérias em
que as divergências entre os sistemas jurídicos resultam de diferentes
valorações ético-jurídicas.
4. Reconhecimento de situações definidas perante uma ordem jurídica
estrangeira constitui uma técnica de regulação conflitual.

Regulação pelo Direito Internacional Público e pelo DUE

Pelo DIPúblico:
Aquela que opera na esfera da OJ internacional. É regulada na esfera da OJ
internacional quando lhe for imediatamente aplicável DIPúblico e os litígios que
lhe dizem respeito forem apreciados por jurisdições fundadas no DIPúblico.
Segundo a conceção tradicional, o acesso às jurisdições internacionais é
reservado aos Estados (art. 34º/1 ETIJ). Esta conceção tem perdido terreno!
Atualmente, abstraindo da responsabilidade penal internacional, os particulares
podem ser partes na arbitragem quási-internacionalpública3 e em algumas
jurisdições de OI e têm acesso a certas jurisdições internacionais em matéria de
Dtº fundamentais.


3
Trata-se de uma arbitragem organizada pelo D.I. mas tendo por objeto litígios emergentes de
relações estabelecidas com particulares.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 13


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Segundo a art. 42º/1 da Convenção CIRDI, o tribunal julgará o diferendo em


conformidade com as regras de dtº acordadas entre as partes. Na sua ausência,
deverá aplicar a lei do Estado Contratante. As partes têm liberdade de
subtraírem a decisão do litigio a qualquer OJ estadual e de remeterem para o
DIPub, mas também podem remeter exclusivamente para um dtº nacional.
Perante as arbitragens quási-internacionalpública parece seguro que o DIPub
tem vocação para regular.
Também se verifica o acesso de particulares a jurisdições internacionais em
caso de violação por Estados contratantes da convenção em matéria de Dtºs
Fundamentais.
Perante a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os particulares, grupos
de particulares ou ONG têm o direito de apresentar diretamente petições ao
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, alegando a violação dos diretos
reconhecidos na convenção ou nos protocolos por Estado contratantes (art. 34º).
Existem 2 diferenças importantes:
1. Em matéria de dtº fundamentais as situações internacionalmente
relevantes tanto podem ser meramente internas como transnacionais.
2. A questão principal – responsabilidade do Estado por violação dos direitos
protegidos pela Convenção – está submetida ao dtº internacional, sem
que se coloque um problema de determinação do direito aplicável.

Das situações reguladas imediatamente pelo Dtº Internacional Público


interessarão ao DIP aquelas em que se coloca um problema de determinação
do direito aplicável que deva ser resolvido por este ramo do direito. Tantos os
tratados internacionais como a jurisprudência internacional entenderam que nas
relações em que estão implicados particulares as partes podem escolher o
direito aplicável, e que esta escolha pode incidir tanto sobre o DIPúblico como
sobre um Dtº Estadual ou uma combinação de ambos.

Pelo DUE:
O DUE é uma ordem jurídica autónoma tendo uma vocação mais ampla que o
DIPúblico.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 14


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O DUE auto-executório tem eficácia4 para os particulares independentemente do


Direito interno dos Estados-Membros. A relevância das relações entre
particulares na esfera institucional da UE é limitada: as jurisdições competentes
para conhecerem dos litígios emergentes das relações entre particulares são
normalmente estaduais ou arbitrais. O TUE não pode anular a decisão do
tribunal estadual e o incumprimento pelo Estado das suas obrigações com
respeito à conformação do Direito Interno ou o incumprimento pelo tribunal
estadual das suas obrigações só desencadeia o processo geral previsto nos art.
258ºe seguintes do TFUE, em que o Estado responde por tais violações do DUE.
As jurisdições estaduais, quando aplicam o DUE fazem-no por força de normas
de ordem jurídica estadual.
O TUE tem competência:
• Conhecer dos litígios relativos à responsabilidade extracontratual da EU
por danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes (art.
268º TFUE).
• Decidir com fundamento em “cláusula compromissória” constante de um
contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela EU ou por
sua conta (art. 272º TFUE).
O DUE não dispõe de regimes jurídico-materiais aplicáveis a estas questões.
Para a obtenção do critério de decisão do caso, o TFUE aponta em 2 sentidos:
1. No que toca à responsabilidade extracontratual, o art. 340º/2 TFUE
remete para os princípios gerais comuns aos Dtº dos EM.
2. No que toca aos litígios emergentes de contratos de direito privado ou
público celebrados pela EU ou por sua conta, o art. 340º/1 TFUE
determina que a responsabilidade contratual da EU é regulada pela lei
aplicável ao contrato em causa.


4
Uma parte da doutrina distingue “efeito direto” da “aplicabilidade direta”. Uma norma tem efeito
direto quando os particulares a podem invocar na ordem interna sem que sejam necessárias
medidas internas de execução. A aplicabilidade direta das normas europeias significa que tais
normas vigoram imediata e automaticamente na ordem interna, sem necessidade de interposição
de qualquer ato do Estado Português.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 15


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Regulação pelo Direito Autónomo do Comércio Internacional

Direito Autónomo do Comércio Internacional – regras e princípios aplicáveis às


relações do comércio internacional que se formam independentemente da ação
dos órgãos estaduais e supraestaduais, a nova lex mercatoria.

A arbitragem transnacional é o modo normal de resolução jurisdicional de litígios


no comércio internacional. O recurso aos tribunais estaduais é marginal.

Teses favoráveis ao DACI


1. Tese de Schimitthof - A lex mercatoria é encarada essencialmente como
direito material especial do comércio internacional dotado de um certo
grau de uniformidade internacional. Defendida por Schimitthoff, que
invocava a falta de flexibilidade dos mecanismos legislativos estaduais e
interestaduais e alega que o dtº de conflitos constitui uma barreira artificial
criada pelo homem à condução dos negócios e à resolução de
dificuldades de um modo prático. Possuía 2 diferenças em relação à lex
mercatoria medieval:
a. Carater internacional careceria de ser reconciliado com o conceito
de soberania nacional no qual a ordem mundial ainda se funda.
b. Enquanto o desenvolvimento da lex mercatoria medieval se operou
ao sabor das circunstâncias e por forma não planeada, a moderna
seria criada deliberadamente por “entidades reguladoras” e seria
revelada em Convenções Internacionais, etc.
As duas fontes do Direito Transnacional seriam a legislação internacional
e o costume comercial internacional. A lex mercatoria desempenha
essencialmente a função interpretativa e integrativa do negócio jurídico e
o papel de fonte subsidiária da OJ estadual.
2. Tese de Goldman - A lex mercatoria é encarada como uma ordem
jurídica autónoma do comércio internacional, é a ordem jurídica da
sociedade mercatorum, ou seja, um conjunto de princípios gerais e regras
costumeiras espontaneamente referidas ou elaboradas no quadro do
comércio internacional, sem referência a um particular sistema jurídico
nacional. Defendida por Goldman. Esta conceção encontra apoio no

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 16


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reconhecimento da autonomia dos operadores do comércio internacional


e na regulação autónoma por eles operada a nível das relações
individuais ou por via de organizações que prosseguem os seus fins
coletivos. Coloca em 1º lugar as regras consuetudinárias, usos, CCG e
modelos contratuais; em 2º lugar coloca princípios gerais do direito e as
regras desenvolvidas pela jurisprudência arbitral. A adesão à arbitragem
como modo normal de resolução jurisprudencial dos litígios do comércio
internacional e a observância das suas decisões por parte dos sujeitos do
comércio internacional, aliadas à autonomia que lhe é reconhecida por
grande número de sistemas nacionais, constituem a espinha dorsal desta
tese. Os tribunais da arbitragem desempenhariam uma dupla função:
dirimir os litígios emergentes e contribuir para a sua revelação e
desenvolvimento.

Significado real da Lex Mercatoria na regulação das relações comerciais


internacionais
• Os usos do comércio internacional formam-se no âmbito de cada um dos
setores do comércio internacional e revestem-se igualmente de carater
regional. Raramente os usos têm reconhecimento à escala mundial.
• Jurisprudência arbitral – é condicionada por fenómenos conjunturais de
caráter económico ou politico. Numa primeira fase contribui mais para o
desenvolvimento do dtº transnacional da arbitragem do que a formação
de um dtº material conformador e regulador dos contratos internacionais.
• É limitado o nº de casos em que a decisão foi proferida exclusivamente
com base em DACI.
• A jurisprudência arbitral não constitui de per si uma fonte de DACI em
sentido técnico-jurídico. As decisões arbitrais não constituem precedente
vinculativo, i.e., os tribunais arbitrais não estão formalmente vinculados a
decidir em conformidade com as decisões arbitrais anteriormente
proferidas em casos semelhantes.
• Só se positivam quando integram um costume jurisprudencial.
• Os princípios são meros modelos de regulação que podem ser
incorporados no contrato, com o valor de CCG ou podem ser recebidos

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 17


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no conteúdo de normas materiais de um dtº estadual, de uma convenção


ou de um instrumento da UE.

As teses favoráveis têm deparado com a oposição da doutrina tradicional, que


defendem que as situações transnacionais são sempre reguladas ao nível da
ordem jurídica estadual por meio da remissão para um direito estadual. A
doutrina tradicional baseia-se em 2 postulados (LP considera que são
equivocados):
• Situações transnacionais só relevariam imediatamente perante as ordens
jurídicas estaduais.
• A criação de direito por particulares dependeria da permissão do
legislador estadual.

Critica de Lima Pinheiro:


a) Tese de Schimitthoff – Ajusta-se bem à realidade da arbitragem
transnacional. Em relação aos tribunais estaduais, só perante uma
determinada OJ estadual se pode averiguar se o direito transnacional é
chamado a desempenhar uma função de interpretação e integração dos
contratos internacionais. Esta tese não justifica a autonomia do direito
transnacional. A teoria de fontes em que assenta é insuficiente.
b) Tese de Goldman – O 1º pressuposto da formação de uma OJ autónoma
do comércio internacional e a existência de um espaço transnacional
adequado para o efeito - LP defende que está preenchido. O 2º
pressuposto é a existência de um consenso básico sobre um certo núcleo
de valores comuns – LP defende que os operadores não formam um
conjunto suficientemente homogéneo e organizado, logo não está
preenchido.

A existência de um conjunto de regras e princípios autónomos aptos a


desempenhar as funções de uma OJ baseia-se numa teoria das fontes
deficientes e confunde a possibilidade de encontrar critérios de decisão
adequados para os litígios emergentes do comércio internacional fora das
ordens jurídicas estaduais com a vigência dessas mesmas soluções como direito
objetivo do comércio internacional.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 18


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Para a formação de uma ordem autónoma do comércio internacional não basta


que os tribunais arbitrais possam encontrar critérios de decisão, mas também
que a lex mercatoria se constitua uma ordem objetiva destas relações, que
regule os aspetos essenciais da vida social dentro da sua esfera de ação.
Lima Pinheiro nega que exista uma OJ autónoma do comércio internacional, não
excluindo a possibilidade de vigorarem ordenamentos autónomos em certos
setores do comércio internacional.
Segundo Isabel de Magalhães Collaço, a vigência de regras jurídicas da lex
mercatoria não supõe necessariamente a sua inserção numa OJ.

Relevância da lex mercatoria na arbitragem internacional


Uma vez que a arbitragem transnacional é a jurisdição normal dos litígios do
comércio internacional, importa averiguar se a lex mercatoria é fonte de direito
imediatamente aplicável nesta jurisdição. Deve então diferenciar-se:
I. Direito que define o estatuto da arbitragem
Por estatuto da arbitragem entende-se o conjunto das normas e princípios
primariamente aplicáveis pelo tribunal arbitral. A arbitragem transnacional
não fica imune às competências normativas dos Estados que têm laços
significativos com a arbitragem, mas a autonomia de que goza
relativamente às ordens jurídicas estaduais singularmente consideradas
permite que o seu estatuto seja em primeira linha definido por dtº
autónomo. Os regulamentos dos centros de arbitragem são uma
importantíssima fonte autónoma de dtº transnacional da arbitragem.
II. Direito aplicável ao mérito da causa
Coloca-se a questão da aplicabilidade imediata de proposições jurídico-
materiais da lex mercatoria à relação controvertida. Segundo Lima
Pinheiro, sim aplica-se através de 2 processos:
i. O direito objetivo do comércio internacional é aplicável por
força de normas de conflitos de direito transnacional da
arbitragem
ii. Na falta de designação parece de reconhecer que o direito
transnacional da arbitragem permite que os árbitros
recorram à lex mercatoria.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 19


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Mesmo que o Direito designado pelas partes ou, na sua omissão,


escolhido pelos árbitros, seja um direito estadual, constitui regra
consagrada pela unificação internacional do dtº da arbitragem
transnacional, pelos regulamentos de centros de arbitragem e pela
jurisprudência arbitral que o tribunal arbitral, em matéria contratual, deverá
sempre tomar em consideração as disposições do contrato e os usos do
comércio. Esta regra pode ter 2 posições a seguir:
1. Caso as partes tenham escolhido um sistema jurídico, a
interpretação que melhor parece corresponder ao sentido das
disposições referidas e à maioria dos laudos arbitrais que
recorreram aos usos do comércio é a que lhes atribui valor
interpretativo e integrativo do negócio jurídico.5
2. Caso as partes tenham feito uma designação que permita a
solução do caso fora dos quadros de um sistema jurídico ou
tenham diretamente autorizado os árbitros a decidirem segundo
a equidade. Os únicos limites que as partes não podem
ultrapassar são os que decorrem das regras e princípios que
integram a ordem pública transnacional e das normas
imperativas estaduais que reclamem aplicação e que os árbitros
devem aplicar.
As relações do comércio internacional podem ser reguladas no plano de DACI,
por forma que o ponto de referência das partes e dos órgãos de aplicação do
Direito é um ponto de referência transnacional.
Na falta de convenção de arbitragem, os litígios emergentes das relações do
comércio internacional são apreciados por tribunais estaduais segundo as
técnicas de regulação próprias do Dtº Estadual. É a convenção de arbitragem
que permite inserir a situação num espaço transnacional, relativamente
autónomo perante as ordens jurídicas estaduais, em que o DACI é
imediatamente aplicável.


5
É atribuído valor aos usos do comércio mesmo que o direito estadual aplicável não lhes
reconheça.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 20


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DIREITO DOS CONFLITOS – PARTE GERAL

CAPÍTULO I
NATUREZA DO DIREITO DE CONFLITOS

Órgãos de Aplicação do Direito de Conflitos

• São as entidades que no exercício de funções jurisdicionais ou


administrativas aplicam o Dtº de conflitos.
• São supraestaduais quando revelam da OJ internacional ou da UE.
• São órgãos estaduais quando relevam das OJ estaduais.
• São órgãos transnacionais quando nem revelam de uma OSupraestadual
nem se fundamentam numa particular OJ estadual.
• Em regra, são estaduais ou supraestaduais.

Órgãos Nacionais
Estes órgãos podem ser:
1. Jurisdicionais
a. Tribunais estaduais
b. Tribunais arbitrais regulados pela Lei Portuguesa da arbitragem
voluntária que se encontrem fora do âmbito da arbitragem
internacional.
2. Administrativos
a. Conservadores dos diferentes registos
b. Notários
c. Agentes diplomáticos e consulares
d. Comandantes da unidades militares, navios e aeronaves

Órgãos Transnacionais
Estes órgãos são os tribunais da arbitragem transnacional (arbitragem comercial
internacional). Uma arbitragem que diga respeito a relações entre empresas ou
entes equiparados que têm contactos relevantes com mais de um Estado

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 21


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soberano põe em jogo interesses do comércio internacional mesmo que a


relação seja regida pelo dtº público.
A arbitragem internacional diz-se:
• ad hoc quando se trata de um procedimento arbitral inteiramente
estabelecido para um caso concreto.
• Institucionalizada quando é organizada por centros permanentes.
Perante a CRP, os tribunais arbitrais são elementos do sistema jurisdicional (art.
209º).
Pelos laços que a arbitragem transnacional estabelece com várias esferas
estaduais, esta arbitragem fica sujeita a competências de regulação e controlo
concorrentes de uma pluralidade de Estados. A arbitragem goza de uma
considerável autonomia, por duas razões:
1. Porque as competências estaduais concorrentes podem conduzir a
diretrizes contraditórias, tornando necessária uma margem de apreciação
por parte dos árbitros.
2. Porque os Estados fazem um uso moderado das suas competências,
limitando-se a um enquadramento do estatuto da arbitragem e delegando
nas partes e nos árbitros a determinação da maior parte das regras que
hão-de integrar este estatuto.

A prática dos tribunais arbitrais tem-se caraterizado pelo emprego de critérios de


determinação do Direito aplicável diferentes dos geralmente seguidos pelos
tribunais estaduais e consagrados nos sistemas nacionais de DIP.

Órgãos Supraestaduais
Verifica-se com as jurisdições internacionais, quási-internacionais e da UE.
Estas jurisdições podem ser órgãos de aplicação do Direito de conflitos em 2
tipos de situações:
1. Quando na aplicação de normas de DI ou DUE se suscitam questões
prévias que não reguladas na esfera da OJ internacional ou UE;
2. Quando esses órgãos tenham competência para apreciar, a titulo
principal, questões relativas a situações que por não serem
necessariamente conformadas pelo DIP ou pelo DUE colocam um
problema de determinação do Dtº aplicável.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 22


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Jurisdições Internacionais
• TIJ é o órgão contencioso interestadual. Só os Estados podem ser partes
nas causas submetidas a este tribunal. Os Estados podem atuar as
pretensões dos seus súbitos que tenham sofrido danos em consequência
de uma violação do DI por outro Estado.
• A nacionalização de bens estrangeiros suscita questões prévias de dtº
privado, designadamente quanto à titularidade dos bens.6
• Atualmente, certas questões prévias, independentemente do seu carater
público ou privado, são questões de dtº interno (que relevam
primariamente da OJ estadual). É o caso da determinação da titularidade
de um bem ou da nacionalidade de uma pessoa.
• O TIJ atua quando tenha de resolver um problema de determinação do
dtº aplicável ou às questões suscitadas por pressupostos processuais.
• Dentro da arbitragem que releva no DIPúblico, importa distinguir:
o Arbitragem internacionalpública stricto sensu
o Arbitragem quási-internacionalpública
• A arbitragem do DIPúblico ocupa-se dos litígios interestaduais em que se
invoca a violação do DIP. Pode ser ad hoc ou institucionalizada7.
• O tribunal permanente de arbitragem tanto pode ocupar-se do
contencioso interestadual como de diferendos entre um Estado e um
particular -> arbitragem quási-internacionalpública. Nestas arbitragens
coloca-se sempre um problema de determinação do dtº aplicável que tem
de ser resolvido pelo DIConflitos.


