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| 2019/20
Grupos de casos:
• Comparticipação ativa em delito omissivo (ex.: A aconselha B a deixar de prestar o
auxílio necessário, nos termos do 200º CP)*
• Omissio libera in causa (ex.: nadador salvador embriaga-se até à inconsciência para
tornar impossível socorrer alguém)*
* Nestes casos, há sem dúvida omissão. O agente não diminui um perigo que,
independentemente dele, afetava o bem jurídico, não obstante o seu comportamento
se traduzir numa “introdução positiva de energia”.
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Nota: Se aquele instrumento não for o único disponível (ex.: existirem vários barcos), o comportamento
de quem impede a utilização de um deles é omissivo, uma vez que apenas tem o efeito de negar o auxílio,
não impedindo em absoluto que a vida do náufrago seja salva.
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3) Tipos de omissão
Omissões puras/ próprias – O nada fazer já está previsto e é punido como tal
pelo crime. Não tenho de fundamentar a equiparação à ação, porque o legislador
já incriminou a omissão (caso mais comum: art. 200º, 284º, 190º/1). O próprio
tipo de crime prevê e pune a omissão.
- Começamos sempre por ver se existe uma omissão impura (1) – ver se é
possível equiparar a uma ação típica (partindo do princípio de que não estamos
perante um caso em que a lei tem outra intenção).
- Onde falhe a omissão imprópria, a seguir, veremos a omissão pura (2).
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Ver explicação na pág. 7.
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4) Quando equiparar?
FIGUEIREDO DIAS
Antes de eu descobrir o critério de equiparação da omissão à ação, tenho
primeiro de perceber se a omissão é relevante.
(1) Primeiro, tem de haver uma possibilidade de agir (ex.: se eu não
salvei a pessoa B de se afogar, porque estava sequestrado, não tinha
possibilidade jurídica (nem física) de agir).
Nota:
Tradicionalmente (Feuerbach), dizia-se que a posição de garante tinha de derivar da lei ou de um
contrato. Stübel veio acrescentar a estas duas fontes a da situação de ingerência. Segundo a
teoria formal do dever de garantia, eram estas as três fontes da posição de garante.
Hoje considera-se essa doutrina redutora, face aos valores atuais e experiências de solidarismo na
comunidade de vida.
Desde logo, o dever legal nunca é muito explícito sobre até onde deve ser desenvolvido, porque
normalmente é um dever de proteção e controlo e não especificamente o dever de evitar um
resultado. Por outro lado, a fonte contratual coloca problemas quando estamos na fase pré ou
pós-contratual. Esta orientação tradicional abria espaço a impunidades e teve de ser completada
pela doutrina.
Era necessário construir uma teoria material dos fundamentos das posições de garante que
alargasse a verificação de um dever de garantia a outras situações que não têm na sua base um
dever jurídico em sentido formal. A questão de haver dever jurídico não dependeria das fontes
formais dos deveres jurídicos, mas de uma outra relação material entre o agente e as pessoas de
cuja proteção se trate.
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Não é claro quanto aos atos lícitos.
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Ex.: O médico que está no seu hospital e vai tratar do seu paciente, vê
que a máquina está desligada e não a volta a ligar → incumpre um dever
institucionalizado, pelo que a omissão é equiparável a uma ação.
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Porque somos livres, podemos organizar uma certa esfera de intervenção e comunicação com os outros,
na medida dessa nossa liberdade. Pelos inconvenientes criados pela nossa configuração do mundo,
somos responsáveis (ex.: se estamos a conduzir e, num sinal vermelho, aceleramos e atropelamos
alguém, a nossa liberdade de circulação acarreta uma responsabilidade).
E se o agente em vez de acelerar não parar? JAKOBS diz que este comportamento omissivo não é
diferenciável do ativo. Ainda estamos na esfera das decorrências de responsabilidade que são assacadas
à nossa liberdade de configuração do mundo. Nestes casos o que conta é que temos uma responsabilidade
geral como limite da nossa liberdade de configuração do mundo.
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A pessoa tem de ter competências sociais específicas para a proteção de certos bens jurídicos,
atribuídas pelo nosso estatuto (exs.: professores, alunos, médicos). Não é um critério tão fechado quanto
o de FD para a identificação de um dever de agir.
