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LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO UNIVERSITÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE

CURSO DE DIREITO
DIREITO CIVIL I (TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL)
2º PERÍODO
PROF. WALBER CUNHA LIMA

1. Ato ilícito: conceito e elementos

O ato ilícito é o praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual.
Causa dano a outrem, criando o dever de reparar o prejuízo (CC, arts. 927 e 944) seja ele moral ou
patrimonial. Logo, produz efeito jurídico, só que este não é desejado pelo agente, mas imposto pela lei
(DINIZ, 2017).

Segundo Paulo Nader (2016) os atos ilícitos são os atos proibidos em lei, direta ou indiretamente. É a
prática de tais atos que gera o direito à indenização por dano moral ou material. Enquanto os negócios
jurídicos lícitos podem gerar direitos e deveres para ambas as partes, os ilícitos criam apenas deveres para
os seus agentes e direitos subjetivos para os prejudicados.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2017) o ato ilícito é o aquele praticado com infração ao dever legal de
não lesar a outrem. É fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É o praticado
com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das
quais resulta dano para outrem.

Esclarece Fábio Ulhoa Coelho (2016) que o ato ilícito é aquele que a norma jurídica descreve como
pressuposto de uma sanção; esta pode ser civil (indenização de danos), penal (perda da liberdade) ou
administrativa (multa).

Na perspectiva de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2018) trata-se da violação de uma obrigação
preexistente imposta ao agente. É, enfim, a transgressão a um dever jurídico imposto a alguém.

Conforme doutrina majoritária, para a configuração do ato ilícito são indispensáveis os seguintes
elementos:

1) Ação ou omissão – Para a caracterização do ato ilícito, é necessário que haja uma ação ou omissão
voluntária, que viole um direito subjetivo, causando dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (CC,
art. 186, 2ª parte). Tanto uma quanto outra são meios hábeis para a prática de atos ilícitos, que podem ser,
então, comissivos (positivos) ou omissivos (negativos). Na primeira espécie o agente pratica uma ação
proibida, violando o direito de alguém. O motorista que, sem a devida atenção, abalroa o veículo de
outrem, causando-lhe prejuízos, pratica ato ilícito comissivo. Na forma omissiva o agente, por culpa ou
dolo, deixa de agir em favor de alguém que, em decorrência, sofre danos. O médico que, podendo, deixa
negligentemente de atender a um paciente que, em consequência , tem a sua perna amputada. O exemplo
é de ato ilícito omissivo (NADER, 2016).

2) Culpa ou dolo do agente – Não basta que a conduta do agente, comissiva ou omissiva provoque dano a
outrem para a configuração do ilícito civil. Tal comportamento há de ter sido praticado por determinação,
negligência ou imprudência, a qual compreende a imperícia (NADER, 2016). Ao se referir à ação e
omissão voluntária , o art. 186 do CC cogitou o dolo. Em seguida, referiu-se à culpa em sentido estrito,
ao mencionar a “negligência ou imprudência”. Dolo é a violação deliberada, intencional, do dever
jurídico. Consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa na falta de diligência. A
culpa, com efeito, consiste na falta de diligência que se exige do homem médio. Para que a vítima
obtenha a reparação do dano, exige, o referido dispositivo legal, que prove o dolo ou culpa stricto sensu
do agente (imprudência, negligência ou imperícia) (GONÇALVES, 2017).

Paulo Nader (2016) destaca que, muito embora do ponto de vista ético e criminal haja níveis de gravidade
entre as formas dolosa e culposa, para a caracterização do ato ilícito elas não se distinguem. Conforme a
doutrina anota, negligência é a falta de diligência e a sua ocorrência é mais comum em ilícito omissivo.
Ex: A enfermeira obrigada a ministrar um medicamento a determinada hora e, em lugar de atender o
paciente, permanece na sala de estar, conversando com os colegas ou vendo televisão, causando, com a
sua inércia, dano irreparável à saúde do paciente, pratica ato ilícito por negligência. A imprudência
caracteriza-se por uma conduta afoita do agente, em razão da qual provoca danos à vítima. Ex: alguém
que, dirigindo com excesso de velocidade, provoca acidente e, em conseqüência, danos materiais e
morais, comete ato ilícito comissivo por imprudência. Imperícia é a falta de aptidão técnica; é a
incapacidade de fazer. Ex: Seria a hipótese do médico não especialista e que se aventurando a uma
cirurgia plástica provoca deformações. Foi imprudente ao iniciar o ato cirúrgico e imperito ao pratica-lo
(NADER, 2016)

3) Ocorrência de um dano – Para que haja pagamento da indenização pleiteada, além da prova da culpa
ou do dolo do agente, é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral (DINIZ,
2017) . Assim, mesmo que haja violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa e até mesmo
dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado
prejuízo. A inexistência de dano torna sem objeto a pretensão à sua reparação (GONÇALVES, 2017).

4)Nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente – Sem ele não existe a obrigação de
indenizar. Se houve dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste
a relação de causalidade e, também, a obrigação de indenizar. Tão essencial quanto os demais requisitos é
a relação necessária entre a conduta do agente, ao agir ou omitir-se, e o dano sofrido pela vítima. Às
vezes o nexo é de fácil constatação, como o existente em dano por atropelamento, estando o motorista
embriagado e na contramão. Muitas vezes o nexo requer provas especializadas para a sua apuração, como
pode ocorrer com o paciente que vem a falecer em mesa de cirurgia e seus familiares, inconformados,
interpretam o fato como decorrente de culpa do cirurgião. No caso concreto, não basta que tenha ocorrido
a ação médica e o evento morte, indispensável saber ainda se esta foi decorrência daquela e se o
profissional agiu culposa ou dolosamente (NADER, 2016).