6
P.e. o TIJ já proferiu decisões em que um Estado não pode atuar a proteção diplomática de um
individuo que considera nacional quando o vinculo de nacionalidade não for suficientemente
efetivo.
7
As arbitragens de CIRDI são um exemplo. A jurisdição do CIRDI depende do consentimento
escrito das partes. Atende-se às cláusulas que os contraentes façam inserir no contrato de
investimento e à legislação interna e aos tratados de investimento. Estes tribunais têm jurisdição
para conhecer dos diferendos diferentemente decorrentes de um investimento entre um Estado
contratante e um nacional de outro Estado contratante (art.25º/1) A competência do CIRDI é
delimitada ratione materiae (caráter da relação subjacente ao litigio) e ratione personae (uma
das partes tem de ser um estado contratante, qql pessoa coletiva de dtº público ou organismo
dele dependente e que a outra pessoa seja um nacional de outro Estado contratante.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 23


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Tribunais da UE
• TJUE destina-se a assegurar o respeito do DUE na interpretação e
aplicação dos tratados constituintes (art. 19º/1). É competente para:
o o controlo da legalidade dos atos dos órgãos da UE (competência
administrativa)
o a ação destinada a verificar a violação do tratado pelos EM
o decidir a titulo prejudicial sobre a interpretação dos tratados, a
validade e interpretação dos atos dos órgãos da UE e os seus
agentes, dentro dos limites e condições estabelecidas no estatuto
ou decorrentes do regime que a estes é aplicável
• O TUE é composto pelo:
o TJ
o TG (Tribunal Geral)
o Tribunais Especializados
• Perante o TFUE, o TUE tem competência para interpretar os
regulamentos da UE, mesmo em matéria de dtº privado (art. 267º/1
TFUE).
• O TUE é competente para:
o Conhecer dos litígios relativos à responsabilidade extracontratual
da UE (art. 268º e 256º)
o Decidir com fundamento em “clausula compromissória” constante
de um contrato de dtº público ou privado, celebrado pela UE ou por
sua conta (art. 272º e 256º TFUE)
o Apreciar situações que relevam da OJ estadual no âmbito de
questões prejudiciais suscitadas pela aplicação do dtº na UE.

Jurisdições em matéria de direitos fundamentais


• Em Portugal, refere-se ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
• Este tribunal tem competência para apreciar o facto ilícito de que o Estado
réu é responsável relativamente a situações internas ou transnacionais.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 24


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Fontes do Direito de Conflitos

Nem sempre se admitiu o pluralismo de fontes. A “moderna escola nacionalista


italiana” (AGO) sustentou que o DIP seria sempre Direito interno. Segundo esta
escola, o DI geral não contém normas que digam respeito à atividade legislativa
dos Estados no campo do DIP, e as convenções internacionais de unificação do
dtº de conflitos não conteriam normas de conflitos, mas apenas a obrigação de
os Estados introduzirem na OInterna certas normas de conflitos -> esta conceção
foi superada: o DIP não tem necessariamente caráter nacional, seja quanto às
suas fontes seja quanto aos órgãos de aplicação.

O Direito dos conflitos tem fontes:

a) Fontes Internacionais

O Direito de conflitos de fonte internacional pode atuar em 2 planos:


• Plano da ordem jurídica internacional
• Plano da ordem jurídica estadual

Segundo Isabel de Magalhães Collaço, as normas de conflitos criadas e


aplicadas por jurisdições internacionais são necessariamente normas
internacionais.
Este direito de conflitos de fonte internacional opera ao nível da OJ internacional.
O DIP vigente na OJ de um Estado também pode ter fontes supraestaduais. É o
que se verifica perante um sistema de relevância do DI na esfera interna como
o consagrado no art. 8º CRP, que é um sistema de receção automática. De entre
estas fontes internacionais de Dtº de conflitos vigente na OJ interna sobressaem
as Convenções Internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram
na OInterna após a sua publicação e enquanto vincularem internacionalmente o
Estado Português (art. 8º/2 CRP). E vigoram na ordem interna como normas
internacionais. As normas de conflitos contidas em CI de que Portugal é parte,
as normas de dtº derivado das organizações internacionais de que Portugal é
parte, vigoram na esfera interna como normas internacionais.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 25


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Tantos as convenções como os regulamentos visam unificar as normas de


conflitos que vigoram na OJ dos estados contratantes/membros -> Dtº de
conflitos unificado (de fonte supraestadual que opera no plano da ordem jurídica
estadual).

Direito internacional de conflitos


• A fonte mais importante são os tratados internacionais que instituem ou
enquadram jurisdições internacionais ou quási-internacionais.
• Tratado multilateral mais importante: Convenção de Washington para a
resolução de diferendos relativos a investimentos entre Estados e
nacionais de outros Estados - CIRDI (1965)

Direito dos conflitos vigente na OJ interna


• Até que ponto o costume internacional é fonte de dtº de conflitos vigente
na ordem jurídica interna? Os Universalistas defenderam a existência de
um sistema de DIP com validade universal que se impõe aos
ordenamentos nacionais.
• Atualmente discute-se a existência de certas diretrizes de DIPúblico geral
sobre a conformação global dos sistemas estaduais de DIP e a
possibilidade de se terem formado algumas poucas regras de conflitos
internacionais:
o Tese Nacionalismo mais radical: DIPúblico não resulta quaisquer
diretrizes sobra a conformação dos sistemas estaduais de DIP
o Tese da plena liberdade dos Estados: defendida por Story, a
aplicação de direitos estrangeiros funda-se apenas na cortesia
internacional.
o Outros autores defendem que é possível extrair dos princípios
gerais do DIPúblico e dos que dizem respeito à proteção dos
direitos dos estrangeiros e à igualdade dos Estados enquanto
membros da comunidade internacional, diretrizes para a
conformação dos direitos de conflitos nacionais.
• O principio do respeito dos direitos dos estrangeiros é prevalentemente
entendido como obrigando o Estado a tratá-los segundo um padrão

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 26


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mínimo, conferindo-lhe uma tutela razoável dos seus direitos e interesses,


no que se refere quer aos bens de personalidade quer aos bens
patrimoniais.

É de admitir que o costume internacional é fonte, posto que de alcance limitado,


do dtº dos conflitos que opera no plano da OJ estadual.
Os tratados internacionais são a principal fonte internacional de Dtº dos conflitos
vigente na OJ interna. Estes podem ser multilaterais ou bilaterais.
As normas contidas em Convenções Internacionais de unificação do Dtº de
conflitos unificadas, são aplicáveis pelos órgãos de aplicação do direito e
invocáveis pelos particulares, com o sentido que lhes corresponde no contexto
da CI em que se integram e com a posição atribuída na OInterna às normas de
fonte convencional.

b) Fontes da União Europeia

Existem normas de DIP nos tratados instituintes e no dtº derivado emanado dos
órgãos da UE.

Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações contratuais (1980) –


não se integra no DUE

As normas da UE que consagram as liberdades fundamentais também têm


incidência sobre Direito dos Estrangeiros. O Direito de Conflitos de fonte
europeia pode operar ao nível da ordem jurídica da UE ou das ordens jurídicas
dos EM.
O TUE é competente para conhecer dos litígios relativos à responsabilidade
extracontratual da UE por danos causados pelas suas instituições ou agentes
(art. 268º TFUE).
O art. 272º TFUE estabelece uma competência do TUE fundada em “cláusula
compromissória” constante de um contrato de dtº privado ou dtº público
celebrado pela UE ou por sua conta. Neste caso limita-se a determinar que a
responsabilidade contratual da União é regulada pela lei aplicável ao contrato
em causa (art.340º/1).

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 27


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O DUE também é fonte de Direito dos Conflitos vigente na ordem jurídica interna,
sendo que o TFUE não contém normas de conflitos que se dirijam aos órgãos
de aplicação do Direito dos EM. Este direito foi limitado antes do tratado de
Amesterdão.
A maior parte das disposições conflituais estão contidas em diretivas. Trata-se
de medidas de harmonização dos direitos de conflitos dos EM. A jurisprudência
do TUE reconhece um efeito direto às diretivas não transportas no prazo devido,
mas limita-o à eficácia vertical: na falta de medidas de execução pelos Estados
estes atos apenas podem ser opostos pelos particulares aos Estados que os não
cumpram e não nas relações interparticulares. Com a entrada em vigor do
tratado de Amesterdão a situação foi alterada.
O presente estádio de integração europeia, que ainda não deu corpo a um
Estado Federal, mas a uma associação de Estados Soberanos, também não se
ajusta à atribuição aos órgãos europeus de competências legislativas que
cerceiem substancialmente a autonomia legislativa dos EM, designadamente no
domínio do direito privado.
Nos domínios em que se possa justificar uma atribuição de competência aos
órgãos europeus em matéria de DIP, por força do princípio da subsidiariedade,
consagrado pelo TUE (art. 5º/3), deveria adotar-se uma atitude restritiva quanto
à intervenção legislativa europeia. Esta intervenção só se justificaria quando os
objetivos visados com a unificação não pudessem ser suficientemente realizados
pelos EM e pudessem ser melhor alcançados ao nível europeu.
Em regra, os objetivos visados com a unificação do DIP podem ser realizados
através das Convenções internacionais celebradas pelos EM e de outros
instrumentos mais flexíveis, como as leis-modelo.
A unificação de âmbito europeu deveria ser feita principalmente com base
voluntária, com respeito da autonomia legislativa dos EM. A unificação é
desejável, devendo ter um âmbito universal.
Nos EUA, as vantagens de uma harmonização dos sistemas locais não
conduziram a qualquer alienação das competências dos Estados Federados,
mas a Leis-Modelo que são propostas aos estados federados, para que as
adotem se assim entenderem. Esta via poderia ser seguida na UE, evitando
dificuldades inerentes à utilização de Convenções internacionais, ilustradas
pelos sucessivos tratados de adesão à Convenção de Bruxelas e à Convenção

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 28


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de Roma que acompanharam os processos de alargamento de Comunidades


Europeias.
Com fundamento nos art. 61º/c) e 65º Tratado da Comunidade Europeia, com
redação do tratado de Amesterdão, foram adotados numerosos regulamentos
no domínio do DIP.
Com a entrada em vigor do TL, o art. 3º/2 passou a estabelecer que a união
proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança, justiça, sem
fronteiras internas.
Esta liberdade leva-nos a algumas conclusões:
• Este espaço é autonomizado em relação ao mercado interno;
• O exercício da competência legislativa (art. 81º/2) em matéria de DIP
deixa de estar formalmente condicionado à necessidade de bom
funcionamento do mercado interno;
• O reconhecimento mutuo decisões é elevado a aspeto principal da
cooperação judiciária em matéria civil, considerado como um dos
princípios em que se baseia o chamado “espaço de liberdade, segurança
e justiça” e relacionado com o direito de acesso à justiça que constitui um
dtº fundamental também na OJ da UE;
• As liberdades de circulação de pessoas, mercadorias e serviços na UE
traduz-se num incremento dos litígios transnacionais.

Regulamento O – deriva da necessidade de codificação europeia do DIP.


Segundo LP o fim visado com a unificação do DIP à escala europeia pode até
certo ponto ser frustrado pelas diferentes soluções adotadas pelos sistemas
conflituais dos EM relativamente à interpretação e aplicação de instrumentos
europeus em questões como a resolução de concursos de nacionalidades,
qualificação, fraude à lei e aplicação do direito estrangeiro.

A competência dos órgãos da UE em matéria de DIP não é exclusiva, mas


partilhada com os EM.

c) Fontes Transnacionais

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 29


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Processos específicos de criação de proposições jurídicas no seio da


comunidade dos operadores do comércio internacional que são independentes
da ação dos órgãos estaduais e supraestaduais.
Estas fontes são:
• Costume jurisprudencial arbitral
• Regulamentos dos centros de arbitragem

Têm desempenhado um papel fundamental na criação de normas e princípios


de DIP da arbitragem transnacional da arbitragem.

d) Fontes Internas

As fontes internas são:


• Lei – CRP, CC, CComercial, CSC, CDA, etc
• Costume – é importante nos países em que o DIP não foi codificado como
a França.
• Jurisprudência – principal fonte interna.
• Ciência jurídica

Natureza pública ou privada do Direito de conflitos

Tese Clássica
Esta tese sobre o objeto e a função da norma de conflitos encara-a como uma
norma de delimitação de competências legislativas que resolve conflitos de
soberanias estaduais. Adversa à natureza privada!

A opinião dominante entende que é privado, um direito privado especial


regulador das situações transnacionais.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 30


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CAPÍTULO II
OBJETO E FUNÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS

Objeto e função das normas de conflitos bilaterais

Objeto da norma – é a realidade que a norma regula.


Função da norma – fim que prossegue, a sua teleologia.

A função que agora se tem em vista é a função jurídica ou técnico-jurídica: o


problema jurídico que a norma tem por missão resolver e o processo porque o
resolve.

Normas Unilaterais – só determinam a aplicação do direito próprio do foro.

Normas bilaterais – tanto remetem para o Direito do foro como para o Direito
Estrangeiro.

Teses Clássicas
Para os universalistas e particularistas, o objeto da norma de conflitos são
conflitos de soberanias. Na aplicação de uma lei estrangeira estaria em causa o
reconhecimento de soberania do Estado de onde essa lei promana. Os
interesses em causa seriam dos Estados. Rejeitada!

Tese da Escola Nacionalista Italiana


Opõe que as normas de conflitos não têm por objeto resolver verdadeiros
conflitos, dada a impossibilidade de conceber uma norma de direito interno com
esta função.
Na OJ interna só vigoram as normas que se reconduzem às fontes próprias desta
ordem. A norma de conflitos é uma norma reguladora de relações
interindividuais, que nada tem que ver com a repartição das competências
legislativas dos Estados. O objeto da norma de conflitos são as relações
interindividuais. Os interesses em causa são interesses individuais.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 31


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As normas estrangeiras só podem valer na ordem local através de incorporação


na ordem local. Têm de ser “nacionalizadas”. Sendo esta a única função da
norma de conflitos, a incorporação!
Existem 2 modos de conceber esta “receção”:
1. Receção Material – a norma de conflitos é uma norma de remissão
material ou recetícia: ao remeter do caso para a lei estrangeira, a norma
de conflitos cria na ordem jurídica nacional uma norma com o conteúdo
da regra estrangeira.
2. Receção Formal – a norma de conflitos é uma norma sobre a produção
jurídica ou sobre fontes do ordenamento jurídico. A norma de conflitos ao
estabelecer uma conexão entre uma determinada relação da vida e uma
OJ estrangeira confere às fontes desta OJ o valor de fonte de normas
jurídicas na ordem interna. Defendida pela escola italiana.

Posição do Lima Pinheiro


Na aplicação ou não aplicação do Direito Estrangeiro não está em causa um
problema de respeito da soberania estrangeira ou de ofensa da soberania
estrangeira.
Inicialmente temos de determinar a OJ que vai fornecer a disciplina material
aplicável. Ao chamar o Direito de um Estado a reger a situação, com base num
dado elemento de conexão, a norma de conflitos não vem determinar que,
perante o DIPúblico, só esse Estado tem competência legislativa para regular a
situação.
O objeto da norma de conflitos é o mesmo que o objeto do DIP enquanto ramo
do direito: situação transnacional.
Escola de Coimbra: o objeto da norma de conflitos seriam as normas materiais,
porquanto as normas de conflitos são encaradas como normas sobre normas e
não como normas de regulação indireta.
Os interesses dos particulares assumem grande importância para o DIP. Não se
pode excluir que na determinação do direito aplicável a situações transnacionais
entrem em jogo fins gerais da comunidade política postos a cargo do Estado e
fins de politica legislativa que não concernem só à tutela de interesses
particulares.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 32


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Quanto à função técnico-juridico, o que há de comum a todas as normas de


conflitos é a regulação das situações transnacionais mediante um processo
conflitual ou indireto. Surgem aspetos específicos da função dos diferentes tipos
de normas de conflitos:
• Normas bilaterais
• Normas unilaterais gerais
• Normas unilaterais ad hoc
Discorda da escola nacionalista no ponto em que esta defende a incorporação.

Dupla função técnico-jurídica das normas de conflitos bilaterais


As normas de conflitos operam através da remissão para um Direito. Através da
atribuição de competência a ordem jurídica nacional, a norma de conflitos
contribui para reconhecer determinada esfera de aplicação no espaço quer ao
Direito do foro quer ao estrangeiro.

Maury – duplo objeto da norma de conflitos


Isabel de Magalhães Collaço – dupla função da norma de conflitos
LP – a dupla função técnico-juridica das normas de conflitos bilaterais consiste
no seguinte: por um lado a norma de conflitos determina o direito aplicável, por
outro, a norma de conflitos, quando remete para o direito estrangeiro ou extra-
estadual, confere-lhe um título de aplicação na OJ interna. Quando a norma de
conflitos remete para o direito do foro, não é necessário que a norma de conflitos
lhe confira um titulo de aplicação na OJ Interna, uma vez o dtº foro vigore nesta
ordem jurídica. Ao contrário do que defende a escola nacionalista italiana, a
norma de conflitos não atua como uma norma de receção. Não existe uma
receção material. A regra estrangeira não é tratada como norma portuguesa,
porque as normas estrangeiras chamadas pela norma de conflitos são inseridas
no sistema de origem, recorrendo ao seu sistema de fontes e aos seus critérios
de interpretação e integração (art. 23º CC). Também não há uma receção formal,
a lei estrangeira não é incorporada na OJ do foro. Ou seja, a fonte não é
nacionalizada.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 33


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A remissão operada pela norma de conflitos é não recipienda. A proposição


jurídica estrangeira ou extra-estadual não se converte num elemento da ordem
jurídica do foro enquanto critério de conduta ou de decisão.

