Para que se possa falar em responsabilização, mesmo que na esfera
civil, é preciso que haja uma conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva. Dessa afirmação se extrai que não se admite a responsabilização civil por conduta de animais. Esse comportamento humano precisa ter uma carga de consciência. Sem que a pessoa esteja consciente, não há como existir o dever de indenizar. Nesse sentido, o ato praticado pelo sonâmbulo é desprovido de consciência, e, por isso, não gera o dever de indenizar. Da mesma forma, além da consciência, é preciso que haja voluntariedade. Muitos doutrinadores citam o exemplo do doutrinador Italiano Giuseppe Bettiol, que escreveu sobre o direito penal: Pessoa está no museu apreciando uma obra de arte. Naquele momento um vaso em seu nariz se rompe e essa pessoa, instintivamente, espirra no quadro o sangue, causando dano. Isso não é uma conduta humana. Não há voluntariedade na resposta que o organismo deu ao nariz do agente. Nesse ponto é importante mencionar que o elemento da responsabilidade civil é a conduta humana. Não se fala em conduta ilícita, nesse primeiro momento. A razão é porque a ilicitude é vista no enfoque geral, e não apenas na conduta. Outro ponto é que, excepcionalmente, é possível que uma conduta lícita gere o dever de indenizar, como o estado de necessidade agressivo (CC, art. 188, II). 4. DA CULPA EM SENTIDO AMPLO A culpa lato sensu, também conhecida como culpa em sentido amplo ou genérica, engloba tanto dolo quanto a culpa em sentido estrito. Dolo é a violação intencional, ou seja, é à vontade e consciência de praticar uma conduta. No direito civil, o dolo tem o mesmo tratamento da culpa grave, respondendo o indivíduo pelos danos que causou em sua totalidade. A culpa em sentido estrito, apesar de existir o desrespeito a uma norma, não há a violação intencional desse dever. Portanto, na culpa há uma conduta voluntária, mas se chega a um resultado involuntário. Todavia, o resultado era previsível, razão pela qual houve uma violação aos deveres objetivos de cuidado. A doutrina fala em graus de culpa, divisão essa que nasceu diante da redação do art. 944 do Código Civil, permitindo-se, diante da gravidade, a redução equitativa da indenização. Tradicionalmente, divide-se a culpa, quanto à sua intensidade ou gravidade, em três graus: grave, leve e levíssima. Na culpa grave, afirma-se, o autor, embora não tenha agido com a intenção de causar o dano, comportou- se como se o tivesse querido, daí equiparar-se ao dolo. A culpa leve, por sua vez, corresponderia à falta de diligência média, que um homem normal empregaria em sua conduta. E a culpa levíssima, por fim, diria com a conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentíssimo pater famílias, especialmente cuidadoso, observaria(BANDEIRA, Paula Greco in A evolução do Conceito de Culpa e o artigo 944 do Código Civil - Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, 2008. ). Também existe a divisão em modalidades de culpa. Desta feita, podemos dizer que a culpa em sentido estrito se traduz nos conceitos de negligência, imprudência e imperícia. A negligência é a falta de cuidado pela omissão. É o sujeito que causa dano, porque o carro derrapa na pista, batendo no carro estacionado, eis que os pneus estavam carecas, ainda que estivesse em baixa velocidade. A imprudência é falta de cuidado somado a uma ação. É o agir sem tomar as cautelas necessárias. É o sujeito que emprega velocidade acima do permitido. Por fim, a imperícia é falta de habilidade, própria dos profissionais liberais. Ex.: médico que faz cirurgia sem ter habilitação para fazer cirurgia. A presença de uma dessas modalidades não exclui a outra. É possível que haja na mesma situação negligência e imprudência, como é o caso em que o sujeito corre a 200 km/h na avenida, chovendo e com pneus carecas. Pergunta-se: porque o art. 186 do Código Civil não fala explicitamente sobre a imperícia? A imperícia é a imprudência técnica, diante disso, o fato de o artigo não a ter mencionado não faz falta para fins de