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Proibições e Obrigações em Teoria da Infração

Ricardo Tavares da Silva


Março de 2023

1 – Paradigmaticamente, uma proibição é uma proibição de uma ação e uma obrigação é uma
obrigação de uma ação. Mas há que fazer três ressalvas quanto a isso. Estas ressalvas são o
objeto deste texto.

2 – A primeira ressalva consiste no seguinte. Uma proibição também pode ser vista como
uma obrigação: obrigação de uma omissão. Portanto, e falando em ‘dever’ em vez de
‘obrigação’, há que distinguir os deveres de ação (obrigações) dos deveres de omissão
(proibições).
Quando se trata da violação de cada um desses deveres e da correspondente punição, há
que fazer a seguinte inversão: a violação de um dever de ação (de uma obrigação) consiste
numa omissão, pelo que se será punido por essa omissão; a violação de um dever de omissão
(de uma proibição) consiste numa ação, pelo que se será punido por essa ação.
Assim, quando se diz que, em Direito Penal, são punidas primordialmente ações, isso
significa que são punidas primordialmente as violações de deveres de omissão (proibições).
E, quando se diz que, em Direito Penal, são punidas fragmentariamente omissões, isso
significa que são punidas fragmentariamente as violações de deveres de ação (obrigações).
Portanto: responsabilidade por ação = incumprimento de uma proibição; responsabilidade
por omissão = incumprimento de uma obrigação.

3 – A segunda ressalva prende-se com o facto de ter falado em ações e omissões quando as
obrigações e proibições penais se estendem muito para além do âmbito das ações e omissões.
Cada etapa da imputação do facto ao agente tem o par proibição-obrigação respetivo,
intimamente ligado ao par controlo-evitabilidade (proibição quanto ao controlo, obrigação
quanto à evitabilidade).

Aplicando ao domínio das ações impuras ou de resultado, obtemos o seguinte: é proibido


que, por exemplo, o João mate a Maria disparando sobre ela (ou é um dever que não o faça)
– dever de não causar –; é obrigatório que o polícia P desvie a Maria da trajetória da bala para
que não morra (tendo capacidade física para isso) – dever de causar.
Aplicando ao domínio das ações puras ou de mera atividade, obtemos o seguinte: é
proibido que, por exemplo, o João entre em casa de Maria sem a sua autorização (ou é um
dever que não o faça) – dever de omissão (ausência de ação) –; é obrigatório que o João saia de
casa da Maria depois de intimado por ela (tendo capacidade de ação, sistema nervoso a
funcionar) – dever de ação.

Para a voluntariedade, teremos algo como ser proibido que o João queira disparar sobre a
Maria (ou ser um dever que não o queira) – dever de ausência de volição – e ser obrigatório que
o João bloqueie o impulso nervoso de disparar sobre a Maria (tendo capacidade de volição,
parte do encéfalo encarre de tal a funcionar) – dever de volição.

Para a tipicidade subjetiva, teremos algo como ser proibido que o João queira
conscientemente disparar sobre a Maria (ou ser um dever que isso não aconteça) – dever de
ausência de dolo – e ser obrigatório que o João frustre, ao tomar consciência, o querer disparar
sobre a Maria (tendo capacidade de se informar) – dever de diligência.

Para o conhecimento da proibição, teremos algo como ser proibido que o João queira
conscientemente disparar sobre a Maria sabendo que tal é proibido (ou ser um dever que isso
não aconteça) – dever de ausência de dolo da norma – e ser obrigatório que o João frustre, ao saber
que é proibido disparar sobre a Maria, o querer conscientemente fazer isso (tendo capacidade
para se informar sobre a proibição) – dever de diligência da norma.

Para a culpa, teremos algo como ser proibido que o João decida livremente disparar sobre
a Maria (ou ser um dever que isso não aconteça) – dever de ausência de livre volição – e ser
obrigatório que o João resista à compulsão de disparar sobre a Maria (tendo capacidade de
decisão) – dever de livre volição.

Como se vê, em todos os casos de controlo há presença de algo e em todos os casos de


evitabilidade há ausência desse algo. Num sentido muitíssimo amplo, no controlo há “ação”
e na evitabilidade há “omissão”. Assim se percebe que a ação – propriamente dita – constitua
um caso particular de presença, como quem diz, de verdade, e que a omissão – propriamente
dita – constitua um caso particular de ausência, como quem diz, de falsidade.
4 – A terceira ressalva prende-se com o facto de ter falado em ações e omissões quando
deveria ter falado em verdade e falsidade. Falar em obrigações e proibições implica, de
alguma maneira, falar em verdade e falsidade.
Falar em verdade e falsidade é falar em proposições verdadeiras e proposições falsas.
Definir ‘proposição’ não é fácil: podemos vê-las como hipóteses de factos que, ou se
“confirmam”, sendo verdadeiras, ou são “desmentidas”, sendo falsas. ‘O João matou a Maria’
é uma proposição, que será ou verdadeira, ou falsa.
Ora, uma obrigação é um dever de uma determinada proposição ser verdadeira e uma
proibição é um dever de uma determinada proposição ser falsa. Voltando à primeira ressalva,
uma proibição também pode ser vista como proibição de uma determinada proposição ser
verdadeira. As proibições exigem que aquilo que suporta o controlo do facto não seja o caso
e as obrigações exigem que aquilo que suporta a evitabilidade do facto seja o caso.
Por exemplo, para a culpa, teremos algo como ser proibido que a proposição ‘o João decide
livremente disparar sobre a Maria’ seja verdadeira (ou ser um dever que seja falsa) e ser
obrigatório que a proposição ‘o João resiste à compulsão de disparar sobre a Maria’ seja
verdadeira.

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