Objeto e função das normas de conflitos unilaterais. Bilateralização

Sistemas Unilateralistas
Defendem a existência de um sistema de DIP com validade universal que se
impõe aos ordenamentos nacionais. A principal função consistiria na repartição
de competência legislativa entre os Estados.
Um Estado não pode, por meio das suas normas de conflitos, delimitar a
competência legislativa de outros Estados. No final do século XIX uma corrente
doutrinal salientou que o legislador de DIP deve unicamente fixar os limites de
aplicação do seu próprio dtº material, i.e., que todas as regras de conflitos
deveriam ser unilaterais, à semelhança das do art. 3º CC fr. O juiz que tivesse
de resolver uma questão que se encontrasse fora da esfera de aplicação definida
para o seu direito nacional aplicaria o dtº estrangeiro que se declarasse
competente.
Atualmente, é uma conceção que se baseia na vocação da norma material para
um determinado domínio espacial de aplicação. Cada norma material conteria
necessariamente, a par da determinação seu domínio material de aplicação,
também a determinação dos limites da sua aplicação no tempo e no espaço.
Ignorá-los seria uma falsificação da norma.
O unilateralismo, ao tomar em conta a vontade de aplicação da lei estrangeira,
serviria melhor a promoção da harmonia internacional de soluções que o
bilateralismo.
Contras:
• Não há uma ligação mecânica entre as normas materiais e as normas de
conflitos. A determinação do dtº aplicável obedece a valorações
autónomas que podem ter nexos mais ou menos íntimos com os valores
subjacentes às normas materiais, mas não perdem, em qualquer caso, a
sua autonomia.
• A vantagem do unilateralismo quanto à prossecução da harmonia
internacional de soluções só pode ser invocada perante um sistema,

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 34


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como era o italiano, em que se negava a devolução. Por meio da


devolução os bilateralistas podem ter em conta a vontade de aplicação do
direito estrangeiro quando tal for justificado pela promoção da harmonia
internacional.
• Na norma bilateral o chamamento do Direito Estrangeiro decorre do
mesmo elemento de conexão que define a esfera de aplicação da lei do
foro. O dtº estrangeiro é aplicado em igualdade de circunstâncias com o
direito do foro ou que há uma paridade de tratamento entre eles. Nada
garante que este equilíbrio seja mantido quando se formulam normas
unilaterais.
• Pode levar a um favorecimento da esfera de aplicação do direito do foro
em detrimento do dtº estrangeiro.
• As normas unilaterais podem servir o desígnio de maximizar a aplicação
da lei do foro.
• O unilateralismo pode mandar atender ao direito estrangeiro que se
considere estrangeiro. Quando 2 podem reclamar a sua competência
como nenhum pode reclamar.

Coexistência de bilateralismo e unilateralismo nos atuais sistemas de DIP


Segundo Vischer, atualmente não há sistemas puramente unilateralistas nem
puramente bilateralistas.
A preferência por soluções unilaterais parece estar relacionada com a
complexidade ou com o caráter inovador de certos regimes.
A teoria da relevância de normas imperativas de terceiros estados, seguida pelo
art. 7º/1 Convenção de Roma adotou uma abordagem unilateral. A cláusula geral
aí apresentada indaga da vontade de aplicação da regra imperativa estrangeira.
O unilateralismo atual é diferente do clássico por não se colocar como alternativa
global ao sistema de direito dos conflitos de base bilateral, mas a par deste
sistema ou como seu elemento -> unilateralismo limitado

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 35


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N.U. Gerais

Estados ou categorias
de relações jurídicas

N.U. Especiais
Relação de
especialidade com
outras normas de
conflitos, bilaterais ou
unilaterais

As normas unilaterais especiais podem assumir 3 modalidades quanto à sua


previsão:
1. Reportam-se a estados ou categorias de relações jurídicas, embora se
encontrem numa relação de especialidade com outras normas de conflitos
que se reportam a categorias normativas mais amplas.
2. Reportam-se a questões parciais que estariam englobadas no domínio de
aplicação de outras normas de conflitos.
3. Reporta-se a uma norma ou lei material individualizada. NORMA DE
CONFLITOS AD HOC8.

As normas de conflitos ad hoc têm uma relação intima e direta com a norma ou
lei material a que se reportam. Estão impregnadas de preocupações jurídico-
materiais. São encaradas como adversas ou menos agnósticas, em relação ao
sistema de normas de conflitos e às quais não se aplicariam as normas
coadjuvantes das normas de conflitos gerais.


8
Por exemplo, o art. 61º LAV contém uma norma de conflitos ad hoc, porque se reporta a esta
lei, para determinar a sua esfera de aplicação no espaço.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 36


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Não é de excluir que certas normas unilaterais, à luz das finalidades que
prosseguem, possam ser encaradas como “conformes ao sistema” e que certas
normas sobre a interpretação e aplicação das normas de conflitos bilaterais
também lhes sejam aplicáveis.
Segundo LP, devemos encarar os elementos unilateralistas como complemento
necessário do sistema de Dtº dos conflitos de base bilateral. Por certo que certas
normas de conexão ad hoc ligadas a normas ou leis individualizadas podem
apresentar-se como “estranhas ao sistema” e como um limite ao funcionamento
do sistema de Direito de conflitos. Mas deve favorecer-se o seu enquadramento
sistemático, mediante a sua generalização e bilateralização e tendo em conta as
finalidades gerais do sistema de DIP.

Normas Autolimitadas

Norma autolimitada – aquela norma material que, apesar de incidir sobre


situações reguladas pelo DIP, tem uma esfera de aplicação no espaço diferente
da que resultaria de uma atuação do sistema de dtº de conflitos. Pode resultar
devido ao facto de se fazer acompanhar por uma norma ad hoc, que se reporta
exclusivamente a uma norma ou a uma lei material determinada da ordem
jurídica do foro.
Dividem-se em 4 categorias:
1. Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais vasta do que
aquela que decorreria do Direito de Conflitos geral. São aplicáveis sempre
que o direito do foro é chamado pelo direito de conflitos geral e ainda
noutros casos.
2. Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço que só em parte
coincide com aquela que decorreria do Direito de conflitos geral. Aplicam-
se em alguns casos em que o direito do foro é chamado pelo dtº de
conflitos geral, mas não em todos, e também se aplicam noutros casos
em que o direito do foro não é competente.
3. Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais restrita do que
aquela que decorreria do dtº de conflitos geral.
4. Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço inteiramente
diferente da que decorreria do direito de conflitos geral.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 37


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LP: defendeu que as normas de aplicação necessária (aplicação imediata) são


uma modalidade das autolimitadas – aquela em que a norma reclama uma
esfera de aplicação mais vasta do que aquela que decorreria do direito de
conflitos geral. Atualmente defende que, as normas autolimitadas das categorias
mais importantes podem nuns casos ser aplicadas como elementos geral e
noutros casos como normas de aplicação necessária. As normas de aplicação
necessária não são uma modalidade de normas autolimitadas, uma categoria de
normas, mas um modo de atuação de certas normas autolimitadas. -> uma
norma atua como norma de aplicação necessária ou que é suscetível de
aplicação necessária.
As normas suscetíveis de aplicação necessária são definidas por um critério
formal: são normas que em determinados casos reclamam aplicação apesar de
se ser competente, segundo o Direito de Conflitos geral, uma lei estrangeira.
Resulta do art. 7ºConvenção de Roma.
Aplicabilidade de uma norma imperativa depende também de um critério
material?
• Muitos autores têm defendido que só são de aplicação necessária
aquelas normas que prosseguem fins com determinada natureza ou
intensidade valorativa.
• Outros entendem que o art. 7º permite apenas a aplicação das normas de
intervenção entendidas geralmente como aquelas que tutelam
principalmente interesses públicos.
Nem sempre as normas autolimitadas são expressão do intervencionismo
estadual.

As normas de aplicação imediata ou necessária podem prosseguir múltiplas


finalidades. Se, por indicação expressa do legislador português, uma norma se
sobrepõe à OJ chamada pelo dtº de conflitos geral, esta norma é suscetível de
aplicação imediata ou necessária, independentemente de quaisquer outras
considerações.

Art. 9º/1 Roma I – critério material combina as duas formulações anteriormente


expressas, definindo normas de aplicação imediata como “disposições cujo

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 38


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respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse


público (...)”.
A atribuição de um carater excecional à intervenção de normas suscetíveis de
aplicação necessária vai ao encontro da posição que LP tem defendido.

Quando devemos entender que determinada norma é autolimitada?


• Se o legislador formular expressamente uma norma de conflitos ad hoc
com respeito a determinada regra ou lei material, é mais fácil, pois a
norma ad hoc, como norma de conflitos especial prevalece sobre o dtº de
conflitos geral, dentro dos limites traçados por normas internacionais ou
europeias.
• Na falta de determinação legislativa, surgem 2 teses:
o Uns colocam o acento no estabelecimento da autolimitação por via
interpretativa, principalmente com recurso a um critério teleológico
que atenda ao fim político-jurídico prosseguido pela norma
material. CRITICA: parece muito duvidoso que a interpretação de
uma norma possa ser conclusiva quanto à sua esfera de aplicação
no espaço. O conteúdo e o fim podem fornecer indicações
importantes para o efeito, mas não parece que a interpretação da
norma material possa por si conduzir a suam solução conflitual.
As normas autolimitadas suscetíveis de aplicação necessária não
constituem pois uma alternativa ao processos conflitual ou de
regulação indireta, mas uma manifestação de um certo tipo de
unilateralismo, que coloca o problema do dtº aplicável em função
de normas individualizadas. Se a aplicação da norma material do
foro depende de uma norma de conflitos ad hoc ou de uma
valoração conflitual casuística, esta norma nunca é, por certo,
imediatamente aplicável (regulação indireta).
Uma norma é autolimitada quando: a) a inferência de uma norma
de conflitos ad hoc implícita; b) a criação de uma solução conflitual
ad hoc à luz da teoria das lacunas de lei; c) a vigência de uma
cláusula geral que permita colocar o problema da aplicabilidade da
norma material em função de circunstâncias do caso concreto.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 39


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o Outra tese, defende que na omissão do legislador o interprete não


pode qualificar uma norma como sendo de aplicação necessária.
Muitos países aplicam esta tese, uma vez que na falta de
determinação legislativa, raramente aplica normas imperativas do
estado do foro com este fundamento.
o Lima Pinheiro tem uma posição intermédia: a norma de conflitos
implícita deve inferir-se das proposições legais ou de práticas
acompanhadas de uma convicção de vinculatividade. Uma norma
de conflitos implícita também se pode inferir, relativamente às
regras materiais que sejam concretização de direitos
fundamentais, da norma de conflitos especial que tenha sido
estabelecida com respeito à aplicação no espaço da regra
constitucional que consagre este direito fundamental. Na falta de
norma de conflitos implícita -> Lacuna, que na maior parte dos
casos é oculta, porque a situação se encontra em principio
abrangida por uma norma do sistema de direito de conflitos. A
revelação da lacuna pressupõe uma interpretação restritiva ou uma
redução teleológica da norma de conflitos geral. Esta restrição ou
redução é justificada pela circunstância de esta norma não tutelar
o valor que está subjacente à norma ou lei material em causa,
quando esta falta de tutela se apresente como uma falha do
sistema conflitual. Existe uma lacuna no sistema conflitual perante
outras modalidades contratuais em que se verifique normalmente
um grande desequilíbrio entre o poder económico e a força
negocial das partes. Na OJ portuguesa perante um sistema
codificado de Direito de Conflitos que não contém qualquer
indicação nesse sentido, LP não vê fundamento para a vigência
desta clausula geral.
Na falta de norma de conflitos ad hoc ou de revelação de uma
lacuna que deva ser integrada mediante a criação de uma solução
conflitual ad hoc, o interprete não pode atribuir a uma regra material
o caráter de norma autolimitada. Esta técnica de regulação não
constitui uma alternativa global ao sistema de Dtº de conflitos, mas

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 40


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um limite ao funcionamento deste sistema que só se verifica em


casos excecionais.

Funções das normas de conflitos unilaterais no dtº vigente


As normas de conflitos unilaterais têm por função realizar um processo de
regulação indireta de situações transnacionais, realizando esta função através
do chamamento do dtº do foro.
A maior parte das normas unilaterais especiais vigentes na OJ portuguesa são
normas de conflitos ad hoc.

Problema da bilateralização das normas unilaterais. A generalização de


normas unilaterais ad hoc
Perante lacunas, os tribunais procedem à sua bilateralização! A bilateralização
só é possível quando a regra unilateral valha como revelação um “princípio
geral”, i.e., como conexão adequada à situação ou questão parcial em causa.

Isabel de Magalhães Collaço – a bilateralização não é admissível quando a


norma unilateral visa estender o âmbito de aplicação da lei interna, quer com
vista à proteção de certos interesses locais, quer com vista à defesa de
interesses dos seus nacionais no estrangeiro.

LP divide o problema:
I. Saber se existe uma lacuna:
Quando a certos estados ou categorias de relações jurídicas, um sistema
jurídico não dispõe de normas bilaterais, mas tão-somente de normas
unilaterais, surge uma lacuna sempre que não seja aplicável o direito do
foro. Se a norma de conflitos se limitava, p.e., a estabelecer a
competência do direito do foro para reger o estado e a capacidade dos
nacionais, surge uma lacuna a partir do momento em que se coloca o
problema do direito aplicável ao estado e a capacidade de um estrangeiro.
De acordo com o plano legislativo confiança de 3º também deve ser
tutelada quando a sede estatutária esteja situada no estrangeiro. Existe
uma lacuna que necessita de ser suprida através da bilateralização da

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 41


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norma. Para determinar se há lacuna, uma falha no plano do sistema, é


legítimo tomar em conta todos os valores e princípios do sistema.
II. Integração da lacuna:
Importa atender ao tipo de norma unilateral em causa e às finalidades por
ela prosseguidas. No que toca às normas ad hoc, que se reportam a
normas materiais determinadas, parece que a bilateralização terá sempre
de ser condicionada à existência no sistema designado de normas e
regimes com o mesmo conteúdo e função, embora se possa não ver aí
mais que uma concretização dos princípios gerais em matéria de
qualificação.
A bilateralização do art 28º/3 CC é condicionada, pois dentro da esfera de
aplicação que lhes é atribuída pela OJ de origem, impregnação da norma
unilateral ad hoc por preocupações materiais.
Impedimentos da bilateralização:
o Não generalização
o Apresentam-se em geral regimes que vão em 1ª linha orientados
a promover interesses públicos nacionais ou a defender interesses
privados locais perante interesses estrangeiros ou em função de
condições especificas de âmbito estritamente local, ou que digam
respeito à organização administrativa ou a atividades realizadas
por entes públicos no âmbito da gestão pública.
As normas unilaterais insuscetíveis de bilateralização podem ser
designadas de normas de delimitação.
Bilateralização de normas unilaterais ad hoc -> generalização ->
compreende 2 processos:
i. Alargamento da previsão com a passagem de uma norma
ou lei individualizada para uma categoria de relações
jurídicas ou questão parcial;
ii. Bilateralização.

Normas Bilaterais Imperfeitas

São as que, podendo determinar a aplicação tanto de direito do foro


como de direito estrangeiro, limitam o seu objeto a certos casos que têm uma

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 42


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ligação especial com o Estado do foro, não fornecendo pois a solução para as
situações do mesmo tipo abstrato, mas em que falta a referida ligação.

Normas de remissão condicionada e normas de reconhecimento

Normas de remissão condicionada

Pierre Lalive – há uma conexão condicionada quando a regra de conflitos


incorpora, enquanto condição de aplicação, a posição assumida pelo DIP da lei
designada. P.e. art. 47º CC

Wengler – adota um conceito que permite pensar que a condição pode ser
simplesmente o resultado material. P.e. a norma que condicione a aplicação da
lei designada por determinado elemento de conexão apenas à circunstância de
esta lei admitir a validade de um negócio jurídico.

Lima Pinheiro – prefere o conceito em que a regra de remissão condicionada é


aquela que tem em conta a competência da lei estrangeira segundo o respetivo
DIP.

As normas de remissão condicionada são:


• Art. 28º/3 CC
• Art. 31º/2 CC
• Art. 36º/1 in fine CC
• Art. 45º/3 CC
• Art.47º CC
• Art. 65º/2 CC

Norma de remissão condicionada é diferente de devolução


• Aceitar a devolução significa que se a lei estrangeira designada pela
nossa norma de conflitos não aceitar a competência, porque o seu direito
de conflitos remete para a lei portuguesa (retorno de competência) ou

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 43


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para uma 3ª lei (transmissão de competência), nós vamos aplicar a lei


portuguesa ou a terceira lei.

A técnica da remissão condicionada parece justificar-se principalmente em 2


tipos de situações:
1 – Quando se admita um desvio excecional à lei normalmente
competente, que só se justifica quando a situação esteja ligada por determinado
elemento de conexão outro Estado e a OJ deste Estado reclame a aplicação.
2 – Remissão para normas ou regimes imperativos contidos numa ordem
jurídica estrangeira que não é primariamente competente para reger a situação.

Normas de Reconhecimento

Aquela que estabelece que determinado resultado material ou que


efeitos jurídicos de uma determinada categoria se produzirão na OJ do foro caso
se verifiquem noutro direito. É uma norma de remissão porque determina a
aplicação do direito estrangeiro ou extra-estadual à produção do efeito.

Segundo LP, as normas de reconhecimento não são simples normas de


remissão porque se reporta a um resultado material ou a uma categoria de
efeitos jurídicos e porque conserva um maior controlo sobre a solução material.

A norma de reconhecimento pode ou não ser uma norma de conexão.