responsabilização. O Código Civil de 2002 aboliu a característica subjetivista que tinha o Código de Beviláqua. É claro que a responsabilidade baseada na culpa ainda existe, sendo ela a regra, inclusive. No entanto, a objetividade ganhou espaço. O Código Civil trouxe a responsabilidade por atos de terceiros, que será estudada em tópico próprio. No Código Civil de 1916, esse tipo de responsabilidade era baseada na culpa in eligendo, in vigilando e in custodiano. A culpa in eligendo era a culpa ao eleger, ou seja, a culpa do empregador em relação à conduta do empregado. A culpa in vigilando era a culpa daquele que tinha o dever de vigiar, como a conduta dos pais em relação aos filhos, do tutor e curador em relação aos pupilos e curatelados. Por fim, a culpa in custodiano se caracterizava pela ausência de atenção e cuidado em relação a coisa ou animal que se encontrasse sob a guarda do agente. Por último, ainda tratando do tema da culpa, existe a questão da compensação de culpa. Essa compensação de culpas é avaliada na fixação da indenização. O art. 945 do Código Civil dispõe que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. O juiz aplica muito a compensação de culpa em casos de acidente de trânsito, onde há culpa de ambos os condutores. 5. DO NEXO DE CAUSALIDADE O nexo de causalidade é um elemento imaterial da responsabilidade civil (Aguiar Dias). É a relação de causa e efeito, entre a conduta culposa e o dano suportado. A professora Giselda Hironaka diz que o nexo de causalidade é como um fio com duas tomadas, uma em cada ponta. Uma liga à conduta e outra ao dano. A responsabilidade civil, ainda que objetiva, não existe se não houver relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima. Acerca do nexo de causalidade existem várias teorias para defini-lo. Dentre elas, as mais relevantes para o direito civil são a teoria das equivalências das condições, a teoria da causalidade adequada, e por fim, a teoria do dano direito e imediato. Pela teoria das equivalências das condições todos os fatos diretos ou indiretos geram a responsabilidade civil. É a teoria sine qua non. Assim, o fabricante da arma responde pelo homicídio que foi praticada com ela, e assim, por diante, até ao infinito. Essa teoria não foi adotada pelo sistema civil, pois amplia muito o nexo de causalidade. Pela teoria da causalidade adequada o fato relevante ao evento é o que gera a responsabilidade civil. Isto é, existe nexo de causalidade quando há fato relevante para causação do dano. Estaria prevista nos arts. 944 e 945 do Código Civil. Somente o fato relevante para o evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser fixada de acordo com a contribuição causal. Essa teoria foi desenvolvida por um jurista alemão chamado Von Kries. Existe um enunciado da Jornada de Direito Civil que não exclui a aplicação de tal teoria. No que tange a teoria do dano direito e imediato, somente devem ser reparados os danos que decorrem dos efeitos necessários da conduta do agente. Os efeitos necessários decorrentes daquela conduta são os que podem ser imputados àquele sujeito. É a ideia do art. 403 do Código Civil. Alguns doutrinadores entendem que é essa a teoria que se aplica. Agostinho Alvim, jurista responsável pelo livro do direito das obrigações, explica sobre a teoria: Dessa forma, para Agostinho Alvim, mesmo que remota, indireta ou mediata, uma condição é considerada causa necessária se o dano “a ela se filia necessariamente”, ou seja, se a condição for “causa única” do dano, se “opera(r) por si, dispensadas outras causas”. Em outras palavras, causa necessária é a que explica o dano: “Assim, é indenizável todo o dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano” (ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 372). 