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Ex.: Alguém que não é nadador salvador, estando no seu barco de recreio, vê ao
longe alguém que se está a afogar. Apesar de não ter o dever de saltar, aproxima o
barco para lhe atirar uma boia. No entanto, ainda ao longe, o agente verifica que o
náufrago é um inimigo seu, voltando a recolher a corda a que está ligada a boia.
Numa situação destas, uma vez que nunca esteve iminente o salvamento, porque a
vítima ainda estava muito longe da boia, pode dizer-se que o não ter nunca atirado
a boia (omissão pura – 200º CP) se equipara ao comportamento do agente de iniciar
o processo salvador e depois desistir → através de um fazer, violou-se apenas um
dever de auxílio; apesar de, naturalisticamente, ter características de fazer, não tem
o significado de um comportamento de homicídio (nem por ação nem por omissão).
MFP: Desta perspetiva que retira da estrutura comportamental típica uma certa
indiferenciação entre ação e omissão em termos naturalísticos, não podemos
extravasar para situações como aquela de desligar a máquina em que o que está
em causa nunca será apenas um crime meramente omissivo. ROXIN extravasa nesse
sentido, considerando que o facto de o médico desligar a máquina constitui uma
omissão por fazer, porque o médico apenas incumpre o dever de estabelecer a
ligação entre o doente e a máquina – indiferencia o comportamento omissivo ao
ativo.
Mas também é verdade que, quando ROXIN se refere ao caso da máquina, está a
pensar em doentes terminais, doentes para os quais a ligação terminal à máquina é
um prolongamento artificial da vida, muitas vezes, sem possibilidade de regressão.
O que ROXIN procura explicar é que, nessas situações, não voltar a ligar a máquina
é apenas não prolongar artificialmente a vida, nunca podendo ter o significado de
um homicídio. Nesse plano, ROXIN também vai poder admitir que, nessas situações
dos doentes terminais, acaba por ser indiferente o não voltar a ligar para prolongar
artificialmente a vida e o desligar a máquina para o mesmo efeito.
MFP: Mesmo que se esteja só a pensar nesses casos, não podemos adotar pura e
simplesmente a perspetiva de que esses comportamentos são irrelevantes como
comportamentos típicos, porque essa irrelevância parte do princípio de que, por
haver um prolongamento artificial da vida, não há nenhum dever especial dos
médicos. Esta perspetiva tem uma fundamentação racional, mas não podemos
aceitar hoje em dia o pressuposto de que há uma fronteira entre uma manutenção
natural da vida e uma manutenção apoiada por medicamentos e máquinas. Aquilo
que se entende por prolongamento artificial da vida é apenas o modo como, nas
sociedades contemporâneas e com a tecnologia que temos, podemos apoiar a vida.
A fronteira é muito incerta.
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MFP:
- No caso dos vizinhos, em princípio, não haverá nenhum dever, senão
ético, que pessoalmente obrigue o agente, não se justificando a
equiparação da omissão à ação.
- Nas situações de comunidade de vida (pessoas que vivem juntas), só
haveria um dever jurídico de evitar o resultado quando fosse expectável
que tivesse sido assumido pelo agente o compromisso de proteger o bem
jurídico em questão.
- Não haverá de todo uma equiparação nas situações de monopólio
acidental (o agente é o único que dispõe dos meios para evitar a lesão do
bem jurídico, mas não há nenhum dever institucional nem nenhum
compromisso nem é expectável para o agente que esse dever surja em
determinadas circunstâncias). Ex.: agente passeia pela praia; alguém está
a afogar-se e o agente é o único que pode salvar a pessoa. Não há uma
geral expectativa de autovinculação implícita naquela relação social.
➔ Ingerência
A figura da ingerência é quase sempre pacificamente entendida como
uma fonte básica da instituição do agente numa posição de garante.
Isto não é posto em causa pelo artigo 200º CP. À primeira vista, tendo em
conta a referência à ingerência neste artigo, poderíamos ser levados a
pensar que, no nosso ordenamento, a matéria da ingerência estaria
encerrada apenas no contexto de uma agravação de um crime omissivo
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Damião da Cunha não admite que haja dever de garante quando o perigo derive de facto lícito.
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puro, mas esta norma é subsidiária (só se aplica se não pudermos aplicar
uma norma de um crime de resultado – norma principal).
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Resultado que até podia ser atingido imediatamente.
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