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CASO PRÁTICO RESOLVIDO

Introdução ao Direito das Empresas – Ano letivo 2021.2022

Parte II (Relação jurídica)

Adalberto nasceu no dia 1/10/2001 e ingressou na Universidade de Aveiro como


estudante, no presente ano letivo.

No dia 1/09/2019, Adalberto e o “Banco Sólido, SA” celebraram um negócio


nos termos do qual o segundo emprestava ao primeiro a quantia de 100.000,00€ em
dinheiro, para comprar um apartamento em Aveiro, obrigando-se a restituir essa
quantia no prazo de 40 anos e a pagar juros sobre a quantia emprestada à taxa de 2%
ao ano.

1 Adalberto e o Banco Sólido, SA” estabeleceram entre si uma relação


jurídica? Justifique a sua resposta e faça a análise da estrutura desta relação.

2 Enuncie os elementos da relação jurídica e identifique-os neste caso


concreto.

3 Qualifique o negócio jurídico e classifique-o segundo os seguintes critérios:


negócios unilaterais/contratos, negócios onerosos/gratuitos e negócios
formais/consensuais.

4 Identifique, justificando bem a sua posição, o vício existente no negócio


celebrado que determina a sua invalidade, e refira-se especificamente ao seu regime e
às suas consequências legais.

Sugestão de resposta:

1. Através do negócio jurídico celebrado entre Adalberto e o Banco Sólido, S.A.,


as partes constituíram um direito subjetivo titulado pelo Banco Sólido, S.A., que, neste
caso, consiste no poder de exigir de Adalberto a restituição de € 100.000,00 em 40 anos,
acrescidos de juros. Correspondentemente, constitui-se um dever jurídico de Adalberto
realizar a referida prestação. Em face deste efeito jurídico do negócio celebrado,
podemos concluir que existe uma relação jurídica entre as partes, pois esta pode definir-
se como uma relação da vida social disciplinada pelo direito com a atribuição de um
direito subjetivo a um dos sujeitos intervenientes. Quanto à estrutura, trata-se de uma
relação jurídica simples, por existirem apenas dois sujeitos e um direito atribuído apenas
a uma das partes. Este direito subjetivo é um direito subjetivo em sentido estrito, pois, a
satisfação do interesse do titular ativo pressupõe a colaboração do sujeito passivo
mediante a realização de um determinado comportamento (neste caso, pagamento dos €
100.000,00, acrescidos de juros).

2. Tendo-se concluído que foi estabelecida uma relação jurídica entre as partes,
importa agora analisar os seus elementos. A relação jurídica compõe-se de quatro
elementos: sujeitos, objeto, facto jurídico e garantia.

Os sujeitos são os titulares de direitos subjetivos e obrigações em sentido amplo,


sendo necessário que tenham personalidade jurídica. Nesta relação, os sujeitos são
Adalberto (pessoa singular) e o Banco Sólido, S.A. (pessoa coletiva).

O objeto é aquilo sobre que incidem os poderes do titular ativo. Neste caso, o
Banco Sólido, S.A. tem o poder de exigir de Adalberto uma prestação – isto é, um
comportamento – de entrega de determinada quantia em dinheiro. O objeto imediato
desta relação jurídica é então uma prestação. Pode ainda referir-se a quantia em dinheiro
de € 100.000,00 acrescida de juros como objeto mediato.

O facto jurídico da relação jurídica é o acontecimento que a constitui,


eventualmente acrescido dos factos que a modificam e extinguem posteriormente. Neste
caso, temos conhecimento do facto jurídico constitutivo, que é o negócio jurídico
celebrado entre Adalberto e Banco Sólido, S.A., o qual na resposta seguinte melhor se
analisará.

Por fim, a garantia consiste nos meios que a ordem jurídica coloca à disposição
do titular ativo para satisfação do seu interesse. Uma vez que estamos perante uma
relação jurídica obrigacional, esta goza da garantia geral das obrigações (arts. 601.º e
817.º do Código Civil), que consiste na possibilidade de penhora, apreensão e venda
judicial dos bens do devedor para satisfação do interesse do credor. No enunciado do
caso prático, não é fornecida qualquer indicação de que exista garantia especial nesta
relação jurídica, embora seja frequente que os contratos de mútuo para aquisição de
imóveis sejam acompanhados de constituição de hipoteca.
3. O negócio jurídico celebrado é um contrato, porque integra duas declarações
de vontade (a de Adalberto e a do Banco Sólido, S.A.) com conteúdo oposto (um
obriga-se a restituir o dinheiro emprestado, com juros; o outro emprestou o dinheiro e
fica com o poder de receber a sua restituição), mas convergente, produzindo um
resultado jurídico unitário (ambas as declarações convergem no efeito de atribuir ao
Banco Sólido, S.A. um poder de exigir a restituição do dinheiro, com juros).

O contrato celebrado pode ser qualificado como um contrato de mútuo, tal como
definido no art. 1142.º do Código Civil.

Trata-se de um negócio jurídico oneroso, porque o empréstimo de capital é


remunerado mediante o pagamento de juros (art. 1145.º do Código Civil).

É um negócio jurídico formal, porque o art. 1143.º do Código Civil impõe a


observância de forma especial para a conclusão do mesmo. Neste caso, uma vez que se
trata de um mútuo de valor superior a € 25.000,00, deverá ter sido celebrado por
escritura pública ou documento particular autenticado.

4. O vício que determina a invalidade deste contrato decorre da menoridade de


Adalberto. Com efeito, tendo nascido em 01.10.2001, Adalberto ainda não tinha
completado 18 anos de idade quando celebrou o contrato, em 01.09.2019.

Nos termos do art. 122.º do Código Civil, é menor quem ainda não tiver
completado 18 anos de idade.

A menoridade tem como consequência a incapacidade de exercício do menor


(art. 123.º do Código Civil). Neste caso, não existe indicação de que Adalberto já
estivesse casado e, consequentemente, emancipado.

Ora, a incapacidade de exercício significa que Adalberto pode ser titular de


direitos e obrigações, mas não os pode exercer nem assumir, nomeadamente celebrando
contratos, por si próprio. A incapacidade de exercício dos menores é suprida pelo poder
paternal ou pela tutela (art. 124.º do Código Civil), mas não existe qualquer indicação
no enunciado de que Adalberto estivesse representado pelos seus progenitores nem
tutor.
Também não se verifica qualquer das exceções à incapacidade previstas no art.
127.º do Código Civil.

Assim, o contrato celebrado é anulável (art. 125.º do Código Civil), isto é, pode
produzir efeitos se e enquanto não for anulado; mas, caso venha a ser anulado, essa
anulação tem efeitos retroativos, repondo-se a situação que existiria se o negócio nunca
tivesse sido celebrado.

A anulação do negócio pode ser requerida pelos progenitores ou tutor de


Adalberto, até à data em que ele atingir a maioridade, ou seja, 01.10.2019 (art. 125.º, al.
a), do Código Civil). Caso isso não acontece, poderá depois o próprio Adalberto
requerer a anulação deste negócio, no prazo de um ano a contar da sua maioridade, ou
seja, até 01.10.2020 (art. 125.º, al. b), do Código Civil). Se Adalberto viesse a falecer no
decurso deste prazo, poderia tal requerimento ser feito pelos seus herdeiros, no prazo de
um ano a contar da sua morte, mas nunca após 01.10.2020 (art. 125.º, al. c), do Código
Civil).

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