2. Responsabilidade contratual e extracontratual

Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever contratual).
Ex: um ator que não comparece para dar o espetáculo contratado; o comodatário que não devolve a coisa
que lhe foi emprestada porque, por sua culpa, ela pereceu. O inadimplemento contratual acarreta a
responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389 do CC. Quando a
responsabilidade não deriva do contrato, mas de infração ao dever de conduta (dever legal) imposto
genericamente no art. 927 do CC, diz que ela é extracontratual ou aquiliana (GONÇALVES, 2017)

Esclarece Carlos Roberto Gonçalves que, embora a consequência da infração ao dever legal e ao dever
contratual seja a mesma (obrigação de ressarcir o prejuízo causado), o CC distinguiu as duas espécies de
responsabilidade, acolhendo a teoria dualista e afastando a unitária, disciplinando a extracontratual nos
arts. 186 e 187, sob o título de “Dos atos ilícitos”, complementando a regulamentação nos arts. 927 e
seguintes, e a contratual, como consequências da inexecução das obrigações.
Didaticamente aponta o jurista as diferenças existentes entre a responsabilidade contratual e
extracontratual (GONÇALVES, 2017):

a) Contratual – o inadimplemento presume-se culposo. O credor lesado encontra-se em posição mais


favorável, pois só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida, sendo presumida a
culpa do inadimplente; Extracontratual – ao lesado incumbe o ônus de provar culpa ou dolo do
causador do dano.

b) Contratual – tem origem na convenção; Extracontratual – origina-se na inobservância do dever


genérico de não lesar a outrem;

3. Responsabilidade subjetiva e objetiva

Para Carlos Roberto Gonçalves (2017) a teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva,
pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há
responsabilidade. Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A
prova da culpa (em sentido lato) passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. A lei impõe,
entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa.
Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se
satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva ou do risco, tem como
postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de
causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de
culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano (GONÇALVES, 2017).

4. Atos lesivos que não são ilícitos

Maria Helena Diniz (2017) esclarece que há casos excepcionais que não constituem atos ilícitos, apesar
de causarem lesões aos direitos de outrem. Há o dano, a relação de causalidade entre a ação do agente e o
prejuízo causado a direito alheio. Mas o procedimento lesivo do agente, por motivo legítimo estabelecido
em lei, não acarreta o dever de indenizar, pois a própria norma jurídica lhe retira a qualificação de ilícito
(DINIZ, 2017). Assim, pelo CC (art. 188, I e II) não são atos ilícitos: a legítima defesa, o exercício
regular de um direito e o estado de necessidade.

Nesse aspecto, Paulo Nader (2016) explicita didaticamente as excludentes de ilicitudes previstas no art.
188, incisos I e II do Código Civil:

a) Legítima defesa – Tal excludente de ilicitude corresponde a uma lei natural que governa a reação
dos seres vivos. O permissivo legal se apoia em postulados éticos, uma vez que ação justificada é
de defesa e não de agressão. Tanto a Moral quanto o Direito não estimulam a covardia, nem ações
heróicas, mas se guiam segundo os valores do justo, o qual autoriza a reação diante de injustas
agressões. Tal princípio é comum ao Direito Civil e ao Penal, além de universalmente aceito por
um imperativo de razão. Com ele não se consagra o princípio da justiça pelas próprias mãos. A
via natural para dirimir litígios e exercer a tutela de quem está com seus direitos ameaçados é a
judicial. Nem sempre, porém, as condições permitem que se recorram à justiça sob pena de
ineficácia do remédio judicial. A lei permite, nos casos de urgência, que a própria pessoa defenda
os seus direitos. A atitude legalmente permitida é a que se limita ao uso da força para repelir a
agressão. Desde que esta tenha cessado, a reação deverá estancar-se. Se esta tem motivos para
admitir que a agressão não cessou os seus atos continuam sendo legítimos, desde que moderados
e pelos meios próprios. Se a agressão é puramente braçal e o agredido é mais forte do que o
agressor, bastar-lhe-á usar de iguais meios para neutralizar o ataque. A agressão que autoriza atos
de legítima defesa é a injusta, não provocada por quem vai reagir. Além disto, a agressão injusta
há de ser atual e iminente. Se a investida já foi contida o agressor se mostra impotente para
continuar a ação, qualquer nova ação da vítima já não terá o respaldo da lei. Se o fato se deu há
dois dias e se perpetra a reação para hoje, o ato será ilícito. Não será necessário que a agressão se
tenha consumado, basta que seja iminente, preste a desencadear (NADER, 2016).

b) Exercício regular de um direito - Os direitos subjetivos existem para ser exercitados. O seu uso
regular se acha sob a proteção legal e o seu titular não poderá ser responsabilizado por quaisquer
danos causados nestas circunstâncias. Ex: João, na condição de locador, ajuíza ação de despejo,
na forma da lei, contra José, o qual, por força de sentença judicial, é despejado, vindo a sofrer
danos morais e abalo em seus créditos. In casu não se terá ato ilícito. O locador simplesmente
exercitou o seu direito dentro dos limites legais. Em igual situação se encontra quem age no
estrito cumprimento do dever legal, pois uma conduta não pode ser, ao mesmo tempo, obrigatória
e proibida (NADER, 2016).

c) Estado de necessidade – Dá-se quando alguém, a fim de remover perigo iminente, causa dano a
bem material ou lesão à pessoa. Assim, consiste na ofensa do direito alheio, na deterioração ou
destruição de coisa pertencente a outrem para remover perigo iminente, quando as circunstâncias
o tornarem absolutamente necessário e quando não exceder os limites do indispensável para a
remoção do perigo (NADER, 2016).

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