6. DAS EXCLUDENTES DO NEXO DE CAUSALIDADE As excludentes do nexo de causalidade são fatores que ceifam a ocorrência do nexo de causalidade, não deixando o elo entre a conduta culposa (em sentido amplo) e o dano se materializar. São eles a culpa exclusiva da vítima. A culpa exclusiva de terceiro e o caso fortuito e a força maior. Nos casos de culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, responsabilidade subjetiva recai inteiramente sobre a vítima ou sobre o terceiro, de forma que causou o dano não será responsabilizado. Nessa senda, a vítima é a única e exclusivamente responsável pela ocorrência do dano. O mesmo raciocínio se aplica ao terceiro. Sobre a culpa de terceiro, mister se faz ressaltar um caso específico em que essa excludente não tem incidência. Trata-se do contrato de transporte de pessoas. O art. 735 do Código Civil diz que “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva”. A respeito do caso fortuito ou da força maior, não há unanimidade sobre o conceito de caso fortuito ou força maior. Flávio Tartuce diferencia, estabelecendo que caso fortuito é um evento totalmente imprevisível, decorrente de ato humano ou evento natural, enquanto a força maior é um evento previsível, mas inevitável. Ex.: furacão. Sabe-se que virá, mas é inevitável. Pontes de Miranda entendia que os conceitos são sinônimos e querem dizer um evento não previsto pelas partes. Dispõe o art. 393 do Código Civil que: Art. 393: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir. Essas excludentes do nexo de causalidade devem ser analisadas caso a caso. É preciso verificar se naquele evento se está diante de um caso fortuito ou força maior, ou se decorre do risco do empreendimento, o chamado risco proveito, ou seja, se não há relação com a atividade do suposto causador do dano. Nessa hipótese não há exclusão do nexo de causalidade. Também são denominados de eventos internos (fortuito interno). Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 479, que dispõe: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Já o fortuito externo é aquele que não tem qualquer relação com a atividade desenvolvida ou risco do empreendimento. Dessa forma, podem ser consideradas com excludentes da responsabilidade (do nexo de causalidade). Esse tema de fortuito interno e fortuito externo gera muita polemica na jurisprudência. Nesse sentido, é importante acompanhar o que o STJ tem entendido a respeito do rompimento do nexo de causalidade, e por consequência, a quebra do dever de indenizar. Roubo a ônibus: havia divergência entre a 3ª e a 4ª turmas do STJ. Alguns diziam que a empresa podia evitar. Porém, como a empresa poderia fazê-lo? Colocando detector de metais? O STJ passou a entender, e consolidou o entendimento, de que o assalto a ônibus é um evento externo e se enquadra nos casos de caso fortuito e força maior, caso em que a empresa não responde (STJ - REsp 783.743/RJ). Roubo a banco: o Roubo no interior da instituição financeira se encaixa no risco do empreendimento. O banco tem um ambiente de risco, assim é seu dever oferecer segurança aos consumidores. Assalto a banco é evento interno, entra no risco do empreendimento, portanto, o banco tem responsabilidade STJ - REsp. 694.153/PE). Roubo em Shopping: o roubo dentro de shopping center é um caso bem divergente na jurisprudência. O cidadão que é vítima de roubo dentro do shopping deve ser indenizado, uma vez que a empresa deve providenciar segurança aos clientes, afinal, é esse o diferencial que eles vendem no cotejo com o comércio aberto. Segundo jurisprudência do STJ, o assalto a shopping é evento interno, portanto, a empresa responde (STJ - REsp. 582.047/RS). Ainda dentro do tema, existem questões que atenuam o nexo de causalidade, sem, contudo, excluí-lo. Nesse caso, há responsabilidade civil, contudo, com redução do quantum indenizatório. O principal fator atenuante é a culpa ou fato concorrente da vítima. Dispõe o art. 944 do Código Civil que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. O parágrafo único complementa dizendo que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Por fim, o art. 945 do Código Civil explica que “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. 