As normas de reconhecimento de efeitos de atos públicos estrangeiros serão
normas de conexão se condicionarem o reconhecimento à existência de uma
conexão adequada entre o estado de origem da decisão e a situação.
As normas de reconhecimento podem ter por objeto efeitos desencadeados por
um ato público estrangeiro constitutivo, modificativo, extintivo, ou outros efeitos
que se produzem independentemente de ato público. Podem ser utilizadas para
reconhecimento de situações jurídicas fixadas por atos públicos estrangeiros.

O problema da relevância das normas imperativas estrangeiras

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 44


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Questão: saber se e em que termos deverá ser dada relevância a normas


autolimitadas de ordenamento estrangeiros que não são os chamados pelo
sistema de Direito de Conflitos a regular a questão. O problema é relação aos
contratos internacionais, quando viola normas imperativas de um 3º
ordenamento.
As normas imperativas estrangeiras só podem ser aplicadas na ordem jurídica
local por força do titulo de aplicação que uma proposição vigente nesta ordem
jurídica lhes conceda.

Normas imperativas da lex causae – leis designadas pelo sistema de direito


de conflitos. São aplicáveis no quadro do titulo de aplicação conferido a essa lei
pelas normas de conflitos gerais.
As normas de conflitos especiais limitam o domínio de aplicação das normas de
conflitos gerais. Terá como consequência a inaplicabilidade das normas
imperativas da lex causae que sejam reconduzíveis à categoria normativa
prevista na norma de conflitos especial.
Outra dificuldade quanto à aplicação de normas imperativas da lex causae surge
quando estas normas forem autolimitadas, excluindo a sua aplicação à situação
que são chamados a disciplinar. Existem 2 regras:
i. Se a negação de aplicabilidade da norma não põe em causa a
competência da OJ a que pertence a autolimitação deve ser
respeitada. Na maioria dos casos a norma autolimitada é uma norma
especial. A negação da sua aplicabilidade significa apenas que serão
aplicáveis apenas as outras normas da lex causae que foram
reconduzíveis à categoria normativa prevista na norma de conflitos
geral.
ii. Se a negação de aplicabilidade da norma põe me causa a
competência da OJ a que pertence, a autolimitação só poderá relevar
no quadro das regras sobre devolução.

Normas Imperativas de 3º ordenamentos – saber se a OJ local lhes confere


um titulo de aplicação mediante proposições jurídicas especiais ou se permite a
sua tomada em consideração. Exemplo art. 9º/3 Roma I. Estes preceitos só
conferem relevância às normas imperativas de 3º estado que sejam de aplicação

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 45


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necessária. Se as normas imperativas do 3º estado forem aplicáveis a titulo de


Direito regulador do contrato, estes preceitos não lhes conferem relevância ->
tendência para encarar o problema da relevância de normas imperativas de 3º
estado como uma das vertentes do tema das normas de aplicação necessária.

Teses sobre a relevância das normas imperativas estrangeiras


1) Teoria do Estatuto obrigacional
Via tradicional.
As normas imperativas estrangeiras só serão aplicadas quando integrem
a lex causae. Normas de 3º ordenamentos só poderão relevar enquanto
pressupostos de facto de normas da lex causae.
2) Teoria da conexão especial
Defendida por Wengler.
Traduz-se numa cláusula geral segundo a qual serão aplicadas, além das
normas jurídicas que pertençam ao estatuto obrigacional, as de qualquer
outra OJ, dispostas a aplicar-se, desde que exista uma relação
suficientemente estreita entre a OJ em causa e o contrato e tendo como
limite a sua conformidade com a OJ internacional do foro.
Esta cláusula contém um conceito indeterminado e uma remissão
condicionada à vontade de aplicação de normas em causa.
Marques Santos – partindo da ideia básica de reconhecimento no Estado
do foro da vontade de aplicação das normas de aplicação imediata
estrangeiras propôs a adoção de uma regra de reconhecimento que dê
um titulo e legitime a relevância, no estado do foro, de tais regras, de
acordo com as condições e dentro dos limites fixados por este último
Estado. Estabeleceu como limite ao reconhecimento a exclusão de
pretensões de aplicação exorbitante e das normas que colidam com
interesses do Estado do Foro ou com interesses afins aos de este Estado.
3) Lima Pinheiro
A primeira promove a harmonia internacional entre a OJ do foro e a lei
primariamente aplicável à situação, que é aquela que apresenta ligação
mais significativa com a situação considerada no seu conjunto, e evita o
cúmulo de normas imperativas de diferentes Estados, mas não tem em
conta o bem comum universal, que postula uma determinada relevância

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 46


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de normas imperativas de 3º ordenamentos que prossigam finalidades


relevantes para a OJ do foro ou amplamente acolhidas na comunidade
internacional, nem a harmonia internacional com os outros ordenamentos
que podem ter uma conexão significativa com o caso, nem tão-pouco as
exigências que podem decorrer da cooperação entre EM. Esta teoria
impediria qualquer desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema pela
jurisprudência e pela ciência jurídica.
A segunda tese permite ter em conta a harmonia internacional com 3º
ordenamentos que tenham uma conexão significativa com o caso, o bem
comum universal, e as exigências da cooperação regional, mas tão-pouco
parece adequada:
o Não tem suficientemente em conta a importância da harmonia com
a lei primariamente aplicável à situação por força do direito de
conflitos geral;
o Recorre à técnica da clausula geral, que deixa uma larga margem
de apreciação ao intérprete, com as correlativas incerteza sobre o
regime jurídico aplicável e imprevisibilidade de soluções;
o Aumenta o risco de cúmulo de normas imperativas de diferentes
Estado que implica uma desigualdade de tratamento das situações
transnacionais e uma indesejável restrição da autonomia privada
nestas situações.
Segundo o LP deve-se apostar mais na bilateralização das soluções
consagradas para as normas autolimitadas de direito interno ou na
criação de normas de conflitos bilaterais independentemente de um
processo de bilateralização.

Posição Adotada de iure condendo


LP dá preferência à criação de normas de remissão condicionada a certas
categorias de normas imperativas vigentes em Estados que apresentam
determinada conexão com a situação.
A remissão será condicionada à disposição a aplicar-se das normas em causa,
quer se trate de normas suscetíveis de aplicação necessária ou de outras
normas imperativas que reclamam aplicação por força do respetivo sistema de
direito de conflitos.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 47


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Posição adotada de iure constituto


O DIP contém algumas regras relevantes em domínios específicos. P.e. art. 9º/3
Roma I – abrange não só as normas de aplicação imediata relativas à execução
do contrato mas também as que estabeleçam requisitos de validade do conteúdo
e do fim do contrato. Embora tenha claramente uma intenção restritiva, deve
entender-se que ele se refere apenas à aplicabilidade das normas de aplicação
imediata de 3º ordenamentos.
O legislador português tem mostrado alguma oposição perante a teoria da
conexão especial, sendo especialmente significativa a reserva formulada com
respeito à aplicação do art. 7º/1 convenção de roma.
Nenhum dos regulamentos adota a teoria da conexão especial e só em alguns
deles se admite a aplicabilidade de normas imperativas de 3º ordenamentos com
base em critérios mais restritivos que convergem com a solução do LP.

Relevância de normas imperativas de 3º Estados no quadro do direito


material da lex causae
Nos casos em que a lei local não atribui um titulo de aplicação a normas
imperativas de terceiros estados, estas normas podem ainda ter relevância no
quadro do Direito material da lex causae.
A jurisprudência de diversos países tem superado a dificuldade de nulidade do
negócio jurídico, entendendo que a invalidade do negócio cujo objeto seja
contrário a normas imperativas de 3º estados pode decorrer da contrariedade
aos bons costumes.

CAPÍTULO III
A JUSTIÇA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE CONFLITOS

A Justiça do direito de conflitos

O dtº é uma ordem orientada à realização de valores socialmente reconhecidos.


Justiça surge como ideia de unificar os valores.
A justiça da conexão atende ao significado dos laços que a situação estabelece
com os Estados em presença e não às soluções materiais ditadas pelos direitos
destes estados. Permitindo desta forma, contrapor justiça de conexão como

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 48


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justiça formal ou conflitual, à justiça material que diz respeito à solução material
do caso.
As normas com conceito indeterminado estão ainda ao serviço da justiça da
conexão, de uma equidade conflitual, uma vez que não estabelecem por via
geral e abstrata o elemento de conexão mais adequado, antes remetem o
interprete para uma valoração conflitual perante o conjunto das circunstâncias
do caso concreto.
A justiça do DIP é mais ampla que a justiça de conexão.
A justiça conflitual pode exprimir a adequação de um direito supraestadual ou de
um direito paraestadual para reger uma determinada categoria de situações
transnacionais.
O DIP realiza a justiça de 2 formas, segundo Neuhaus:
• Através da escolha do elemento de conexão mais adequado;
• Através de um controlo e de uma modelação da solução material do caso.
O DIP realiza até certo ponto uma função modeladora na disciplina das situações
internacionais.
A evolução do DIP tem sido marcada por uma certa materialização do dtº de
conflitos. O favorecimento de resultados materiais justifica-se quando no direito
material interno há uma finalidade subjacente a um ramo do direito ou a um
instituto jurídico que aponta nesse sentido.
As normas de conflitos só devam ser materialmente orientadas quando se
manifeste uma tendência internacional para a prossecução de determinada
finalidade jurídico-material. A orientação material das normas de conflitos
também pode fundamentar-se na necessidade de compensar desvantagens
decorrentes do carater internacional da situação. O favorecimento da validade
formal do negócio pode até certo ponto ser justificado pelas incertezas e
dificuldades que resultam do contacto da situação com diversos estados.

A justiça concretiza-se em valores e princípios jurídicos, sendo que não existe


um sistema universal de valores e princípios jurídicos valido para todas as ordens
jurídicas estaduais.
A justiça concretiza-se na ideia de supremacia do direito, bem como num
conjunto de valores materiais e formais:

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 49


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• Ideia de supremacia do direito – decorre, para a regulação das relações


transnacionais, que o direito deve orientar os aspetos essenciais de
conduta social dos sujeitos destas relações por meio de critérios
vinculativos e que deve assegurar a resolução dos conflitos sociais
através de meios jurisdicionais e segundo regras jurídicas.
• Valores formais – valor da certeza, previsibilidade. As normas devem
poder ser conhecidas pelos destinatários e devem permitir a
determinação do dtº aplicável com facilidade e certeza.
Valor da harmonia internacional de soluções – as divergências entre os
sistemas nacionais de direito de conflitos prejudicam a certeza e a
previsibilidade do direito aplicável. Só o direito de conflitos unificado pode
garantir a harmonia internacional de soluções. Ligados à ideia de
supremacia do direito do direito e aos valores formais do Direito de
conflitos surgem 2 exigências:
o Limites à aplicação no tempo e no espaço do direito de conflitos,
que decorre antes do mais da consideração da norma de conflitos;
o Certo favorecimento da validade dos negócios e da legitimidade
dos estados.
• Valores materiais – dignidade da pessoa humana, igualdade, adequação,
equilíbrio, ponderação, liberdade, confiança e o bem comum.
o Dignidade da pessoa humana – decorre do principio do respeito
da personalidade dos indivíduos, ligado à noção de estatuto
pessoal e a conformidade dos elementos de conexão com direitos
fundamentais.
o Igualdade – exprime-se no principio da equiparação entre
nacionais e estrangeiros. Postula também a harmonia
internacional de soluções.
o Adequação – justiça de conexão
o Equilíbrio – importante nas matérias em que sobrelevam os
interesses das partes. Justifica regras de conflitos especiais que
visam a proteção da parte contratual mais fraca.
o Ponderação – importante sempre que se utilizem conceitos
indeterminados e clausulas de exceção.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 50


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o Liberdade – tem de se respeitar que cada ser humano decida


sobre a sua vida
o Confiança – não se deve invocar quando estão em causa meras
exigências da certeza e previsibilidade jurídicas.
o Bem comum – valor bifrontal em DIP. Está em causa o bem
comum da sociedade estadual que se dota de um sistema de
direito de conflitos e por outro lado está o bem comum universal
que sendo um dos fundamentos do primado do DIP sobre o Dtº
estadual, é um valor que também deve ser realizado pelo direito
de conflitos. Este valor postula que as soluções conflituais devam
contribuir para o bem-estar económico, social, cultural e ambiental
da humanidade.

O Dtº de conflitos vigente nos Estados da União Europeia, tem evoluído no


sentido de uma flexibilização, através da admissibilidade da determinação da
conexão em função das circunstâncias do caso concreto em certos casos.
A norma geral e abstrata não é a única condição para a decisão justa, mas é
uma das condições que permite que o igual seja igualmente tratado.
Só se justifica o recurso à justiça conflitual do caso concreto em 2 hipóteses:
• Quando as partes acordem num julgamento segundo a equidade e se
trate de relações disponíveis.
• Quando não for possível realizar a justiça da conexão por meio de uma
norma de conflitos com conceito designativo determinado.
Quando não for possível encontrar um elemento de conexão adequado à matéria
em causa, justifica-se o recurso a conceitos designativos indeterminados, como
é o caso da “relação mais significativa” ou “conexão mais estreita”.
LP: defende a introdução no dtº de conflitos português de uma cláusula geral de
exceção, que permita afastar o direito primariamente competente em benefício
do direito do estado que apresenta laços manifestamente mais estreitos com a
situação.
A justiça do direito de conflitos deve ser enquadrada pela justiça do DIP
considerado no seu conjunto.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 51


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Dtº
Conflitos

DIP
Três
Complexos

Dtº
Dtº
Reconhecimento
Competência
Internacional

A coerência do sistema reclama a articulação interna destes complexos


normativos. No direito positivo manifesta-se por vezes uma falta de articulação
que chega a repercutir-se em graves contradições valorativas.
A integração das soluções num sistema global e coerente traduzir-se-á em
soluções mais adequadas à vida jurídica transnacional, reduzindo os fatores de
incerteza e imprevisibilidade, tutelando a confiança depositada no direito de
conflitos e atenuando o desequilíbrio entre as partes criado pelo fórum shopping
e pelo aproveitamento abusivo do instituto de reconhecimento de decisões
judiciais estrangeiras.
Uma convergência entre o foro competente e o direito aplicável oferece
vantagens evidentes. O legislador e os órgãos de aplicação do direito, quando
criam ou desenvolvem o direito de conflitos numa determinada matéria, devem
ter em conta as normas de competência internacional.

Os princípios do Direito dos Conflitos

Princípio jurídico – proposições jurídicas com elevado grau de indeterminação


que, exprimindo diretamente um fim ou valor da OJ, constituem uma diretriz de
solução.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 52


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Os princípios desempenham várias funções:


• Resolução de problemas de interpretação, em especial quando se trate
de conceitos carecidos de preenchimento valorativo;
• Integração de lacunas, pelo menos quando não seja possível supri-las
mediante o recurso à norma aplicável a casos análogos;
• Redução teleológica, pela não aplicação de uma norma a situações que,
em princípio, caberiam na sua previsão.

Baptista Machado + Moura Ramos = os princípios valem sobre as normas de


conflitos singularmente consideradas.
LP não concorda, entendendo que as normas de conflitos são tão vinculativas
como as normas materiais. Segundo ele, os princípios não derrogam as regras
legais. Os valores e os princípios estão subjacentes às regras, servem para a
sua interpretação e podem justificar uma extensão analógica ou uma redução
teleológica.

Princípios de conformação global do sistema

Ferrer Correia - a segurança e a certeza jurídica são os valores predominantes


no DIP. Elege o principio da harmonia jurídica internacional como um principio
fundamental.

Principio da harmonia jurídica internacional – deve ser o mesmo direito aplicado


a uma situação qualquer que seja o Estado em que venha a ser apreciada. Tem
algumas implicações:
• Deve adotar-se um sistema de dtº de conflitos de base bilateral;
• As normas de conflitos estabelecidas por cada legislador estadual devem
ser universalizáveis;
• Na escolha dos elementos de conexão deve atender-se à sua difusão
internacional;
• Deve aceitar-se a devolução quando tal permita alcançar a harmonia
internacional;

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 53


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• Deve adotar-se um sistema que permita o reconhecimento de atos


públicos estrangeiros.

Limites deste principio -> não aceita a devolução, remetendo para a referência
material.

Princípio da harmonia material ou interna – postula a uniformidade de valoração


das mesmas situações dentro de cada ordem jurídica, a coerência na regulação
das situações da vida, o que obriga à eliminação de contradições normativas ou
valorativas entre as normas contidas nas leis aplicáveis a diferentes segmentos
da mesma situação. Este principio preza por preservar a unidade de regulação
de cada situação globalmente considerada. Aconselha a que questões
interdependentes sejam submetidas ao mesmo direito.

Princípio da confiança – justifica que sejam reconhecidas as situações jurídicas


que se constituíram ou consolidaram validamente perante o DIP de uma ordem
jurídica estrangeira que apresenta uma conexão especialmente importante com
a situação, mesmo que não sejam válidas perante as normas primariamente
aplicáveis ao DIP do foro. Exige o respeito da estabilidade e continuidade das
situações jurídicas, quando não haja razões objetivas suficientemente
ponderosas que imponham a sua modificação ou extinção.

Princípio da efetividade – na resolução dos conflitos de leis haverá que atender


à circunstância de certos estados se encontrarem em posição privilegiada para
imporem o seu ponto de vista sobre a regulação do caso. Pode contribuir para a
fundamentação da própria conexão primária. Tem uma vertente “principio da
maior proximidade” que tem um alcance muito limitado.

Princípio do favor negotii – devem ser fornecidos a validade dos negócios


jurídicos e a legitimidade dos estados. Leva à paralisação da devolução (art.
19º/1 CC). Vai longe demais este princípio.

Princípio da reserva jurídico-material – o direito dos conflitos não opera sem


limites colocados pela justiça material. A justiça de conexão cede perante a

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 54


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justiça material quando estão em causa seja normas e princípios supraestaduais


seja normas e princípios fundamentais da OJ portuguesa. Estas normas e
princípios formam uma reserva jurídico-material do sistema português de DIP
que limita o funcionamento do direito de conflitos.