7. DO DANO OU PREJUÍZO O dano ou prejuízo é a lesão causada ao patrimônio da pessoa. A lesão que mencionamos pode ser uma lesão material ou imaterial. O dano assume um papel fundamental em matéria de responsabilidade civil. O dano indenizável precisa ser certo, não podendo ser abstrato ou simplesmente hipotético. O “aborrecimento” não se indeniza. Isso porque ele caracterizaria um dano 306 Matheus Zuliani 304 hipotético. A fronteira entre o aborrecimento e o dano é tênue, mas o aborrecimento não se indeniza. Antigamente somente se cogitava em danos materiais e danos morais. Com o passar do tempo e a evolução da sociedade, exigindo que o direito a acompanhe, foram surgindo outras modalidades de dano. 8. DO DANO MATERIAL E IMATERIAL O dano material é a lesão ao patrimônio material da vítima. Não somente, lesão ao bem corpóreo que ele possui. Nessa modalidade de dano, a regra é a necessidade de comprovação do dano, não se admitindo que o dano material seja presumido. Excepcionalmente, a jurisprudência tem permitido a presunção de dano material nos casos de compromisso de compra e venda de bem imóvel em construção. Quando o construtor atrasa a entrega das chaves para além do prazo de prorrogação de 180 dias, nasce para o promitente comprador, o direito de ser indenizado pelo dano material experimentado. Geralmente esse dano material é a compensação pelo fato de que a pessoa poderia ter alugado ou deixado o aluguel. Nesse caso, a jurisprudência entende que o dano material é presumido, ou seja, não precisa o promitente comprador demonstrar que tinha proposta de alugar o bem, ou então, que pagava aluguel durante a construção. O dano patrimonial pode ser classificado em danos emergentes (danos positivos) e lucros cessantes. O primeiro é o que efetivamente se perdeu com o dano. Ex.: houve um homicídio, situação na qual a família gastou com hospital, funeral, etc. A família tem o direito de ser reembolsado por estas despesas. Lucros cessantes (danos negativos), por sua vez, é aquilo que efetivamente se deixou de ganhar. Ex.: no caso do homicídio, é a prestação de alimentos indenizatórios, ou seja, é o valor que o sujeito estaria contribuindo para a sua família, mas que agora não pode mais. Existem lucros e rendas cessantes. O taxista, quando fica na oficina por conta de um dano experimentado, ficará sem trabalhar. Se o valor da reparação do carro foi 3 mil reais, isto será dano emergente. Todavia, durante o período que o sujeito ficou sem trabalhar ele não ganhou, devendo receber os danos negativos, ou seja, os lucros cessantes por aquilo que não recebeu durante o período. O pensionamento, nome que recebe a indenização de dano material que sofre a família ou a própria vítima, em razão da perda do trabalho, também se indeniza. Para se chegar ao valor da indenização, primeiro se chega à expectativa de vida da vítima. Para se chegar a esse dado, utiliza-se a informação do IBGE. Após isso, o STJ entende que a indenização deve levar em conta somente a fração de 2/3 do salário da vítima. Isso porque se presume que 1/3 ela gasta com ela mesma. Portanto, 2/3 irão para os dependentes da vítima, mais FGTS, décimo terceiro, férias, horas extras eventuais, até o limite da idade de expectativa de vida provável da vítima. Supondo que o acidente tenha atingido uma vítima que já tinha ultrapassado este limite de idade de vida provável, trazido pelo IBGE. Ex.: atropelaram o senhor de 80 anos na faixa de pedestre. Nesse caso, faz-se um cálculo de sobrevida, de acordo com as condições gerais daquele sujeito. Não somente, esse cálculo poderá variar de 2 a 5 anos, ou até maior. Questiona-se: e se a vítima era autônomo e não tinha meios de comprovar os ganhos? Nesse caso o STJ entende que deve ser presumido o ganho de um salário mínimo vigente. Em alguns casos, o STJ tem quebrado esta regra de que a indenização deverá ser fixada com base na vida provável da vítima falecida. Exemplo disso ocorre nos casos em que a vítima é o filho da família. Ex.: filho teria 17 anos quando faleceu. Nesse caso, ele contribuiria para família até certa idade. Nos casos em que falece o pai da família, o qual tinha 54 anos e o filho tinha 17 307 Matheus Zuliani 305 anos. Nesse caso, o filho não vai ficar recebendo do pai até o fim da vida provável, mas apenas até os 24 ou 25 anos, que é o limite da relação de dependência. Existe, ainda, a hipótese em que o falecimento é de filho menor impúbere. Neste caso, a Súmula 491 do STF estabelece que é indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado47 . O cálculo dessa indenização é feito com base num salário mínimo, contabilizando 2/3 no período em que o menor teria entre 14 a 24 anos, supondo que ajudaria a família. No entanto, existem julgados que defendem alimentos indenizatórios aos pais, inclusive após este período. Nessa situação, em que o indivíduo atinge 24 ou 25 anos, presumese que ele teria casado, hipótese que passará a contribuir com 1/3 de seus rendimentos. Flávio Tartuce critica essa visão do STJ, alertando que isto não é a realidade brasileira. Para ele, a pessoa com 25 anos, como regra geral, não contribui com mais nada para sua família. Segundo o STJ, na responsabilidade civil extracontratual, se houver a fixação de pensionamento mensal, os juros moratórios deverão ser contabilizados a partir do vencimento de cada prestação, e não da data do evento danoso ou da citação. Não se aplica ao caso a Súmula 54 do STJ, que somente tem incidência para condenações que são fixadas em uma única parcela. Se a condenação for por responsabilidade extracontratual, mas o juiz fixar pensão mensal, neste caso, sobre as parcelas já vencidas incidirão juros de mora a contar da data em que venceu cada prestação. Sobre as parcelas vincendas, em princípio não haverá juros de mora, a não ser que o devedor atrase o pagamento, situação na qual os juros irão incidir sobre a data do respectivo vencimento. Esse tema foi objeto do informativo 580 do STJ. O dano moral é a lesão ao direito de personalidade da pessoa. A angústia, o sofrimento ou a dor são efeitos do dano moral. Esses eram os requisitos imprescindíveis para a existência do dano moral. No entanto, a jurisprudência foi banalizando o dano moral, permitindo-se que situações em que não houve angustia, sofrimento ou dor gerassem indenização. Isso porque o dano moral é configurado a lesão de direitos da personalidade. Tanto é que a indenização por danos morais, quando começou a ser aplicada no Brasil, tinha a finalidade de amenizar a dor sofrida com a pecúnia recebida, sabendo que o dinheiro nunca iria fazer a dor passar, mas sim, ajudar a esquecê-la, proporcionando momentos de prazer. Se estiver presente o sentimento negativo, poderá ou não gerar dano moral. Demonstrada a ocorrência da ofensa, não é preciso comprovar que essa ofensa gerou dor, angústia ou sofrimento para configuração do dano moral. Diante disso, em algumas situações entende-se que o dano moral é presumido. Esse dano moral presumido recebe o nome de dano moral in re ipsa. No dano moral não existe uma finalidade de acréscimo patrimonial, tanto é que não incide imposto de renda sobre esta indenização. Esse entendimento, inclusive, é sumulado pelo STJ.48 Alguns doutrinadores defendem o dano moral e dano moral direto e indireto. No dano moral direto a lesão atinge a própria pessoal, diretamente. O sujeito inscreveu o nome do lesado nos cadastros de inadimplentes. Noutro giro, no dano moral indireto há um dano em ricochete, atingindo, também, uma terceira pessoa. Isto é, o dano moral que atinge a pessoa de forma 47 Súmula 491 do STF: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. 48 Súmula 498 do STJ: “Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais”. 