Princípios de conexão

Princípio da conexão mais estreita – pode traduzir a própria justiça da conexão


no seu conjunto e, por conseguinte, abranger todos os elementos de valoração,
designadamente os princípios e ideias orientadoras da escolha da conexão.
Pode também exprimir a justiça da conexão objetiva em matéria de contratos
obrigacionais (art.4º/1 Roma I). Há uma relação entre este principio e a
supremacia do direito, a atuação da norma de conflitos como critério de conduta.
Este principio é também uma expressão da justiça de conexão. Tanto contribui
para fundamentar uma norma de conflitos com conceito designativo
indeterminado, ou uma clausula de exceção, como para a consagração de um
determinado elemento de conexão. Será o principio que exprime: a
nacionalidade, o domicilio ou a residência habitual.

Principio da personalidade – decorre do principio mais geral da dignidade da


pessoa humana. Manifesta-se na noção de lei pessoal. Exige o respeito da
inserção do individuo na esfera sócio-cultural de um Estado, por forma a
respeitar a sua identidade cultural9. O respeito da competência da lei pessoal
pode levar ao sacrifício da harmonia internacional alcançada através da
devolução (art. 17º/2 e 18º/2 CC), sendo que não se justifica este sacrifício.

Principio da territorialidade – uma lei é territorial quanto aos órgãos de aplicação


quando só é aplicada pelos órgãos do Estado que a edita. Uma lei é territorial
quanto às situações reguladas quando se aplica a todas as situações que têm
uma dada conexão com território do Estado que a edita. Existe uma aceção que
defende que uma lei só produz diretamente efeitos para o território do Estado


9
Art. 26º/1 CRP expressão do direito constitucional à identidade pessoal.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 55


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que a edita, logo a lei de um estado só se aplica aos factos ocorridos no seu
território. LP defende que não vigora este princípio.

Princípio da Autonomia Privada – veicula o valor liberdade, relacionando-se com


determinados direitos fundamentais que são inspirados por esse valor. Atua em
2 níveis:
• Exprime-se na utilização de elementos de conexão cujo conteúdo
concreto pode ser modelado pelos interessados – nacionalidade,
domicilio, residência habitual – relevância indireta da vontade na
determinação do dtº aplicável.
• A conexão alternativa cria um espaço de autonomia sem que conceda
relevância direta à vontade na determinação do dtº aplicável.

Princípio do favorecimento de pessoas que são merecedores de especial


proteção – manifesta-se em 2 tipos de normas de conexão: a) normas de
conflitos materialmente orientadas que favorecem determinados resultados
materiais mediante a utilização de conexões alternativas, cumulativas ou
optativas; b) normas de conflitos especiais que conduzem à aplicação da lei do
Estado em que a pessoa carecida de proteção tem o seu centro de vida pessoal
ou profissional.

CAPÍTULO V
ESTRUTURA GERAL DA NORMA DE CONFLITOS

Elementos da norma de conflitos

Previsão
1 – Objeto da norma de conflitos
A previsão da norma de conflitos define os pressupostos, a previsão da norma
delimita o seu objeto e delimita o alcance material da remissão.
O objeto da norma de conflitos é a situação transnacional ou um seu aspeto.
A extensão do objeto da norma de conflitos deve ser aquela que convenha à sua
estatuição, à remissão. Ao eleger os diferentes elementos de conexão, o

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 56


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legislador tem em vista aqueles que são os mais adequados para designar o
Direito que lhes há-de ser aplicado.
Os conceitos utilizados na previsão da norma de conflitos não desempenham
apenas a função de delimitar o objeto da norma, também delimitam o alcance
material da remissão operada pela norma.

2 – Fenómeno do dépeçage e suas implicações


Muitas normas não se reportam a situações típicas globalmente consideradas,
mas apenas a certos aspetos parcelares. A especialização do dtº de conflitos
acentua o fracionamento na regulação das situações transnacionais. Quantos
mais numerosos forem as normas de conflitos, e mais limitado o âmbito de
aplicação de cada uma delas, mais frequente será a submissão de diferentes
aspetos da mesma situação a leis diversas.
Dépeçage – fenómeno de fracionamento das situações transnacionais pelo dtº
de conflitos. Vem realçar a função reguladora do dtº de conflitos.
A globalidade da disciplina de uma concreta relação da vida internacional só
pode ser definida pela atuação de uma pluralidade de normas de conflitos. Às
vezes, a mesma norma de conflitos admite o chamamento de mais de um direito
para reger diferentes questões.
A regulação das situações transnacionais pelo dtº de conflitos não se traduz na
sua inserção numa determinada OJ, mas no estabelecimento de uma disciplina
material coerente com base numa pluralidade de remissões para diferentes
direitos. O dépeçage possibilita o risco de contradições normativas ou
valorativas, ou de dessintonias, entre as proposições jurídicas que são pedidas
a diferentes OJ. O risco de antinomias não pode ser evitado.

Estatuição
1 – Estatuição da norma de conflitos
A estatuição da norma de conflitos, a consequência jurídica que desencadeia é
identificada como conexão.10
A estatuição carece de concretização.


10
Conexão = chamamento de 1 ou + direitos a regular a questão.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 57


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A norma de conflitos remete para um direito. Esta remissão é feita através de


uma conexão.
Problemas
a) Quando a remissão é feita para uma OJ estrangeira suscita-se o problema
de determinação do alcance conflitual da remissão (questão de saber se
a remissão abrange o DIP da OJ designada).
b) Quando a remissão é feita para o dtº estrangeiro como quando é feita
para o dtº do foro, diz-se ao alcance material da remissão.
Quando a remissão é feita para um dtº estrangeiro ou extra-estadual produz-se
uma segunda consequência jurídica que se traduz na atribuição de um título de
aplicação ao dtº material estrangeiro ou extra-estadual.

2 – Modalidades de conexão em geral

Singular • desencadeia a aplicação de um só dtº


para reger a questão

Plural • desencadeia a aplicação de + de um


dtº para regular a situação

• A norma de conflitos dispõe • A norma de conflitos designa


de 2 ou + elementos de por forma direta e imediata
conexão, suscetiveis de um único direito aplicável à
designarem 2 ou + dtº, mas é questão. Pe. art. 46º/1 CC
agora a vontade de uma
determinada categoria de
interessados que vai
determinar o dtº aplicável.
P.e. art. 7º Roma I

Optativa Simples

Conexão
Singular

Alternativa Subsidiária

• A norma de conflitos contém • A norma de conflitos dispõe de uma


2 ou + elementos de série de elementos de conexão que
conexão, suscetiveis de operam em ordem sucessiva, por
designarem 2 ou + dtº, forma a que a atuação do elemento
sendo aplicado aquele que de conexão seguinte depende da
no caso concreto é + falta de conteúdo concreto do
favorável.P.e. art. 11º/1 elemento de conexão anterior. P.e
Roma I art. 3º e 4º Roma I.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 58


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Cumulativa Simples
• A norma de conflitos exige, para que
se produza certo efeito jurídico,a
concorrência de 2 ou + dtº. O
reconheciemnto deve ser feito por
ambos.
• P.e. art. 33º/3 CC

Condicionante
• não há uma atribuição de competência
paritária a 2 ou mais dtº. A norma de
conflitos chama um dtº como
primariamente competente mas atribui
a outro sistema uma função limitativa
ou condicionadante quanto À produção
de certo efeito.
• P.e. art. 60º CC

A conexão cumulativa simples apresenta-se como simétrica à conexão


alternativa. Esta ultima favorece a produção de um efeito jurídico, a cumulativa
simples dificulta a sua produção.
A necessidade de conjugar estatutos, i.e. conjuntos normativos que se vão pedir
a direitos diferentes para reger diversos aspetos de uma mesma situação, pode
levar a conexões condicionantes. A conexão condicionante pode ter subjacente
a preocupação de evitar a criação de situações que não são reconhecidas num
dos Estados com elas mais estritamente conexos. P.e. art. 60º CC

Segundo um outro critério, as conexões podem classificar-se em:


• Autónomas – porque a respetiva norma de conflitos dispõe de um
elemento de conexão que opera a designação do dtº aplicável.
• Dependentes – quando é necessário recorrer a outra norma de conflitos
para determinar o direito aplicável, porque a norma de conflitos não
dispõe de um elemento de conexão autónomo.

Elemento de Conexão

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 59


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O elemento de conexão é um laço entre uma situação da vida e dado


ordenamento de um Estado soberano que se entende ser o determinante para a
escolha do ordenamento aplicável.
Segundo o LP, pode consistir:
• Num laço fáctico entre um dos elementos da situação da vida e um
determinado lugar no espaço que permita individualizar o dtº aí vigente;
• Num vinculo ou qualidade jurídica que permita individualizar o dtº que o
estabelece;
• Numa consequência jurídica que se projeta num determinado lugar no
espaço possibilitando a individualização do dtº aí vigente;
• Num facto jurídico.
O elemento de conexão é diferente da conexão:
• Elemento de conexão – individualiza o direito a ser aplicado.
• Conexão – chamamento de uma ou mais ordens jurídicas.
A nacionalidade da pessoa ou o lugar da celebração do negócio são elementos
que relevam face à norma de conflitos como fatores de individualização do
Direito que há-de reger o estatuto pessoal ou a forma de negócio jurídico.
Norma de conexão é tripartida:
1) Previsão
2) Estatuição
3) Elemento de conexão

Classificação dos elementos de conexão


1)
• Pessoais
• Reais
2)
• Função realizada por via direta
• Função realizada por via indireta
3)
• Descritivos - p.e. o lugar de residência habitual ou lugar da situação da
coisa.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 60


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• Técnico-jurídicos – p.e. elementos de conexão nacionalidade e lugar da


situação da coisa.
4)
• Móveis – varia no tempo
• Imóveis

A determinação da remissão em função das circunstâncias do caso concreto

A determinação do dtº aplicável não resulta da concretização do elemento de


conexão fixado numa norma de conflitos, mas de critérios flexíveis que deixam
uma margem de apreciação ao intérprete.
Os sistemas de DIP não admitem uma escolha do dtº aplicável exclusivamente
em função do resultado material.
A tendência recente para soluções individualizadoras vem a exprimir-se em
proposições conflituais de novo tipo. Na estrutura destas proposições conflituais
não encontraremos um conceito designativo do elemento de conexão, que é
substituído por um conceito altamente indeterminado como o de conexão mais
estreita (art. 4º/4 Roma I), direito mais apropriado ao litigio (art. 33º/2 LAV) ou
centro dos principais interesses do devedor (art. 3º/1 e 4º/1 regulamento sobre
processos de insolvência) -> podem ser consideradas clausulas gerais!

Critério da Conexão Mais Estreita


Art. 4º/4 Roma I, por exemplo.
É uma valoração conflitual, que atende aos laços existentes entre a situação em
causa e a esfera social dos Estados

Cláusula de Exceção
É uma proposição que permite afastar o dtº primariamente aplicável de um
Estado, quando a situação apresenta uma ligação manifestamente mais estreita
com outro Estado. A equidade conflitual intervém para corrigir a designação do
dtº estadual primariamente aplicável, quando a situação apresenta uma ligação
manifestamente mias estreita com outro estado.
Existem 2 tipos:
• Geral

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 61


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• Especial – privativas de matérias especificas


No direito de conflitos português não vigora uma cláusula geral de exceção.
Moura Ramos, defende a vigência da cláusula de exceção, com base no
princípio da proximidade e em algumas particularidades que constituem
cláusulas de exceção fechadas.
LP discorda:
Ø considera as normas de conflitos tão vinculativas como as normas
materiais;
Ø o legislador de 1966 optou conscientemente por regras de conflitos de tipo
tradicional que utilizam conceitos designativos do elemento de conexão
determinados, mostrando-se desfavorável a critérios de remissão
flexíveis.

CAPÍTULO VI
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS

Interpretação da norma de conflitos

No dtº de conflitos português vigoram essencialmente normas de fonte


supraestadual e interna.
Relativamente às normas de fonte interna deve ter-se em conta o art. 8º e 9º CC.
Relativamente às normas de fonte internacional atendemos às normas de
DIPúblico e ao art. 31º da Convenção de Viena.

Normas de conflitos de fonte interna


Estas normas têm de ser interpretadas como parte do sistema jurídico português.
Na determinação do sentido e alcance dos conceitos técnico-jurídicos utilizados
quer para delimitar o objeto da remissão quer para designar o elemento de
conexão há que partir do Dtº material interno, do conteúdo aí atribuído. Se a
interpretação é ancorada ao dtº material interno, ela não lhe está subordinada.
A interpretação da norma de conflitos é uma interpretação autónoma
relativamente ao dtº material interno.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 62


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Normas de conflitos de fonte supraestadual


São as contidas em Convenções internacionais de unificação do dtº de conflitos
e em regulamentos europeus.
No caso das normas contidas em conflitos convencionais, decorre que a
interpretação da norma de conflitos tem de ser autónoma relativamente às
ordens jurídicas nacionais individualmente consideradas e assentar numa
comparação de direitos.
No caso das normas de conflitos contidas em regulamentos da UE a
interpretação deve ser autónoma. Não deve ser feita referência ao Direito de um
dos Estados em presença, mas antes ter em conta “o contexto da disposição e
o objetivo prosseguido pelas normas em causa” e a conformidade com os
“direitos fundamentais protegidos pela OJ comunitária ou com outros princípios
gerais do dtº comunitário”.
Justifica-se o recurso a uma interpretação comparativa que atenda aos princípios
gerais que resultam do conjunto das ordens jurídicas dos EM.

Integração de Lacunas no Direito dos Conflitos

Existem vários tipos de lacunas.


As lacunas de lei, que são falhas no plano do legislador, são as mais comuns.
Há uma lacuna da lei no dtº dos conflitos quando não encontramos uma norma
de conflitos de fonte legal que indique a lei reguladora de determinada situação
transnacional que, segundo o sentido regulador do sistema, deve estar
submetida ao regime especial constituído pelo dtº de conflitos.
A situação é diferente quando estamos perante um sistema como o português:
não codificado.
A lacuna pode não ser patente, mas oculta. Esta descobre-se mediante a
interpretação restritiva ou a redução teleológica de uma norma de conflitos
existente.
Baptista Machado e Moura Ramos -> afirmam que as lacunas em DIP são
necessariamente patentes. -> isto quer dizer que perante a falta de uma norma
de conflitos aplicável a uma situação transnacional surge necessariamente uma
lacuna, sendo de excluir que a situação deva ser regulada por aplicação direta
do direito material interno.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 63


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LP -> entende que o direito material de um Estado não tem uma vocação de
aplicação universal que justifique a sua aplicação direta a situações
transnacionais e que a função reguladora do direito de conflitos abrange
potencialmente todas as situações transnacionais.
Pode suceder que uma situação se encontre à primeira vista abrangida pela
previsão de uma norma de conflitos, mas que por via de uma interpretação
restritiva ou de uma redução teleológica se venha a concluir que existe uma
lacuna.

Integração de lacuna
1. Recorre-se à norma aplicável a caso análogo – analogia legis;
2. Na falta de norma aplicável, a solução do caso deve ser obtida mediante
uma concretização dos princípios gerais e ideias orientadoras do direito
dos conflitos – analogia iuris;
3. Não sendo possível integrar por nenhum destes processos, caberá ao
intérprete criar um critério de decisão “dentro do espírito do sistema”. O
intérprete tem de respeitar os valores e os princípios do DIP.

Embora o costume interno não seja uma fonte importante do DIP português,
importa ainda observar que as lacunas do direito de conflitos de fonte legal
podem ser integradas pelo costume praeter legem e que só haverá lugar para o
recurso aos processos de integração atrás referidos na falta de norma de
conflitos de fonte consuetudinária que seja aplicável.

Aplicação no Tempo e no Espaço do Direito dos Conflitos

Normas de conflitos como norma de conduta

As normas de conflitos serão normas de conduta? (têm por missão orientar a


atuação dos sujeitos jurídicos)
Principais destinatários das normas de conflitos
• Escola de Coimbra (Ferrer Correia e Baptista Machado): as normas de
conflitos têm por principais destinatários os tribunais, não os particulares.
São normas que teriam por principal escopo resolver um conflito de leis,

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 64


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i.e. eliminar uma situação de concorrência ou de concurso entre preceitos


materiais procedentes de ordenamentos distintos. Segundo esta doutrina,
a norma de conflitos tem um âmbito de aplicação ilimitado no espaço e é
no tempo de aplicação imediata. Admitem, no entanto, que a norma de
conflitos pode eventual e indiretamente operar como norma de conduta
quando a lex fori for uma das leis interessadas – quando há uma conexão
entre a situação e a lei do foro. Em suma, as regras são de aplicação
universal e são de aplicação imediata às situações que no momento da
constituição não apresentavam conexão com o Estado do foro.

Aplicação no tempo do direito de conflitos


O inicio e o termo da vigência das normas de conflitos resolve-se pela aplicação
das regras gerias -> vacatio legis.
O problema aqui em questão é relativo à sucessão no tempo das normas de
conflitos. Trata-se de determinar se a situação transnacional a regular está
submetida à norma de conflitos antiga ou à norma de conflitos nova, ou de
distinguir os aspetos da situação que continuam a ser regidos pela norma de
conflitos antigo daqueles que passam a ser regulados pela norma de conflitos
nova.

Solução:
Normas transitórias que disponham expressamente sobre a aplicação no tempo
do direito de conflitos.
Na omissão do legislador deve recorrer-se ao Dtº intertemporal da ordem jurídica
em que estão integradas as normas de conflitos em causa (tese defendida por
Isabel de Magalhães Collaço e pelo supremo tribunal de justiça).