308 Matheus Zuliani 306 reflexa. Por exemplo, por conta da atitude imprudente alguém é morto. Há um dano moral à família do lesado. Veja, um terceiro experimentou o dano moral por um fato ocasionado a outra pessoa. Ex.: uso indevido da imagem do morto ou lesão à honra do morto. É preciso tecer comentários acerca do arbitramento do dano moral. Nota-se que não há, no nosso ordenamento jurídico, o tabelamento do dano moral. Se a indenização por dano moral fosse tabelada isso facilitaria o ofensor a prever a sua conduta e colocar na balança os pós e os contras da prática de um ilícito. Nesse contexto, ficou a cargo do Magistrado arbitrar a indenização quando ocorrer ofensa ao direito de personalidade. Acerca da fixação da indenização o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Ênio Santarelli Zuliani, pai do autor que vos escreve, ensina: O arbitramento é um ato de consciência jurídica e o juiz deve mentalizar, em primeiro lugar, a situação da vítima (a extensão do dano e sua repercussão na esfera íntima do indivíduo e no aspecto social). Esse é um exercício que se cumpre examinando as condições pessoais do lesado, sua capacidade de autodeterminação diante da gravidade do fato e do trauma que um ser humano dotado de personalidade mediana (entre o fraco e o forte) suporta, bem como a perspectiva de superação com o poder do dinheiro a ser pago (ZULIANI, Ênio Santarelli in Direitos in Particularidades do Arbitramento do Dano Moral Na Responsabilidade Civil do Estado – Responsabilidade Civil do Estado, Desafios Contemporâneos – Editora QuartierLatin). O STJ49 também adotou um critério bifásico de arbitramento do dano moral. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. Sobre a natureza jurídica da indenização por danos morais, existem três correntes que tentam defini-la. A primeira corrente entende que a indenização de danos morais tem a natureza meramente reparatória. Está superada. A segunda, por sua vez, defende que a indenização por danos morais tem caráter punitivo ou disciplinador (punitive damages). A ideia é punir alguém pelo fato de ter violado um direito da personalidade. Essa teoria não foi adotada, embora existam alguns julgados que a mencionem. Veja, os EUA adotam essa teoria. Em um caso de 1990 (BMW vs Gore) a BMW foi condenada, em última instância, ao pagamento de uma indenização por 2 milhões de Dólares pelo fato de vender veículos zero quilômetros com uma repintagem parcial50. No Brasil, o TJSP reduziu a indenização por danos morais e materiais contra 49 STJ - REsp nº 1152541 / RS e REsp nº 710879 / MG. 50“Em 1.990, Gore comprou um automóvel novo numa Concessionária BMW, na cidade de Montgomery, Alabama. Nove meses após a compra, detectou que o veículo passara por uma repintagem parcial antes de ser vendido como novo. Revoltado com a descoberta Gore demandou judicialmente contra a BMW, alegando falha no dever de informação. A montadora BMW admitiu tal prática em 1.000 (um mil) veículos para revenda nas concessionárias da marca sem informações aos distribuidores. Na sua demanda, Gore conseguiu provar uma desvalorização inicial do veículo em US$ 4.000 dólares com a repintura e foi recompensado nesse montante pela não informação da BMW. E, a montadora alegou o dano presumido que fora causado por chuva ácida durante o transporte do veículo da Alemanha para os Estados Unidos. Mas, a demanda de Gore incluía um pedido de indenização punitiva de US$ 4 milhões de dólares (valor da desvalorização unitária multiplicado pelo número de veículos repintados), que foi acolhido pelo júri do Tribunal de Birmingham, restando na condenação da BMW nesse valor, a título de punitive damages pela política de não informação e omissão fraudulenta. Inconformada, a BMW apelou perante a Suprema Corte do Estado do Alabama, pleiteando a modificação da decisão quanto à imposição da indenização punitiva. Esta corte reduziu a condenação para US$ 2 milhões, por entender que caberia deliberar somente pelos veículos vendidos no Estado de Alabama. Novo recurso interposto na Suprema Corte dos Estados Unidos, que para resolver a questão e ratificar entendimento a ser aplicado a futuros casos de punitive damages estabeleceu três parâmetros gerais 309 Matheus Zuliani 307 a BMW pela morte do Cantor João Paulo (aquele que fazia dupla com Daniel), para R$ 300 mil reais, por um suposto defeito na roda. O STJ ainda não analisou o caso, embora o TJSP tenha reconhecido uma culpa parcial do cantor na condução do veículo. Veja a gravidade dos fatos e o valor da indenização. Conclui-se que o Brasil não adota essa teoria. Por fim, a