Tese de aplicação imediata do novo direito de conflitos – fundamentos:


• As normas de conflitos seriam aplicáveis retroativamente por serem
normas de dtº público. (Neidner)
• A norma de conflitos não tem uma função reguladora de situações
transnacionais, não constitui uma norma de conduta, não havendo, pois,
razão para a intervenção do princípio da irretroatividade (Baptista
Machado). Limita-se aos casos em que se trata de relações constituídas

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 65


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no estrangeiro sem conexão com o direito do foro e modera as suas


consequências com base na doutrina dos direitos adquiridos.
Na lógica da doutrina de Baptista Machado e Ferrer Correia está que a norma
de conflitos só atua como regra de decisão. razão por que deve ser aplicada
imediata se não for demonstrado que existia, no momento de constituição da
situação, uma conexão relevante com o Estado Local. Diferentemente, de
acordo com a conceção adotada por LP, a norma de conflitos constitui uma regra
de conduta; por conseguinte, em caso de dúvida sobre a possibilidade de os
interessados se orientarem pelo dtº de conflitos do Estado local no momento da
constituição da situação deve aplicar-se a norma de conflitos em vigor neste
momento.

Tese de aplicação do Direito Intertemporal da ordem jurídica designada pela


nova norma de conflitos (Anzilotti) -> a sucessão no tempo das normas de
conflitos não suscita um problema autónomo de retroatividade. O problema só
surge quando tal sucessão conduz à aplicabilidade do sistema estadual B em
vez do sistema A designado pela norma de conflitos antiga. O que estaria em
causa seria a retroatividade das leis de B e não da norma de conflitos do foro.11

São aplicáveis as regras gerais dos art. 12º e 13º CC. A existência destas leis
não obsta a que o legislador adote normas especiais de direito transitório e não
significa que, na omissão do legislador, a doutrina e a jurisprudência não possam
desenvolver soluções adequadas às especificidades dos diferentes complexos
normativos, dentro de certos parâmetros.

Aplicação no espaço do direito dos conflitos


Os progressos realizados na unificação do direito de conflitos e do regime de
reconhecimento de decisões estrangeiras não eliminaram as divergências ntre
os sistemas nacionais de DIP. Sempre que não há harmonia falamos em
”conflitos de sistemas de DIP”. Esta expressão serve para designar problemas
de coordenação de sistemas nacionais de DIP que não devem ser ignorados por
cada um deles, à luz do princípio da harmonia internacional.

11
Esta tese tem o mérito de assinalar que a sucessão no tempo das normas de conflitos só
suscita problemas quando acarreta uma sucessão no tempo dos sistemas materiais aplicáveis.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 66


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A divergência entre sistemas nacionais podem conduzir a 2 resultados


diferentes:
1. Se a atuação dos 2 ou mais sistemas conduz à competência de 2 direitos
para regular a mesma situação -> conflito positivo;
2. Se nenhum dos direitos em presença reclama aplicação -> conflito
negativo.

Os conflitos de sistemas também podem conduzir a conflitos de deveres, quando


2 ou mais direitos que se consideram aplicáveis à situação impõem a um sujeito
obrigações de conduta diferentes e inconciliáveis entre si.
O instituto da devolução relaciona-se com o conflito negativo de sistemas.
O principio da maior proximidade opera em casos de conflito positivo.

O Direito de conflitos tem ou não validade universal?


• Conceções Tradicionais
Existem 2 conceções:
i. Alcance universal e territorialismo quanto ais órgãos de aplicação do
direito de conflitos
Segundo esta tesa, toda e qualquer designação da lei competente para
regular uma situação transnacional passa exclusivamente pelo Direito de
conflitos do foro. As normas de conflitos de uma ordem estadual são as
únicas que podem ser aplicadas pelos órgãos do respetivo Estado. O
fundamento desta posição é a função internacional exercida pelo
legislador estadual de DIP e o carater público das normas de conflitos.
O objeto, função e natureza da norma de conflitos não obstam à
existência de limites à sua aplicação no espaço como também não
obstam a que uma norma da OJ do foro atribua relevância ao direito de
conflitos estrangeiro.

ii. Limitação do direito de conflitos pelo princípio dos direitos adquiridos


Segundo a escola de Pillet, o conflito de leis e o reconhecimento dos
direitos adquiridos são problemas perfeitamente distintos. O problema dos
conflitos de leis suscita-se quando no momento da constituição de uma
situação é necessário escolher entre várias leis em contacto com os

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 67


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factos constitutivos. Quando os factos constitutivos, ao tempo da sua


verificação, estavam todos em contacto com um só país surgiria apenas
um problema de reconhecimento da situação. Isto é contestado, o
problema de reconhecimento de uma situação que se constitui
exclusivamente em contacto com um estado só se coloca quando a
situação entra em contacto com outros Estados. A partir deste momento
temos de determinar o direito aplicável. Só depois podemos afirmar que
há um direito adquirido.
Para Ferrer Correia, há uma lacuna no sistema jurídico do foro. Lacuna
que se deve preencher com a formulação de uma norma específica que
determine a aplicação da lei estrangeira da qual a relação sub iudice
exclusivamente dependa.
O direito é sempre adquirido com base em determinada lei.
Criticas:
a. Quando encarada numa perspetiva unilateralista, esta teoria
levaria sempre a dar prevalência à ordem jurídica que constitui o
direito perante outras ordens jurídicas. Não se vê razão para dar
sistematicamente prevalência à ordem jurídica que concede o
direito perante aquelas que o negam.
b. A teoria privilegia sistematicamente aquele que invoca uma
posição jurídica ativa perante o sujeito passivo.

• Novas doutrinas dos direitos adquiridos


Estas doutrinas são dominadas pela ideia de autolimitação geral da esfera de
aplicação no espaço dos sistemas nacionais de direito dos conflitos.
I. Meijers
Segundo esta doutrina, as normas de conflitos gerais do foro não se
aplicam quando se verificam 2 pressupostos: as situações foram criadas
no estrangeiro ou não apresentam um laço significativo com o Estado do
foro; há acordo unânime das leis em concurso quanto à competência de
uma delas.
II. Francescakis
Distingue consoante as situações internacionais têm ou não contacto com
o Direito do foro no momento da sua constituição. As normas de conflitos

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 68


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francesas só se aplicariam quando há este contacto com a ordem jurídica


francesa. Quanto às situações constituídas fora da alçada das normas de
conflitos francesas devem respeitar-se os direitos internacionalmente
adquiridos sob a égide de qualquer OJ que queira aplicar-se ao caso e
tenha sido efetivamente aplicada.
III. Picone
Coloca a par das normas de conflitos gerais as normas de referência ao
ordenamento competente. O que as distingue é a circunstância de o
ordenamento referido ser considerado em bloco, incluindo as normas
sobre a competência internacional e sobre o reconhecimento de efeitos
de sentenças estrangeiras e de outros atos públicos. A delimitação do
campo de aplicação destes 2 tipos de normas deve orientar-se segundo
a proximidade destas situações em relação ao ordenamento do foro.
IV. Apreciação de LP
Segundo Ferrer Correia, dificilmente se concebe o reconhecimento de
direitos adquiridos no estrangeiro sem um controlo, pelo DIP do foro, do
título de competência da OJ ao abrigo da qual se constitui a situação.
A partir do momento em que a relevância da lei com base na qual
determinada situação se constitui dependa da verificação da conexão
definida por uma norma de DIP do foro, será equívoco entender o
princípio de reconhecimento dos direitos adquiridos como um limite ao
“Direito de conflitos”, uma vez que se trata afinal da limitação de uma
norma de conflitos geral por outra norma de conexão do foro.
Posição do LP: comum a todas as teorias dos direitos adquiridos parece
estar na necessidade de tutelar a confiança depositada pelas partes na
existência de situações que se constituíram ou consolidaram perante a
OJ de um Estado que apresenta um laço particularmente significativo com
a situação, embora não seja o Direito considerado competente por
aplicação do sistema conflitual do foro.
Os limites à aplicação no espaço de um sistema estadual de DIP no seu
conjunto são necessariamente limites externos à OJ estadual.
O sistema de DIP de um Estado não será aplicável:
§ A situações relativamente internacionais (puramente
internas a outro estado);

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 69


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§ A situações que por dizerem respeito à atuação iure imperii


de um sujeito público estrangeiro se inscrevem
exclusivamente na sua OJ;
§ A outras situações transnacionais quando não se verifique
um dos títulos de competência legislativa anteriormente
referidos.
Ou seja, o DIP de um Estado não será primariamente aplicável quando
não se apresente um laço pessoal ou territorial com o Estado do Foro nem
produza aí efeitos. Já será aplicável caso se trate de uma matéria em que
se admite o pacto de jurisdição e as partes tenham atribuído competência
aos tribunais deste Estado. Ou quando estejam preenchidos os
pressupostos do princípio da universalidade.
O Princípio dos direitos adquiridos não se mostra idóneo para constituir
um limite à aplicação no espaço de um sistema estadual de DIP.
Se a norma de conflitos desempenha por regra uma função reguladora,
esta regra conhece exceções, à semelhança do que se verifica no direito
material. Também no direito intertemporal há razões que em certos casos
justificam a retroatividade da lei.
No momento de ocorrência do facto constitutivo a situação estava
exclusivamente conectada com 2 ou mais estados estrangeiros, mas
posteriormente a situação entrou em contacto com o Estado Local, a
norma de conflitos do Estado Local atua, relativamente à valoração do
facto constitutivo.
No sistema português não há limites genéricos à aplicação no espaço das
normas de conflitos gerais. Vigoram na OJ português certas normas de
conflitos que de um ou de outro modo limitam o campo de aplicação no
espaço de outras normas de conflitos12.
Na omissão do legislador, LP entende que, não pode o órgão de aplicação
do direito derrogar as normas de conflitos vigentes através da formulação
jurisprudencial de soluções inspiradas em teorias doutrinais.


12
Caso de: 31º/2 CC, 47º CC, 61º LAV

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 70


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CAPÍTULO VII
DO ELEMENTO DE CONEXÃO

Princípios Gerais de interpretação e aplicação

Importa distinguir 2 momentos na interpretação e aplicação do elemento de


conexão:
1. Interpretação – trata-se da determinação do conteúdo do conceito que
designa o elemento de conexão (o que se deve entender por
nacionalidade p.e.)
2. Concretização – determinação do laço em que se traduz o elemento de
conexão (qual é o Estado que A é nacional)

Interpretação
Existe uma diferença entre os conceitos técnico-jurídicos e fácticos:
• Técnico-jurídicos – a interpretação suscita dificuldades particulares
perante a diversidade do conteúdo atribuído a estes conceitos nos
diferentes sistemas nacionais torna-se necessário determinar quais as
regras e princípios jurídicos a que se deve recorrer.
Há que partir das regras e princípios de direito material interno para obter as
notas dos conceitos designativos técnico-jurídicos, tais como a nacionalidade.

Concretização
Na concretização do elemento de conexão surgem 3 ordens de problemas:
I. Aspetos gerais da determinação do conteúdo concreto do elemento de
conexão.
A determinação do conteúdo concreto do elemento de conexão pode não
oferecer especiais dificuldades, sobretudo quando se trata de elementos
de conexão que consistem em laços fácticos como o lugar da situação da
coisa ou o lugar da celebração de um contrato entre presentes. Caso
diferente é a concretização.
No caso de elementos de conexão que se reportam a um vínculo jurídico,
suscita-se a questão de saber se o elemento se concretiza lege fori (com

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 71


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base na OJ do foro) ou lege cause (com base na OJ cuja designação está


em causa).

II. Casos de conteúdo múltiplo e de falta de conteúdo.


Há um problema de conteúdo múltiplo quando no caso concreto surgem
vários laços, que se estabelecem com diferentes Estados, reconduzíveis
ao mesmo conceito designativo (quando uma pessoa tem dupla
nacionalidade p.e.). Solução: pode ser resolvido por uma norma especial
(Art. 27º e 28º LN)
Na falta de conteúdo não existe no caso concreto o laço designado
(quando uma pessoa é apátrida p.e.). Solução: há que atender em
primeiro lugar à norma especial que resolva o problema. Se o apátrida
não tiver residência habitual, releva a lei do país da residência ocasional
(art. 12º/1 in fine). LP critica esta solução, defendendo que se deve
recorrer à lei do país com o qual o apátrida apresente uma conexão mais
estreita. Não havendo norma especial que resolva o problema há que
atender ao critério geral estabelecido pelo art. 23º/2/2º CC, que manda
recorrer à lei que for subsidariamente competente. Na falta de conexão
subsidiária, resta o recurso ao direito material do foro, por aplicação
analógica do art. 348º/3 CC.

III. Concretização no tempo do elemento de conexão


O problema é colocado pelos elementos de conexão móveis que são
aqueles cujo conteúdo concreto é suscetível de sofrer alteração no tempo
(p.e. nacionalidade, residência habitual, etc). Com a alteração do
conteúdo concreto do elemento de conexão surge uma sucessão de
estatutos ou conflito móvel.
Embora a sucessão de estatutos não se confunda com a sucessão de leis
no tempo, pode admitir-se uma certa analogia entre os critérios valorativos
que presidem à escolha do momento relevante da conexão e os que
fundamentam as soluções do Dtº Intertemporal, bem como no que toca à
salvaguarda da continuidade das situações jurídicas constituídas.
Na resolução dos problemas importa distinguir 2 aspetos:

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 72


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o Determinação do momento relevante da conexão – por vezes o


legislador fixa o momento relevante. Na sua omissão, a fixação do
momento relevante da conexão é um problema de interpretação da
norma de conflitos em causa. No entanto, na medida em que outra
coisa não resulte desta interpretação, são de aplicar
analogicamente as regras gerais de Direito Intertemporal.
o Conjugação dos estatutos em presença – a doutrina tem afirmado
a existência de um princípio de continuidade das situações
jurídicas preexistentes. A destruição ou modificação essencial das
situações constituídas tem de firmar-se em valores ou princípios
supraordenados às exigências gerais da segurança jurídica e à
confiança dos sujeitos jurídicos na permanência da situação
existente. A situação validamente constituída sob o império do
estatuto anterior deve prevalecer em caso de mudança de estatuto.

Nacionalidade dos indivíduos, a residência habitual e a designação pelo


interesse ou interessados

Nacionalidade dos indivíduos


Tem relevância para a determinação do seu estatuto pessoal, como elemento
de conexão primário (art. 31º/1 CC) e em matéria de relações de família. Fora
do estatuto, a nacionalidade comum releva em matéria de responsabilidade
extracontratual, nos casos residuais em que aplique o art. 45º/3 CC.
Quanto a interpretação, há que partir da moção geral de nacionalidade como
vinculo jurídico-político que une uma pessoa a um Estado. Este vinculo pode
assumir diferentes significados13.
A atribuição da nacionalidade é uma competência de domínio reservado aos
estados. A nacionalidade relevante para o estado português é a nacionalidade
do Estado soberano.


13
A cidadania da UE não é uma nacionalidade. Encontra-se prevista no art. 9º e 11º/4 TUE e na
parte II do TFUE (art. 19º e ss). O Estatuto de cidadão da UE compreende o gozo de todos os
direitos e a assunção de todos os deveres imputados às pessoas originárias de EM. É cidadão
da UE toda a pessoa que tenha nacionalidade de um EM (art. 9º TUE + art. 20º/1 TFUE). A
cidadania exprime a participação na definição da vontade politica de uma comunidade

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 73


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Quanto à concretização, surgem 2 possibilidades: a concretização lege fori,


mediante a aplicação do direito do foro e a lege causae, mediante a aplicação
do direito do Estado cuja nacionalidade está em causa.
Impõe-se o princípio da liberdade de os estados determinarem os seus
nacionais. A nacionalidade tem de se estabelecer-se segundo o direito do Estado
cuja nacionalidade está em causa – concretização lege causae.
Quando esteja em causa a aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa ->
4º e 26º CRP e 1º a 8º LN.

Residência Habitual
Encontra-se estabelecido para os apátridas, no art. 32º/1 CC, 12º/1 CNY e 12º/1
CGenebra.
Releva também na falta de nacionalidade comum, nos arts. 52º/2, 53º/2, 54º,
56º/2, 57º/1 e 60º/3 CC.
A residência habitual comum é a residência habitual do mesmo estado soberano.
A residência habitual é hoje o elemento de conexão mais importante em muitas
matérias do estatuto pessoal.
Este elemento surge ainda:
• 35º/2 e 3 CC
• 39º/2 CC
• 4º/1/a e b e 2 Roma I
• 4º/2 Roma II
• 10º/2 Roma II
• 11º/2 Roma II
• 12º/2/b Roma II

Relativamente ao art.53º/2 CC é questionável se se trata da residência habitual


ou ocasional.
O conceito de residência habitual é geralmente menos carregado de elementos
técnico-jurídicos que o conceito de domicílio. Por residência dos indivíduos é de
entender o seu centro de vida pessoal. O conceito de residência já contém uma
nota de permanência, mas a residência pode ser ocasional, caso em que há um

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 74


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centro de vida que é precário. O qualificativo de habitual exige um elevado grau


de estabilidade e permanência.
Um individuo pode ter mais que uma residência habitual, dando azo a um
problema de conteúdo múltiplo. Neste caso deve relevar a residência habitual do
Estado em que o individuo esteja mais estritamente ligado.
Apátridas e refugiados -> 32º/2 CC -> residência ocasional

Designação pelo interessado ou interessados


É um elemento de conexão primário em matéria de negócios obrigacionais ->
art. 3º Roma I, art. 41º CC e art. 5º Convenção Haia
Surgem ainda no art. 34º CC e art. 14º Roma II.

Outros elementos de conexão

Domicílio
Tem um papel limitado no direito de conflitos. Não existe um conceito de
domicílio pelo que os estados são livres de o determinarem.
Este elemento desempenha grande importância na devolução.
Em Portugal, o conceito assenta na noção de residência.
Quanto à interpretação, relevam os critérios aplicáveis às fontes das normas de
conflitos em causa. Quando utilizado, devem incluir-se uma nota objetiva de
permanência num determinado lugar e uma nota subjetiva de intenção em aí
permanecer.
Quanto à concretização, existe uma alternativa entre lege fori e lege causae.
Corresponde às 2 teses tradicionais:
• Qualificação Lege Fori (Common Law) – o domicílio determina-se sempre
segundo as regras do direito do foro.
• Qualificação territorial (Zitelmann) – atende à lei do Estado em cujo
território se situa o domicílio em causa.
Deve preferir-se a concretização lege causae do elemento de conexão domicílio
quando utilizado em normas de fonte interna.
Domicílio Profissional (art. 39º/3 CC) -> considera-se lege fori

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 75


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Sede da pessoa coletiva


É relevante para a determinação da lei pessoa das pessoas coletivas (art. 33º
CC e 3º/1/1º parte CSC).
A sede estatutária também releva em matéria de sociedades comerciais (art.
3º/1/2ª parte CSC) e das pessoas coletivas internacionais (art. 34º CC).

Lugar da celebração
É utilizado em matéria de forma de negócio jurídico (art. 36º, 42º/2, 50º, 51º CC
+ art. 11º Roma I + art. 21º Roma II + art. 27º Sucessões).

Lugar da situação da coisa


É o principal elemento de conexão em matéria de posse e direitos reais (art.
46º/1 e 2 CC).
Também é utilizado em matéria de capacidade para constituir direitos reais sobre
imóveis e para dispor deles do art. 47ºCC. Releva ainda no art. 39º/4 CC.

Lugar da produção do efeito lesivo


Releva em matéria de responsabilidade extracontratual (art. 4º/1 Roma II).

Outros elementos
• Lugar do comportamento negocial, quanto ao valor negocial do
comportamento (art. 35º/2 CC)
• Lugar da receção da proposta, quanto ao valor do silêncio (art. 35º/3 CC)
• Lugar onde são exercidos os poderes representativos, em matéria de
representação voluntária (art. 39º/1 CC)
• Lugar da atividade do gestor do negócio (art. 11º/3 Roma II)
• Lugar onde a matrícula tiver sido efetuada no que se refere aos direitos
sobre meios de transporte (art. 46º/3 CC)
• Lugar de estabelecimento profissional do intermediário (art. 6º/1 e 11º/1
CH)
• Lugar onde o intermediário deve exercer a titulo principal a sua atividade
ou onde agiu (art. 6º/2 e 11º/2 CH)

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 76


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• Lugar do centro dos principais interesses do devedor em matéria de


insolvência (art. 3º/1 e 4º/1 Regulamento insolvência)

CAPÍTULO VIII
REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS

Concretização do Problema

Os ordenamentos jurídicos complexos suscitam ao dtº de conflitos 2 problemas:


1. Quando é que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico
complexo?
2. Supondo que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico
complexo, como se determina, entre os vários sistemas que nele vigoram,
o aplicável caso?

Art. 20º CC + Art. 19º/1 Convenção de Roma + Art. 22º/1 Roma I + Art. 25º/1
Roma II + Art. 19º Convenção de Haia + Art. 14º e 15º Roma III + Art. 36º e 3O7º
regulamento de sucessões

Princípios Gerais de solução. O regime vigente.

Quando é que a norma de conflitos remete para o ordenamento jurídico


complexo no seu conjunto?
• Art. 20º CC só se refere à remissão feita pelo elemento de conexão
nacionalidade.
• Quando o elemento de conexão seja a residência habitual, o domicilio, o
lugar de celebração, o lugar do efeito lesivo, o lugar da situação da coisa,
existem 2 posições:
o Ferrer Correia – quando elemento de conexão aponta diretamente
para determinado lugar no espaço será competente o sistema em
vigor neste lugar.
o Isabel de Magalhães Collaço – a remissão da norma de conflitos é
feita para o ordenamento do Estado soberano. -> Seguida por LP,
pois ao DIP compete determinar o dtº aplicável, quando a situação

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 77


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está em contacto com mais de um Estado soberano, e não resolver


conflitos internos.
• O regulamento Roma III adotou uma posição intermédia em matéria de
divórcio e separação judicial: a remissão feita pelas normas de conflitos
no caso de uma OJ complexa de base territorial é, em principio, entendida
como uma referência direta a um dos sistemas locais (art. 14º/a e b)

Como determinar, de entre os sistemas que vigora no ordenamento jurídico


complexo, o aplicável?
• Existem 2 princípios que orientam para a solução:
o Pertence ao ordenamento jurídico complexo resolver os conflitos
de leis internas e determinar qual o sistema interno aplicável;
o Se o ordenamento complexo não resolver o problema, deve
aplicar-se, de entre os sistemas que vigoram no âmbito do
ordenamento complexo, o que tem uma conexão mais estreita com
a situação a regular.
• Concretização destes princípios através do elemento de conexão
nacionalidade:
o Ordenamentos complexos de base territorial
Determina que pertence ao ordenamento complexo fixar o sistema
interno aplicável. É o que se verifica quando a OJ complexa
dispuser de um sistema unitário de dtº interlocal ou quando todos
os ordenamentos locais estejam de acordo sobre o ordenamento
aplicável. Na falta de acordo será suficiente o acordo daqueles que
estão em contacto com a situação sobre a competência de um
deles. Não sendo possível resolver a questão – art. 20º/2, caso
também não haja DIP unificado atendemos à lei da residência
habitual.
Divergências:
Isabel Magalhães de Collaço – só releva a residência habitual
dentro do Estado da nacionalidade. Defende a lacuna no art. 20/2
in fine: a função deste preceito é indicar o sistema aplicável de

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 78


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entre os que integram o ordenamento complexo. A lacuna integra-


se com recurso ao principio da conexão mais estreita.14
Escola de Coimbra – aplica a lei portuguesa.
Em matéria de estatuto pessoal, quando a residência habitual for
fora do Estado da nacionalidade, devemos aplicar aquele com que
a pessoa está mais ligada.
o Ordenamentos complexos de base pessoal
Art. 20º/3 CC
São aplicáveis as normas de dtº interpessoal da OJ designada,
incluindo tanto as normas de conflitos interpessoais como as
normas de dtº material especial como as que regulem o casamento
entre pessoas de religião diferente.

No plano os resultados práticos a diferença entre as doutrinas é menor por 2


razões:
1. Ferrer correia – admite a transmissão de competência dentro do
ordenamento complexo, dando assim relevância às soluções dos conflitos
interlocais aí vigentes.
2. Isabel Magalhães Collaço – concede que quando a ordem jurídica
complexa não resolve o problema haverá que entender a remissão feita
pela norma de conflitos como referência a uma dos sistemas locais.

No caos de remissão para um ordenamento complexo de base pessoal operada


por um elemento de conexão que não seja a nacionalidade deve sempre
atender-se, por aplicação analógica do art. 20º/3 CC, às normas de Direito
interpessoal da OJ designada. Na falta destas, remetemos para a conexão amis
estreita.


14
Quando os elementos de conexão apontam para um determinado lugar no espaço, há que
considerar os sistemas locais como se fossem autónomos e entende-se que a norma de
conflitos, ao remeter para um lugar no espaço, está a remeter indiretamente para os sistema que
aí vigora.
Quando os elementos não indiquem um preciso lugar no espaço atender-se-á igualmente ao
sistema local para que diretamente remetam.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 79


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CAPÍTULO IX
A DEVOLUÇÃO OU REENVIO

Introdução ao Problema da devolução

Quando uma norma de conflitos portuguesa remete para uma OJ estrangeira


pode suceder que esta OJ, por ter uma norma de conflitos idêntica à nossa,
também considere aplicável o seu direito material. Mas caso esta OJ tenha uma
norma de conflitos diferente da nossa não se considera competente e remete
para outra lei -> DEVOLUÇÃO

Quando a referência feita pela nossa norma de conflitos se dirige direta e


imediatamente ao Direito Material da lei designada dizemos que é uma
referência material. Quando a referência tem em conta o DIP da lei designada
dizemos que é uma referência global.

Três pressupostos da devolução


1. Que a norma de conflitos do foro remeta para uma lei estrangeira;
2. Que a remissão possa não ser entendida como uma referência material;
3. Que a lei estrangeira designada não se considere competente. (verifica-
se quando a norma de conflitos estrangeira utiliza um elemento de
conexão diferente da norma de conflitos do foro ou quando seja
interpretada por forma diferente).

Tipos de devolução
a) Retorno de competência – o dtº de conflitos estrangeiro remete a solução
da questão para o Dtº do foro.
b) Transmissão de competência – o dtº de conflitos estrangeiro remete a
solução da questão para outro ordenamento estrangeiro.

L1 = Lei do Foro
L2 = Lei Estrangeira
L3 = Lei Estrangeira

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 80


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Retorno indireto – quando L2 remete para L3 com referência global e L3 devolve


para o dtº do foro.

Transmissão em cadeia – quando L2 remete para L3 com referência global e


esta lei também não se considere competente, devolvendo para uma 4ª lei.

Transmissão em retorno – quando L3 remete para L2.

Critérios Gerais de Solução

Tese da referência material

A referência feita pela norma de conflitos é sempre e necessariamente entendida


como uma referência material, i.e., como uma remissão direta e imediata para o
dtº material da lei designada. Se a L1 praticasse o sistema de referência material
esta norma de conflitos remetia para o direito material da L2.
O principal argumento a favor desta tese é o respeito pela valoração feita pelo
legislador na escolha da conexão mais adequada, a justiça de conexão veiculada
pelo Dtº de conflitos.
Desvantagens: principio da harmonia jurídica internacional. Se os 2 países
praticarem o mesmo é complicado.

Tese da referência global

A remissão da norma de conflitos para uma ordem jurídica estrangeira abrange


sempre e necessariamente o seu direito de conflitos. Quando remetam para uma
OJ estrangeira a designação das normas materiais aplicáveis não é feita direta
e imediatamente, é antes feita com a mediação do dtº dos conflitos da OJ
estrangeira.
Fundamentos:
• Princípio da harmonia jurídica internacional – harmonia de soluções
• Incindibilidade ou indissociabilidade das normas de conflitos em relação
às normas materiais
Contra:

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 81


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• Objeções de fundo – o órgão de aplicação esta sujeito ao dtº de conflitos


do foro, não podendo aplicar dtº de conflitos estrangeiro. Nada obsta a
que uma norma de DIP do foro confira relevância ao dtº de conflitos
estrangeiro. Ao fazer referência global o dtº de conflitos do foro vai
renunciar ao seu juízo de valor sobre a conexão mais adequada para
acompanhar o critério de conexão do dtº de conflitos estrangeiro.
• Objeções de natureza prática – transmissão ad infinitum e o pingue-
pongue perpétuo ou ciclo vicioso. Segundo a primeira, pode acontecer
que L2 remeta para L3, L3 para L4 e assim sucessivamente, sem que se
chegue a nenhuma lei. A objeção pingue-pongue defende que em caso
de retorno entre 2 sistemas que praticam referência global, L1 acompanha
a remissão feita por L2 para L1 e L2 acompanha a remissão feita por L1
para L2.

i. Teoria da Devolução Simples


A remissão da norma de conflitos do foro abrange as normas de conflitos
da ordem estrangeira, mas entende-se necessariamente a remissão
operada pela norma de conflitos estrangeira como uma referência
material. A 1ª remissão L2 para L1 é global: atende às normas de direito
material e de direito de conflitos.
Foi adotada pelos tribunais portugueses.
A devolução simples tem a vantagem de ser relativamente fácil de aplicar
e de evitar as situações de pingue-pongue perpétuo. Leva a aceitar o
retorno direto mesmo que L2 não aplique L1.

ii. Teoria da Devolução Integral ou dupla devolução (Teoria do Tribunal


Estrangeiro)
O tribunal de foro deve decidir a questão transnacional tal como ela seria
julgada pelo tribunal do país da OJ designada.
Assegura que o tribunal de L1 aplicará a mesma lei e dará a mesma
solução que o tribunal de L2, ou seja, garante a harmonia.
Aplicada no Dtº dos conflitos Inglês.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 82


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A grande novidade reside no facto de a norma de conflitos remete para a


ordem estrageira no seu conjunto, incluindo as próprias normas de L2
sobre a devolução.
É dificilmente generalizável. Pressupõe que a OJ designada não pratica
também devolução integral, sob pena de circulo vicioso. Para quebrar o
circulo é necessário recorrer à devolução simples ou à referência material.

Isabel de Magalhães Collaço, Batiffol, Vitta, Maury – defendem que se deve


renunciar a qualquer regra geral em matéria de devolução.
O sistema português parte de uma regra geral de referência material, mas aceita
a devolução em certos casos.
No quadro da justiça conflitual, é principalmente o princípio da harmonia
internacional de soluções que pode fundamentar a aceitação da devolução (art.
17º/1 e 18º/1 CC).

O Regime Vigente

Regra Geral da Referência Material

Regra geral – art. 16º CC: resulta que a referência material é enunciada como
regra geral, mas não resulta a adoção da tese da referência material, visto que
se admite “preceito em contrário”, i.e., que se aceite a devolução nos casos em
que a lei o determine. Segundo Baptista Machado, o art. 16º CC não contém um
princípio geral, mas uma regra pragmática que admite desvios nos casos em que
se aceita a devolução.

Transmissão da competência

Art. 17º CC – permite a transmissão de competência. “Remeter” é diferente de


aplicar. O que interesse é que L2 aplique uma terceira lei.
Existem 2 pressupostos de transmissão:
1. Que o dtº estrangeiro designado pela norma de conflitos portuguesa
aplique outra ordem jurídica estrangeira;
2. Que esta ordem jurídica estrangeira aceite a competência.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 83


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Pode dizer-se (Marques dos Santos) que os pressupostos são:


1. Que L2 aplique Ln;
2. Que Ln se considere competente.

Baptista Machado e Ferrer Correia defendem que, em certos casos, no âmbito


do estatuto pessoal se aceite a transmissão de competência mesmo que Ln não
se considere competente.

Art. 17º/2 CC – aplica-se em matéria de estatuto pessoal. Nesta matéria a


transmissão de competência cessa em 2 hipóteses:
1. O interessado tem residência habitual em Portugal;
2. O interessado tem residência habitual noutro Estado que aplica o direito
material do Estado da nacionalidade.
Razão de ser do 17º/2?
• Neste preceito dá-se relevância ao elemento de conexão residência
habitual, mas para dificultar a aplicação de uma lei diferente da lei da
nacionalidade.
• Ferrer Correia, Baptista Machado – quando o interessado tem residência
habitual em Portugal, existe uma conexão estreita com o Estado do Foro.
Neste caso o critério de justiça subjacente à escolha da lei da
nacionalidade prevalece sobre a harmonia internacional. Quando o
interessado tenha residência habitual no Estado da nacionalidade ou no
estado para que remete a lei da nacionalidade, o problema não se coloca.
A segunda parte do art. 17º releva quando o interessado tem residência
habitual noutro Estado que aplica a lei da nacionalidade. Nesta hipótese,
verificamos que a lei da nacionalidade remete para um Estado que não é
o da residência habitual. Logo, a lei da nacionalidade não consagra os
elementos de conexão normalmente relevantes nesta matéria.

Existem circunstâncias em que não se justifica o abandono da conexão mais


adequada para reger o estatuto pessoal, a lei da nacionalidade. Cessa a
devolução e aplicamos a lei da nacionalidade. Esta teoria possui certas reservas:

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 84


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• O art. 17º/2 CC também faz cessar a devolução quando L3 for a lei do


domicílio, se este não coincidir com a residência habitual, e a lei da
residência habitual aplicar a lei da nacionalidade.
• A harmonia internacional é importante em matérias do estatuto pessoal e
é mais importante a harmonia com a lei da nacionalidade do que a
harmonia com a lei da residência habitual.
• O 17º/3 vem repor a transmissão de competência. Só se aplica quando
antes se tenham verificado as previsões do nº1 e 2. Existem 4
pressupostos:
o Tem de se tratar de uma das matérias nele indicadas;
o Lei da nacionalidade tem de aplicar a lex rex sitae;
o Que a lex rei sitae se considera competente;
o Tem de se verificar um dos casos de cessação da transmissão de
competência previsto no nº2.

Retorno

Art. 18º CC
O retorno depende de um único pressuposto: que L2 aplique o direito material
português. Só neste caso o retorno é condição necessária e suficiente para
assegurar a harmonia com L2. Logo, se L2 remete para o DP, mas não aplica a
lei portuguesa, não aceitamos o retorno.
Não se aceita o retorno direito operado por um sistema que pratica devolução
simples. O retorno pode ser indireto.15
Maiores dificuldades quando, no caso de retorno direito, em que L2 não remeta
direta e imediatamente para o direito material português, mas antes condicione
a resposta ao sistema de devolução português – um sistema que aplique ou não
o direito material português.
Para o caso de L2 fazer devolução integral, Baptista Machado defendeu que
seria de aceitar o retorno, porque se o DP aceitar o retorno L2 aplicará o direito


15
Se L2 remete para L3, com devolução simples, e L3 remete para o DP, L2 aplica o Direito
material português.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 85


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material português e a aplicação da lei portuguesa facilita a administração da


justiça.
LP defende que há razões de fundo para não aceitarmos o retorno: não é
necessário para haver harmonia. Se aplicarmos L2, L2 considera-se
competente.
Noutros casos em que L2 não remete incondicionalmente para o Direito material
português, dificilmente o retorno poderá ser aceite, porquanto não será condição
necessária ou condição suficiente para haver harmonia com L2.
O retorno também é limitado em matéria de estatuto pessoal.
Art. 18º/2 -> só se aplica quando há retorno nos termos do nº1
Em matéria de estatuto pessoal, o retorno só é aceite em duas hipóteses:
• Quando o interessado tem residência habitual em Portugal;
• Quando o interessado tem residência habitual num Estado que aplica o
direito material português.

Primazia da conexão lei da nacionalidade

O favor do negotii como limite à devolução

Art. 19º/1 CC -> paralisa a devolução


Sempre que haja devolução por força dos art. 17º e 18º esta devolução é
paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do negócio ou à
legitimidade de um estado que a lei aplicada através da devolução.