terceira defende que a indenização por danos morais tem caráter compensatório, caráter reparatório, mas também tem um caráter pedagógico, disciplinador, visando coibir novas condutas. Não pode ser ínfima a indenização a fim de fomentar a prática ilícita pelo ofensor. Esta é a corrente que prevalece. Por fim, para concluir a indenização por danos morais, segue alguns casos que o STJ tem enfrentado. A presença de corpo estranho dentro de embalagens gera o dever de indenizar? A presença de corpos estranhos encontrados dentro das embalagens de alimentos gera ao consumidor o direito à indenização. A concessão de danos materiais é pacífica na doutrina e na jurisprudência, tendo o consumidor o direito de ser reparado pelo valor pago no produto viciado. A questão ganha certa controvérsia no que concerne à concessão de danos morais. A jurisprudência majoritária tem concedido indenização por danos morais quando o consumidor se depara com corpos totalmente estranhos ao alimento que ali deveria constar. O Colendo Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização por danos morais à consumidora que encontrou um preservativo masculino dento do frasco de molho de tomate51. Em outro caso a mesma corte superior concedeu indenização ao consumidor que se deparou com uma barata dentro da lata de leite condensado52. O STJ tinha posição de que a indenização por danos morais apenas tinha sentido se o alimento era ingerido pelo consumidor. Agora, o STJ fez a revisão de sua posição, adotando a posição que já era firmada pela Ministra Nancy Andrighi, ou seja, de que a compra de produto alimentício que contenha corpo estranho no interior na embalagem, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, expõe a saúde do consumidor a risco e, como consequência, dá direito à compensação por dano moral, em virtude da ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, resultante do princípio da dignidade da pessoa humana53 . Questiona-se: a espera na fila do banco gera indenização por dano moral? O ordenamento jurídico vigente autoriza que se legisle acerca do tempo máximo permitido ao consumidor para aguardar em fila de atendimento de instituição financeira, sob pena de ultrapassado esse tempo o banco indenizar o consumidor lesado. Entretanto, a jurisprudência, de forma acertada, concluiu que não basta apenas ultrapassar o tempo máximo de limite imposto pela legislação. Deve-se, todavia, existir algum fato atrelado à demora no atendimento que possa causar ao consumidor lesão ao seu direito de personalidade, como colocar em risco à saúde do consumidor. Apenas a espera por atendimento bancário, por tempo superior ao previsto na legislação municipal ou estadual, não gera indenização por dano moral, figurando, apenas, um desconforto54. No entendimento do STJ, a longa espera em fila de banco é irregularidade administrativa.
(incorporados na Due Process Clause of the Fourteenth Amendment to the
United States Consitutition) para aferição do quantum indenizatório: o grau de repreensão da conduta, a relação entre os danos compensatórios e os punitivos e, por fim, a magnitude de sanções civis e criminais por condutas similares (que na época eram de US$ 2 mil dólares). Ao final, a condenação reformada ficou em US$ 50 mil dólares, correspondente ao valor de um novo veículo. Tal decisão confirmou um “enorme exagero” (gross excessiveness) na condenação e pacificou entendimento sobre a matéria, constituindo um relevante precedente judicial, ao admitir a limitação do valor das punitive damages a bases constitucionais. (Moraes, op. Cit., p. 240-245)”. SAMPAIO, Carla A. B. Aplicação da Teoria dos Punitive Damages às Relações Trabalhistas. Monografia de Graduação em Direito. Faculdade Baiana de Direito, Salvador/BA, 2016. 51 STJ - REsp 1.317.611/RS – Relatora. Ministra. Nancy Andrighi – julgado em 12/6/2012 – informativo n. 499. 52 STJ – REsp 1.239.060/MG – Relatora Ministra - Nancy Andrighi - publicado no DJe de 10/5/2011. 53 STJ – REsp 1768009 – julgado em maio de 2019 – Ministra Nancy Andrghi. 310 Matheus Zuliani 308