Ferrer Correia e Baptista Machado -> defendem uma interpretação restritiva que
limita o alcance do preceito com base na ideia de tutela da confiança. O art. 19º/1
só seria aplicável às situações já constituídas. (LP não concorda)

Casos em que não é admitida a devolução

Não é admitida quando a remissão é feita pelo elemento de conexão designação


pelos interessados, utilizado nos arts. 34º e 41º CC.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 86


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A devolução também não é admitida em certas matérias reguladas por Direito


de Conflitos europeu e internacional: art. 15º Convenção de Roma sobre as
obrigações contratuais, art. 24º Roma II e art. 20º Roma I.
Em matéria de obrigações, estes preceitos não excluem que as partes designem
como aplicável um sistema globalmente considerado.
Outras matérias em que a devolução não é admitida por Convenções
internacionais de unificação do direito de Conflitos são as obrigações
alimentares, a representação voluntária e os “contratos de mediação”.

LP: injustifica a exclusão geral do reenvio feito nas convenções internacionais


atrás mencionadas e regulamentos. O objetivo visado com a unificação justifica
a exclusão do reenvio quando as normas de conflitos unificadas remetem para
a lei de um Estado vinculado pelo instrumento de unificação, mas já não quando
remetam para a lei de um 3º estado

Regimes especiais de Devolução

CC -> matéria de forma (art. 36º/2 e 65º/1 in fine) -> o favor negotii atua como
fundamento autónomo de devolução. É o favorecimento da validade formal do
negócio e não apenas a harmonia jurídica internacional o objetivo que é
prosseguido pela admissibilidade da devolução nestes casos.
Art. 36º/1 CC -> conexão alternativa -> não se exige que L3 seja competente ≠
art.17º/1 CC
O art. 36º/2 CC adota um sistema de devolução simples. Manda atender à norma
de conflitos da lei do lugar da celebração, nada referindo sobre o seu sistema de
devolução. O que releva é a lei aplicada pela lei do lugar da celebração. LP:
considera que é devolução integral.
Se a lei do lugar da celebração aplicar o direito material português, segundo a
doutrina a ideia reguladora abrange esta hipótese, segundo LP entende que não
está excluída a aplicação do art. 18º CC à remissão operada pela norma de
conflitos do art. 36º/1, pode configurar-se uma hipótese de retorno nos termos
desse preceito, sem que seja necessário recorrer art. 36º/2 CC.
Existem outros regimes de devolução, fora do CC, em matéria de nome, direitos
de propriedade intelectual e sucessões.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 87


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Sucessões:
• Admite a devolução em caso de remissão para a lei de um 3º estado,
neste caso é admitida -> 34º/1
• A devolução não opera quando -> 34º/2
• O nº 1 suscite diversos problemas:
o A remissão deve ou não ser entendida em termos de aplicabilidade
da lei deste ordenamento? Sim
o Admite a devolução sempre que a lei de um 3º Estado considera
aplicável a lei de um EM, mesmo que não seja EM do foro.

Caraterização do sistema de devolução


1) Regra Geral: referência material -> art. 17º, 18º e 19º CC
2) Os art. 17º e 18º contém regras especiais que admitem a devolução (sui
generis), não correspondendo nem à devolução simples nem à integral,
sendo mais próximo da integral.
3) Em matéria de forma do negócio jurídico admite-se a transmissão de
competência para uma lei que não esteja disposta a aplicar-se para obter
a validade formal do negócio (art. 36º e 65º CC)

Apreciação crítica
O sistema de devolução do art. 17º e 18º promove a harmonia com L2, mas
mostra-se superior à devolução integral, evitando circulo vicioso em caso de
retorno direito por parte de um direito que faça devolução integral ou tenha um
sistema de devolução semelhante ao nosso e faz depender a transmissão de
competência da harmonia com a lei aplicada por L2.
Tem de haver sempre uma conexão com o ordenamento português tanto nos
casos de retorno como nos de transmissão.
Levou-se demasiado longe o favor negotii e sacrificou-se excessivamente a
harmonia jurídica internacional.

CAPÍTULO X
A FRAUDE À LEI

Caraterização da figura

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 88


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

A fraude à lei é reconhecida como um instituto jurídico de alcance geral em


alguns sistemas. Em Portugal é um ponto controverso.
Este problema, no Dtº privado material, é importante no domínio dos negócios
jurídicos, quando os sujeitos procuram tornear uma proibição legal através da
utilização de um tipo negocial não proibido. Para quem admite a autonomia da
fraude à lei esta apresenta-se como uma violação indireta de uma norma
proibitiva.
No dtº de conflitos internacional privado o processo é diferente. Trata-se de
alcançar o resultado que a norma proibitiva visa evitar, mas a manobra
defraudatória consiste no afastamento da lei que contém essa norma, na fuga
de uma OJ para outra.
Doutrina italiana e alguns autores germânicos negam a relevância autónoma da
fraude à lei neste ramo do direito.
Hoje estabelece-se uma distinção entre 2 institutos:
• Na ordem pública internacional está em causa a compatibilidade do
resultado a que conduz a aplicação da lei estrangeira com a justiça
material da OJ do foro;
• Na fraude à lei está em causa o afastamento da lei normalmente
competente e o desrespeito da norma imperativa nela contida.

Os regulamentos são omissos sobre a relevância da fraude à lei.


A fraude à lei constitui um instrumento da justiça da conexão e um limite ético
colocado à autonomia privada na modelação do conteúdo concreto dos
elementos de conexão.

Podemos distinguir:
• Manipulação do elemento de conexão – para afastar a lei normalmente
competente, o agente da fraude vai modelar o conteúdo concreto do
elemento de conexão. P.e. naturalizara-se noutro país para se poderem
divorciar
• Internacionalização fictícia de uma situação interna – para afastar o direito
material vigente na ordem jurídica interna, que é exclusivamente aplicável
a uma situação interna, estabelece-se uma conexão com um estado

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 89


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estrangeiro, por forma a desencadear a aplicação do direito estrangeiro.


P. e. vão celebrar um contrato a outro país

Os elementos da fraude são dois:


• Objetivo
o Manipulação com êxito do elemento de conexão ou na
internacionalização fictícia de uma situação interna.
o Tem de haver uma manobra contra a lei normalmente aplicável, tal
não ocorre quando se dá às partes a possibilidade de escolher a
lei normalmente competente.
o É necessário que na lei normalmente competente exista
efetivamente uma norma imperativa que é objeto da fraude.
o A fraude visa afastar uma norma material utilizando a norma de
conflitos como um instrumento. A norma de conflitos não é um
objeto de fraude no sentido de ser afastada pela manobra
defraudatória. Mas a norma de conflitos já é objeto da fraude no
sentido em que há uma atuação sobre esta norma que conduz à
frustração das finalidades. A instrumentalização da norma de
conflitos põe em causa a justiça da conexão que ela veicula.
o A manipulação tem de ter êxito, tem de desencadear o
chamamento de uma lei diferente.
o Ferrer Correia – não há fraude no caso de a conduta consistir na
mudança de nacionalidade e o naturalizado se integrar seriamente
na sua nova comunidade nacional. Ou seja, há inicialmente fraude
à lei mas depois é sanada pela efetiva integração.
• Subjetivo
o Vontade de afastar a aplicação de uma norma imperativa que seria
normalmente aplicável.
o É necessário dolo. Este incide sobre a modelação do conteúdo
concreto do elemento de conexão ou sobre a internacionalização
fictícia da situação interna.
o A intenção é frequentemente difícil de se provar e que a frustração
acidental dos fins da lei também deve ser evitada.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 90


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o Contra uma conceção objetivista pode, no entanto, argumentar-se


que coloca a sanção da fraude na dependência da interpretação
da norma de conflitos, o que gera incerteza jurídica e que não é
indiferente para a ordem jurídica que exista ou não uma intenção
fraudulenta.

Medidas preventivas da fraude – o legislador qualifica o elemento de conexão


de modo a evitar ou dificultar a fraude. P.e. art. 33º/1 e 55º/2 CC.

Sanção da Fraude

Existem 2 posições:
1) Jurisprudência Francesa e Fernando Olavo – segue o princípio fraus
omnia corrumpit, considerando que todos os atos integrados no processo
fraudulento são nulos ou para todos os efeitos inoperantes.
2) Assinala que o Estado do foro não pode declarar inválida a aquisição de
uma nacionalidade estrangeira, podendo fazer recusar a essa
naturalização qualquer efeito na aplicação da norma de conflitos. Art 21º
CC

Hoje é aceite que a fraude à lei estrangeira seja sancionada.

No tratamento da fraude deve-se ter em conta a posição da lei defraudada?


• Ferrer Correia e Baptista Machado – não diferenciam
• Isabel de Magalhães Collaço – enquanto fraude à lei do foro é sempre
sancionada, a fraude à lei estrangeira é sancionada em 2 casos:
o Se a lei estrangeira defraudada também sancione a fraude;
o Se embora a lei não sancione, está em causa um princípio mínimo
ético nas relações internacionais, que não se conforma com o
desrespeito da proibição contida na lei normalmente competente.
• Lima Pinheiro – a fraude à lei estrangeira deve ser sancionada quando
seja eticamente intolerável à face do Direito dos conflitos português.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 91


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CAPÍTULO XI
A QUALIFICAÇÃO

Enquadramento e método

Aceção ampla -> resolver os problemas de interpretação e aplicação da norma


de conflitos que dizem respeito aos conceitos técnico-jurídicos utilizados na sua
previsão. P.e. os conceitos de estado e nacionalidade delimitam o objeto da
remissão. Este objeto são situações da vida ou aspetos de situações da vida
transnacional.

Sentido estrito -> operação pela qual se subsume uma situação da vida, ou um
seu aspeto, no conceito técnico-jurídico utilizado para delimitar o objeto da
remissão.

A qualificação é um processo que se verifica quer na aplicação das normas de


conflitos quer na aplicação das normas materiais.
A qualificação em DIP tem de ter em conta 2 níveis (Direito material e Direito de
conflitos) e a pluralidade de OJ em presença.

Art. 15º CC

Operações envolvidas na qualificação

O aplicador tem de fazer um vaivém entre a norma e o caso, o qual se vem a


traduzir que numa adaptação da norma às circunstâncias do caso quer num
enriquecimento do conteúdo dos conceitos a que recorre a previsão normativa.
A qualificação é encarada como um silogismo de subsunção. Logo, envolve 3
momentos:
1) Estabelece-se a premissa maior, que é a previsão da norma de conflitos.
Envolve a interpretação da proposição jurídica, por forma a determinar a
previsão normativa, mediante um enunciado das suas notas concetuais.

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 92


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2) Estabelece-se a premissa menor, por meio de uma delimitação do objeto


da remissão, i.e. da determinação das situações da vida que se vão
subsumir. Envolve uma caraterização das situações da vida.
3) Subsunção, traduzindo-se na recondução da matéria delimitada na
previsão normativa. Corresponde à qualificação em sentido estrito.

Advertências:
• Será necessário fazer uma valoração, assumindo uma especial
importância perante conceitos caraterizadores por uma elevada
indeterminabilidade, como são os conceitos utilizados na previsão das
normas de conflitos.
É controverso se o esquema subsuntivo pode ou não ser mantido. Alguns
autores entendem que a recondução dos factos à previsão normativa
pode assentar não só uma subsunção mas também num raciocínio de
coordenação valorativa. Outros defendem que as operações envolvidas
na aplicação da regra, apesar de envolverem uma valoração, ainda
podem ser configuradas segundo um esquema subsuntivo.
O silogismo judiciário parece possível sem o silogismo de subsunção.
Sendo certo que este silogismo judiciário não permite fundamentar a
solução segundo processos lógico-formais, mas apenas assegurar a
racionalidade desta fundamentação.
• O esquema subsuntivo apresentado não é um esquema para a resolução
de casos práticos, serve apenas para a compreensão das várias
operações incluídas na qualificação em sentido amplo.

Interpretação dos conceitos que delimitam o objeto da remissão

A interpretação da norma de conflitos tem de atender às finalidades por ela


prosseguidas, designadamente ao fundamento de conexão. Mas também deve
atender aos fins gerais do sistema de DIP.

1ª questão -> a que direito recorrer para a interpretação dos conceitos técnico-
jurídicos utilizados na previsão das normas de conflitos de fonte interna?

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 93


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• Solução clássica: recurso aos conceitos homólogos do dtº material do


foro. Neste sentido invoca-se a união pessoal entre o legislador do dtº de
conflitos e o legislador do dtº material interno (princípio da unidade do
sistema jurídico).
• Outra tese: se os conceitos que delimitam o objeto da remissão tiveram o
conteúdo que decorre expressamente ou por via da construção jurídica
do dtº material interno eles vão deixar de fora realidades jurídicas
diferentes existentes no direito estrangeiro.
• Tese de Rabel: na formulação e na interpretação dos conceitos das
normas de conflitos nos deveríamos basear no direito comparado. Refuta-
se esta tese pois de iure condendo, é uma questão de política jurídica, o
direito comparado pode ser um instrumento útil para este efeito, mas não
é ele que decide. De iure constituto, o direito comparado não é um direito
positivo, logo apenas auxilia a tarefa.

A interpretação das normas de conflitos de fonte interna é ancorada no direito


material do foro, mas autónoma.

Delimitação do objeto da remissão

O objeto da norma de conflitos são situações da vida ou aspetos destas


situações, mas para a sua delimitação, a previsão das normas de conflitos utiliza
conceitos técnico-jurídicos que atendem ao conteúdo jurídico atípico e a critérios
funcionais.
A caraterização tem de incidir sobre a situação da vida em causa e consiste na
determinação da relevância jurídica desta situação.
A que sistema pedir a caraterização da situação da vida?
1. Direito material do foro
2. Direito material da lex causae (lei competente)

A caraterização lege fori foi defendida por Ago.


Se determinarmos a relevância da situação segundo o direito material do foro e
designarmos uma lei estrangeira como competente, podemos ser levados a
aplicar, por força de uma norma de conflitos, normas materiais estrangeiras que

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 94


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não correspondem à categoria normativa utilizada na previsão da norma de


conflitos. Isto contraria a justiça da conexão e a ideia de adequação que lhe está
ínsita.
A competência atribuída a um direito deve ter em conta o conteúdo e os fins das
normas materiais que são aplicáveis à situação. Só assim se garante a
adequação do elemento de conexão à especificidade do domínio jurídico-
material a regular. Só devemos aplicar por força de uma norma de conflitos as
normas materiais que correspondam à categoria normativa utilizada na previsão
da norma de conflitos. O alcance material da remissão é limitado.
Pode acontecer que a situação seja juridicamente relevante perante o sistema
ou sistemas com que está mais estritamente conexa e não o seja perante o
direito material do foro. Uma caraterização lege fori levaria neste caso a negar a
tutela jurídica de uma situação que é tutelada pelo sistema ou sistemas com que
está mais conectada, o que contradiz a justiça da conexão. É preferível a
caraterização lege causae.

PRATICA – NOÇÕES

Temos um sistema atípico: aplicamos o reenvio sempre que com isso


consigamos atingir um objetivo – aplicar o mesmo direito em Portugal e em outro
país! Se só quero aplicar o reenvio quando conduza a um resultado, tenho de
saber o que os outros países aplicam. Maior parte dos países aplica um sistema
típico de reenvio. Para aplicarmos o nosso temos de saber o dos outros!

L1 -> L2

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 95


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Seta é a norma de conflito


L2 –lei se um Estado soberano qql

Sistema típico:
• Sistema de referencia

Sistema atípico orientado para resultados – resultados específicos nos preceitos


em contrario do art 16º, 17, 18, 19, 36 e 65. Em qql caso primeiro verificamos se
é um dos casos dos preceitos encontrados quando nenhum dos preceitos esta
preenchido aplicamos o 16º.

Reenvio:
• É um sistema atípico
• Só aplico o 16º depois de demonstrar que as exceções ao 16º não estão
preenchidas.

Passos do art. 19º (Requisitos)


1. Aplicar ou o art. 17º ou 18º
2. A aplicação do 17º ou 18º leva a aplicação de um direito material que
o considera inválido
3. Aplicação da lei aplicável nos termos do art 16º levaria à validade do
negócio

Pressupostos do 18º/2
1. Preenchido o 18º/1 demonstrar
2. Matreia de estauto pessoal
3. ALTERNATIVO: 1) interessado tem residencial habitual em Pt (pessoa
que desencadeia a aplicação da norma de conflito) // 2)interessado tem
residência habitual em outro pais que considera aplicável o direito material
português

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 96


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Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 97


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PRATICA

Planos, processos e técnicas de regulação das situações transnacionais

Plano de regulação – é plataforma a partir da qual se faz a regulação das


situações transnacionais. Composto por duas dimensões:
• Normativa – conjunto de normas e princípios que se aplicam às situações
transnacionais.
• Institucional - conjunto de órgãos aplicadores de direito que vão regular
nesse direito a situação transnacional.
Existem 2 planos de regulação:
• Estadual – tem inúmeros planos que se dividem em várias
técnicas de regulação que por si podem ser diretas ou
indiretas
• Supraestadual (DIPúblico e DUE)
• Direito Autónomo do Comércio Internacional

CASO PRÁTICO:
Contrato celebrado por A, residente em Portugal, e por B, cidadão alemão com
residência na Alemanha. Escolheram como lei aplicável a lei francesa. Podem
faze-lo ao abrigo do art. 3º Roma I.
B intenta uma ação contra A nos Tribunais Portugueses.
Resolução: Caso supraestadual

Critério para encontrar o plano de regulação é dimensão institucional.

Plano Direta ou indireta – PROCESSOS

No nosso plano estadual ele é regulado pelo direito de conflitos.

Técnicas – Existem 3 casos de regulação direta: 1)

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 98


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Sistema geral é predominantemente composto por fontes da EU, mas a parte


geral ainda está em normas de fonte interna. Art 14º ao 24º CC são normas ou
até que ver com a matéria de DIP pu normas que se destinam a resolver
problemas que aparecem pela aplicação de normas de conflitos (parte geral).
Art 14º - Direito dos Estrangeiros

Estado Português tem liberdade de escolha de soluções! Soluções diferentes


para o mesmo problema.

Coca Cola, p.e., é uma pessoa coletiva internacional? Não, pois não foi criada
por uma convenção internacional, logo aplica-se o 33º e não o 34º CC

Frederico Pedreira | 4ºAno | 2017/2018 99

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